Capacitar a magistratura, criar varas especializadas e concentrar os processos com quem estiver preparado para lidar especificamente com a questão: essas foram algumas propostas apresentadas durante o primeiro dia do Encontro Nacional do Fórum Nacional do Poder Judiciário para o Combate ao Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (Fontet) ocorrido nessa quinta-feira (5/9), em Brasília. Promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o evento trouxe debates sobre as perspectivas atuais e a interrelação entre o trabalho análogo à escravidão e o tráfico de pessoas. As sugestões para o enfrentamento ainda serão discutidas e consolidadas no último dia do encontro, nesta sexta-feira (6/9).
Também esteve na pauta de debates a integração de políticas públicas, inclusive para fortalecer as ações que envolvam moradia e reforma agrária, fatores considerados motivadores para que as pessoas sejam aliciadas e escravizadas. Um dos destaques é reforçar o trabalho em rede e promover articulações interinstitucionais para dar acesso à cidadania – como providenciar emissão de documentos e fazer a inscrição no CadÚnico – imediatamente após o resgate, já que a busca ativa dessas pessoas depois é praticamente impossível.
Trâmite processual
A lentidão para a conclusão de processos referentes à temática foi um dos pontos de atenção destacados pelos participantes dos painéis realizados nessa quinta-feira (5/9). De acordo com uma pesquisa da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o tempo de tramitação das ações sobre tráfico de pessoas ultrapassam 10 anos de duração. No entanto, apenas 4,2% dos processos resultam em condenação, das quais, a maioria não ultrapassa quatro anos.
O conselheiro do CNJ, Guilherme Feliciano, destacou que o número de autuações envolvendo o trabalho análogo à escravidão vai além do número de condenações criminais transitadas em julgados, pois escravidão moderna não é reconhecida. “Precisamos verificar o que é discurso e o que é realidade, o que é consciência e o que está enraizado em nossa cultura escravista de séculos”, disse. Para os especialistas, é preciso repensar a gestão da Justiça para que as vítimas tenham uma resposta mais rápida do Poder Público.
Trabalho em rede
O presidente do Fontet e desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª Região (TRT-1), conselheiro Alexandre Teixeira, afirmou que todos os envolvidos “trabalham em rede para o bem”. Durante o painel “A interrelação entre o tráfico de pessoas e o trabalho escravo”, Teixeira lembrou que as propostas de enfrentamento são fruto do diálogo entre os vários segmentos do sistema de Justiça. “É importante pensar as estratégias para atuarmos em conjunto, cada um em sua especificidade”. Os participantes do painel afirmaram que é preciso se afastar da ideia comum de que escravo é somente o que está acorrentado e preso, sob ameaça de armas.
O ideal, como debateram, é que as legislações internacional e nacional sejam mais difundidas, uma vez que convergem para a defesa dos trabalhadores. As normas vigentes evitam que as pessoas não sejam “coisificadas”, mas obtenham apoio da rede de proteção, incluindo o Judiciário.
As recomendações internacionais, por sua vez, determinam que o combate ao trabalho escravo moderno é obrigação de todos os países. Isso inclui a observação das cadeias globais de fornecimento, tanto para contratações, quanto para compra de produtos. Também é de responsabilidade governamental a sensibilização da sociedade não apenas sobre escravidão, mas também sobre o tráfico de pessoas para quaisquer fins, como remoção de órgãos, criminalidade ou casamento forçado, por exemplo.
Participaram dos debates o juiz do tribunal Regional Federal da 6.ª Região (TRF-6) e Coordenador da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas, Carlos Haddad; os juízes auxiliares da Presidência do CNJ, Fabiane Pieruccini e Jônatas Andrade; a presidente da Anamatra Luciana Paula Conforti; o auditor fiscal do Trabalho André Esposito Roston; e a representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Alline Pedra Jorge.
Texto: Lenir Camimura
Edição: Beatriz Borges
Agência CNJ de Notícias