Um dos grandes entusiastas das práticas autocompositivas no Judiciário brasileiro, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marco Aurélio Buzzi participa do Movimento da Conciliação desde a criação do grupo, em 2006, pela então presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Ellen Gracie. Recentemente, presidiu o grupo de trabalho instituído pelo presidente do CNJ, ministro Ricardo Lewandowski, que estabeleceu novos parâmetros curriculares para a formação de conciliadores e mediadores, buscando atender determinações do novo Código de Processo Civil.
Na última entrevista da série que comemora os cinco anos da Resolução CNJ n. 125, que instituiu a política judiciária nacional de solução de conflitos, o ministro do STJ faz uma avaliação da efetividade do ato normativo e as consequências de sua implantação para o Judiciário brasileiro.
O Poder Judiciário brasileiro precisava de uma política nacional de solução de conflitos, quando da instituição da Resolução CNJ n. 125?
O Brasil é um dos países que, proporcionalmente, tem o maior número de processos no mundo. Quase um processo para cada dois habitantes. Temos também, proporcionalmente, o maior tribunal do mundo, que é o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Portanto, com esses dados todos, nós chegamos a uma conclusão de que realmente o índice de litigiosidade, a nossa mentalidade precisa ser modificada. Na época, em 2010, quando foi criada a Resolução CNJ n. 125, uma das grandes preocupações do professor Kazuo Watanabe, que liderava o grupo de juristas e colaboradores que deu ensejo a essa resolução, era montar núcleos e centrais de conciliação que pudessem dar essa alternativa aos jurisdicionados e aos operadores do Direito. Uma alternativa mais rápida, muito mais barata e em que os próprios interessados procurassem construir uma solução para os seus problemas e, com isso, a pacificação social passasse a ser muito mais intensa, pois quando as partes constroem o acordo são elas mesmas que estão elaborando as condições de solução do conflito. Então, quando você faz o acordo, a chance de você resolver o conflito sociológico que existe por trás de toda a lide é muito maior.
E o senhor acha que nesses cinco anos a Resolução cumpriu seu papel?
O processo judicial e a sentença, que são grandes conquistas da sociedade – e ninguém é contra o processo –, por via de regra solucionam a questão processual, e não o conflito que há por trás do processo. Por exemplo, numa ação possessória, a sentença resolve aquele conflito que foi trazido à Justiça, mas não pacifica as pessoas. Eu fui juiz do interior e tive várias demandas em que eu, muito inábil naquela época, dei uma belíssima sentença confirmada por todas instâncias superiores e que foram terríveis, muito inadequadas para o momento no aspecto do conflito sociológico. Mais tarde, eu aprendi que antes de proferir uma sentença dessa, eu deveria chamar as pessoas não só para tentar compor quanto à lide em si, mas também para explicar as possíveis soluções consequentes e que as pessoas teriam que continuar convivendo como vizinhos de modo pacífico e civilizado. Não precisam se transformar em melhores amigos, mas conviver civilizadamente. A Resolução 125 veio muito nesse direcionamento de buscar a solução do conflito e, se nós não conseguirmos essa solução, tentar pacificar os envolvidos dessa relação litigiosa. Na história recente, a Resolução 125, a meu ver, veio como passo número um de mudança de mentalidade. Tanto é que eu creio firmemente que é em razão da Resolução 125 que está vindo a lei 13.140, a lei da mediação, assim como o novo Código de Processo Civil.
O senhor que acompanha as mudanças nos tribunais do país, como avalia essa implementação?
Eu acho que temos dois enfoques a dar. O primeiro é que estamos em uma fase de mudança de mentalidade. Então, há quem esteja mais convicto de que esse é o caminho e há quem não esteja muito entusiasmado. O segundo enfoque é que realmente os números são muito bons. Temos em São Paulo, por exemplo, que é o carro-chefe da economia do país, aproximadamente 175 Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) já instalados. E, em todos os estados, já temos Cejuscs instalados, em alguns mais, outros menos, mas existem em todos. Minha avaliação é muitíssimo positiva. Estamos mudando a mentalidade e essas metas estão se concretizando. Em todo o Brasil, felizmente, estamos com operadores do direito engajados nisso, os juízes, os promotores os advogados e, agora, estamos com duas leis tratando da questão, Lei da mediação e o novo código de processo civil.
O senhor presidiu o Grupo de Trabalho que criou novos parâmetros curriculares na formação de mediadores e conciliadores. Essa unificação também pode ser vista como avanço?
Todas as regiões do Brasil já receberam cursos de conciliação e mediação. Agora, com os novos parâmetros curriculares estabelecidos, fixados pelo Grupo de Trabalho criado pelo ministro Lewandowski exatamente para esse fim, será feita uma formação uniforme em todo o país. A vantagem é que agora há parâmetros para orientar, havendo liberdade para ajustes por parte dos tribunais, desde que obedeçam esses parâmetros básicos. Hoje, temos no Brasil métodos muito diferentes de formação, que chegam a ser divorciados em alguns lugares no país.
No que o Brasil precisa ainda avançar nesse quesito?
Eu creio que a mudança de mentalidade é a principal questão e penso que o caminho está nas universidades. No ano que vem, muito provavelmente, teremos que dar uma atenção especial ao currículo das faculdades de Direito. Porque se antes era uma questão opcional, agora não. Para os alunos de faculdade temos de ensinar Direito e o Direito agora diz que a solução de conflitos é lei. Não se trata só de uma política do CNJ. Será que as faculdades não vão ensinar a nova Lei de Mediação e o novo Código de Processo Civil? Essa fase inicial de mudança de mentalidade, com muita convicção, foi vencida e as novas leis provam essa grande vitória. Em todos os tribunais já existem os Núcleos Permanentes de Solução de Conflitos, também previstos com muito mérito na Resolução CNJ n. 125, que são a cabeça, a gerência dos Cejuscs de cada tribunal. O que precisamos agora é aperfeiçoar o sistema.
Qual o futuro da conciliação no Brasil?
Creio que se ela não é a alternativa, é uma das alternativas. Creio que essas práticas vão cada vez mais se aperfeiçoar, se instalar e ficar conhecidas. Porque é um método simples e barato para as partes e para o Estado em termos de tempo e de custos. Li em uma revista nesta semana uma reportagem muito interessante sobre as empresas que estão ouvindo os consumidores e modificando suas estruturas internas para atender os usuários. É isso. Precisamos ter mais diálogo, troca positiva de impressões, fazer às vezes troca de posições para que um pense com a perspectiva do outro. Dessa forma, teremos cada vez mais não só a solução da lide, mas também do conflito. Teremos a pacificação social que se busca. Nós precisamos chegar lá para reduzir esse número de processos que temos no país.
Andréa Mesquita
Agência CNJ de Notícias