4º Fonape: Rosa Weber abre reflexões sobre alternativas penais na aplicação de leis sobre drogas

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Ministra Rosa Weber discursa na abertura do 4º Fonape, na sede do CNJ em Brasília-DF. Foto: Rômulo Serpa/Ag. CNJ.
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Em alusão aos indicadores que colocam o Brasil em terceiro lugar no mundo, em termos absolutos, de pessoas encarceradas, a presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, destacou nesta quarta-feira (13/9) que as evidências reforçam a necessidade de reflexão sobre o funcionamento do sistema de justiça criminal do Brasil e sobre a aplicação das legislações sobre drogas. O discurso foi feito aos participantes da quarta edição do Fórum Nacional de Alternativas Penais (Fonape), com o tema “Alternativas Penais e Políticas sobre Drogas: Caminhos para Novos Paradigmas no Brasil”.

Entre as estatísticas apresentadas pela ministra, está a de que existem 644.305 mil pessoas presas no Brasil, segundo levantamento realizado em junho de 2023 pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Dessas, 61,68% são pessoas pretas e pardas e 28,15%, pessoas brancas. “Importante mencionar que os presos provisórios correspondem a 27,96% daquela população e os crimes da lei de drogas (tráfico de drogas, associação para o tráfico e tráfico internacional) representaram 30,03% das incidências, entre os quais mais de 130 mil homens e mais de 13 mil mulheres estão encarcerados por esses tipos penais”, detalhou.

Essa realidade foi verificada pela ministra em visitas realizadas a presídios em vários estados brasileiros ao longo do último ano, como a Penitenciária Feminina do Distrito Federal, conhecida como Colmeia, na qual constatou a presença de jovens, em sua maioria, negras. “A atuação como presidente do CNJ me possibilitou testemunhar celas superlotadas de jovens negros, muitos deles em razão do crime de tráfico”, declarou. Para ela, essa realidade precisa ser considerada, compreendida e ressignificada pelo Poder Judiciário.

Diante desse desafio, Rosa Weber reforçou a importância do Fonape para complexificar o olhar sobre a política de drogas, buscando superar seu viés meramente repressivo. A ministra citou também a discussão no STF com relação à descriminalização das drogas, destacando que a questão enlaça campos como saúde, economia, justiça, segurança pública, cultura, comunicação, tecnologia, ciência, enfrentamento ao racismo e encarceramento.

Sobre a atuação do CNJ no campo das alternativas penais, Rosa Weber fez menção à Resolução CNJ n. 288/2019, que atualizou a política institucional do Poder Judiciário para a promoção da aplicação dessas alternativas e substituiu a antiga Resolução CNJ n. 101/2009. “O novo normativo destacou a necessidade de que a atuação da magistratura se paute pela substituição da privação de liberdade e prestigie o enfoque restaurativo nas respostas penais”, comentou, acrescentando que o ato normativo instituiu o Fonape como o principal espaço de reflexões e debates sobre as alternativas penais no Brasil.

A ministra Rosa Weber chamou a atenção para o fato de que o crescente número de pessoas privadas de liberdade no Brasil desde os anos 2000 não tem impactado de forma significativa o número de mortes violentas no país, em torno de 1,2 milhão entre 1991 e 2017. “As alternativas penais ainda são subutilizadas, mal compreendidas, e desqualificadas pelo Sistema de Justiça”. Dos 1.403.056 processos de execução de penas em curso listados na plataforma SEEU, 793.221 seriam relativos a penas privativas de liberdade, enquanto somente 303.299 a penas alternativas.

Trabalho conjunto

O 4º Fonape foi organizado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos e a Secretaria Nacional de Políticas Penais, ambas do Ministério da Justiça. Participaram da mesa de abertura o representante residente interino do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) Carlos Arboleda, a secretária nacional de políticas sobre drogas do Ministério da Justiça, Marta Machada, e o secretário nacional de políticas penais do Ministério da Justiça, Rafael Velasco.

“A construção de uma sociedade mais pacífica, justa e inclusiva exige o constante aprimoramento das instituições que se dedicam a proteger os direitos das pessoas. Promover uma justiça central nas pessoas é promover a paz e o desenvolvimento”, afirmou Arboleda. “Neste momento crucial do Brasil e do mundo, é vital reconhecermos a relevância deste nosso encontro e da conexão direta que ele tem com a Agenda 2030”, acrescentou o representante do Pnud, ressaltando a importância do encontro diante do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16, de promoção da paz, da justiça e das instituições eficazes, e parabenizando o CNJ pelo compromisso com o debate.

4º Fonape. Foto: Rômulo Serpa/Ag. CNJ.

A secretária nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça falou sobre a importância do trabalho de aproximação dos vínculos institucionais entre Executivo e Judiciário. “É muito simbólico que estejamos aqui discutindo este tema, discutindo alternativas penais, com esse enfoque, olhando para grupos vulnerabilizados, olhando para as vulnerabilidades produzidas pelo próprio sistema de justiça criminal”, declarou. Nesse sentido, o secretário nacional de políticas penais do Ministério da Justiça enalteceu iniciativas conjuntas, tais como a criação de um grupo de trabalho para modernização legislativa e a estruturação de um sistema nacional de alternativas penais.

Drogas e direitos humanos

Com mais de 30 anos de atuação como juiz em processos relativos a leis sobre drogas, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) José Henrique Rodrigues Torres apresentou um panorama histórico das normas que regem o comércio e o consumo de drogas no Brasil e no mundo. Ele também avaliou que a criminalização das drogas no Brasil tem sido “inútil, inidônea e ineficaz” e afirmou que o 4º Fonape deve discutir “como dar enfrentamento à questão das drogas sem apelar para o sistema penal e, sobretudo, ao sistema proibicionista e recrudescedor como é o nosso”.

Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) José Henrique Rodrigues Torres. Foto: Ana Araújo/Ag. CNJ.

Ele remontou ao contexto mundial de 1835, com a Guerra do Ópio, que opôs a China e a Grã-Bretanha por causa do comércio e do consumo de ópio, conflito esse motivado essencialmente por questões econômicas. Já no século XX, o tema foi revestido de uma abordagem que incluiu o tratamento punitivo do uso pessoal das drogas, além da visão de combate ao tráfico, tendo o criminoso como um inimigo a ser combatido.

Segundo o magistrado, que também leciona sobre o tema na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), essa visão foi adotada pelo Brasil, que, especialmente a partir de 1940, produziu leis e decretos de criminalização das drogas, incluindo o comércio, a facilitação do consumo, a produção, a relação com políticas de saúde pública e o uso pessoal de drogas, sempre sob a perspectiva da punição, e isso com a prisão.

Sobre essa abordagem, Rodrigues Torres foi enfático ao dizer que ela não resultou “em vitória nessa guerra” e acrescentou que essa visão prejudicou a garantia dos direitos humanos e favoreceu o crescimento da população carcerária, levando inclusive o país a ser chamado a responder junto à Organização das Nações Unidas (ONU).

Nesse contexto, o magistrado destacou o papel do Poder Judiciário para garantir direitos fundamentais e os direitos humanos. Ele citou atos do CNJ nessa seara, como a Recomendação CNJ n. 123/2022, que orienta os órgãos de Justiça no Brasil à observância dos tratados e das convenções internacionais de direitos humanos e ao uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Também reforçou o aspecto ético de privilegiar os direitos humanos no tratamento de questões relativas às drogas. “O Código de Ética da Magistratura prevê a máxima proteção dos direitos humanos. É ético o juiz que garante os direitos humanos”, afirmou. “É preciso rever toda a legislação que temos a partir do olhar das lentes de proteção dos direitos, perguntando qual é a que garante mais a dignidade das pessoas e dos direitos humanos”, completou. O 4º Fonape segue até sexta-feira (15/9).

Texto: Mariana Mainenti
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias

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