Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0008096-96.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: PEDRO JORGE MELRO CANSANÇÃO

 


EMENTA

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. INFORMAÇÕES EM CUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 28 DA RESOLUÇÃO Nº 135/CNJ. APURAÇÃO. PROPOSTA DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PELA CORREGEDORIA LOCAL. PROPOSTA REJEITADA PELO PLENO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM RAZÃO DE EMPATE NOS VOTOS. MAGISTRADO QUE SUPOSTAMENTE RECEBEU PROCESSO POR "DIRECIONAMENTO" DA DISTRIBUIÇÃO E PROFERIU DECISÕES QUE BENEFICIARAM PESSOA DE SUA FAMÍLIA. MAGISTRADO PUNIDO ANTERIORMENTE POR SITUAÇÃO ANÁLOGA (FAVORECIMENTO DE FAMILIAR). GRAVIDADE DA CONDUTA.  POSSÍVEL PRÁTICA DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO. NECESSIDADE DE AFASTAMENTO DIANTE DA REITERAÇÃO DA CONDUTA PELO MAGISTRADO.

 


1. Em cumprimento ao disposto no art. 28 da Resolução nº 135/CNJ, foi comunicada pela CGJ/AL à Corregedoria Nacional de Justiça o arquivamento, em razão do empate na votação, da proposta de instauração de Processo Administrativo Disciplinar em face de magistrado.

2. O caso se encontra suficientemente maduro para que, desde logo, o Conselho Nacional de Justiça decida entre a manutenção da decisão da origem ou a abertura de processo administrativo disciplinar.  

3. Na hipótese dos autos, verifica-se que o magistrado teria recebido processo por suposto "direcionamento" na distribuição e proferido decisões que beneficiaram pessoa de sua família, nos autos da ação judicial de n. 0728526-38.2019.8.02.0001. Magistrado que já foi punido anteriormente por situação análoga de favorecimento de familiar. 

4. Verifica-se a possível existência de indícios que apontam para a prática de infrações disciplinares graves, os quais caracterizam violação, em tese, do artigo 35, incisos I e VIII, da LOMAN com o complemento valorativo dos artigos 1º, 8º, 24 e 37 do Código de Ética da Magistratura.

5. Pedido de providências acolhido para determinar a instauração de Processo Administrativo Disciplinar com o devido afastamento cautelar, diante da reiteração da conduta pelo magistrado. 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração de processo administrativo disciplinar contra o magistrado, com seu afastamento cautelar, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 6 de junho de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentou oralmente pelo Requerido, o advogado Alexandre Pontieri - OAB/SP 191.828.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0008096-96.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: PEDRO JORGE MELRO CANSANÇÃO


RELATÓRIO

     

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

 

   


Cuida-se de pedido de providências instaurado nos termos da Portaria CNJ n. 34 de 13.9.2016, a fim de cumprir o disposto nos artigos 9º, § 3º; 14, § 4º e § 6º; 20, § 4º; e 28 da Resolução CNJ n. 135, de 13.7.2011, em virtude da comunicação do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas à Corregedoria Nacional de Justiça referente à reclamação formulada pelo advogado Alexandre Felipe dos Santos Silva em desfavor do Magistrado Pedro Jorge Melro Cansanção, responsável pelo Juízo de Direito da 13ª Vara Cível da Comarca da Capital, AL.

O reclamante alega conduta parcial e abusiva do magistrado nos autos do processo judicial n. 0728526-38.2019.8.02.0001.

Sustenta que “o magistrado ora requerido teria proferido decisão que ‘extrapolou a lei, ao determinar que fosse feita a transferência do bem [imóvel] sem pagar a taxa de condomínio, incorrendo, assim, no art. 33, da Lei de abuso de autoridade’” (ID 4525740, fls. 3).

Relata que “a respectiva escritura tem como compradora a Sra. Ana Carolina Cansanção Melro, de modo que teria se utilizado do cargo para infringir a lei e favorecer sua parente, sem possibilitar que o condomínio (diretamente afetado pela decisão) pudesse se manifestar sobre o fato, além de desconsiderar que ‘débitos’ condominiais são propter rem e seguem a coisa e o fato de haver débito na unidade não inviabilizaria o cumprimento da liminar, que poderia ser cumprida mediante o pagamento das taxas, pois a lei fala débito da unidade e não do antigo proprietário como insinuou o advogado da Contrato e ratificado pelo Juiz de piso’" (ID 4525740, fls. 4).

Em nova manifestação do reclamante, aduziu que "formulou um pedido de providências em desfavor da conduta do juiz PEDRO JORGE MELRO CANSANÇÃO, no dia 18/09/2020, no tocante a uma decisão tomada no processo 0728526-38.2019.8.02.0001, que determinou que o Cartório de Registro de Imóveis da cidade de Arapiraca dispensasse a apresentação de certidão de quitação, sob a justificativa de ser essa quitação o entrave para a transferência, pois a escritura de transferência dispensando essa certidão foi confeccionada pelo cartório em 11 de setembro de 2020 (anexo), quando na verdade, meu cliente Condomínio Residencial Espace já teria ajuizado ação de cobrança de taxas condominiais, no processo 0701526-41.2018.8.02.0149, já teria a sentença transitada em julgado, não sendo mais matéria de discussão, tal isenção seria demais gravosa para meu cliente, pois além de ultrapassar os limites da lei, ainda traria um prejuízo financeiro ao mesmo" (ID 4525740, fls. 4).

Afirmou, ainda, que, “após o pedido de providências, a empresa de engenharia efetuou o pagamento dos débitos condominiais, o condomínio expediu a respectiva certidão de quitação e, no dia 24/10/2020, fora protocolado no processo n. 0701526-41.2018.8.02.0149 o pedido de desistência pela satisfação do débito, ressaltando, portanto, que o pedido de providências surtiu o efeito esperado de obter a satisfação do crédito pertencente ao seu cliente, deixando para a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Alagoas a apuração do vínculo familiar entre o requerido e a nova adquirente do imóvel, tendo em vista os sobrenomes serem atípicos e bem diferentes do usual na nossa região, como por exemplo o meu nome que tem 'SANTOS E SILVA', nomes bem comuns para a população brasileira" (ID 4525740, fls. 4-5).

Após a devida instrução processual, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Alagoas aventou a necessidade de abertura de processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado.

Instado a se manifestar, o magistrado apresentou sua defesa prévia.

O Tribunal Pleno do TJAL, entretanto, em razão do empate na votação e pela ausência de autorização da maioria absoluta do tribunal para instauração do PAD, decidiu pelo arquivamento do pedido de providências, rejeitando a proposta de instauração de PAD, nos termos do voto vencedor condutor da divergência, da lavra do Desembargador Celyrio Adamastor Tenório Accioly, em sessão de julgamento realizada em 31/08/2021.

Confira-se o teor da ementa do voto vencedor (ID 4525740, fls.1-2):

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS EM FACE DE MAGISTRADO. RECLAMAÇÃO DIRIGIDA À OUVIDORIA. SUPOSTA PROLAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS PARA BENEFICIAR PESSOA DA FAMÍLIA. PRELIMINAR DE PERDA DO OBJETO EM RAZÃO DO PAGAMENTO DA DÍVIDA REJEITADA. MÉRITO. NECESSIDADE DE JUÍZO DE DELIBAÇÃO ACERCA DAS QUESTÕES JURISDICIONAIS PARA A VERIFICAÇÃO DE EVENTUAIS DESVIOS DE CONDUTA NO EXERCÍCIO DO CARGO. DISTRIBUIÇÃO DA AÇÃO DE FORMA DIRECIONADA POR ATO DA PARTE AUTORA. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PREVENÇÃO INDICADA QUE DECORRE DE POSSÍVEL IMPROPRIEDADE TÉCNICA OU ESTRATÉGIA PROCESSUAL NÃO PROVOCADA PELO MAGISTRADO. INCOMPETÊNCIA RELATIVA PASSÍVEL PRORROGAÇÃO EM CASO DE NÃO IMPUGNAÇÃO PELAS PARTES, NÃO PODENDO SER DECRETADA DE OFÍCIO. AUSÊNCIA DE CONCORRÊNCIA DO MAGISTRADO PARA TAL FATO, BEM COMO DE ELEMENTOS MÍNIMOS ACERCA DE EVENTUAL COMETIMENTO DE FALTA FUNCIONAL. DECISÃO JUDICIAL QUE NÃO ELIMINOU O CRÉDITO RECONHECIDO EM SENTENÇA JÁ TRANSITADA EM JULGADO EM FAVOR DO CONDOMÍNIO EM QUE LOCALIZADO O IMÓVEL. MERO INTUITO DE CONFERIR EFETIVIDADE À DECISÃO QUE DEFERIU A TUTELA DE URGÊNCIA REQUERIDA PELA CONSTRUTORA PARA FINS DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. AUSÊNCIA DE DESCONSTITUIÇÃO OU DE PREJUÍZOS AO CRÉDITO DO CONDOMÍNIO. EVENTUAL ERROR IN JUDICANDO QUE NÃO CONFIGURA INFRAÇÃO DISCIPLINAR. QUESTÕES JURISDICIONAIS QUE DEVEM SER IMPUGNADAS NA VIA JUDICIAL. IRRELEVÂNCIA DO PARENTESCO CONSTATADO ENTRE O MAGISTRADO E A NOVEL ADQUIRENTE DO IMÓVEL. IMPOSSIBILIDADE DA ADOÇÃO DE MERAS ILAÇÕES PARA SE AFIRMAR A EXISTÊNCIA DE PROXIMIDADE OU ESTRITO RELACIONAMENTO COM PESSOA SUPOSTAMENTE BENEFICIADA COM A DECISÃO. ART. 1.592, DO CÓDIGO CIVIL. PARENTESCO DEFINIDO ATÉ O QUATRO GRAU. FILHOS DE PRIMOS QUE SE INSEREM NO QUINTO GRAU. NECESSIDADE DE ELEMENTOS OBJETIVOS E CONCRETOS PARA O RECONHECIMENTO DE ATUAÇÃO SUSPEITA OU PARCIAL DO MAGISTRADO, BEM COMO PARA O SEU IMPEDIMENTO. NÃO RECONHECIMENTO NO CASO DOS AUTOS. INVIABILIDADE DE AFASTAMENTO CAUTELAR. AUSÊNCIA DE RISCO DE QUEBRA DA HIGIDEZ DOS AUTOS JUDICIAIS OU DE EVENTUAL INTERFERÊNCIA DO MAGISTRADO NAS INVESTIGAÇÕES. PROVAS PRODUZIDAS QUE JÁ SE MOSTRAM SUFICIENTES. NÃO CONSTATAÇÃO DE INFRAÇÃO FUNCIONAL. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PROPRIAMENTE DITO EM DESFAVOR DO MAGISTRADO. PROPOSTA REJEITADA. ARQUIVAMENTO DOS AUTOS. DECISÃO POR MAIORIA.

  

Discordando da conclusão do Tribunal Pleno em relação ao arquivamento, a Corregedoria Nacional, pela decisão de ID 4553126, determinou a intimação do magistrado para que, querendo, apresentasse defesa prévia à propositura de instauração de processo administrativo disciplinar.

O magistrado apresentou defesa prévia, no ID 4616824, sintetizada na seguinte ementa:

 

AUSÊNCIA DE FAVORECIMENTO. COMPETÊNCIA RELATIVA. ALEGAÇÃO EX OFFICIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 33 DO STJ. IMPEDIMENTO. ROL TAXATIVO. SUSPEIÇÃO. INCIDENTE JULGADO IMPROCEDENTE PELO TRIBUNAL LOCAL. DÉBITOS CONDOMINIAIS. PROPTER REM. POSSIBILIDADE DE ALIENAÇÃO. AUSÊNCIA DE ÓBICE. INSURGÊNCIA CONTRA MATÉRIA JURISDICIONAL.

1. Cuida-se de Pedido de Providências após arquivamento dos autos pelo Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas.

2. Insurgência contra matéria jurisdicional, isto é, se é possível a alienação de imóvel com débitos condominiais inadimplidos. A jurisprudência do CNJ é farta quanto ao não cabimento de reclamação disciplinar na hipótese em apreço.

3. “II – Não cabe à Corregedoria regular a atuação jurisdicional de Magistrados, escrutinando o conteúdo das decisões judiciais proferidas, sob pena de violação do art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Corregedoria - 0008004- 55.2020.2.00.0000-Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 89ª Sessão Virtual – julgado em 25/06/2021).

4. “(...) O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. Recurso administrativo improvido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0007652-34.2019.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 79ª Sessão Virtual - julgado em 18/12/2020).”

5. “2. O Conselho Nacional de Justiça possui atribuições administrativas e disciplinares, nos termos do art. 103-B, § 4º da CF/88, dispositivo que não outorgou ao órgão central do Poder Judiciário competências jurisdicionais (ADI 3.367/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 22/09/2006). Precedentes. 3. Recurso administrativo conhecido, mas desprovido.” (RA em PP 0005467-52.2021.2.00.0000, Rel. Ivana Farina, 95ª Sessão Virtual, j. 22/10/201) (grifamos)

6. Apura-se se o magistrado teria incorrido em desvio funcional ao decidir que a existência de débitos condominiais não obsta a alienação do imóvel.

7. Consoante o art. 1.345 do CC/02, a obrigação condominial é propter rem, de modo que o adquirente assume responsabilidade pelo débito.

8. O Código Civil não impôs a inalienabilidade do imóvel em face de débitos condominiais. Ao contrário, inequivocamente possibilitou a alienação, ampliando as possibilidades de adimplemento, dada a responsabilidade do comprador.

9. O magistrado não extinguiu o débito condominial. Tampouco dispensou o seu pagamento, tanto que o valor devido foi adimplido posteriormente.

10. Não há benefício indevido (nem sequer qualquer benefício) da decisão que entende pela alienabilidade da unidade com débitos condominiais, com a consequente assunção da obrigação pelo adquirente do imóvel.

11. O alienante ser sociedade dentre cujos sócios figura primo do magistrado não implica impedimento, pois o art. 144, IV do CPC/15 é expresso ao restringi-lo ao terceiro grau. A jurisprudência do STJ é pacífica quanto a se tratar de rol taxativo.

12. Quanto à suspeição, o TJAL afastou-a expressamente no julgamento de seu incidente.

13. A incompetência territorial não pode ser declarada de ofício pelo magistrado, nos termos da Súmula nº 33 do STJ. Dessa forma, a prorrogação de sua competência não pode ser imputada ao magistrado, o qual cumpriu o verbete supradito.

14. A compradora do imóvel é bisneta do bisavô do magistrado. Segundo o art. 1.592 do CC/02, o parentesco pela linha colateral se limita ao quarto grau, razão pela qual não são parentes.

15. A adquirente não era parte na lide. O magistrado não tem ingerência sobre para quem o alienante venderá o seu bem, razão pela qual se trata de conduta de terceiro, infensa aos poderes do juiz, motivo pela qual não lhe é imputável.

16. Não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo-disciplinar.

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


J4/F33

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0008096-96.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: PEDRO JORGE MELRO CANSANÇÃO

 


VOTO

        

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

 

   

Compete ao Conselho Nacional de Justiça “rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano” (art. 103-B, § 4º, V, da CF).

 Na espécie, ainda que se caracterizasse a presente pretensão de instauração de processo administrativo disciplinar como pretensão efetivamente revisora, não haveria que se falar em ocorrência do prazo decadencial, pois a decisão da Corte local se deu em 31/08/2021 (ID 4525740) e em 29/11/2021 (ID 4553126) esta Corregedoria Nacional deixou bem clara sua pretensão processante. Nesse sentido: "O prazo decadencial para o exercício, pelo CNJ, do poder de rever, de ofício, os processos disciplinares instaurados contra juízes e membros de tribunais deve considerar, como marco terminativo, a primeira manifestação formal de qualquer dos legitimados previstos no artigo 86 do RICNJ, que expresse o interesse público na instauração da revisão disciplinar" (CNJ - PP - 0000884-73.2011.2.00.0000 - Rel. Min. NANCY ANDRIGUI - j. 24/03/2015). 

Quanto ao mérito, o arquivamento da pretensão de abertura de Processo Administrativo Disciplinar no tribunal local, com fundamento na ausência de justificativa suficiente, mostra-se, em tese, contrário à evidência dos autos, razão pela qual os fatos narrados na petição inicial merecem apuração mais detida em regular processo administrativo disciplinar

Ao contrário do quanto decidido pela Corte de origem - e do quanto é alegado pelo Reclamado - , as condutas imputadas têm, em tese, forte relevância disciplinar, havendo suficientes indícios da prática de grave infração disciplinar. 

 Bastante elucidativo nesse sentido é o voto do desembargador Fábio José Bittencourt Araújo, Corregedor-Geral da Justiça do Estado de Alagoas, que propunha a abertura do PAD, voto este do qual destaco o seguinte trecho (ID 4525734, fls. 6-14):      

 

 

 

"38. Neste primeiro momento, é oportuno consignar que presente pedido de providências figura como uma etapa preliminar à deflagração do procedimento administrativo disciplinar, por meio do qual se apura a verossimilhança das imputações dirigidas ao Magistrado, as quais serão objeto de profunda e adequada instrução após a deflagração do PAD.

39. Destaco, de pronto, que diversamente do que alegou o requerido, não houve a perda de objeto do presente feito em decorrência do pagamento das correspondentes taxas condominiais pela empresa Contrato Construções e Avaliações Ltda., tampouco em razão da posterior informação apresentada pelo requerente no sentido de que sua pretensão teria sido satisfeita. Isso porque, a despeito do efetivo adimplemento da referida verba e satisfação do direito material vindicado pelo reclamante, remanesce o interesse do Tribunal de Justiça de Alagoas, por intermédio da CGJ/AL, em apurar eventual prática de falta funcional cometida pelo Magistrado no desempenho de suas funções.

40. Com efeito, relembro que, nos termos do art. 42, III, da Lei n° 6.564/05, é função do Corregedor-Geral da Justiça determinar a instauração de procedimentos para apurar eventuais infrações disciplinares, podendo fazê-lo, inclusive, de ofício. Em virtude disso, ainda que a parte que impulsionou este Órgão Censor desista de seu pleito, nada impede que a CGJ/AL, com esteio nos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência, dê prosseguimento às apurações devidas para aferir se Magistrados e Servidores agiram em conformidade com seus deveres funcionais. Isso decorre do fato de que a administração pública (na qual se enquadra o TJ/AL e a CGJ/AL), em virtude da indisponibilidade do interesse público, possui o poder-dever de, uma vez ciente de possível irregularidade, promover a devida apuração dos fatos, para proteger os interesses da coletividade, dentre os quais se inclui um Judiciário hígido e competente.

41. Dito isso, cumpre-me demonstrar os fatos apurados neste procedimento preliminar, os quais, como já demonstrado, correspondem à suposta prática de falta funcional pelo requerido, porquanto supostamente teria beneficiado familiar por meio de decisões proferidas nos autos da ação judicial de n.° 0728526-38.2019.8.02.0001.

42. Para possibilitar um melhor entendimento da controvérsia, entendo necessário esclarecer primeiramente que: I) a empresa Contrato Construções e Avaliações Ltda., foi condenada, no bojo da ação judicial de n.° 0701526-1.2018.8.02.0149, a pagar a dívida de condomínio referente ao apartamento de n° 304, localizado na Torre A, do Condomínio Residencial Espace, situado na cidade de Arapiraca/AL; e II) por meio da ação de n.° 0728526-38.2019.8.02.0001, a Contrato Construções e Avaliações Ltda. buscou a resolução do contrato de compra e venda referente ao imóvel retro citado, em virtude do inadimplemento dos adquirentes. Essa segunda demanda, relembro, tramitou perante a 13ª Vara Cível da Comarca da Capital, a qual é titularizada pelo Magistrado requerido, cuja distribuição ocorreu por dependência ao processo de recuperação judicial n.° 0729642-1.2015.8.02.0001.

43. De pronto, é possível constatar possível direcionamento na distribuição da demanda e consequente violação ao princípio do Juiz Natural. Explico.

44. Primeiramente, destaca-se que, nos termos da legislação processual vigente, em regra, a competência se define a partir do domicílio do réu, por força de disposição expressa contida no caput do art. 46, do CPC/15. Os demandados da ação de resolução contratual, saliento, residem na cidade de Arapiraca/AL.

45. Para além disso, ressalta-se que o contrato de promessa de compra e venda firmado entre as partes da contenda previu, em sua cláusula 11.6, que "as partes elegem o foro da Comarca de Arapiraca, Estado de Alagoas, sede de situação do imóvel objeto do presente instrumento, para dirimir dúvidas e processar ações oriundas deste negócio jurídico, com a renúncia expressa de qualquer outro foro, por mais privilegiado ou especial que seja ou venha a ser, independentemente do domicilio ou residência atuais ou futuras dos contratados" (sic - fl. 31 dos autos da ação judicial de n° 0728526-38.2019.8.02.0001, grifos aditados).

46. Frise-se, por oportuno, que muito possivelmente a cláusula supracitada foi escrita pela própria empresa autora, na qualidade de vendedora do imóvel e idealizadora do contrato de adesão elaborado para fins de alienação de seus empreendimentos aos consumidores.

47. Outrossim, o fato de a empresa autora encontrar-se, à época do ajuizamento, em ação de recuperação judicial em trâmite perante a 13ª Vara Cível da Comarca da Capital, não tem o condão de alterar as regras de competência supracitada. Primeiro porque, de acordo com a cláusula contratual acima transcrita, houve a renúncia expressa de qualquer outro foro, "por mais especial e privilegiado que fosse".

48. Em segundo lugar, e aqui abro um parêntese para adentrar um pouco no mérito da "quaestio iuris", revela-se oportuno pontuar que a competência do chamado "juízo universal", conforme declinado pelo Magistrado em sua defesa prévia e pela parte autora na própria petição inicial da ação de resolução de contrato, cinge-se aos feitos cujo resultado pode desaguar na alteração no patrimônio da recuperanda de modo suficiente a interferir no andamento da recuperação judicial.

49. A ação judicial ora analisada, por outro lado, foi proposta pela própria recuperanda objetivando a dissolução de um negócio jurídico inadimplido. O resultado dessa demanda, como se nota, não repercutiria negativamente no andamento da recuperação judicial, pois em caso de julgamento procedente da ação, a construtora terá um acréscimo em seu patrimônio. Por outro lado, em caso de improcedência do pedido, a situação continuaria a mesma, isto é, com o contrato firmado em vigor, nos mesmos moldes em que se encontrava quando do ajuizamento da recuperação judicial.

50. Somado a isso, relembra-se que, por disposição expressa do art. 6º, §1°, da Lei n.° 11.101/05, as ações judiciais que demandarem quantia ilíquida terão prosseguimento perante o Juízo para o qual foram distribuídas, não havendo prevenção gerada pela ação de recuperação judicial.

51. Em suma, a partir das premissas acima fixadas, denota-se, de logo, que a distribuição do feito foi aparentemente direcionada ao Magistrado. Reconheço, neste momento, que essa situação, isoladamente, poderia não ser suficiente para despertar suspeitas acerca do modo de agir do Juiz investigado, pois envolve questões de direito e, também, foi provocada pela parte autora. Contudo, a constatação ora analisada deve ser valorada juntamente com os demais fatos que serão a seguir delineados e que são capazes, em meu sentir, de denotar, mais uma vez, a intenção do Magistrado requerido em se valer do Judiciário alagoano para beneficiar seus familiares. 

52. Pois bem. Ajuizada a demanda e distribuída (indevidamente) ao Magistrado requerido, houve a prolação, no dia seguinte, de decisão liminar (fls. 70/71), cujo dispositivo restou lavrado nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fundamento no artigo 300 do CPC, DEFIRO o pedido liminar para: (i) DECLARAR a resolução do contrato celebrado em 30 de setembro de 2010, entre a autora e os réus, objetivando a venda do apartamento n° 304, localizado no 3º pavimento elevado, da Torre A, do Condomínio Residencial Espace; (ii) NOTIFICAR a UNINVEST CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA. EPP, pessoa jurídica de direito privado, CNPJ n° 06.943.488/0001-77, com sede na Rod. AL220, n° 2188, KM 02, Quadra A, Lote 02, Bairro Senador Arnon de Melo, CEP:57.315-745, Arapiraca/AL, para disponibilizar as chaves do apartamento n° 304, localizado no 3º pavimento elevado, da Torre A, do Condomínio Residencial Espace, para a autora, outorgando, também, a escritura pública de compra e venda ao futuro adquirente da unidade (sic)

53. Como se nota, o Magistrado, ao antecipar os efeitos da tutela pretendida, não só declarou a rescisão contratual como determinou, de logo, que fossem adotadas as providências necessárias à outorga da escritura pública de compra e venda ao "futuro adquirente da unidade", ordem essa que foi renovada à fl. 79 dos autos da ação judicial, desta feita "sob pena da configuração do crime de desobediência e da adoção das medidas judiciais cabíveis" (sic).

54. Em seguida, e mais uma vez atendendo a pedido formulado pela empresa autora, a qual, em sua petição de fls. 98/99, admitiu que "a transferência de propriedade apenas é possível de ser efetivada mediante a quitação dos débitos condominiais", o Magistrado proferiu a decisão de fl. 111, datada de agosto/2020, determinando "a expedição de ofício ao Serviço Registral do 1º Ofício da Comarca de Arapiraca/AL, para que autorize o registro de eventual escritura de compra e venda do apartamento n° 304, torre A, do Condomínio Residencial Espace, localizado em Arapiraca/AL, independentemente da existência de certidão de quitação do debito condominial" (sic, grifos aditados).

55. Frise-se que, conforme já explanado, a própria parte autora já era, por força de sentença judicial proferida em 08/06/2020, a responsável pelo pagamento da dívida condominial referente ao imóvel objeto da lide. Desse modo, o que se tem é que o Magistrado, por via transversa, possibilitou a alienação do bem sem que a parte judicialmente reconhecida como devedora promovesse o pagamento do débito e, inclusive, antes mesmo da citação dos réus. Tudo isso para possibilitar a venda do imóvel "ao futuro adquirente da unidade".

56. Ocorre que, conforme devidamente demonstrado nestes autos, a futura adquirente da unidade era a Sra. Ana Carolina Cansanção Melro, filha do Sr. Guilherme Machado Melro, primo do Magistrado e sócio da empresa Contrato Construções e Avaliações Ltda (autora da demanda) senão, confira-se: (...)

57. Além disso, a própria operação de venda do imóvel à Srª. Ana Carolina Cansanção Melro é questionável, pois esta última, na data de assinatura do contrato, ocorrida em 17.12.2019, sequer possuía 18 (dezoito) anos, o que somente veio a ocorrer em 02.03.2020.

58. Outra situação curiosa é que o bem em comento foi alienado pelo valor de R$ 96.000,00 (noventa e seis mil reais), conforme se observa no contrato de compra e venda apresentado às fls. 157/160 destes autos. Contudo, consoante se extrai do contrato de compra e venda firmado com os réus da ação de resolução contratual proposta pela Contrato Construções e Avaliações Ltda., nota-se que o mesmo bem foi vendido no ano de 2010, pelo preço de R$ 121.638,00 (cento e vinte e um mil, seiscentos e trinta e oito reais), denotando uma desvalorização do bem em mais de vinte e cinco mil reais.

59. A partir de uma análise desavisada dos autos, não haveria, a princípio, como extrair todo o imbróglio ora constatado. Além disso, a eventual irregularidade na alienação do imóvel, aparentemente, sequer foi submetida ao crivo do Judiciário e não é o objeto deste procedimento administrativo.

60. O que chama a atenção neste caso é que a Sra. Ana Carolina Cansanção Melro, principal beneficiada com todas as decisões proferidas na ação judicial de n° 0728526-8.2019.8.02.0001, é filha do primo legítimo do Magistrado condutor do feito, parente esse que corresponde a um dos sócios da empresa também beneficiada com a demanda retro citada.

61. Revela-se ainda mais preocupante o fato de que o Magistrado, ao prestar informações a esta CGJ/AL, afirmou expressa e textualmente que não conhecia a Sra. Ana Carolina Cansanção Melro. Ocorre que, conforme acima demonstrado, ela é filha do Sr. Guilherme Machado Melro, o qual, por sua vez, é primo legítimo do Magistrado. Como se percebe, não se trata de um parentesco "distante", em que se cogitaria a hipótese das partes em questão não se conhecerem.

62. Curiosamente, ao apresentar sua defesa prévia, o Magistrado, ao tempo em que reiterou sequer conhecer a Sra. Ana Carolina Cansanção Melro, afirmou que ela seria neta do irmão de seu avô. De logo, é possível perceber a incongruência das informações prestadas pelo requerido ao longo deste procedimento, pois num primeiro momento afirmou que a identidade de sobrenomes seria uma mera coincidência e, depois, veio aos autos informar a existência de parentesco, ainda que distinto daquele apurado pela Polícia Federal, conforme se extrai do relatório detalhado de fls. 180/188.

63. Além disso, estranhamente, o Magistrado simplesmente ignora todos os dados trazidos pela Polícia Federal, que se valeu de seu banco de dados oficial para chegar à conclusão alcançada no relatório de fls. 180/188, qual seja, a de que o Juiz de Direito é primo legítimo do pai da Sra. Ana Carolina Cansanção Melro. Além disso, o requerido não trouxe qualquer indício ou prova de que sua afirmação, no sentido de que a Sra. Ana Carolina Cansanção Melro seria neta do irmão de seu avô, seria verdadeira.

64. Assim, questiona-se se o Magistrado, por meio de sua defesa prévia, está insinuando que a Polícia Federal incorreu em erro ao levantar as informações existentes no seu acervo de dados oficiais, ou se é a Sra. Ana Carolina Cansanção Melro que se encontra registrada equivocadamente.

65. A ligação entre as partes, em meu sentir, é também corroborada pelo fato de que bastou a situação começar a ser apurada por esta CGJ/AL, para que a empresa Contrato Construções e Avaliações Ltda., promovesse o pagamento de sua dívida, em uma aparente tentativa de afastar qualquer investigação mais aprofundada sobre o ocorrido.

66. De todo modo, esclareço que as informações contraditórias ora lançadas serão oportunamente apuradas no bojo do processo administrativo disciplinar que se busca instaurar, restando inequívoca, portanto, a necessidade de sua deflagração.

67. Destarte, considerando que a atuação desta CGJ/AL cinge-se à apuração de eventual inobservância dos deveres funcionais dos servidores e Magistrados do Tribunal de Justiça de Alagoas, na forma dos arts. 42, III, e 59, da Lei Estadual n° 6.465/2005, passa-se a elencar as possíveis infrações funcionais cometidas pelo Juiz de Direito Pedro Jorge Melro Cansanção.

68. Nesse diapasão, relembro que a Lei Complementar n° 35/79 - Lei Orgânica da Magistratura Nacional e a Resolução n° 60/2008 do CNJ, ao instituir o Código de Ética da Magistratura Nacional, trouxeram um rol de preceitos a serem seguidos pelos Magistrados, os quais transcrevo, verbo ad verbum: (...)

69. O Código de Normas das Serventias Judiciais desta Corregedoria-Geral da Justiça, por sua vez, elenca, em seu art. 45, os deveres dos Magistrados do Estado de Alagoas, confira-se: (...)

70. Em virtude de tudo o que foi até agora exposto, entendo que se encontram presentes indícios suficientes para fins de abertura do procedimento administrativo disciplinar competente, com vistas a possibilitar uma apuração devida dos fatos ora consignados (favorecimento de pessoas da família) e da aparente inobservância, pelo Magistrado, de diversos de seus deveres funcionais, em provável afronta aos princípios da moralidade, impessoalidade, parcialidade, transparência, prudência, integridade profissional e pessoal, dignidade, honra e decoro. Contudo, em meu entender, essa providência, por si só, não é suficiente neste momento.

71. Neste momento, rememoro que o Magistrado Pedro Jorge Melro Cansanção possui uma lista considerável e espantosa de "antecedentes" em termos de procedimentos preliminares e administrativos instaurados contra si. Mediante uma singela apuração no acervo desta CGJ/AL, constata-se que o Magistrado já figurou no polo passivo de 33 (trinta) e três procedimentos administrativos/sindicâncias.

72. Por mais que muitos desses procedimentos tenham, ao final, sido arquivados, o elevado número de queixas em seu desfavor formuladas perante está CGJ/AL nos últimos anos denota, no mínimo, o mau desempenho de suas funções enquanto Magistrado.

73. Dentre os supracitados trinta e três processos, o Magistrado foi destinatário, no ano de 2012, da pena de censura, nos autos de n° 00307-0.2010.002, e da pena de advertência, em 2019, no bojo do procedimento administrativo disciplinar de n° 0500018-44.2019.8.02.0073. Quanto a esse último processo, relembro, foi apurado que o requerido alterou minuta de decisão que seria proferida em processo que tramitava em Juízo diverso de sua titularidade, substituição legal ou designação específica, e no qual seu filho atuava como advogado.

74. A despeito da branda pena aplicada naqueles autos, nota-se que a atuação do Magistrado em prol de familiares é situação recorrente e que, por ser de extrema gravidade, demanda uma medida enérgica por parte do Judiciário. Com efeito, não se concebe que qualquer membro deste Poder, especialmente um Magistrado, se utilize de seu cargo e influência para beneficiar quem quer que seja.

75. Com efeito, a conduta reiterada do Magistrado em se utilizar de sua posição para favorecer pessoas de sua família coloca em descrédito toda a imagem da Magistratura alagoana, merecendo, assim, ser devidamente investigada, com a aplicação de penalidade condizente com a gravidade da falta funcional que eventualmente venha a ser reconhecida ao final do trâmite do processo administrativo disciplinar.

76. Aliás, é oportuno relembrar que o fato acima narrado (alteração de minuta de decisão de outro Magistrado) está, atualmente, em apuração no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, o qual em juízo preliminar entendeu pela possível desproporcional idade da sanção aplicada pelo TJ/AL, tendo em vista a gravidade da conduta praticada pelo requerido.

77. Sobre a possibilidade de afastamento cautelar na forma do art. 15, caput e §1°, da Resolução n° 135/2011, do CNJ, e utilizando-me de entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal, elucido que "Embora a instauração de processo administrativo disciplinar não imponha, necessariamente, o afastamento do magistrado do exercício de suas funções, essa medida de natureza cautelar pode ser adotada quando a continuidade do exercício do ofício judicante pelo investigado puder, de algum modo, interferir no curso da apuração ou comprometer a legitimidade de sua atuação e a higidez dos atos judiciais. Na espécie vertente, o afastamento do Impetrado deveu-se aos indícios, considerados graves pelo Conselho Nacional de Justiça, de que sua conduta evidenciaria parcialidade incompatível com o exercício do cargo. (STF. MS 32721. Rel. Min. Carmen Lúcia. DJE: 11.02.2015).

78. Destarte, tendo em vista as inúmeras situações acima relatadas, entendo não só pela necessidade de instauração de procedimento administrativo disciplinar em desfavor do Magistrado, como também de seu imediato afastamento, a fim de, principalmente, preservar a higidez dos atos judiciais e evitar eventual interferência do Magistrado nas investigações.

79. Assim, ACOLHO o parecer oriundo da Assessoria Especial Judicial - AEJ, ao passo em que entendo pela necessidade de INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, em desfavor do Magistrado Pedro Jorge Melro Cansanção, devido à aparente violação às disposições contidas nos arts. 1º, 8º, 24 e 37 da Resolução n° 60/2008 do Conselho Nacional de Justiça, bem como art. 35, incisos I e VIII, da LOMAN, para fins de apuração da seguinte conduta: suposta prática de infração funcional por violação aos princípios da moralidade, impessoalidade, imparcialidade, transparência, prudência, integridade profissional e pessoal, dignidade, honra e decoro, acarretando o provável descumprimento de seus deveres funcionais quando da condução da ação judicial de n° 0728526-38.2019.8.02.0001.

80. Ademais, considerando as condutas perpetradas não só nos processos judiciais que ensejaram a instauração deste procedimento, como nos demais processos administrativos abertos para apurar a indevida atuação funcional do Magistrado requerido, entendo também necessário que o Juiz de Direito Pedro Jorge Melro Cansanção seja IMEDIATAMENTE AFASTADO de suas funções até decisão final do PAD, na forma do art. 15, caput e §1°, da Resolução n° 135/2011, do CNJ."

 

 

Não obstante o desfecho adotado pelo Tribunal de Justiça de Alagoas, a análise acurada desse voto e a documentação que instrui estes autos levam à conclusão de que realmente assistia razão ao desembargador Corregedor, mostrando-se o arquivamento do expediente por demais prematuro diante das evidências amealhadas no expediente preliminar.

Como visto na exposição acima, dos autos efetivamente se infere que em processo em que haveria incompetência do reclamado -  evidenciando provável distribuição direcionada principalmente pela resultado final produzido - , foi prolatada decisão incomum (autorizar o registro de escritura de compra e venda de imóvel sem a exigência da quitação de taxas condominiais que já estavam sendo cobradas na justiça, em outro processo, pelo condomínio credor), decisão esta que beneficiou diretamente pessoa da família do magistrado (a futura adquirente da unidade era a Sra. Ana Carolina Cansanção Melro, filha do Sr. Guilherme Machado Melro, primo do Magistrado e sócio da empresa Contrato Construções e Avaliações Ltda , autora da demanda, como pontuado no voto do desembargador corregedor acima destacado).

 Ao se manifestar perante a CGJ/AL, o reclamado negou o vínculo de parentesco com a pessoa beneficiada com a decisão; contudo, os documentos encartados aos autos demonstraram o contrário de sua manifestação, o que já se podia supor pelos patronímicos do magistrado e da beneficiada com a decisão (reclamado: Pedro Jorge Melro Cansanção; beneficiada: Ana Carolina Cansanção Melro). 

De fato, este Conselho não tem competência para rever o mérito jurisdicional dos atos decisórios dos magistrados. Quando, no entanto, como no caso dos autos, há elementos indiciários fortes que maculam a imparcialidade e probidade de um ato decisório, não há como afastar a atuação do Conselho Nacional de Justiça, sob pena de se tornar morta a garantia da sociedade insculpida na fiscalização do Poder Judiciário incumbida a este órgão.

 Assim, considerando os elementos indiciários já apontados, bem como o fato de que, frise-se, o magistrado já foi punido anteriormente por situação análoga de favorecimento de familiar (tal fato hoje encontra-se em apuração em sede de RevDis perante este CNJ sob n. 0005100-28, Rel. Conselheiro Sidney Madruga) - o que reforça sua predisposição a manejar a jurisdição como instrumento para beneficiar interesses próprios - a solução dada no tribunal local efetivamente não se mostrou adequada.  

A conduta do reclamado feriu o dever de cumprir e fazer cumprir com exatidão as disposições legais e os atos de ofício (artigo 35, inciso I, da LOMAN), deixando, ainda, de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular (artigo 35, inciso VIII, da LOMAN). E mais. Sua conduta também fere frontalmente o Código de Ética da Magistratura, na medida em que revela comportamento incompatível com a imparcialidade, transparência, integridade profissional e pessoal, dignidade e decoro, todos princípios caros ao exercício da magistratura (artigo 1º). Nunca é demais lembrar que o magistrado imparcial é aquele que mantém distância equivalente das partes e evita comportamento que possa refletir favoritismo ou predisposição (artigo 8º). E para alcançar esse norte, o magistrado tem o dever de prudência, assim manifestado pela adoção de comportamentos e decisões que sejam resultado de juízo racionalmente justificado (artigo 24), sendo-lhe vedado, nessa mesma linha, procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decorro de suas funções (artigo 37). 

Percebe-se, portanto, uma perfeita subsunção dos fatos imputados ao reclamado no artigo 35, incisos I e VIII, da LOMAN, com a complementação valorativa dos artigos 1º, 8º, 24 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

Acatado o voto pela instauração de processo administrativo disciplinar pelos Conselheiros em desfavor do reclamado, para os fins do art. 15 da Resolução n. 135 do CNJ, realço a necessidade de afastamento do magistrado PEDRO JORGE MELRO CANSANÇÃO até a final decisão do respectivo PAD. Os fatos objeto desta imputação são graves e evidenciam a presença de indícios de recorrente modo ilícito de agir por parte do magistrado. Há um padrão de comportamento em total descompasso com a imparcialidade, transparência e dignidade exigidas pela ordem jurídica, colocando em sério risco a credibilidade do Poder Judiciário, traduzida esta em legítimas aspirações dos jurisdicionados de serem julgados por magistrados probos e imparciais.   

Ante o exposto, com fundamento nos artigos 13 e 15 da Resolução CNJ nº 135/11 e o artigo 8º, III, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, proponho a instauração de Processo Administrativo Disciplinar em face do Juiz de Direito PEDRO JORGE MELRO CANSANÇÃO, a ser distribuído a um Conselheiro Relator, a quem competirá ordenar e dirigir a instrução respectiva, bem como o seu afastamento cautelar pelas razões já expostas acima. 

Após, arquivem-se os presentes autos.

É como voto. 

 

 

 


PORTARIA N.  , DE DE DE 2023.

 

 

Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de magistrado

 

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos artigos 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça;

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI n. 4.638/DF;

CONSIDERANDO o disposto no § 5º do artigo 14 da Resolução CNJ n. 135/2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar n.  35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784/99, e do Regimento Interno do CNJ;

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento do pedido de providências n. _____, durante _____ Sessão ______, realizada no dia ____ de ______de 2023;

 


RESOLVE:

 

Artigo 1.º Instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado PEDRO JORGE MELRO CANSAÇÃO, juiz de direito do Tribunal de Justiça de Alagoas, com afastamento cautelar do cargo, pela presença de indícios de que ele recebeu processo direcionado para o qual não tinha competência, onde proferiu decisão incomum autorizando o registro de escritura de imóvel sem o pagamento de taxas condominiais em atraso, favorecendo diretamente pessoa de sua família.

 

Artigo 2º Assim agindo o magistrado infringiu o disposto no artigo 35, incisos I e VIII, da LOMAN, bem como os artigos 1º, 8º, 24 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional. 

 

Artigo 3º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de processo administrativo disciplinar objeto desta Portaria, com o afastamento do magistrado de suas funções jurisdicionais e administrativas.

 

Artigo 4.º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros, nos termos do art. 74 do RICNJ.

 


Ministra Rosa Weber  

 

 

 

 

 

 


J4/F33