3.º Caminhos Literários começa com artistas, ministros e lançamento de Diretriz Nacional

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Adolescentes acompanham palestra do 3º Caminhos Literários - Foto: Ag.CNJ
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“A poesia, a música e a literatura são possivelmente o maior instrumento de transformação social”, afirmou a atriz, poeta e escritora Elisa Lucinda na abertura do 3.º Caminhos Literários no Socioeducativo: pelo Direito à Cultura, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nessa quinta-feira (11/7). O evento acontecerá ainda nos dias 12, 16 e 17 de julho, com atividades exclusivas em mais de 78 unidades socioeducativas de todo o país.

“Certa vez, visitando uma unidade socioeducativa, ouvi de um segurança que aquele era lugar de pessoas feridas. Mas, em outra oportunidade, vi um garoto mudar de atitude e se tornar muito bom em poesia falada depois de apenas três dias de atividades culturais”, contou Elisa Lucinda. Ela lembrou ainda que o garoto reconheceu que estava diferente, como se tivesse “mais argumentos”. “Vemos como a palavra é muito importante. A palavra é chave do acesso à cidadania”, ressaltou.

Jovens do socioeducativo de Juazeiro (CE) acompanharam o evento pela transmissão ao vivo – Foto: Ag. CNJ

O primeiro dia de evento contou com a participação de ministros de Estado, autoridades e diversos artistas, que falaram para centenas de adolescentes e jovens que acompanhavam a transmissão ao vivo diretamente das unidades, com mais de 2.500 visualizações no canal do CNJ no YouTube.

Em vídeo gravado para o evento, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, lembrou que essa edição do Caminhos Literários marca os 34 anos da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), comemorada no próximo dia 13 de julho.

O ministro afirmou ainda que o Estado deve garantir a todos o pleno exercício do direito cultural, acesso às fontes da cultura nacional, apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais. “Em relação ao público adolescente, compreendo que fomentar e garantir o direito à cultura no sistema socioeducativo vai ao encontro dos objetivos da Constituição, fortalecendo práticas cidadãs de adolescentes e ampliando as suas possibilidades de participação social”, disse.

Durante o evento também foi lançada a Diretriz Nacional de Fomento à Cultura na Socioeducação, que contempla sugestões de adolescentes e jovens do sistema que participaram da 1.ª Conferência Livre de Cultura do Socioeducativo, realizada em 2023. Para o conselheiro do CNJ e supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), José Edivaldo Rocha Rotondano, a publicação traz conteúdo inédito para a política socioeducativa. “É resultado de um trabalho baseado em evidências e na consulta aos adolescentes do sistema socioeducativo, que identificaram lacunas urgentes a serem superados e viram caminhos para essa superação”. Também foram divulgadas sete traduções de tratados e normativas internacionais relacionados com o sistema socioeducativo.

O juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no DMF Edinaldo César Santos Junior, por sua vez, destacou a necessidade de se integrarem iniciativas de educação escolar e não escolar, incentivando o uso de espaços públicos e comunitários para cultura, lazer e educação. “Espero que a cultura seja uma força transformadora na mudança da realidade de vida de vocês”, disse, dialogando diretamente com os jovens que acompanhavam o evento.

Também apontando a relevância da Diretriz Nacional, o ministro de Direitos Humanos e Cidadania (MDH) Silvio Almeida destacou que o documento se torna “um marco orientador” para garantir o acesso à cultura entre essa população. “Promover a democratização da cultura no nosso país, principalmente em relação aos jovens do sistema socioeducativo, revela o compromisso do Judiciário na ressocialização dessas pessoas tão importantes para nós.”

A ministra da Cultura Margareth Menezes participou por vídeo e lembrou do período em que trabalhou diretamente com adolescentes do sistema socioeducativo. “Na cultura existe esperança. Eu sei do impacto que a cultura pode ter na vida de um jovem. Eu vivi isso. Nós temos exemplo de diversos artistas que passaram pelo sistema socioeducativo e, por sua dedicação e esforço, conseguiram garantir melhores condições de vida”, afirmou.

Já a ministra de Igualdade Racial Anielle Franco defendeu que todo jovem “tenha acesso a obras que o representem e o inspirem”, disse, afirmando ainda que, com certeza, surgirão muitas ideias inovadoras para melhorar o acesso à cultura no socioeducativo” durante o evento promovido pelo CNJ.

Desde 2019, o tema de acesso à cultura no socioeducativo tem sido trabalhado pelo DMF do CNJ por meio do programa Fazendo Justiça, parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) em ações que incluem desde o subsídio técnico à construção de normativas até a organização de eventos nacionais como o Caminhos Literários.

Para o representante-residente adjunto do Pnud no Brasil, Carlos Arboleda. “O acesso à cultura é assegurado por um robusto arcabouço de normativas internacionais, que considera a cultura como um elemento essencial para o desenvolvimento humano, social e econômico e deve ser garantido a todos e todas. Deve-se ter atenção especial aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, cujas trajetórias de vida culminaram em situações de vulnerabilidade”, reforçou.

Autoridades e especialistas participam da abertura do 3º Caminhos Literários – Foto: Ag. CNJ

Representando Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Deila do Nascimento Martins Cavalcanti reforçou a importância da cultura como ferramenta para a construção de novas trajetórias. “Defendemos a cultura para que crianças e adolescentes tenham de fato acesso a um mundo mais justo e repleto de direitos”, concluiu.

Direito à imaginação

Uma das presenças mais aguardadas do evento, o escritor Jefferson Tenório, que recebeu o prêmio Jabuti em 2021 pelo seu romance O Avesso da Pele, relatou sua infância na periferia e contou como a leitura abriu outras possibilidades de vida. “Quando a gente tem uma vida muito ameaçada pelas privações e pela pobreza, esse direito à imaginação se esvai”, pontuou, dizendo que o acesso à cultura é remédio para assegurar o direito de sonhar. “A literatura não dá respostas, mas ensina a fazer perguntas”.

O livro de Tenório foi retirado de algumas escolas no início desse ano. “Fico preocupado com qualquer história de censura de livro, como foi meu caso e agora mais recente com o livro do Ziraldo. Temos de ficar muito atentos a esses movimentos”. O autor defendeu ainda a escrita como ferramenta para “organizar suas ideias e que pode alterar o seu mundo particular, sua família, sua comunidade, sua cidade e até seu país. A escrita me permitiu intervir no mundo”, afirmou.

Parceiro de Elisa Lucinda no livro infantil “Rê Tinta e a revolução escolar”, o quadrinista, roteirista, escritor e ilustrador Estevão Ribeiro afirmou que “a arte foi vendida como supérfluo, mas ela é essencial, é cesta básica”. O livro resgata algumas experiências e inquietações do tempo em que Elisa Lucinda foi professora, como o formato tradicional e a duração das aulas.

A mesa também teve participação da advogada e escritora maranhense Anita Machado, autora do livro “Maria Firmina dos Reis”, sobre a também escritora maranhense que, no século 19, escrevia acerca da condição das pessoas negras na região, além de ser professora numa escola de educação mista, algo inovador para aquele período.

Cultura como vetor de igualdade

Na segunda metade do evento, o debate racial foi abordado como questão central para a elaboração de políticas socioeducativas. “Espero que este dia seja lembrado como um marco na luta pelo acesso à cultura”, afirmou Malcon Cummin, juiz do Tribunal de Justiça do Paraná e um dos mediadores do evento, destacando que o acesso à cultura deve ser visto como um vetor de igualdade e uma ferramenta para o empoderamento juvenil.

Mayara Silva, coordenadora geral de políticas públicas socioeducativas do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, destacou a importância do planejamento e da valorização da cultura local na formulação de políticas públicas. “Não existe ninguém sem cultura. A nossa cultura negra e da periferia é a que ressoa verdadeiramente no atendimento socioeducativo”, explicou. Ela reforçou que reconhecer e valorizar a diversidade cultural não apenas responde às necessidades específicas das comunidades, mas também fortalece a identidade cultural dos jovens atendidos, promovendo um sentido de pertencimento e resiliência.

Já a assessora de participação social e diversidade do Ministério da Cultura Mariana Braga Teixeira enfatizou que a cultura deve ser uma plataforma de expressão e participação, onde os jovens possam moldar e reivindicar seus espaços culturais e sociais. “É vital pensar a cultura como uma estratégia de inclusão e transformação, garantindo que os jovens do sistema socioeducativo tenham voz ativa em suas trajetórias culturais”, declarou.

MC Nimsai, delegada da 4.ª Conferência Nacional de Cultura e representante do movimento Hip Hop, relatou como se sentiu desafiada pelas discussões. “A cultura é uma ferramenta poderosa. Estamos aqui mediando sonhos”, disse, sublinhando como o hip hop pode ser um meio eficaz para engajar os jovens e fomentar uma transformação social a partir de suas próprias expressões culturais.

Diálogos intersetoriais

Encerrando o dia, a mesa “Acesso à Cultura e Diálogos Intersetoriais”, mediada por Halanna Miranda, juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo, destacou a integração de políticas públicas através da cultura. A sessão explorou projetos intersetoriais, como o “Arte na Saúde”, que une saúde mental e atividades culturais, e programas de leitura em unidades socioeducativas. “Estamos aqui para celebrar o acesso à cultura como um direito fundamental e explorar como diferentes políticas públicas podem convergir através da cultura para fomentar inclusão e cidadania”, destacou Miranda.

Normativas internacionais traduzidas

O evento marcou o lançamento de traduções para português de sete documentos internacionais cruciais sobre os direitos das crianças e o sistema de justiça juvenil:

1. Comentário Geral n. 24 (2019) Relativo aos Direitos do(a) Adolescente no Sistema de Justiça Juvenil
2. Diretrizes de Viena – Resolução n. 1997/30 do Conselho Econômico e Social da ONU
3. Protocolo facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo à Instituição de um Procedimento de Comunicação Resolução aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 19 de dezembro de 2011
4. Estratégias Modelo e Medidas Práticas das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência contra Crianças e Adolescentes no Campo da Prevenção à Prática de Crimes e da Justiça Criminal – Resolução adotada pela Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 2014
5. Diretrizes de Riad – Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Prática de Infrações por Adolescentes
6. Regras de Beijing – Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil
7. Regras de Havana – Regras das Nações Unidas para a Proteção de Adolescentes Privados(as) de Liberdade

As publicações integram a série Tratados Internacionais de Direitos Humanos do CNJ que publica em língua portuguesa importantes normativas e orientações internacionais. No mês passado foram publicados dois protocolos para investigações de casos de tortura, assassinato ou desaparecimentos.

Próximos dias
O evento continua nesta sexta-feira (12/7), com atividades propostas por 63 unidades do socioeducativo de 25 estados brasileiros. Na próxima semana, o evento será concluído nos dias 16 e 17 de julho, com mais duas tardes de programação transmitidas exclusivamente para os e as adolescentes em privação de liberdade: no dia 16, reunindo roteiristas e desenhistas de quadrinhos; e no dia 17, com visita virtual guiada ao Museu Afro Brasil.

Texto: Natasha Cruz e Pedro Malavolta
Edição: Nataly Costa
Agência CNJ de Notícias