PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. RECURSO ADMINISTRATIVO. SOLICITAÇÃO DE EDIÇÃO DE ATO NORMATIVO ACERCA DA CONTAGEM DE PRAZOS EM PROCESSOS ELETRÔNICOS. ALEGAÇÃO DE ANTINOMIA ENTRE AS LEIS 11.419/2006 (LEI DO PROCESSO ELETRÔNICO) E 13.105/2015 (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). MATÉRIA JURISDICIONAL. INCOMPETÊNCIA DO CNJ.

1.  Pedido de edição de Ato Normativo acerca da contagem de prazos em processos eletrônicos, à vista da aparente antinomia existente entre as Leis 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico) e 13.105/2015 (Código de Processo Civil), ao disporem sobre o tema de forma diferente. 

2. Não compete a este Conselho, mas sim ao Superior Tribunal de Justiça, a atribuição constitucional de uniformização da interpretação da lei federal. 

3. Recurso conhecido a que se nega provimento. 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 15 de setembro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcello Terto, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e Mário Goulart Maia. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fernando Bandeira de Mello e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

RELATÓRIO


Trata-se de recurso administrativo, em sede de Pedido de Providências (PP), interposto pela Advocacia Geral da União (AGU) contra decisão monocrática que determinou o arquivamento do feito.

Na petição inicial, a AGU pugna pela edição de ato normativo acerca da contagem de prazos em processos eletrônicos, à vista da aparente antinomia existente entre as Leis 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico) e 13.105/2015 (Código de Processo Civil), ao disporem sobre o tema de forma diferente.

Os autos foram encaminhados pelo eminente Relator, o então Conselheiro André Godinho, ao Gabinete do então Conselheiro Márcio Schiefler, à época Presidente do Comitê Gestor do PJE e da Comissão Permanente de Tecnologia da Informação e Inovação, com sugestão de oitiva da área técnica sobre os termos da inicial.

A Comissão Permanente de Tecnologia da Informação e Inovação deliberou, em reunião realizada no dia 21 de fevereiro de 2019, pelo encaminhamento dos autos à então Conselheira Maria Tereza Uille, para que ofertasse parecer.

No parecer (Id 4281666) sugeriu-se “i) a intimação de todos os Tribunais brasileiros para que informem qual a tese adotada para a contagem dos prazos eletrônicos; ii) a criação de Grupo de Trabalho, conduzido por um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Corte responsável pela interpretação de leis infraconstitucionais, para avaliação e estudo referentes ao tema; iii) que eventual ato normativo a ser editado, tenha efeito prospectivo, sob pena de gerar nulidades.

Submetida a questão novamente à Comissão Permanente de Tecnologia da Informação e Inovação, entendeu-se, em reunião realizada no dia 18/6/2021, conforme se extrai da ata inserida no processo SEI n. 10258/2016 (Id 1120580), que “não caberia à Comissão definir normas atinentes à contagem de prazos processuais, matéria processual, eis que se trata de questão jurisdicional”.

Por essa razão, sem prejuízo da adoção das sugestões apontadas no parecer de Id 4281666, os autos foram restituídos ao Relator.

Em seguida, o feito foi redistribuído à minha relatoria, nos termos do art. 45-A, § 2º, do RICNJ.

Da decisão de Id 5196791, determinei o arquivamento do feito, com remessa de cópias à presidência, por entender que a edição de ato normativo acerca da matéria posta nestes autos exigia a realização de debates e estudos prévios, o que poderia ser mais bem atendido com a criação de Grupo de Trabalho específico, conforme sugerido no parecer de Id 4281666.

Destaquei, na ocasião, que criação de Grupo de Trabalho deveria ser avaliada à luz das políticas judiciárias desenvolvidas pelo Conselho Nacional de Justiça, sob a coordenação da presidência do CNJ, conforme critérios de conveniência e oportunidade.

A União, então, interpôs recurso administrativo sob o Id 5216485, no qual sustenta que não se justifica o arquivamento do feito por inadequação da via eleita, considerada a competência normativa e fiscalizadora do CNJ.

Argumenta que o pedido de providências é instrumento apropriado para suscitar a questão da antinomia na contagem de prazos nos processos eletrônicos, questão essencial à eficácia e ao bom desempenho da atividade judiciária.

Ao final, pugna pela reforma da decisão recorrida, com o consequente prosseguimento do feito até os seus ulteriores termos.

 É o relatório.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0010967-07.2018.2.00.0000
Requerente: ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - AGU
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

VOTO

 

Conheço do recurso administrativo, por ser próprio e tempestivo.

No mérito, não identifico nas razões recursais fundamentos que justifiquem a reforma da decisão recorrida, em especial porque a Exma. Ministra Presidente Rosa Weber, nos autos do processo SEI n. 04762/2022 (Id n. 1507720), já se manifestou pela impossibilidade da criação de Grupo de Trabalho para estudo do tema, destacando que eventual regulamentação da matéria extrapolaria a competência constitucionalmente atribuída ao CNJ.

Por anuir com a referida manifestação, peço licença para reproduzi-la no trecho de interesse:

“(...)

 

A despeito de reconhecer a importância da uniformização do entendimento sobre a forma de contagem dos prazos judiciais nas hipóteses de intimação eletrônica, importa destacar que não compete a este Conselho, mas sim ao Superior Tribunal de Justiça a atribuição constitucional de uniformização da interpretação da lei federal, não bastando que eventual grupo de trabalho criado neste Conselho seja coordenado por um Ministro daquela Corte.

 

Não descuro do disposto, por exemplo, nos arts. 196 e 246 do Código de Processo Civil:

 

Art. 196. Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código.

(...)

Art. 246. A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça.

 

Não obstante, não vislumbro nos dispositivos a competência do CNJ para regulamentar questões atinentes à contagem de prazos, regra que se encontra, por exemplo, no art. 224 do CPC.

 

Assim, afora restritas atribuições de competência ao CNJ na lei processual, voltadas primordialmente a organização e interação de sistemas, ao CNJ compete precipuamente o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, de modo que o pedido da AGU também não se insere em nenhuma das atribuições previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, devendo o interessado valer-se dos meios processuais adequados para a resolução da alegada antinomia aparente de normas.

 

Ante o exposto, sob pena de extrapolação da competência constitucionalmente atribuída a este Conselho, não vislumbro a possibilidade de criação de grupo de trabalho para este fim.”

 

De fato, em uma análise mais aprofundada do tema, alinho-me à compreensão de que a competência para dirimir divergência interpretativa acerca da contagem de prazos em processos eletrônicos recai primariamente sobre o Superior Tribunal de Justiça, de sorte que a intervenção do CNJ nessa matéria seria inapropriada e poderia, de fato, extrapolar suas atribuições constitucionais.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso.

Publique-se. Intime-se. Em seguida, arquivem-se os autos.


Brasília, 2 de agosto de 2023.

 

Conselheira Salise Sanchotene

Relatora