Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0007699-37.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA MENDONCA

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO EM DESFAVOR DE DESEMBARGADOR. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO. VIOLAÇÃO DOS DEVERES IMPOSTOS PELOS ARTS. 35, I, DA LOMAN, BEM COMO PELOS ARTS. 1º, 24 E 25 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. INOBSERVÂNCIA DA PRUDÊNCIA E CAUTELA NECESSÁRIAS À ATUAÇÃO JURISDICIONAL. HOMOLOGAÇÃO INDEVIDA DE ACORDOS DECORRENTES DE LIDES SIMULADAS. INEXISTÊNCIA DE DOLO E DE QUEBRA DA IMPARCIALIDADE. PARCIAL PROCEDÊNCIA DAS IMPUTAÇÕES. INFRAÇÃO DISCIPLINAR COMPATÍVEL COM A APLICAÇÃO DA PENA DE DISPONIBILIDADE PELO PRAZO DE 90 DIAS.

1. Processo administrativo disciplinar instaurado em desfavor de desembargador, por suposta violação dos deveres de imparcialidade e prudência, em virtude da homologação de aproximadamente 700 acordos trabalhistas decorrentes de lides simuladas. 

2. Assentado, no ato de instauração do PAD, que inexiste vício resultante da reclamação disciplinar e que não transcorreram 5 anos entre a data de conhecimento dos fatos e a de abertura deste processo disciplinar (art. 24 da Resolução CNJ 135/2011), fica evidente que a tese de extinção liminar do feito se encontra preclusa e acobertada pela coisa julgada administrativa, a impossibilitar o reexame pelo CNJ. Precedentes.

3. Robustas são as provas que revelam que, embora tenha contribuído (com a homologação dos acordos) para que a transação simulada fosse exitosa, o processado não fez parte da negociata, não laborou com dolo nessas homologações, tampouco atuou em afronta ao seu dever de imparcialidade.

4. Por outro lado, também se mostram contundentes os elementos que evidenciam que, mesmo se tratando de um magistrado experiente, deixou de agir com a dedicação, diligência e prudência necessárias à condução dos processos submetidos à sua jurisdição.

5. A magnitude da conduta, que deu azo à lesão de um número considerável de trabalhadores, enseja a imposição da pena de disponibilidade, por revelar uma incompatibilidade temporária para o exercício das funções.

6. Imputações julgadas parcialmente procedentes, para aplicar ao magistrado a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, pelo prazo de 90 dias.

  

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade julgou parcialmente procedentes as imputações relativas ao Desembargador para aplicar a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, pelo prazo de 90 (noventa) dias, nos termos do voto do Relator. Declarou suspeição o Conselheiro Giovanni Olsson. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 20 de fevereiro de 2024. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran Machado Nobre, Jane Granzoto, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente: o Subprocurador-Geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá; e, pelo Requerido, o Advogado Francisco Otavio Fritsch Xavier- OAB/PR 90.456.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0007699-37.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA MENDONCA


 

RELATÓRIO

 

Trata-se de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado por este Conselho em desfavor do Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT9) Carlos Henrique de Oliveira Mendonça, com o objetivo de apurar suposta inobservância do dever de imparcialidade durante a sua atuação na Vara do Trabalho da Comarca de Irati/PR, em razão da homologação de reclamações trabalhistas decorrentes de lides simuladas (Ids. 4507497 e 4507495).

Distribuídos os autos ao Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, foi determinada a intimação da Procuradoria-Geral da República (PGR) para manifestação (Id. 4508591).

Em resposta, o Parquet requereu a expedição de ofícios ao Ministério Público do Trabalho da 9ª Região (MPT9) e ao TRT9, a fim de que fossem solicitadas cópia integral da NF-IC 001887.2013.09.000/1-26 e a lista de servidores lotados na Vara do Trabalho da Comarca de Irati/PR, respectivamente (Id. 4525128).

Deferidas essas provas (Id. 4525145), o TRT9 juntou aos autos a documentação pleiteada (Id. 4544807).

Renovada a intimação do MPT9 (Id. 4549001), aquele órgão apresentou cópia do IC 001887.2013.09.000/1 e informou que o referido inquérito se encontrava arquivado, em virtude do ajuizamento da Ação Civil Pública (ACP) 0001076-40.2018.5.09.0006, que tramita sob segredo de justiça (Id. 4643318).

Decorrido o prazo de 45 dias do encerramento do mandato do então Relator, o PAD foi redistribuído à relatoria do então Conselheiro Sidney Madruga, nos termos do revogado art. 45-A, § 2º, do Regimento Interno do CNJ (Id. 5297843).

Na sequência, foi prorrogado, ad referendum do Plenário, o prazo de conclusão do feito, bem como determinada a intimação do Ministério Público Federal (MPF) para manifestação (Id. 4646644).

Submetidos os autos ao Colegiado do CNJ, foi aprovada questão de ordem, para ratificar a monocrática de Id. 4646644 e prorrogar o prazo de instrução do PAD por 140 dias (Id. 4705273).

Devidamente intimado, o MPF solicitou a retirada do sigilo dos documentos apresentados pelo MPT9 (Id. 4659894). Liberado o acesso postulado (Id. 4724011), aquele órgão ministerial pleiteou a oitiva das testemunhas listadas, bem como a expedição de ofício à 6º Vara do Trabalho de Curitiba/PR, para que prestasse informações a respeito da ACP 0001076-40.2018.5.09.0006 (Id. 4748910).

Acolhidos os pleitos do Parquet (Id. 4775384) e intimada a 6ª Vara do Trabalho de Curitiba/PR, a magistrada da unidade informou a inviabilidade do envio de cópia naquele momento, em razão da necessidade de instrução (Id. 4786908).

Ato contínuo, foi novamente prorrogado, ad referendum do Plenário, o prazo de conclusão do feito, bem como determinada nova intimação do MPF (Id. 4849593).

Renovado, pelo Parquet, o pedido de acesso à ACP 0001076-40.2018.5.09.0006 (Id. 4849593), a magistrada da 6ª Vara do Trabalho de Curitiba/PR noticiou que a referida ação foi arquivada, em virtude da aplicação da prescrição quinquenal (Id. 4952833).

Levados os autos ao Plenário do CNJ, foi aprovada questão de ordem, para ratificar a monocrática do Relator e prorrogar o prazo de instrução do PAD por mais 140 dias (Id. 4923529).

Citado (Id. 4933430), o magistrado apresentou defesa prévia e requereu a oitiva de testemunha, bem como a intimação do TRT9 para que aquela Corte apresentasse seu histórico disciplinar atualizado (Id. 4970329).

Deferidos esses pedidos (Id. 4973506), foi determinada a intimação daquela Corte Trabalhista, do MPF e prorrogado o prazo de conclusão do feito (Id. 4973506).

Em seguida, o TRT9 juntou o histórico do requerido (Id. 5004258). O Parquet, por seu turno, pugnou pelo compartilhamento do conteúdo da ACP 0001076-40.2018.5.09.0000 (Id. 5015079), o que foi deferido pelo então Relator (Id. 5017700).

Informado o link de acesso à referida ação (Id. 5031012), foi aberta nova vista ao MPF (Id. 5038370). Ciente da documentação, o Parquet pleiteou o prosseguimento da instrução, com a inquirição das testemunhas (Id. 5060871).

Delegada a oitiva das testemunhas e a realização do interrogatório a Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Id. 5069415), sobreveio o conteúdo, em áudio e vídeo, da audiência realizada (Ids. 5129956 a 5129959, 5129961, 5129963 a 5129965, 5130166, 5130168 5130170).

Em 20/4/2023, o Plenário do CNJ novamente aprovou questão de ordem, para ratificar a monocrática do Relator e prorrogar o prazo de instrução do PAD por mais 140 dias (Id. 5117759).

Concedido o prazo para razões finais (Id. 5149236), o MPF registrou que seria “adequada a imposição da pena de censura”, porém propôs o arquivamento do PAD, por se tratar de pena inaplicável a desembargadores (Id. 5175713).

O magistrado processado, por sua vez, pugnou pelo reconhecimento da prescrição e suscitou a preliminar de “inépcia da ação e de teor genérico das imputações, realizadas sem o devido lastro probatório”. No mérito, defendeu a improcedência das imputações e, subsidiariamente, a aplicação da sanção de censura (Id. 5186556).

Diante da vacância do cargo do então Relator, o feito foi redistribuído ao Conselheiro Giovanni Olsson (art. 45-A, § 2º, do Regimento Interno do CNJ). Não obstante, declarada, por aquele Conselheiro, a sua suspeição para atuar no PAD, os autos foram redistribuídos à relatoria do então Conselheiro Mauro Martins (Id. 5297843).

Em 15/12/2023, o Plenário do CNJ aprovou questão de ordem, para prorrogar o prazo de conclusão do PAD por mais dois períodos de 140 dias, a contar de 22/4/2023 (Id. 5396665).

Autos recebidos conclusos por este Conselheiro em 1º de fevereiro de 2024.

É o relatório.

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0007699-37.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA MENDONCA

 

 

VOTO

 

O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) foi instaurado pelo CNJ em desfavor Desembargador Carlos Henrique de Oliveira Mendonça, do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT9), com o objetivo de apurar a violação, em tese, dos arts. 35, I, e 56, I e III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), bem como possível afronta aos arts. 1º, 9º, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura (Id. 4507497). 

Em termos objetivos, a conduta imputada ao magistrado consiste na suposta inobservância dos deveres de imparcialidade e prudência, em razão da homologação de acordos trabalhistas decorrentes de lides simuladas durante o período em que atuou como juiz titular da Vara do Trabalho da Comarca de Irati/PR (Id. 4507495).

Antes, porém, de avançar no exame do mérito, passo à análise da preliminar suscitada pela defesa. 

I – DA TESE DE EXTINÇÃO LIMINAR DO PAD

Novamente defende o requerido que o presente PAD deveria ser extinto de plano, porquanto a reclamação disciplinar apresentada perante o CNJ seria inepta e a falta funcional que lhe foi imputada estaria prescrita.

Cuida-se, entretanto, de alegações que, embora aventadas nas razões finais, já foram devidamente apreciadas e afastadas por este Colegiado no momento da instauração do PAD, uma vez que já haviam sido apontadas na revisão disciplinar que o originou (RevDis 0009087-43.2019.2.00.0000). Confira-se (Id. 4507497):

EMENTA: REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO. ARQUIVAMENTO DA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR CONDUZIDA NA ORIGEM. CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. INDÍCIOS DE VIOLAÇÃO DOS DEVERES DEPRUDÊNCIA E IMPARCIALIDADE NA HOMOLOGAÇÃO  DE ACORDOS EM RECLAMAÇÕES TRABALHISTAS RESULTANTES DE LIDES SIMULADAS. ABERTURA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NO ÂMBITO DO CNJ. PROCEDÊNCIA DA REVISÃO DISCIPLINAR.

1. Revisão disciplinar instaurada de ofício pelo CNJ, em razão de a decisão do TRT 9, que arquivou reclamação disciplinar conduzida por aquela corte em desfavor de magistrado, ter sido contrária às evidências dos autos (art. 83, I, RICNJ). 

2. Considerando que as preliminares suscitadas já foram enfrentadas pelo Pleno do CNJ na abertura da revisão disciplinar, descabe a renovação dos mesmos argumentos. 

3. Identificados indícios de violação dos deveres de prudência e imparcialidade na homologação de aproximadamente 700 acordos em reclamações trabalhistas decorrentes de lides simuladas, em prejuízo a jurisdicionados e à própria Justiça do Trabalho, afigura-se necessária a instauração de processo administrativo disciplinar, para a devida apuração da conduta, com a garantia do contraditório e ampla defesa. 

4. Revisão disciplinar julgada procedente, a fim de se determinar a abertura de processo administrativo disciplinar no âmbito do CNJ. (grifos nossos)

Como bem assentou o Plenário deste Conselho naquela oportunidade, a RevDis foi instauradaapós toda a análise dos fatos relacionados na reclamação disciplinar”. Desse modo, conquanto o magistrado defenda a inépcia da reclamação por ausência de provas, é inconteste que o CNJ só decidiu prosseguir com a persecução disciplinar, porque identificou, tanto na instauração da RevDis quanto na abertura do PAD, a presença de indícios de possíveis atos faltosos a ensejarem a devida apuração.

E nesse ponto, é valido destacar que “a abertura de um processo administrativo disciplinar não exige, nem poderia exigir, a existência de conclusão definitiva quanto à culpa dos envolvidos, fazendo-se necessário apenas indícios mínimos quanto ao ilícito e sua autoria (justa causa), como detectado in casu (MS 32759, Relator(a): Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em 30/06/2015).

Já no que se refere à alegada incidência da prescrição, também ficou claro naquele julgado que “descabe a renovação da tese da prescrição quinquenal, porquanto tal questão já foi enfrentada pelo Plenário deste Conselho na abertura desta revisão disciplinar, ocasião em que, ao acompanhar o voto proferido pelo Corregedor Nacional de Justiça, a maioria do CNJ assentou que o prazo de 5 anos não teria decorrido, pois a reclamação disciplinar foi proposta pelo Parquet em 2018”.

Ou seja, considerando que este Conselho foi o primeiro a tomar conhecimento dos fatos e que essa ciência ocorreu em 13/7/2018 (Id. 4507796), é certo que não transcorreram os 5 anos prescritos pelo art. 24 da Resolução CNJ 135/2011 entre a data de conhecimento do caso e a de instauração do PAD, que foi 5/10/2021 (Id. 4507497):

Resolução CNJ 135/2011

Art. 24. O prazo de prescrição de falta funcional praticada pelo magistrado é de cinco anos, contado a partir da data em que o tribunal tomou conhecimento do fato, salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal.

§ 1º A interrupção da prescrição ocorre com a decisão do Plenário ou do Órgão Especial que determina a instauração do processo administrativo disciplinar.

Petição inicial (Id. 4507796)

 

Certidão de julgamento (Id. 4507497)

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente o pedido de revisão disciplinar para instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto do Relator. Ausentes, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal Regional Federal e da Justiça Federal. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário, 5 de outubro de 2021. (grifos nossos) 

Logo, ainda que o magistrado tenha optado por seguir tal linha defensiva, não há dúvida de que as alegações trazidas se encontram preclusas e acobertadas pela coisa julgada administrativa, a impossibilitarem o reexame pelo CNJ:

RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. RESOLUÇÃO CNJ N.º 481/2022. REGIME DE TELETRABALHO. MÁXIMO DE 30% (TRINTA POR CENTO) DO QUADRO. MATÉRIA DISCUTIDA PELO PLENÁRIO NO PCA N.º 0002260-11.2022.2.00.0000. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. RECURSO IMPROVIDO.

1. A Resolução CNJ n.º 481/2022, editada no bojo do PCA n.º 0002260-11.2022.2.00.0000, já foi objeto de amplo debate pelo Plenário deste Conselho e, evidenciada a ocorrência de coisa julgada administrativa, se torna inviável a reapreciação da matéria.

2. Recurso administrativo a que se nega provimento. (grifo nosso)

(Recurso Administrativo em Pedido de Providências 0007588-19.2022.2.00.0000 - Rel. João Paulo Schoucair - 3ª Sessão Virtual - julgado em 10/03/2023).

 

E sendo esse, portanto, o quadro que circunscreve a preliminar suscitada, rejeito-a.

II – DO MÉRITO

Ao ingressar na questão de fundo, constata-se que a deliberação do Colegiado do CNJ pela apuração disciplinar adveio da existência de indícios de possível violação dos deveres de imparcialidade e prudência, em virtude da homologação de aproximadamente 700 acordos trabalhistas decorrentes de lides simuladas durante o período em que o magistrado atuou como titular da Vara do Trabalho de Irati/PR. Veja-se excerto da Portaria CNJ 14/2021 (Id. 4507495):

Art. 1º Instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor de CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA MENDONÇA, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, sem afastamento de suas funções, para apurar a violação, em tese, dos arts. 35, I e 56, I e III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), bem como dos arts. 1o, 9o, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura, em razão dos fatos aludidos na Revisão Disciplinar no 0009087-43.2019.2.00.0000, a saber:

I – homologação indevida de aproximadamente 700 reclamações trabalhistas decorrentes de lides simuladas, propostas por advogado da ALL América Latina Logística Malha Sul S/A e patronos do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias nos Estados do Paraná e Santa Catarina, uma vez que teria deixado de observar a cautela necessária à condução dos feitos, quando era titular da Vara do Trabalho de Irati/PR, notadamente no que tange à:

a) possível violação ao princípio do juiz natural, já que a jurisdição da Vara do Trabalho de Irati não abrangia o local da prestação dos serviços, o local de contratação ou o domicílio dos trabalhadores, tampouco o local onde a empresa tenha agência ou filial;

b) existência de petições iniciais padronizadas, independentemente do tempo de serviço, função e salário do reclamante;

c) realização de acordos antes da primeira audiência, mediante petição sem a assinatura do trabalhador;

d) inexistência de procuração outorgada aos advogados pela parte reclamante para fazer acordo; e

e) registro da ata de audiência que não condiz com a realidade dos fatos (consta que a parte autora teria sido advertida expressa e pessoalmente, mesmo o trabalhador não estando presente).

II – suposta inobservância ao dever de imparcialidade, em razão dos prejuízos causados a inúmeros trabalhadores.

Da leitura da supracitada portaria, também fica evidente que esses supostos atos faltosos estariam relacionados à atuação do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias nos Estados do Paraná e Santa Catarina (SINDFER) e da empresa ALL América Latina Logística Malha Sul S/A no esquema de ações trabalhistas simuladas.

Examinando-se o caso, o que emerge dos autos é que a referida empresa, cuja sede fica em Curitiba/PR, estava passando por um processo de primarização (contratação direta de trabalhadores que antes eram terceirizados) e que, no curso da dispensa/admissão dos empregados, várias verbas rescisórias teriam deixado de ser quitadas pela empregadora, a exemplo das horas extras reconhecidas na Ação Coletiva 31161-2009-004-09-00-8 (Id. 4643326, p. 13 e 87).

Ciente desse contexto, o então presidente do SINDFER, Alvacir Miguel Balthazar, e o advogado da ALL Malha Sul S/A, Joel Berto, entabularam acordo, segundo o qual a aludida empregadora sanaria as pendências trabalhistas tão somente com o pagamento de um valor fixo de R$150,00, por mês trabalhado, a cada funcionário.

Estabelecido, portanto, o acordo, entraram em ação os advogados Roberto Carlos Goldman e Yara Ejczis Henriques Goldman, que eram os responsáveis pela assessoria jurídica do SINDFER. Enquanto a causídica ficou encarregada da elaboração das peças jurídicas, o advogado passou a procurar os membros daquela categoria profissional para informar sobre a proposta de acordo e convencê-los da necessidade de outorga de procurações para a concretização dos ajustes.

Nessa senda, interessados nos valores a serem percebidos e confiantes na credibilidade do sindicato, os trabalhadores foram convencidos a assinar as procurações e a fornecer documentos indispensáveis ao desfecho da proposta, acreditando que a quantia a ser obtida decorria do pagamento do “PPR, vale alimentação e outros haveres trabalhistas” (Id. 4643322, p. 69).

De posse, então, da documentação recebida, a causídica Yara Ejczis Henriques Goldman cuidou de estruturar as ações individuais e Roberto Carlos Goldman prosseguiu com a execução dos atos. A fim de garantir o sucesso da empreitada, compareceu, juntamente com o então presidente do SINDFER, à Vara do Trabalho de Irati/PR e solicitou ao magistrado que os acordos fossem homologados naquela unidade, ainda que sabidamente incompetente (Id. 4643319, p. 49, 68, 87 e 103).

Tendo conseguido convencer o ora processado e obtida a autorização judicial, foram propostas as ações e homologados os acordos, que, a despeito da notória lesão aos direitos desses empregados, acabaram rendendo um valor ínfimo a cada um dos reclamantes.

O que esses funcionários não sabiam, entretanto, era que, para receberem a reduzida quantia, tinha sido necessária a propositura de reclamações trabalhistas e que a homologação promovida judicialmente implicava a quitação do contrato de trabalho extinto.

Essa ciência só veio posteriormente. Após decidirem postular, em juízo, as verbas que realmente lhes eram devidas, foram surpreendidos com a existência de coisa julgada a impossibilitar a rediscussão do contrato. Isto é, tomaram conhecimento de que o acordo homologado pelo magistrado processado já representava a quitação de todo e qualquer haver decorrente da relação jurídica estabelecida com a ALL Malha Sul S/A.

Inconformados, desse modo, com as fraudes perpetradas, passaram a propor inúmeras ações rescisórias, inclusive com o auxílio do MPT, buscando desconstituir as sentenças de homologatórias dos acordos e obter a declaração de extinção daqueles feitos sem resolução de mérito (Id. 4643326, p. 13 e 59 e 100)

É esse, pois, o cenário que delineia as faltas disciplinares imputadas ao magistrado e que será objeto do detido exame, que passo a promover.

– Da homologação indevida de aproximadamente 700 acordos trabalhistas decorrentes de lides simuladas

 

Conforme relatado, a conduta do magistrado está inserida em uma trama que foi impulsionada pelo SINDFER e pela ALL Malha Sul S/A com o intuito de se valer do Poder Judiciário para garantir a legitimação de ofensa a direitos trabalhistas.

Seguindo essa premissa, constata-se, desde logo, que são incontroversos os fatos de o magistrado ter autorizado que as ações trabalhistas fossem propostas na Vara do Trabalho de Irati/PR e de ter homologado os acordos oriundos das reclamações, porquanto admitidas pelo próprio processado. Confira-se trecho da defesa (Ids. 4970329 e 5186556):

Não obstante o requerido tenha sido vítima dos ardis criminosos acima relatados, o MPT buscou a sua responsabilização pelo imbróglio.

[...]

Diante disso, após uma das audiências, o presidente do SINDIFER – Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias nos Estados do Paraná e Santa Catarina, Sr. Alvacir Miguel Balthazar, junto com o advogado daqueles reclamantes, credenciado por este mesmo sindicato, Dr. Roberto Carlos Goldman, e o advogado da ALL, Dr. Joel Berto, solicitaram conversar com o juiz. Em síntese, o trio expôs que a ALL pretendia celebrar acordos para superar o processo de reformulação da forma menos traumática possível, para a empresa e para os trabalhadores.

 

[...]

O juiz ainda questionou se os trabalhadores estavam cientes das alterações dentro da ALL, bem como se tinham suas reivindicações devidamente ouvidas. Nisso, obteve garantia do próprio presidente do sindicato de que sim, estavam sendo realizadas reuniões com todos os trabalhadores na sede do sindicato em bases diárias e semanais, onde se esclareciam questões acerca da reformulação e debatiam-se propostas, sempre com a supervisão dos advogados responsáveis pelos processos.

[...]

Isto posto, e tendo em mente o princípio universal do direito expresso pelo brocardo “a boa-fé se presume; a má-fé se prova” (TJ-BA AC 0503833- 13.2017.8.05.0113), é forçoso reconhecer que, diante das informações então disponíveis ao magistrado e sua habitual cordialidade para com os sujeitos do processo, a atuação foi adequada.  (grifos nossos)

Destarte, o que resta perquirir no bojo deste processo disciplinar é o grau de envolvimento/comprometimento da atuação do magistrado na fraude praticada em prejuízo aos trabalhadores e à própria credibilidade da Justiça do Trabalho. 

Nesse ponto, robustas são as provas que revelam que, embora tenha contribuído (com a homologação dos acordos) para que a transação simulada fosse exitosa, o processado não fez parte da negociata, nem laborou com dolo nessas homologações. Veja-se, a propósito, o relatório da Polícia Federal que, após exame do caso, descartou a existência de conduta criminosa do magistrado e dos servidores da Justiça do Trabalho (Id. 4970330, p. 69):

Não foram encontrados indícios de participação nos fatos criminosos dos demais investigados (servidores da Justiça do Trabalho, funcionários da empresa ALL e advogados proprietários do escritório Hasson).

A conduta dos servidores da Justiça do Trabalho em Irati e do seu Juiz titular pode ser classificada como negligente, mas não criminosa (grifo nosso)

Por outro lado, também se mostram contundentes os elementos que evidenciam que, mesmo se tratando de um magistrado experiente, não agiu com a dedicação, diligência e prudência necessárias à condução dos processos submetidos à sua jurisdição.

a) “Possível violação ao princípio do juiz natural, já que a jurisdição da Vara do Trabalho de Irati não abrangia o local da prestação dos serviços, o local de contratação ou o domicílio dos trabalhadores, tampouco o local onde a empresa tenha agência ou filial”  

Passando-se à suposta violação ao princípio do juiz natural, extrai-se do arcabouço probatório que a opção pela Vara do Trabalho de Irati não teve relação com a figura do magistrado, mas, sim, com o objetivo do sindicato e da empresa de darem um breve desfecho ao arranjo engendrado para favorecer a empregadora, em detrimento dos seus funcionários.

Com efeito, segundo afirmou o advogado Roberto Carlos Goldman, representante do SINDFER, aquela unidade judiciária só foi escolhida para a propositura das reclamações trabalhistas, porque as audiências eram designadas de forma célere e possibilitariam o alcance do acordo em menor tempo (Id. 4643319, p. 103 e 109):


 

No mesmo sentido, foi a manifestação do ora processado, que informou ter sido procurado pelo presidente do SINDIFER e pelo advogado da ALL Malha Sul S/A para que as ações fossem concentradas naquela unidade, uma vez que as partes tinham interesse em “celebrar acordos o mais rapidamente possível, de forma a superar o processo sem traumas(Id. 4970329, p. 14).

Além disso, narrou o magistrado que os autores da transação simulada teriam afirmado que não tinham condições de acompanhar o volume de demandas em varas diversas, tampouco estavam dispostos a se submeter à morosidade verificada em algumas unidades judiciárias. Logo, a centralização das ações na Vara de Irati e a celeridade fomentada naquele juízo seriam imprescindíveis para cumprimento pleno do desígnio (Id. 4970329, p. 14): 

[...] a própria dimensão das transformações ameaçava a viabilidade das operações, eis que nem a ALL nem o sindicato tinham condições hábeis de acompanhar e atender satisfatoriamente tantos processos em tantas comarcas. Ademais, as ações pulverizadas demonstravam ritmos diversos, com locais onde os acordos estavam sendo celebrados em um mês e outros em quase um ano. Com efeito, a morosidade de alguns casos desestimulava a transação e encarecia o litígio. Diante disso, o sindicato, advogados dos reclamantes e advogados da empresa ALL buscavam, consensualmente, centralizar as demandas.

Os servidores Jose Helio Jucki e Odilon Rogerio Burgath, que atuavam naquela vara do trabalho ao tempo dos fatos, também confirmaram essa versão, ao relatarem que o referido advogado teria realmente solicitado ao juiz que as ações fossem processadas na unidade, em razão da agilidade das pautas:

              Jose Helio Jucki (Id. 4970330, p. 47)

 

 

                    Odilon Rogerio Burgath (Id. 4970330, p. 47)

 

O depoimento do gerente jurídico da ALL Malha Sul S/A, Jean Pitter da Silva Malaquias, seguiu a mesma tônica, ao pontuar que aquela empregadora tinha ciência de que a vara não era competente para a propositura das ações, mas, como os trabalhadores haviam acatado a proposta, mostrava-se interessante não fazer qualquer questionamento (Id. 4643319, p. 87):

 

Não há dúvida, portanto, de que o interesse pela Vara do Trabalho de Irati efetivamente partiu do sindicato e da empresa, e não de um eventual intento escuso do magistrado, a denotar conduta dolosa, criminosa ou quebra da imparcialidade (II – “suposta inobservância ao dever de imparcialidade, em razão dos prejuízos causados a inúmeros trabalhadores”- Portaria CNJ 14/2021).

De igual modo, afigura-se inquestionável que a incompetência verificada no caso era relativa (ex ratione loci – art. 651 CLT) e que, por esse motivo, não poderia ser declarada de ofício pelo processado (Súmula 33[1] do STJ).

Diante disso, a convicção a que se chega é a de que se está diante de imputação que deve ser julgada improcedente, porquanto desprovida de materialidade.

Não se pode olvidar, contudo, que o número de reclamações era considerável (aproximadamente 700) e que, como bem ressaltou o Corregedor do TRT 9, o processado “estava distante da realidade da relação jurídica vivenciada pelas partes, já que a jurisdição da Vara do Trabalho de Irati não abrangia nem o local da sede da empresa reclamada, nem o local de residência dos trabalhadores, nem o local de contratação e/ou execução do contrato de trabalho” (Id. 4507785, p. 8).

Assim, cabia ao magistrado cercar-se de ainda mais cautela na condução desses feitos e, notadamente, na homologação dos acordos pretendidos, a fim de que a garantia da celeridade não se concretizasse em prejuízo aos direitos dos trabalhadores.

Ocorre que o que se viu foi justamente o contrário, tal como evidenciam as demais balizas desta persecução disciplinar.

b) “Existência de petições iniciais padronizadas, independentemente do tempo de serviço, função e salário do reclamante”

Quando se passa à análise do modus operandi empregado na transação simulada, vê-se que os trabalhadores realmente não tinham conhecimento da propositura das ações e que, para a ultimação do plano, foram ludibriados pelo representante do sindicato, no que se refere ao valor devido e as consequências do pleito. Confira-se os depoimentos de dois funcionários que laboraram na empresa e que foram alvo das lides simuladas:

  Robson Mailton Vincoski (Id. 4643319, p. 38) 

                           

        Gustavo Jansson Neto (Id. 4643319, p. 52) 

A consulta às petições apresentadas perante a Vara de Irati, e colacionadas a este PAD, também revela que as peças eram, de fato, padronizadas, pois continham registros idênticos, independentemente do tempo de serviço, da função e do salário do empregado, e albergavam o mesmo valor da causa.

É o que se observa, por exemplo, nas ações propostas em nome de Kosmos Pereira da Silva Junior, que atuou na empresa reclamada como maquinista, porém consta na reclamação como eletricista, e Viviana Simara Franz, que trabalhou na função de coordenadora tributária, mas que foi qualificada na inicial da ação trabalhista como eletricista:

                               Kosmos Pereira da Silva Junior (Id. 4643322, p. 114 a 119)

                                  [...]


 

         

                                  Viviana Simara Franz (Id. 4643323, p. 171 a 176)

     

                         [...]

 

 

 

No caso de Viviana, a reclamação mostra-se ainda mais inverídica, porquanto contempla pedidos relativos a turno de revezamento e a plano de incentivo de terceiros (PIT), dos quais a reclamante afirmou nunca ter participado (Id. 4643323, p. 166):

Nada disso, contudo, foi capaz de chamar a atenção do magistrado, que considerou que a confiança na palavra do então presidente do sindicato e na reputação do escritório de advocacia da empresa bastariam. Reproduzo, por oportuno, excerto do arrazoado do processado no qual defende a regularidade de sua conduta (Id. 5186556, p. 10):

E, mais importante, a aparência de boa-fé era absoluta. Reitera-se: o próprio presidente do sindicato garantiu pessoalmente que os interesses dos trabalhadores estavam sendo devidamente acautelados – vale lembrar que o sindicato é, por definição, o ente próprio para a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores (art. 8º, II, da CF). Ademais, os advogados da ALL compunham a banca do renomado escritório curitibano Hasson & Advogados.

Tendo em mente o princípio universal do direito expresso pelo brocardo “a boa-fé se presume; a má-fé se prova”, é forçoso reconhecer que, diante das informações então disponíveis ao magistrado e sua habitual cordialidade para com os sujeitos do processo, a atuação foi adequada (grifos nossos)

Como se vê, tamanha falta de atenção e cautela que não só trouxeram danos para os trabalhadores, como expuseram a atuação de uma autoridade judiciária que notoriamente se descurou do seu dever “cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício” (art. 35, I, da LOMAN).  

Tanto é assim que confessou que, “diante da grande quantidade de ações”, só foram analisadas as primeiras iniciais” (Id. 4970330, p. 55 e 56):

 

Diante, portanto, de todo esse lastro probatório, não há outro caminho, senão o de consignar a procedência da imputação, já que o processado não atuou “de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar” com o exercício da atividade jurisdicional (art. 25 do Código de Ética da Magistratura).

c) “Inexistência de procuração outorgada aos advogados pela parte reclamante para fazer acordo” e “realização de acordos antes da primeira audiência, mediante petição sem a assinatura do trabalhador”

Não bastassem os fatos já comprovados sobre o caso, revela a prova documental que, além de não refletirem a relação de trabalho extinta, havia ações sem a documentação pertinente.

Deveras, ao examinar os documentos juntados, nota-se que algumas dessas reclamações estavam desacompanhadas de procuração que conferisse poderes aos advogados que patrocinavam a causa:

              Silvio Bichelski (Id. 4643320, p. 130 e 248)

         

          Edival Cardoso da Luz (Id. 4643320, p. 128, 208 e 209)

Em pesquisa ao feito, também é possível identificar procurações incompletas, sem a devida qualificação do outorgante (Id. 4643320, p. 220):

Já no que tange à realização de acordos antes da primeira audiência, mediante petição sem a assinatura do trabalhador”, observa-se que, na audiência inaugural, as petições iniciais padronizadas já eram apresentadas juntamente com os acordos prontos, cujas assinaturas (e, quiçá, ciência) eram restritas ao patrono e ao representante da empresa (Id. 4643320, p. 210 e 211):

 

Ou seja, todo o quadro que avulta dos autos é o de estratégias adotadas para concretizar as lides simuladas, que visivelmente poderiam ter sido evitadas, caso o magistrado perfilhasse um comportamento mais cuidadoso, mormente no que diz respeito à exigência dos reclamantes na audiência.

No entanto, o que fez aquela autoridade foi, mais uma vez, crer nos autores da fraude, que usaram a celeridade/dificuldade de deslocamento dos trabalhadores, para requererem a dispensa destes nas audiências, e que tiveram seu pleito acolhido pelo processado, “em razão da sua boa vontade dentro da legalidade”, conforme afirmou o próprio magistrado (Id. 4970330, p. 56):

Não por outro motivo, a realidade que erige das atas coligidas a este PAD são registros de audiências realizadas sem a presença os autores das ações (Id. 4643320, p. 216 e 223):

 

Sobre o tema, não se ignora que, neste próprio feito, constam registros de audiências realizadas por outros magistrados sem a presença dos reclamantes (Id. 4643320, p. 18 a 20, 30, 31 e 34), tampouco se desconhece que há julgado do Tribunal Superior do Trabalho, assentando que “o simples fato de o reclamante não comparecer à audiência não impede a homologação de acordo previamente realizado e comunicado ao juízo, mediante petição assinada por ambas as partes litigantes” (TST - RR: 1367005520025230031 136700-55.2002.5.23.0031, Relator: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 10/12/2008, 5ª Turma, Data de Publicação: DJ 19/12/2008).

Sucede que o enredo dos fatos, amparado na prova produzida, não deixa dúvida de que, caso tivesse sido adotada essa cautela, a realidade de inúmeros trabalhadores seria outra. A toda evidência, não se teria empregados buscando a desconstituição de títulos executivos judiciais dotados dos efeitos da coisa julgada, que nem sequer tinham conhecimento.

Em vista disso, novamente se afigura impositivo o reconhecimento da procedência da imputação, por violação do dever de prudência (arts. 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura).

d) “Registro da ata de audiência que não condiz com a realidade dos fatos (consta que a parte autora teria sido advertida expressa e pessoalmente, mesmo o trabalhador não estando presente)”

Por fim, quanto ao indício de que haveria “registro da ata de audiência que não condiz com a realidade dos fatos (consta que a parte autora teria sido advertida expressa e pessoalmente, mesmo o trabalhador não estando presente)” , o que se colhe das provas juntadas é tão somente a denúncia apresentada pela advogada de um trabalhador, na qual afirma a causídica que, embora tenha constado o registro “da presença” de seu cliente na ata de audiência, essa anotação não corresponderia à realidade (Id. 4643326, p. 44):

[...] que, após a homologação da rescisão do contrato de trabalho, foi atendido pelo advogado Roberto Goldman, que afirmou que iria propor uma ação trabalhista contra a empresa; que, na oportunidade, Johny assinou alguns documentos e uma procuração; que Johny nunca foi intimado nos autos 27816.2011, da 10ª Vara do Trabalho de Curitiba e nunca teve conhecimento do acordo celebrado, embora conste na ata de audiência de homologação do acordo que ele estava presente; reforçou que Johny relatou que nunca teve conhecimento da audiência e que sequer conhecia Patricia Hanemann, que estava presente na audiência como sua suposta  advogada; por fim, relatou que Johny prestou depoimento na Polícia Federal narrando tais fatos. (grifo nosso)

Contudo, por não haver nenhum outro elemento que ratifique essa manifestação, notadamente a ata invocada, há de se concluir por sua improcedência, já que “a não convergência das provas afasta a certeza do cometimento da falta funcional imputada” (Processo Administrativo Disciplinar – 0006035 49.2013.2.00.0000, Rel. Iracema do Vale, 271ª Sessão Ordinária, julgado em 08/05/2018).

III – DA CONCLUSÃO

Comprovado, pois, que o Desembargador Carlos Henrique de Oliveira Mendonça agiu em nítida afronta aos deveres constantes dos arts. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), bem como dos arts. 1º, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura, por homologar indevidamente aproximadamente 700 acordos decorrentes de lides simuladas, julgo parcialmente procedentes as imputações constantes da Portaria CNJ 14/2021 (Id. 4507495).

IV – DA DOSIMETRIA

Configurada a violação aos deveres inerentes à magistratura (materialidade e a autoria das infrações), faz-se necessário aplicar a sanção cabível e proporcional às faltas praticadas pelo processado.

À luz desse entendimento e ciente de que, no desempenho do seu ofício jurisdicional, o magistrado não observou a diligência e prudência que devem balizar a sua atuação, deixando de “adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável” (art. 24 do do Código de Ética da Magistratura), afigura-se notório que o ato não comporta uma mera advertência (art. 43 da LOMAN e art. 4º da Resolução CNJ 135/2011).

 A  magnitude das infrações praticadas, que deram azo à lesão de um número considerável de trabalhadores, também não admite a mera imposição da pena de censura (art. 44 da LOMAN e art. 4º da Resolução CNJ 135/2011).

Diante da natureza do cargo (Desembargador), cuja jurisdição é exercida sobre todo o Estado, afigura-se igualmente inaplicável a pena de remoção compulsória (art. 45, I, da LOMAN e art. 5º da Resolução CNJ 135/2011).  

Desse modo, considero que a conduta faltosa revela, em verdade, a incompatibilidade temporária do magistrado para o exercício das funções jurisdicionais, a ensejar a aplicação da pena de disponibilidade (art. 45, II, da LOMAN e art. 6º da Resolução CNJ 135/2011).

E seguindo o mais recente entendimento deste Conselho acerca do tempo de cumprimento dessa sanção (Processo Administrativo Disciplinar  0002268-51.2023.2.00.0000 – Rel. Jane Granzoto - 19ª Sessão Ordinária de 2023 – julgado em 12/12/2023), reputo que o caso exige a imposição do prazo de 90 dias.

V – DO DISPOSITIVO

Ante o exposto, REJEITO a preliminar suscitada e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES as imputações constantes da Portaria CNJ 14/2021, para aplicar ao Desembargador Carlos Henrique de Oliveira Mendonça a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, pelo prazo de 90 dias.

Cumpridas as comunicações de praxe, arquive-se o feito independentemente de nova conclusão.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

JOSÉ EDIVALDO ROCHA ROTONDANO

 

Conselheiro Relator



 

CJR 02

 




[1] "É vedado ao juiz, em regra, decretar, de ofício, a incompetência relativa".

[2] As penas de advertência e de censura somente são aplicáveis aos Juízes de primeira instância.