Implementar a política judicial de atenção à população em situação de rua de forma efetiva por meio do atendimento prioritário e sem burocracia dessas pessoas nos tribunais: esse desafio de abrir as portas da Justiça aos mais vulneráveis no contexto atual de aumento da pobreza reuniu, nesta quinta-feira (11/11), magistrados e profissionais do direto em debate organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre medidas práticas para tornar efetiva a Resolução CNJ n. 425/2021 de atenção às pessoas de rua.
Na abertura do webinário “Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e Interseccionalidades” transmitido pelo canal do CNJ no YouTube, a conselheira Flávia Pessoa, coordenadora do grupo de trabalho que trata do assunto, chamou a atenção para a importância dessa iniciativa. “A temática é muito relevante e a cada dia nosso país enfrenta um aumento da situação de pobreza extrema, razão pela qual urge que as instituições públicas e a sociedade civil se movimentem no sentido de assegurar a esse público o mais amplo possível acesso à Justiça”, disse.
As pessoas em situação de rua enfrentam graves problemas que abrangem a falta de moradia, emprego, renda e de acesso a serviços públicos básicos. Em muitos casos, as grandes dificuldades são agravadas por problemas como a ausência de documentação pessoal que as permitiriam acionar a justiça para reivindicar direitos como benefícios assistenciais e previdenciários.
Aprovada em outubro, a Resolução CNJ n. 425 é um avanço ao regulamentar que os tribunais devem viabilizar o atendimento prioritário a essas pessoas e preferencialmente por equipes de atendimento multidisciplinar.
A juíza federal Luciana Ortiz, juntamente com a conselheira Flávia Pessoa, uma coordenadora dessa política no grupo de trabalho criado pelo CNJ, falou sobre a oficina de design sprint realizada para o melhor entendimento das dificuldades dessas pessoas e elaboração de um manual de implementação da Resolução CNJ n. 425/2021 com orientações para a atuação dos tribunais. O objetivo é, segundo ela, “identificar trilhas e caminhos que permitam a construção de pontes institucionais por meio da gestão do serviço público judicial”.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), juiz Luiz Antônio Colussi, reforçou a relevância dessa ação, dizendo que política que estimula a Justiça a abrir as portas aos excluídos atesta a preocupação e o zelo com os direitos humanos.
“O Judiciário está, mais uma vez, saindo de seus gabinetes e foros para se integrar à comunidade. Neste momento de tão grande aflição e preocupação, com a crise aumentando por diversas razões, incluindo a Covid-19, infelizmente tem aumentado, e muito, a quantidade de pessoas que moram na rua. E o Judiciário e o CNJ, especialmente nesta política, tem esta atuação voltada aos direitos humanos.”
A importância da Resolução CNJ n.425/2021 e da implementação efetiva das normas por ela instituída foram citadas, também, pelo presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), juiz Eduardo André Fernandes, e pela juíza do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) Maria Domitila Manssur.
Em uma parceria que agrega esforços, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, colocou a corte superior à disposição do CNJ e dos tribunais para a implementação da nova política. “Em especial neste momento de acirramento dos problemas sociais que acarretam o aumento do contingente populacional desassistido nas ruas do Brasil”, disse o ministro.
Fraternidade
A mobilização para assegurar os direitos da população em situação de rua em meio à ampliação da pobreza impõe a necessidade de articulação afinada e urgência nas ações. Esse quadro de aguda precarização de vida dos mais necessitados foi exposto pelo ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca na palestra que teve por tema a fraternidade enquanto categoria jurídica.
Números apresentados pelo ministro a partir do acompanhamento de organismos internacionais, como o Banco Mundial e de entidades nacionais como o IBGE, mostram que entre agosto do ano passado e março deste ano 17,7 milhões de brasileiros voltaram à situação de pobreza e com o número de desempregados alcançando 14,8 milhões de trabalhadores.
Do total das pessoas na pobreza ou na extrema pobreza, 72,7% são de pretos e pardos, sendo que na extrema pobreza, especificamente, a predominância é de mulheres pretas e pardas, 27 milhões. E em outro dado revelador, o rendimento domiciliar per capita de pretos e pardos é a metade dos recebidos pelos brancos. “Vivemos duas pandemias: uma pandemia de crise sanitária e uma pandemia econômica no sentido do desenvolvimento sustentável”, avaliou o ministro.
Para Reynaldo Soares da Fonseca, o enfrentamento dessa situação passa pelo entendimento da fraternidade como categoria jurídica capaz de refundar e fortalecer os princípios democráticos da igualdade e da liberdade.
E, a partir dessa diretriz, argumenta o ministro, impõe-se a necessidade de políticas públicas de resgate da população de excluídos da sociedade brasileira abrangendo as pessoas em situação de rua e também mulheres, negros, deficientes e presidiários.
“O Judiciário precisa, sim, fazer letra viva neste momento a Resolução 425, uma resolução que é o início da realidade de inclusão de uma parcela da população que há mais de 500 anos está excluída de nosso aparelho estatal”, disse.
Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias
Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube