3º Caminhos Literários no Socioeducativo encerra celebrando o protagonismo juvenil

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Dezenas de mãos se levantaram para fazer perguntas aos painelistas pelo chat da transmissão - Foto: Ana Araújo/Ag. CNJ
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“Queríamos várias edições do Caminhos Literários ao longo do ano”. A frase de adolescentes do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Formosa, em Goiás, ilustra bem a empolgação e o engajamento das unidades socioeducativas e dos adolescentes durante os dois últimos dias do 3º Caminhos Literários no Socioeducativo, realizados em 16 e 17 de julho. Criado em 2022, o evento é a primeira ação nacional de incentivo à cultura entre jovens em cumprimento de medida socioeducativa e o primeiro evento realizado pelo CNJ com participação ativa de adolescentes em privação de liberdade.
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As ações de acesso à cultura no socioeducativo têm sido trabalhadas pelo CNJ por meio do programa Fazendo Justiça, parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em iniciativas que incluem desde o subsídio técnico à construção de normativas até a organização de eventos nacionais como o Caminhos Literários.
As atividades do terceiro e quarto dias foram restritas às unidades socioeducativas e contaram com intensa participação dos adolescentes, tanto nos painéis – que trouxeram escritores, ilustradores e artistas para conversar diretamente com os jovens –, quanto durante as apresentações organizadas por 27 unidades de todo o Brasil, nas mais variadas manifestações culturais. A terça-feira (16/7) teve coreografias baseadas no festival folclórico de Parintins, leitura poética de livros escritos pelos adolescentes, projetos de artes gráficas, apresentações sobre temas diversos (como bullying, por exemplo), dança, desenho livre, slam de poesia, hip hop, curta-metragens, grafites e até um festival de música.
Na quarta-feira (17/7), as apresentações seguiram marcadas por uma diversidade de expressões culturais e artísticas, com música inéditas e poesias feitas pelos adolescentes, clubes de leitura, apresentações teatrais, de cinema e podcasts, capoeira e, ainda, um mergulho na cultura tapajônica no Pará. A cada apresentação, os adolescentes que acompanhavam em mais de 60 unidades socioeducativas de todo o país vibravam e enviavam parabenizações pelo chat da transmissão, celebrando os colegas.
Quadrinhos e ilustrações ao vivo
O terceiro dia  (16/7) começou com o painel “Histórias em Quadrinhos: O que faz um ilustrador?”. O tema do encontro foi definido a partir dos achados do Censo de Leitura realizado pelo CNJ no ano passado, que apontou o gênero como favorito entre adolescentes em unidades socioeducativas de todo o Brasil.
O escritor baiano Marcos Cajé abriu o painel, falando sobre sua experiência na literatura afrofantástica e sua nova obra “Uzuri, a Guerreira de Ketu”. Primeiro projeto no formato de quadrinhos do escritor, ele descreveu o processo de criação e de pesquisa, destacando a importância de desmistificar estereótipos racistas e promover a literatura preta como uma força de afeto e transformação. “Acreditem na educação, leiam. Literatura salva, literatura cura. Viva a literatura preta!”, disse aos adolescentes.
Em seguida, o character designer Douglas Reverie compartilhou o processo criativo por trás de suas obras e a importância do ofício do ilustrador.  “O segredo não é desenhar bem ou desenhar mal, é nunca parar de desenhar”, pontuou o artista, enquanto mostrava seu ateliê e ilustrava uma obra ao vivo para os adolescentes. O ilustrador e designer gráfico Carlos Gritti apresentou aos adolescentes o passo a passo do processo de criação de uma história em quadrinhos, desde a concepção dos personagens até a arte final. “Todos os nossos sonhos estão ao nosso alcance, principalmente na arte e na escrita. A única coisa que precisamos fazer é encontrar nosso tempo, colocar nossas ideias no papel e seguir em frente”, concluiu o artista.
Dezenas de mãos se levantaram para fazer perguntas aos painelistas pelo chat da transmissão. Os adolescentes perguntavam sobre o início da carreira, o que despertou nos ilustradores a vontade de seguir a profissão, as dificuldades encontradas no dia a dia, elogiavam as artes e pediam oficinas de desenho e acesso aos livros dos artistas. “Os desenhos do Carlos e do Douglas são muito massa, achei inacreditável”, disse um adolescente do CASE Professor Wanderlino Nogueira Neto na Bahia.
Na Unidade de Internação Feminina do Gama, três adolescentes acompanharam a programação. Kaene*, 18, escreve músicas e poesias; Alice*, 16, e Raissa*, 17, desenham. Não à toa, as apresentações sobre HQs, ilustração e história marcaram as três, que interagiram com as palestras e se mostraram encantadas pelas atividades. “Gosto muito do Caminhos Literários porque tem palestra sobre vários assuntos. Acho muito importante quando falam de racismo”, disse Kaene. Já Alice e Raissa se empolgaram com os ilustradores e manifestaram a vonta de participar de uma oficina de desenho. “Quando eu estou com raiva, eu desenho. Quando eu estou alegre, eu desenho. A arte me ajuda a passar por tudo isso”, dividiu Raissa. Para Alice, atividades culturais são importantes para dar uma perspectiva de futuro durante o cumprimento das medidas socioeducativas. “Gosto muito de ler romance e livros que falam sobre a cadeia”, disse a jovem, citando como favorito o livro “O valor de uma lágrima”, de Emerson Franco, que narra sua experiência no sistema carcerário.
A gerente sociopsicopedagógica da unidade, Fabíola Eleutério Cavalcante, gerente sociopsicopedagógica da unidade, conta que é a terceira participação no Caminhos Literários. “As adolescentes adoram e a gente percebe um amadurecimento, tanto delas quanto do evento, que se preocupa em dar espaço de reflexão, voz e expressão. Eu penso que o Caminhos é esse lugar no qual elas podem exercer o direito de se expressarem”, disse.

Visita ao museu

O quarto e último dia de evento teve início com uma visita guiada em vídeo ao Museu Afro Brasil Emanoel Araujo. Em seguida, o músico afrodiaspórico e educador Du Kiddy Artivista destacou a importância do museu como um espaço que resgata e celebra o legado das construções afro-brasileiras e africanas, enfatizando a importância da educação baseada na Lei 10639, que determina o ensino da cultura africana, afro-brasileira e indígena nas escolas. “A arte é uma forma de resistência contra a colonialidade, uma forma de conhecer e reconhecer nossa história e identidade. É importante não separar a arte de nossa vida cotidiana”, apontou o artista.
Na sequência, o gerente artístico da Fundação CASA, Wellington Araújo, enfatizou a importância do acesso à cultura e arte para adolescentes em medidas socioeducativas, celebrando o lançamento da Diretriz Nacional de Fomento à Cultura na Socioeducação durante o primeiro dia do evento. Ele destacou a iniciativa de levar os jovens aos museus como uma forma de ampliar suas experiências culturais e educativas. “A arte e a cultura são fundamentais para uma educação integral, equilibrando razão e emoção. Quando visitamos museus, não apenas absorvemos conhecimento racional, mas também sensibilidade e engajamento”, disse.
Os adolescentes fizeram uma série de perguntas sobre as raízes afrobrasileiras da cultura brasileira, religiões de matriz africana e a respeito da motivação dos palestrantes ao escolher suas carreiras.

Nego Bispo

Homenageado desta edição do evento, o filósofo e poeta Nego Bispo foi também lembrado pelos adolescentes durante as atividades nas unidades socioeducativas. Reconhecido como uma liderança de destaque, Bispo dedicou sua vida à preservação da cultura quilombola. Sua participação na edição de 2023 do Caminhos Literários, dois dias antes de seu falecimento, foi marcada pela presença carismática e pela profundidade de sua mensagem, que ressoou entre os participantes e espectadores.
As adolescentes do Centro Socioeducativo São Jerônimo, em Minas Gerais, homenagearam o intelectual lendo poesias e músicas feitas por elas a partir de discussões a respeito da obra de Bispo. “É um cara com uma história de muita superação que ensinou muito para a gente”, apontou uma das adolescentes. Em Santa Catarina, na unidade da Serra, os adolescentes compuseram e apresentaram uma música sobre a história de vida do intelectual.
Por isso, salve o “Caminhos literários” na socioeducação
Porque também temos direito à cultura e à comunicação.
E o que pode a cultura na socioeducação?
Pode resgatar os nossos sonhos, a nossa dignidade.
Sobretudo a nossa voz, nossa ancestralidade.
Por isso saudamos Nego Bispo, sua poesia e genialidade.
Reveja o primeiro dia de programação do evento
Manhã
Tarde
* Os nomes das adolescentes foram trocados para preservar sua identidade
Texto: Renata Assumpção e Isis Capistrano, com informações de Taina Borges/TJSC
Edição: Nataly Costa
Agência CNJ de Notícias
 

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