Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PCA 0009298-45.2021.2.00.0000 

Requerente: Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Pernambuco 

Requeridos: Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco e Juízo da Vara Regional da Infância e Juventude da Comarca de Caruaru

Relator: Sidney Pessoa Madruga

 

EMENTA: RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. ADOLESCENTES INTERNADOS EM INSTITUIÇÕES DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO.  NECESSIDADE DE RESGUARDAR INFORMAÇÕES PESSOAIS. ATENDIMENTO À PROTEÇÃO INTEGRAL. LEI N.º 8069/1990.  RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 

1. Recurso em Procedimento de Controle Administrativo em que se questiona decisão monocrática que julgou improcedente o pedido formulado na inicial.

2. O ato questionado que orientou a autoridade policial a solicitar autorização judicial para fornecimento de dados pessoais de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas está em consonância com as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, em atenção às peculiaridades que regem a temática. 

3. Recurso conhecido, mas que se nega provimento. 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 26 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga (Relator), João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PCA 0009298-45.2021.2.00.0000 

Requerente: Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Pernambuco 

Requeridos: Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco e Juízo da Vara Regional da Infância e Juventude da Comarca de Caruaru

 

Relator: Sidney Pessoa Madruga

 

RELATÓRIO 

O CONSELHEIRO SIDNEY PESSOA MADRUGA (Relator): 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo, com pedido liminar, proposto pela Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Pernambuco, contra Ofício n.º 07/2019, expedido pelo Juízo da Vara Regional da Infância e Juventude da Comarca de Caruaru (PE), que orientou a autoridade policial a solicitar autorização judicial para fornecimento de dados pessoais de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas.

Em síntese, alega que o ato questionado inviabiliza a atividade investigativa dos fatos ocorridos no sistema socioeducativo e que não há reserva de jurisdição sobre o tema em questão, razão pela qual entende que houve violação às disposições da Constituição da República Federativa do Brasil.

Pugna, em caráter liminar, pela suspensão dos efeitos do Ofício n.º 07/2019. No mérito, pede a confirmação da medida.

A então Conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim, em 17/12/2020, por decisão monocrática, julgou improcedente o pedido, por considerar que o ato questionado está em consonância com os ditames do Estatuto da Criança e do Adolescente (Id. 4205498).

Inconformada com a decisão retro, a requerente interpôs recurso administrativo. (Id. 4249181).

Tendo em vista a matéria suscitada no feito, a relatora determinou a remessa dos autos para o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), para emissão de parecer (Id. 4278988).

Em razão da vacância do cargo, os autos foram redistribuídos ao gabinete do signatário, a teor do artigo 45-A, § 2º, do RICNJ[1].

O parecer foi juntado pela mencionada unidade no sentido da incompetência do Conselho Nacional de Justiça, para deliberação sobre a matéria e pela improcedência do pedido (Id. 4572257).

O Presidente do TJPE apresentou manifestação pela improcedência do pedido (Id. 4606920).

A autora, por sua vez, reiterou os pedidos formulados na inicial e contestou a alegação de incompetência do CNJ, por considerar que não se trata de ato jurisdicional (Id. 4740215).

É o relatório. 

 



[1] Art. 45-A. § 2º Se o cargo de Conselheiro ficar vago por mais de 90 (noventa) dias, os processos remanescentes serão redistribuídos entre os Conselheiros.


 

Conselho Nacional de Justiça

 

 

 

 

Autos: PCA 0009298-45.2021.2.00.0000 

Requerente: Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Pernambuco 

Requeridos: Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco e Juízo da Vara Regional da Infância e Juventude da Comarca de Caruaru

Relator: Sidney Pessoa Madruga 

 

 

VOTO

O CONSELHEIRO SIDNEY PESSOA MADRUGA (Relator): 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo, com pedido liminar, proposto pela Associação dos Delegados de Polícia do Estado de Pernambuco, contra Ofício n.º 07/2019, expedido pelo Juízo da Vara Regional da Infância e Juventude da Comarca de Caruaru (PE), que orientou a autoridade policial a solicitar autorização judicial para fornecimento de dados pessoais de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas.

Inicialmente, cabe afastar a preliminar de incompetência do Conselho suscitada pelo DMF.

O CNJ, embora seja órgão de controle do Poder Judiciário, possui, apenas atribuições de natureza administrativa e, nesse sentido, não lhe é permitido apreciar a constitucionalidade dos atos administrativos, mas somente sua legalidade.

Assim, no presente caso, deve-se analisar a compatibilidade do ato questionado com as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente.

E, nesse aspecto, verifica-se que a parte recorrente não trouxe qualquer elemento novo ou razão jurídica capaz de alterar o entendimento proferido anteriormente pela Conselheira antecessora, razão pela qual conheço do recurso, porquanto tempestivo, todavia mantenho a decisão monocrática por seus próprios fundamentos, a qual submeto ao egrégio Plenário do CNJ para apreciação: 

 

[...]

O controle de legalidade requerido pela ADEPE na inicial converge para o exame de possíveis irregularidades na orientação do JUÍZO DA VARA REGIONAL DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE CARUARU para a autoridade policial solicitar prévia autorização judicial para acesso a dados de menores recolhidos ao sistema socioeducativo.

A ADEPE sustentou que a exigência contida no Ofício 7/2019 não se coadunaria com os poderes constitucionalmente garantidos às autoridades policiais para apuração de infrações penais e seria contrária ao disposto no §4º do art. 144 da Constituição Federal, in verbis:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

[...]

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

É salutar registrar que não cabe a este Conselho examinar questões relacionadas à extensão dos poderes investigatórios e requisitórios das autoridades policiais para apurar atos infracionais praticados por adolescentes. Tal análise escapa às atribuições desta Corte Administrativa, uma vez que ocorre, eminentemente, em face de princípios constitucionais não vinculados à atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário.

In casu, a tese da requerente está calcada em uma interpretação principiológica do dispositivo constitucional relacionado à atribuição da Policia Civil e sua aplicação na investigação de atos infracionais, tema sobre o qual inexiste notícia nos autos de que o Supremo Tribunal Federal tenha entendimento sufragado.

É imperioso reconhecer que o controle de legalidade na forma pretendida pela ADEPE, em primeiro lugar, demandaria a interpretação do 4º do art. 144 da Constituição Federal em uma dimensão estranha às competências do Conselho Nacional de Justiça. A discussão tencionada pela requerente é complexa e envolve a formulação de um juízo de ponderação de princípios constitucionais atinentes à estrutura e funcionamento de órgãos estatais, razão pela qual deve ser realizada pelo Estado-Juiz.

Com efeito, não é da alçada desta Corte Administrativa deliberar sobre o alcance dos poderes investigatórios e requisitórios da autoridade policial, pois esta matéria tem matriz constitucional e não é diretamente relacionada à organização administrativa do Poder Judiciário. Ainda que a medida seja necessária para balizar o exame de legalidade de um ato administrativo, o protagonismo da interpretação conforme a Constituição Federal é reservado ao Supremo Tribunal Federal e a tarefa deste Conselho é aplicar o entendimento firmado na instância judicial.

No caso em comento, remanesce a necessidade de o Conselho Nacional de Justiça averiguar a compatibilidade do ato impugnado com as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse particular, a pretensão da requerente não merece acolhida.

Conforme acima registrado, a irresignação da ADEPE se dirige à orientação do JUÍZO DA VARA REGIONAL DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE CARUARU para que os requerimentos de acesso aos dados de menores recolhidos ao sistema socioeducativo sejam direcionados à autoridade judiciária e não às instituições de internação.

Sob o prisma da legalidade, verifica-se que as recomendações contidas no Ofício 7/2019 têm arrimo nas disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, sobretudo nos arts. 1º, 6º, 17 e no caput do art. 143.

É assente na doutrina e na jurisprudência que a proteção integral ao menor positivada no art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente é ampla e o Poder Judiciário, em especial o Juízo da Infância e da Juventude, não pode se eximir da tarefa de velar pela concretização deste postulado.

Desse modo, os magistrados da Vara da Infância e da Juventude, dentro da área de competência daquele Juízo, podem adotar medidas específicas para resguardar interesses dos menores, principalmente aqueles que necessitam de atenção especial.

Em relação aos menores que praticaram atos infracionais e estão internados em instituições, o Estatuto da Criança e do Adolescente é expresso ao determinar o sigilo das informações. Confira-se o disposto no caput do art 143:

Art. 143. É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional.

Acerca do tema, é válido destacar precedente do Superior Tribunal de Justiça que reafirmou a necessidade de sigilo na identificação de adolescentes internados em instituições do sistema socioeducativo, vejamos:

ADMINISTRATIVO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA). ART. 247. MENOR INFRATOR. DIVULGAÇÃO POR MEIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. IDENTIFICAÇÃO INDIRETA. EFEITO QUEBRA-CABEÇAS. FILIAÇÃO. FOTOGRAFIAS. IMPOSSIBILIDADE. RELEVÂNCIA SOCIAL E ENFOQUE DA NOTÍCIA. IRRELEVÂNCIA JURÍDICA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA CONFIGURADA. [...] 4. A proteção do menor infrator contra a identificação visa proteger a integridade psíquica do ser humano em formação e assegurar sua reintegração familiar e social. 5. A prática vedada pelo ECA é, em essência, a divulgação, total ou parcial, de qualquer elemento, textual ou visual, que permita a identificação, direta ou indireta, da criança ou do adolescente a que se relacione ato infracional, sem a autorização, inequívoca e anterior, da autoridade judicial competente para a veiculação das informações. 6. Incide na prática interdita a veiculação de nome - inclusive iniciais -, apelido, filiação, parentesco ou residência do menor infrator, assim como fotografias ou qualquer outra ilustração referente a si que permita sua identificação associada a ato infracional. A norma impede o recurso a qualquer subterfúgio que possa resultar na identificação do menor. [...] 11. Recurso especial provido, para reconhecer a ilicitude da conduta e determinar o retorno dos autos à origem a fim de que aprecie os pedidos subsidiários da apelação dos recorridos, no tocante ao valor da sanção, à luz das premissas ora estabelecidas. (REsp 1636815/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 18/12/2017).

Nesse cenário, não é possível falar em manifesta ilegalidade em ato que tenha por escopo resguardar dados cadastrais de adolescentes que praticaram atos infracionais e estão internados em instituições, porquanto aos menores é garantida a preservação da imagem (art. 17 do ECA). A necessidade de autorização judicial atende aos fins sociais do ECA e contempla as peculiaridades da criança e do adolescente, na forma prevista pelo art. 6º do referido Estatuto.

Desta feita, na ausência de frontal violação a texto de lei, não é razoável que o Conselho Nacional de Justiça censure orientação do JUÍZO DA VARA REGIONAL DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE CARUARU que está alinhada aos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ante o exposto, com fundamento no art. 25, X, do RICNJ, julgo o pedido improcedente e determino o arquivamento deste PCA. (Id. 4205498).

 

Conforme antes explicitado na decisão recorrida, o ato questionado está em consonância com as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, em atenção às peculiaridades que regem a temática no tocante à necessidade de sigilo na identificação de adolescentes internados em instituições do sistema socioeducativo.

Assim, considerando as circunstâncias apresentadas, tem-se que a decisão monocrática se amolda de forma adequada ao disposto no art. 25, X, do RICNJ[1]. 

Ex positis, conheço do recurso interposto, mas nego-lhe provimento, nos termos da fundamentação supra.

É como voto.

Publique-se nos termos do art. 140 do RICNJ[2]. Em seguida, arquive-se independentemente de nova conclusão. 

Brasília/DF, data registrada em sistema. 

 

SIDNEY PESSOA MADRUGA

Conselheiro Relator

 



[1] Art. 25. São atribuições do Relator: [...] X - determinar o arquivamento liminar do processo quando a matéria for flagrantemente estranha às finalidades do CNJ, bem como a pretensão for manifestamente improcedente, despida de elementos mínimos para sua compreensão ou quando ausente interesse geral;

[2] Art. 140. As decisões, atos regulamentares e recomendações do CNJ serão publicados no Diário da Justiça da União e no sítio eletrônico do CNJ.