Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0008487-51.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: LUCIANO ANDRADE DE SOUZA

 


 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS. INOBSERVÂNCIA DE DEVERES IMPOSTOS À MAGISTRATURA. ARTIGOS 5º, 24 E 25 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL.

1. Processo administrativo disciplinar instaurado contra juiz do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, a quem se imputa violação dos artigos 5º, 24 e 25, do Código de Ética da Magistratura Nacional.

2. Em se tratando de imputação que engloba o conteúdo de decisão judicial, a matéria atrai a incidência do art. 41 da Lei Complementar 35/1979.

3. Insuficiência de provas aptas a demonstrar qualquer influência externa ao deferimento de liminares reconhecida pelo Ministério Público Federal.

4. A fundamentação per relationem é admitida em nosso ordenamento jurídico (Tese 18 do STJ) e, assim, ao menos em tese e sem nenhum outro elemento agravante, não pode ser considerada uma violação ético-disciplinar.

5. As operações de “copia e cola” em algumas decisões judiciais, acaso ausente demonstração de que estariam submetidas a influências externas, não configura, de per se, violação dos deveres éticos do magistrado.

6. Impossibilidade de aplicação da pena de censura requerida por conduta subsidiária (decisões judiciais proferidas em operações de “copia e cola”) em estando ausente demonstração do núcleo essencial da imputação (influências externas).

7. Insuficiência de provas aptas ao édito condenatório. Materialidade e autoria da infração funcional não comprovadas.

8. Absolvição que se impõe.  

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela absolvição do magistrado e determinou o arquivamento do feito, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 19 de setembro de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia (Relator) e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Manifestou-se o Subprocurador-Geral da República Alcides Martins. Os Advogados da Interessada e do Requerido dispensaram a sustentação oral nos termos do artigo 125, §1º, do RICNJ.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0008487-51.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: LUCIANO ANDRADE DE SOUZA


 

RELATÓRIO  

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA (RELATOR): Trata-se de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Portaria n. 18 – PAD, de 10 de novembro de 2021 (id 4541635), contra LUCIANO ANDRADE DE SOUZA, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas.

O processo foi a mim distribuído (id 4541719), tendo determinado a intimação do Procurador-Geral da República para que se manifestasse nos termos do art. 16 da Resoolução CNJ 135/2011 (id  45433977). 

O Ministério Público Federal requereu a produção de prova documental (id  4560707), a saber: a) cópia integral dos autos onde prolatada a decisão liminar (Processo 0718060-82.2019.8.02.0001, da 8ª Vara Cível da Comarca de Maceió/AL), b) ficha funcional do magistrado; c) lista de servidores do gabinete do juiz à época dos fatos. 

Foram juntados aos autos os documentos solicitados pelo Parquet (Ids 4579516, 4579517, 4579519 e 4579518).

Considerando a necessidade de ter os documentos nos autos, determinei à Secretaria Processual do CNJ que trasladasse os documentos do link constante do Id 4579519 para os presentes autos (id 4615641), o que restou cumprido (Ids 4623070 a 4623073, 4623077 a 4623079, 4623081 a 4623099, 4623102 a 4623105, 4623134 a 4623138, 4623140 a 4623142, 4623144 a 4623146, 4623148, 4623149, 4623151, 4623152, 4623154, 462357, 4623159, 4623160 a 4623163). 

Determinei nova vista ao Ministério Público Federal (id 4625644), que requereu: “a) a expedição de ofício ao Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas para que: a.1 preste informações sobre: a.1.1 os períodos e as comarcas em que o Juiz Luciano Andrade de Souza atuou, inclusive em substituição, durante o ano de 2018 até o presente momento e a existência de eventuais procedimentos disciplinares contra ele instaurados, em trâmite ou arquivados; a.1.2 a lista dos servidores lotados na 8ª Vara Cível da Comarca de Maceió/AL durante o ano de 2018 e 2019, com a especificação das funções exercidas e a atual lotação; a.1.3 as regras para a substituição de magistrado em vigor na Corte Estadual durante os anos de 2018 e 2019, em especial, como tais substituições ocorreram na 8ª Vara Cível da Comarca de Maceió/AL durante o período; a.1.4 a eventual existência de ações de revisão de contrato em que o Instituto de Defesa dos Consumidores do Estado de Alagoas – IDECON figure no polo ativo, em trâmite ou arquivadas, e, em caso positivo, junte aos autos as respectivas certidões de objeto e pé; a.2 encaminhe cópia integral do Pedido de Providências nº 0001135-93.2020.8.02.0073.”

O Tribunal de Justiça prestou as informações requeridas (id  4697852).

Conforme requerido, deferi nova vista ao Ministério Público Federal (id 4699278), que postulou a complementação da documentação, o que foi deferido (id 472930) e cumprido (id 4748059), tendo, após, o órgão ministerial postulado a inquirição das testemunhas GENEIR MARQUES DE CARVALHO FILHO, THIAGO DA ROCHA SOARES, MIRNA ROCHA CEZAR PEIXOTO, FÁBIO MARACAJÁ DE ALMEIDA CARNEIRO, JÓRIO MACHADO DANTAS. (id 4820371)

Determinada a citação do magistrado (id 4847201), foi apresentada a defesa prévia (id 4880367), na qual sustenta a ausência de justa causa para o prosseguimento do PAD, já que declinou a competência para a Justiça Federal e a decisão liminar, assim, não teve qualquer efeito. A servidora que elaborou a minuta confirmou ter pesquisado na internet. Deste modo, é improcedente a acusação. Requereu a produção de prova testemunhal, arrolando as testemunhas PAULO DE CASTRO COTTI NETO e MIRNA ROCHA CÉZAR PEIXOTO.

Foi designada audiência de instrução (id 49800320), ficando a presidência dos trabalhos afeta ao eminente Desembargador Federal CARLOS MOEREIRA ALVES (id  4905987), tendo o ato sido realizado em 18/11/2022 (id 4932410), 23/11/2022 (id 4949231), 14/12/2022 (id 4979187) e 20/01/2023 (id 5006603).

Requerida a juntada da integralidade dos arquivos de vídeo (id 5108821), foram eles juntados (Ids 5129142, 5129142 e 5129955).

Em 07/08/2023, o Ministério Público Federal apresentou suas razões finais (id 5241136), requerendo a condenação do magistrado, com a aplicação da pena de censura.

Em 30/08/2023, a defesa apresentou razões finais (id. 5271638), sustentado excessos no parecer ministerial, pois “o ato praticado pelo requerido, aos olhos do MPF, consiste em negligência, mesmo porque: c.1) não houve reiteração de conduta negligente, vez que a conduta supostamente punível é deduzida de uma única decisão judicial, a qual, conforme já esclarecido, foi habilmente revogada; c.2) não estamos diante de hipótese de procedimento incorreto”, concluindo, por fim, que No caso presente, contudo, por tudo quanto aqui se pontuou, a advertência é incabível e a censura é impensável.”  

É o relatório.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0008487-51.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: LUCIANO ANDRADE DE SOUZA

 


 

VOTO 

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA (RELATOR): Trata-se de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Portaria n. 18 – PAD, de 10 de novembro de 2021 (id 4541636), contra LUCIANO ANDRADE DE SOUZA, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas.

A Portaria n. 20 – PAD, de 17 de novembro de 2021 (id 4541636):

 

PORTARIA Nº 18, DE 10 DE NOVEMBRO DE 2021.

 

 

Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de magistrado.

 

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), usando das atribuições previstas nos arts. 103-B, § 4o, III, da Constituição Federal e 6o, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça,

 

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do CNJ para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI no 4.638/DF;

 

CONSIDERANDO o disposto no § 5o do art. 14 da Resolução CNJ no 135/2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar no 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei no 8.112/1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei no 9.784/1999, e do Regimento Interno do CNJ;

 

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do CNJ no julgamento do  Pedido de Providências no 0002667- 51.2021.2.00.0000, durante 340ª Sessão Ordinária, realizada no dia 19 de outubro de 2021;

 

RESOLVE:

 

Art. 1o Instaurar, sem afastamento do cargo de magistrado, processo administrativo disciplinar em desfavor da Juiz de Direito LUCIANO ANDRADE DE SOUZA, tendo em vista indicativos de que, ao deferir antecipação dos efeitos da tutela no processo 0718060-82.2019.8.02.0001, em 16/7/2019, o magistrado recebeu influências externas indevidas, ao adotar decisão que, no todo ou em parte, não foi redigida por seu gabinete, nem retirada de banco de dados de decisões judiciais, violando o dever de agir com independência (art. 5o do Código de Ética da Magistratura Nacional); e adotou decisão que não considerou as circunstâncias do caso concreto e que não atentou às consequências que poderia provocar, violando o dever de prudência (arts. 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional).

Art. 2o Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de processo administrativo disciplinar objeto desta Portaria, sem afastamento do magistrado de suas funções jurisdicionais e administrativas.

 Art. 3o Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros, nos termos do art. 74 do RICNJ.

Ministro LUIZ FUX” 

 

 

O PAD, como relatado, destina-se a apurar possível violação dos artigos 5º, 24  e 25, do Código de Ética da Magistratura Nacional.

A defesa apresentou suas razões de defesa, sustentando que a) não haver justa causa para o ajuizamento do PAD, já que a decisão foi revogada imediatamente e encaminhados os autos para a Justiça Federal competente a tempo, (b) que a própria assessora indica que pesquisou a minuta na internet, e, por fim, que não há justa causa para a condenação, devendo ser mantida a decisão da Corregedoria local que arquivou o feito.

 

MÉRITO:

A Portaria n. 18, de 10 de novembro de 2021 (id 4541636), da Presidência deste Conselho Nacional de Justiça e que materializou a instauração do presente PAD, registra, como apontado no relatório, que o presente Processo Administrativo Disciplinar fora instaurado contra o Juiz de Direito LUCIANO ANDRADE DE SOUZA, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, para apuração de eventuais infrações aos artigos [1], 24[2] e 25[3], do Código de Ética da Magistratura Nacional.

Colhe-se da Portaria que o magistrado “recebeu influências externas indevidas, ao adotar decisão que, no todo ou em parte, não foi redigida por seu gabinete, nem retirada de banco de dados de decisões judiciais, violando o dever de agir com independência (art. 5o do Código de Ética da Magistratura Nacional); e adotou decisão que não considerou as circunstâncias do caso concreto e que não atentou às consequências que poderia provocar, violando o dever de prudência (arts. 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional).”

Deste modo, em se tratando de imputação de violação ético-disciplinar que contempla o conteúdo de decisões judiciais, a matéria atrai a incidência do art. 41 da Lei Complementar 35/1979, que estatui:

“Art. 41 - Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.” (grifou-se).

Em outras palavras, pelo teor das decisões que proferir o magistrado apenas pode ser punido quando estas contiverem excesso de linguagem ou impropriedade.  

O caso concreto não traz hipótese de se cogitar de excesso de linguagem, mas, à toda evidência, cuida de impropriedade, no conceito da LOMAN.

E sobre quais condutas configurariam, em tese, a impropriedade no caso concreto, verifica-se do acórdão que determinou a abertura do presente PAD, da lavra da eminente Corregedora de Justiça, Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (id 4541638), o seguinte:

“PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. DISCIPLINAR. TJAL. JUIZ DE DIREITO. LIMINARES CONTRA A CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. ARQUIVAMENTO PELA CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA. POSSÍVEL CONTRARIEDADE AO DIREITO E À PROVA DOS AUTOS (ART. 83, I, RICNJ). DETERMINADA A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. 

1 Independência funcional. O magistrado deve decidir com independência, sem aceitar indevidas influências externas (art. 5º do Código de Ética da Magistratura Nacional). Coincidência de redação entre decisões de magistrados vinculados a tribunais diversos. Por si só, o uso de textos redigidos por outros agentes não é ilícito. Os textos judiciários não são protegidos por direitos autorais. Peculiaridades que indicam possível influência externa, que levou à adoção do texto que não foi inteiramente redigido por seu gabinete – pessoalmente pelo magistrado por sua assessoria – nem provêm de pesquisa. 

2 O magistrado, na condução de suas atividades, deve observar o dever de prudência, adotando comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, à luz do Direito aplicável (art. 24 do Código de Ética da Magistratura Nacional) e, ao proferir decisões, atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar (art. 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional). Ausência de checagem de circunstâncias do caso. Abertura de espaço para sucessivas fraudes, ao determinar a liberação das margens consignáveis.  

3 Determinada a instauração de processo administrativo disciplinar.” 

Logo, parece evidente que são os indícios de influência externa que configurariam, em tese, a impropriedade mencionada no art. 41 da Lei Complementar 35/1979 e não a mera circunstância de decisões de outros magistrados terem sido copiadas ou possuírem redação coincidentes.  

No aspecto, observe-se que a fundamentação per relationem é admitida em nosso ordenamento jurídico[4] e, assim, ao menos em tese e sem nenhum outro elemento agravante, não pode ser considerada uma violação ético-disciplinar, justamente porque resolvida deve ser no âmbito do próprio processo judicial e mediante o recurso apropriado.

Dito isto, a questão central a ser examinada no presente caso concreto, diz respeito se o magistrado requerido, fazendo uso de seu cargo, recebeu influências externas para deferir liminares em cujo conteúdo constava identidade de trechos de decisões de outros magistrados.

E sobre este ponto específico, colho a análise da prova realizada pelo Ministério Público Federal em suas razões finais (id 5241136):

“31. De outra senda, afirmou o ora requerido que a minuta da decisão foi elaborada por Mirna Rocha Cezar Peixoto, então assessora da 8ª Vara Cível da Capital/AL; que não lia detalhadamente as peças, ante o volumoso acervo da unidade judiciária; e que nenhum servidor chamou sua atenção para as irregularidades daquele processo.

32. Mirna Rocha Cezar Peixoto, por sua vez, declarou que não tinha nenhuma experiência na Vara Cível à época e escolheu o processo em questão para análise de forma aleatória, pois já tinha trabalhado em alguns processos que envolviam bancos. Asseverou que realizou pesquisas na rede mundial de computadores – sem conseguir, contudo, declinar especificamente uma fonte, encontrou algumas decisões e adaptou para o caso.

33. Paulo Cotti Neto, Procurador-Chefe da União, declarou ter alertado o magistrado acerca da situação ao encontrá-lo na porta da escola onde os filhos estudam e este teria demonstrado surpresa e preocupação, pois parecia não conhecer o processo. Encaminhou para o requerido maiores informações pelo whatsapp e imediatamente houve a revogação da decisão.

 34. Os advogados ouvidos afirmaram que não conheciam o magistrado e que tampouco despacharam com ele ou qualquer servidor da unidade judiciária

35. Não se mostra possível, portanto, extrair das declarações prestadas durante a instrução do presente procedimento disciplinar elementos capazes de demonstrar algum liame entre o magistrado e o grupo supostamente criminoso responsável pela operacionalização da chamada “Ciranda dos Consignados”, em que, mediante ajuizamento de ações judiciais em todo o país, se pretendia a indevida suspensão de consignações em folha pagamento e a liberação das margens consignáveis de servidores públicos para novas contratações.” 

Em reforço, efetivamente, constata-se que a assessora MIRNA ROCHA CÉZAR PEIXOTO admite que pesquisou na internet decisões para casos semelhantes e que, deste modo, copiou partes de fundamentação utilizadas.

Deste modo, parte da acusação de que o magistrado  levou à adoção do texto que não foi inteiramente redigido por seu gabinete – pessoalmente pelo magistrado por sua assessoria – nem provêm de pesquisa” não restou confirmada pela prova produzida sob o contraditório e, para além disso, restou por ela afastada.

Não há qualquer alegação ou mácula a infirmar o depoimento de MIRNA (o magistrado sequer era lotado permanentemente na mesma unidade que a depoente), de modo que, efetivamente, não há provas de que o requerido, de qualquer modo, teve qualquer influência externa.

Reitere-se que o acusado permaneceu poucos dias na Vara na qual proferida a decisão e, assim que a União informou seu interesse na demanda, declinou a sua competência para a Vara Federal e tudo antes de qualquer efeito concreto de sua decisão.  

Logo, conforme o próprio Ministério Público entende, não há prova suficiente a indicar que as decisões proferidas tiveram por motivo as influências externas, o que, por si só, já seria suficiente para a absolvição do magistrado, já que este era o núcleo essencial da acusação.

Não obstante, sobre a pretensão do Ministério Público de aplicação da penalidade de censura, observe-se que o magistrado estava acusado de proferir decisões idênticas a de outros colegas juízes que atuavam em Tribunais diferentes, mas sob a suspeita de que teriam sido proferidas por influências externas.

Este o núcleo acusatório: as influências externas que teriam levado ao deferimento de liminares e o que permitiria ingressar na seara do conteúdo das decisões conforma art. 41 da Lei Complementar 35/1979.

E, deste modo, as operações de “copia e cola” em algumas decisões judiciais, ausente demonstração de que estariam sob influências externas, não configuram, de per se, violação dos deveres éticos do magistrado, já que eventual error in judicando ou error in procedendo são passíveis de correção por recurso próprio e a fundamentação per relacionem, como já dito, é admitida em nosso ordenamento jurídico.

Portanto, a ausência de provas do núcleo essencial da acusação (influências externas) não tem o condão de elevar conduta subsidiária (decisões judiciais proferidas em operações de “copia e cola” e de modo muito semelhante a outros magistrados) a suficiente gravidade ao ponto de justificar uma condenação disciplinar.

Não se ignora que o acusado se defende dos fatos imputados e não da sua qualificação jurídica. Mas o que se está aqui a sustentar é que os fatos imputados são complexos neste sentido e que o magistrado não fora acusado de repetir decisões judiciais de outros colegas, mas que esta conduta estava agravada por suspeitas de influências externas, o que geraria a impropriedade de sua edição, consoante a dicção do art. 41 da Lei Complementar 35/1979.

A saber: a imputação da prática de conduta que pode gerar a nulidade da decisão por impropriedade decorrente de influências externas e mediante suspeita de pagamento é diferente daquela que geraria eventual nulidade, mas por mero error in procedendo ou error in judicando.

Assim, o ato de proferir de decisões judiciais que não guardassem relação direta com o caso concreto, tal como informado, pode ser reprovável, mas, ainda que nula ou anulável fossem tais decisões, ausente demonstração de impropriedade ou excesso de linguagem, não poderiam gerar punição ao magistrado, nos termos do art. 41 da Lei Complementar 35/1979. 

O magistrado esteve acusado e se defendeu de haver proferido decisões judiciais semelhantes a de outros juízes, mas mediante influências externas.

Se não há prova das influências externas, como é o que ocorre, a solução é a sua absolvição e não a aplicação de penalidade de censura.

Ou seja, o que se constata dos autos é a ausência de prova concreta e indispensável para alicerçar um decreto condenatório, no sentido de que o magistrado requerido, fazendo uso de seu cargo, recebeu influências externas para deferir liminares em cujo conteúdo constava identidade de trechos de decisões de outros juízes.

 

CONCLUSÃO

Por tudo o que dos autos consta, não obstante a existência de indícios colhidos antes da instauração deste PAD, os elementos probatórios produzidos indicam que as infrações disciplinares imputadas ao requerido não restaram demonstradas de modo seguro e suficiente a embasar um édito condenatório.

 

DISPOSITIVO

Ante todo o exposto, em face da ausência de provas, não acolho as imputações feitas na Portaria n. 18 – PAD, de 10 de novembro de 2021 (id 4541635), voto pela absolvição do Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas LUCIANO ANDRADE DE SOUZA, com o consequente arquivamento deste Processo Administrativo Disciplinar.

É como voto.

Intimem-se.

Publique-se nos termos do art. 140, do RICNJ.

Arquivem-se independentemente de nova conclusão.

 

Brasília, data registrada no sistema.

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro



[1] Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.

 

[2] Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.

 

[3] Art. 25. Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar.

 

[4]  Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça fixou a tese nº 18: "A utilização da técnica de motivação per relationem não enseja a nulidade do ato decisório, desde que o julgador se reporte a outra decisão ou manifestação dos autos e as adote como razão de decidir".