Ações de ONG focam na redução da violação de direitos no Complexo da Maré

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Foto: Douglas Lopes / ONG Redes da Maré
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Em fevereiro de 2015, Vítor Santiago, 29 anos, voltava de um jogo de futebol quando teve seu carro alvejado por seis tiros de fuzil em uma ação militar no Complexo da Maré (Rio de Janeiro). Ficou paraplégico e teve sua perna amputada. Foram 98 dias internado no hospital, em coma.  Sua mãe, Irone Santiago, conta que a tragédia mudou completamente a vida da família e que, no começo, só havia espaço para tristeza, raiva e revolta. Com o tempo, a mãe de Vítor conheceu a ONG Redes da Maré, e passou a trabalhar com a conscientização, de porta em porta, dos moradores do maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro, no projeto Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça.

Formado por 16 favelas, o Complexo da Maré possui cerca de 140 mil habitantes. Quem já foi ao Rio de Janeiro e chegou à cidade pelo Aeroporto Internacional do Galeão já passou em frente à comunidade mais populosa do Rio, maior que 90% dos municípios brasileiros, segundo o IBGE, e que fica entre duas das mais importantes rodovias do Rio de Janeiro – a Avenida Brasil e a Linha Amarela. Foi lá que nasceu o projeto vencedor da 17ª edição do Prêmio Innovare (2020), na categoria Destaque, com o tema na Defesa da Liberdade.

O prêmio destaca práticas que contribuem para aprimorar o acesso à Justiça brasileira e conta com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outras entidades civis e governamentais.

Favela, violência armada e direitos

Conscientização sobre direitos, desenvolvimento de pesquisas, coleta de informação e criação de um banco de dados sobre cada conflito armado são algumas das frentes de trabalho do Eixo Direito à Segurança da ONG. O Eixo também conta com atendimento psicossocial e jurídico gratuito, tendo como parceiros a Defensoria Pública do Rio de Janeiro e o Ministério Público fluminense. Estima-se que já tenham sido atendidos mais de 3 mil casos desde 2009, quando a ação começou. Durante a pandemia, os atendimentos jurídicos tornaram-se online, mas, em tempos normais, os atendimentos são presenciais, nas dependências da ONG.

Mesmo possuindo números equivalentes aos de uma cidade de médio porte brasileira, o maior conjunto de favelas da cidade sofre com a falta da presença de órgãos do Estado – como delegacias, postos de saúde, hospitais, Ministério Público e Defensoria Pública. Em seu território, loteado por dois grupos armados – Comando Vermelho e Terceiro Comando –, os moradores não contam com nenhuma unidade ou órgão do Sistema de Segurança dentro da comunidade. O que não significa falta de ações armadas.

Em 2019, segundo relatório da ONG Redes da Maré, as comunidades tiveram mais de 300 horas de operações policiais, o que representou uma operação a cada 9 dias. “Meu sonho é, um dia, o Estado ocupar a Maré com serviços que qualquer cidade de médio porte possui, como hospitais, delegacias, defensorias e ministério público. Meu sonho é a polícia estar aqui nos enxergando como cidadão, não como inimigo. Essa é a ocupação que queremos e a única que pode dar jeito nesse estado de coisas”, afirmou a coordenadora do Eixo, Lidiane Malanquini, que está à frente do trabalho desde 2015.

Ação coletiva das favelas 

A ONG possui sete projetos articulados na área de segurança. O trabalho com essa temática nasceu da necessidade da comunidade de lidar com a incômoda frequência de desrespeito e letalidade em abordagens policiais e ações armadas na comunidade.

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Uma das mais importantes medidas tomadas pela ONG Redes da Maré, em parceria com outros apoiadores e entidades, foi a Ação Civil Pública coletiva que resultou no processo de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 635). A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) foi pela interrupção das operações policias nas comunidades do Rio enquanto durasse a pandemia do Covid-19, exceto em circunstâncias “absolutamente excepcionais”.

“Por meio da Justiça, cobramos do Estado uma redução de danos à população civil nas operações policiais. A verdade é que, sob alegação de uma política de segurança pública, a polícia do Rio entra nas favelas como se estivesse em guerra. Posto de saúde fecha, escola não funciona. São ações violentas, que atingem muita gente inocente e não resultam em mais segurança. Como as armas entram aqui? Não existe plantação de arma na favela e o armamento das organizações criminosas só foi aumentando”, diz Lidiane.

Ambulância e câmeras 

O medo é uma constante para os moradores da região, que afirmam passar por muitas violências praticadas durante as ações policiais em favelas, como invasão de domicílio, ameaças, tortura e morte. Entre as mudanças no protocolo das ações policiais pleiteadas pelas entidades na ação coletiva estão que elas não ocorram em horário escolar e que contem com acompanhamento de uma ambulância. Também tem sido pedido que a polícia não entre na comunidade nos chamados caveirões (helicópteros ou tanques blindados, onde apenas as armas ficam de fora), que as viaturas tenham câmeras e que as entradas nas casas sejam filmadas.

“A polícia já chega atirando. Não sou contra eles, sou contra abuso. O policial entra na casa sem mandato, mete o pé na porta, aponta arma pro seu filho, dá tapa na cara do pai de família, rouba dinheiro solto na mesa. Por que temos que aceitar isso? Também pagamos imposto, trabalhamos. Por que não podemos ser tratados com respeito? Todo morador precisa saber dos seus direitos, pra ele não aceitar menos que o respeito”, diz Irone Santiago, mãe de Vítor, que ainda hoje luta na Justiça para receber uma pensão de um salário mínimo. “A sentença saiu em 2015, mas o Estado sempre recorre”, conta.

Direitos Humanos 

Contratada pela Redes da Maré, Irone e outras mães e mulheres da Maré colaboram distribuindo cartilha que explica os parâmetros técnicos de uma abordagem policial. Elas perguntam se podem colar na parede da casa um adesivo com a seguinte mensagem: “Conhecemos nossos direitos! Não entre nesta casa sem respeitar a legalidade da ação”.

“Não acho que a polícia vai parar de matar pobre, negro e favelado, mas estamos avançando. Nosso grito chegou ao topo da Justiça; a gente tem feito ecoar. Mas os direitos humanos ainda precisam chegar na favela”, diz. Moradora desde a década de 70 na Maré, ela era criança quando chegou à comunidade.

Na época, as casas da favela eram palafitas, sobre as águas da Baia de Guanabara. Não havia água potável, eletricidade, ou rede de esgoto. A pobreza era imensa. A luta dos primeiros moradores da Maré foi para a conquista dos direitos básicos – água potável, luz elétrica, encanamento de esgoto. Hoje, o direito que buscam é o de ir e vir em segurança, na comunidade que chama de lar. Os moradores da Maré lutam dignamente por uma segurança pública menos letal.

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias