Sérgio Tejada*
Comemoramos neste ano o segundo centenário da Justiça Brasileira e, por mais paradoxal que possa parecer, vamos deixá-lo marcado como sinônimo de rompimento com o passado e de início de nova fase de eficiência, de transparência e de modernidade.
À época do Brasil colonial, o conceito de Justiça não era muito diferente do da Idade Média, quando era exercida pelos senhores feudais, muito mais em favor dos réus do que dos demandantes. Ainda depois de a função da Justiça ter sido delegada a corpos funcionais especialmente treinados, conservava um aspecto sobre-humano e quase inatingível, expresso, por exemplo, na proibição de visitar, casar, tomar afilhados e até de divulgar as razões de suas decisões, que não precisavam ser explicadas a ninguém.
Nestes 200 anos, a Justiça Brasileira evoluiu muito. Temos, hoje, uma Justiça incomparavelmente melhor, mais acessível e democrática. As decisões judiciais são fundamentadas e os julgamentos são públicos.
Entretanto, com todos os avanços, ainda não conseguimos nos desvencilhar das amarras da burocracia medieval do processo, indutora da morosidade da prestação jurisdicional.
Se a garantia de uma Justiça justa levou a população brasileira a acreditar no Poder Judiciário, a ponto de confiar-lhe mais de 45 milhões de processos, com um incremento anual de mais de 23 milhões de novos casos, não soubemos, na mesma proporção, renovar e atualizar nossos métodos de trabalho, ainda que tenhamos importantes exemplos em contrário.
Entre eles, a utilização dos meios eletrônicos para a prestação jurisdicional, autorizados pelas leis 11.280/06 e 11.419/06. Essas iniciativas deverão provocar uma revolução na Justiça. Estão agora autorizados o processo totalmente virtual, sem papel, a utilização do Diário Oficial, as citações e intimações por meio eletrônico, a certificação digital, a requisição eletrônica de documentos instrutórios e o cumprimento de sentenças mediante troca de bancos de dados, entre outras inovações. Na verdade, por meio desse conjunto de medidas legislativas, é que está sendo implementada a verdadeira reforma do Poder Judiciário.
Trata-se de uma reforma que começou silenciosamente, sobretudo na Justiça Federal, que, antecipando-se à lei, já tem mais de 80% de seus juizados especiais totalmente virtualizados e onde o processo eletrônico já responde por 60% dos novos casos. Já há, nesses juízos, mais de 2,5 milhões de processos totalmente digitais.
Toda essa experiência demonstrou que o processo eletrônico constitui-se uma das ferramentas mais eficazes de combate à burocracia do processo e à morosidade processual. Em torno de 70%, o tempo de processo é perdido com atos meramente ordinatórios. São certidões, protocolos, juntadas, registros, costuras, carimbos e uma infinidade de procedimentos burocráticos. Pois o processo eletrônico automatiza e realiza esses atos em frações de segundos, quando não os abole integralmente. Assim, o processo se transforma todo ele em tempo nobre, em atividade típica.
Quem ganha com isso é o cidadão, que tem uma prestação jurisdicional mais ágil e transparente, já que os autos podem ser visualizados na internet, em tempo real, de qualquer lugar do mundo. Os operadores do direito igualmente são beneficiados. Eles também passam a ter acesso à Justiça 24 horas por dia e sete dias por semana. Não há mais horário de funcionamento. Não há mais portas fechadas para o jurisdicionado.
A economia para os cofres públicos também impressiona. Em breve, não haverá mais necessidade de prédios imensos e de uma infinidade de armários só para guarda de papéis. Os servidores hoje dedicados a atividades meramente de estiva poderão ser deslocados para outras atividades mais gratificantes.
Só no Supremo Tribunal Federal tramitaram, em 2006, aproximadamente 680 toneladas de papel em recursos extraordinários e em agravos de instrumento. Fossem digitais todos esses processos, teria havido grande economia para os cofres públicos em papéis, energia, combustíveis.
Imagine-se o resultado se considerarmos o Brasil como um todo. Só no ano passado, ingressaram aproximadamente 23 milhões de novas ações no país, nas quais foram utilizadas cerca de 46 mil toneladas de papel. Para produzir essa quantidade, é necessário cortar 690 mil árvores, o que corresponde ao desmatamento de uma área aproximada de 400 hectares e o consumo de 1,5 milhão de metros cúbicos de água, o suficiente para abastecer uma cidade de 27 mil habitantes durante um ano.
(*) Juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná), secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
Artigo publicado em 3 de agosto de 2007