A quarta reunião do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário, realizada nessa terça-feira (1º/6), trouxe na pauta a discussão sobre os crimes de homofobia e transfobia praticados no Brasil. Ativista da causa LGBTQI+, a cantora Daniela Mercury sugeriu que o Sistema de Justiça levante informações em relação a esses crimes para que a sociedade possa tratar do tema de maneira mais efetiva.
Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, somente no ano passado, foram assassinados 175 transexuais; 41% a mais que em 2019. A vítima mais jovem tinha 15 anos. Esses dados foram coletados de notícias de jornais, pois não há informações oficiais sobre esses crimes. “Uso minha palavra e minha voz para fazer chegar essas questões porque há uma carência de um espaço de alto nível para falarmos sobre a discriminação e a violência contra os homoafetivos. Todos devem ter orgulho de sua identidade de gênero e orientação sexual”, afirmou Daniela Mercury.
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Ela também sugeriu, para aprimorar a Justiça nos casos envolvendo violência contra pessoas LGBTQI+, a criação de um questionário inspirado no Formulário Nacional de Avaliação de Risco voltado à violência contra mulher, recentemente instituído como lei federal. A artista elogiou as medidas de prevenção ao feminicídio que vem sendo tomadas pela Justiça e defendeu que sejam pensadas ações com esse mesmo cuidado para a população LGBTI+. “Já tenho até um nome como sugestão: Formulário Rogéria”, disse a cantora, referindo-se a um dos nomes mais importantes e pioneiros na cena artística transformista brasileira.
O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux destacou que, nos últimos anos, o Judiciário se posicionou de modo firme em relação a esse tema e citou como exemplos positivos a permissão da alteração do registro civil de pessoas trans ou não binárias, sem a necessidade de comprovação ou cirurgia de redesignação, o reconhecimento da união homoafetiva, a extensão de direitos de herança e direitos previdenciários aos cônjuges de relações homoafetivas, além da recente criminalização da homofobia e transfobia, decidida em julgamento pelo STF.
Também proposto pela cantora baiana, o debate sobre liberdade de expressão passa a integrar a pauta do Observatório. Fux adiantou que serão realizados encontros virtuais para se debater o tema liberdade de expressão. O primeiro seminário ocorrerá no dia 14 de junho, com transmissão pelo canal do CNJ no YouTube, e terá entre os convidados o cantor Gilberto Gil, a procuradora da República Raquel Dodge, a advogada Cris Olivieri e o produtor e cineasta Luiz Carlos Barreto. “É importante se pronunciar sobre censura, represamento de projetos, a asfixia de recursos financeiros para a arte. Calar artistas é calar o povo”, defendeu Daniela Mercury.
Genocídio
A quarta reunião do Observatório de Direitos Humanos também recebeu um pleito de lideranças armênias, que pediram o reconhecimento do chamado genocídio armênio, ocorrido entre 1915 e 1923, quando foram assassinados mais de 1,5 milhão de cidadãos pelo Império Otomano (atual Turquia). Estima-se que até um milhão de pessoas teriam fugido da região, inclusive para o Brasil, para escapar da morte. Representando a Colônia Armênia do Brasil, o bispo André Kissajikian apresentou o pedido de reconhecimento do genocídio armênio, considerado por historiadores como o primeiro holocausto do século XX.
Atualmente, 30 países já reconhecem o termo genocídio para os assassinatos cometidos, entre eles Canadá, Vaticano, Alemanha, França, Argentina, Russia, entre outros. Em maio, os Estados Unidos também passaram a integrar esse grupo. “Quando o mal não é cortado pela raiz, ele cresce. Assim aconteceu na década de 30. Afinal, Hitler teria cometido o genocídio contra os judeus se, anteriormente, o genocídio cometido contra os armênios tivesse sido reconhecido e rechaçado mundialmente? Peço ao Observatório que interceda para que o Brasil reconheça esse crime e não corramos o risco de repeti-lo jamais”, pediu o bispo Nareg Berberian, da Diocese da Igreja Apostólica Armênia do Brasil.
Populações dizimadas
A questão indígena também foi pauta da reunião, que abordou o descumprimento pela União de decisão judicial em Roraima para que fosse providenciada segurança permanente na terra yanomami. “Ficamos sabendo que ministro Luiz Barroso recebeu do Ministério da Defesa resposta de que o governo não possui verba para agir contra garimpos ilegais nas terras indígenas no Pará e no Amazonas. Cabe ao Estado brasileiro defender essas terras e seu povo”, afirmou a conselheira do CNJ Ivana Farina.
A especialista em questões indigenistas Manuela Carneiro Cunha, membro do Observatório, levantou a importância de o Poder Judiciário estar atento aos diversos crimes que vem sendo cometidos contra essas populações, desde o envenenamento de suas águas, passando pelo garimpo ilegal e a demora da União em cumprir as determinações legais estabelecidas pela Constituição de 88, marco temporal dos direitos do primeiro povo brasileiro.
Novas integrantes
Durante a reunião, participaram pela primeira vez a desembargadora Cristina Tereza Gaulia, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), e a modelo e ativista de direito das mulheres Luiza Brunet. Gaulia, que coordena a Justiça Itinerante no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afirmou que vai trabalhar para que seja criada a obrigatoriedade da Justiça Itinerante em todos os estados.
“Há milhares de brasileiros que ainda são invisíveis. Não tem curso que faça os magistrados entenderem essas realidades. São ribeirinhos, indígenas, quilombolas, prostitutas, população em situação de rua. É preciso conhecer pessoalmente a vulnerabilidade social, esse mar de desigualdades em que vivemos. Esse é o verdadeiro acesso à Justiça”, defendeu.
Já Luiza Brunet ressaltou que trabalhará na defesa da independência das vítimas de violência doméstica. “Cada mulher que vence essa luta é uma luz que ajuda outras pelo caminho. É possível recuperar o controle da sua vida, é possível encontrarmos justiça. Desejo que o Judiciário avance cada vez mais na aplicação da Lei Maria da Penha.”
Coordenado pelo presidente do CNJ, o Observatório tem caráter consultivo e conta com a participação de representantes da sociedade civil e do Judiciário, além de especialistas e conselheiros e conselheiras do CNJ. Criado em 17 de setembro de 2020, o projeto tem por objetivo fornecer subsídios para a adoção de iniciativas que promovam os direitos humanos e fundamentais no âmbito dos serviços judiciários, nos termos do art. 3º da Portaria CNJ nº 190/2020.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias
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