RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ART. 10, CAPUT, DO REGIMENTO INTERNO DO TJMG. PLANTÃO JUDICIÁRIO. ANTECIPAÇÃO. INÍCIO DURANTE O EXPEDIENTE/HORÁRIO NORMAL DA CORTE. AUSÊNCIA DE MOTIVOS LEGÍTIMOS. VIOLAÇÃO DA RESOLUÇÃO CNJ 71/2009. AFRONTA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. DESCONSTITUIÇÃO DO REGRAMENTO LOCAL. NECESSIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Conselheiro Mauro Pereira Martins. Vencidas as Conselheiras Jane Granzoto (Relatora) e Salise Sanchotene, que negavam provimento ao recurso. Lavrará o acórdão o Conselheiro Mauro Pereira Martins. Votou a Presidente. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 5 de setembro de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007674-24.2021.2.00.0000
Requerente: OSVALDO OLIVEIRA ARAUJO FIRMO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - TJMG


RELATÓRIO

A SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA): Trata-se recurso administrativo interposto pelo Desembargador Osvaldo Oliveira Araújo Firmo contra decisão que julgou improcedente o pedido de controle de legalidade do dispositivo do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) que disciplina o plantão judicial (art. 10, caput do RITJMG). 

Monocraticamente, foi consignado que as regras gerais do plantão judiciário foram definidas pela Resolução CNJ 71, de 31 de março de 2009, e que os tribunais têm autonomia para disciplinar regras em face de especificidades locais e que a legislação estadual atribuiu ao TJMG competência para disciplinar a matéria.

Destacou-se que o estabelecimento de horário para remessa dos autos aos magistrados plantonistas é medida inserida no âmbito da autonomia do Tribunal e que os procedimentos adotados pelo TJMG não contrariam as normas gerais fixadas pela Resolução CNJ 71/2009 (decisão Id4776939).

O requerente interpôs recurso administrativo no Id4823423 no qual argumentou que não foi analisada a alegação de tratamento diferenciado entre a primeira e segunda instâncias. Reiterou argumentos expostos na inicial para defender a nulidade do dispositivo do regimento interno do TJMG que disciplina o horário de distribuição de processos sujeitos ao plantão judiciário.

Contrarrazões do TJMG no Id4851079.

É o relatório.

 

Brasília, data registrada no sistema. 

 

Jane Granzoto

Conselheira

 

 

VOTO DIVERGENTE


Adoto o bem lançado relatório da eminente Conselheira Jane Granzoto, relatora do presente procedimento, porém peço a máxima vênia para divergir do substancioso voto apresentado. 

A controvérsia suscitada nos autos cinge-se à análise da legalidade do art. 10, caput, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (RITJMG), que disciplina o plantão judiciário no âmbito daquela Corte. 

Por oportuno, transcrevo a redação do aludido dispositivo: 

 

Art. 10. O plantão do Tribunal, nos fins de semana, feriados ou em qualquer outro dia em que não houver expediente forense, destinar-se-á a decisão em habeas corpus, no mandado de segurança, no agravo cível e em quaisquer outras medidas urgentes, distribuídos a partir das doze horas do dia útil que imediatamente anteceder o início do plantão, e contará com pelo menos dois desembargadores de câmara cível e dois de câmara criminal. 

 

Da leitura da previsão regimental, verifica-se que a Corte Mineira desbordou dos limites de sua autonomia, tendo em vista que, ao estabelecer que o plantão judiciário no Tribunal terá início a partir das 12 horas do dia útil que imediatamente anteceder o início do plantão, afrontou diretamente a Resolução CNJ 71/2009, que “dispõe sobre regime de plantão judiciário em primeiro e segundo graus de jurisdição”.

Com efeito, a Resolução CNJ 71/2009 prevê, claramente, que o plantão judiciário será mantido em todos os dias em que não houver expediente forense e, nos dias úteis, antes ou após o expediente normal. Confira-se:

 

Art. 2º O plantão judiciário realiza-se nas dependências do Tribunal ou fórum, em todas as sedes de comarca, circunscrição, seção ou subseção judiciária, conforme a organização judiciária local, e será mantido em todos os dias em que não houver expediente forense e, nos dias úteis, antes ou após o expediente normal, nos termos disciplinados pelo Tribunal. [...]

 

No caso do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, não há observância desse regramento.  

O plantão judiciário se inicia durante o expediente/horário normal da Corte, porquanto o funcionamento regular de suas atividades não se encerraria às 12 horas, conforme se depreende de disposições normativas do órgão (art. 69, caput, do RITJMG[1] e art. 1º, caput, da Portaria Conjunta nº 76/2006[2]).

Esse cenário de antecipação do plantão judiciário, por si só, já autorizaria a intervenção deste Conselho, na medida em que estamos diante de flagrante ilegalidade.

Não bastasse isso, além da ausência de previsão semelhante no âmbito da primeira instância, constata-se que o regime de plantão adotado no TJMG violaria o princípio do juiz natural, uma vez presente a cumulação de atividades e, sobretudo, o desvio (direcionamento) na distribuição processual, cessando-se, por consequência, a regular distribuição dos feitos judiciais (por livre sorteio).

Por fim, ao examinar detidamente os elementos coligidos aos autos, não se vislumbra peculiaridades locais aptas a justificar o início do plantão judiciário às 12 horas, sendo desprovidos de legitimidade eventuais motivos relacionados, notadamente, à otimização da prestação jurisdicional, buscando-se, em suma, evitar transtornos ao julgador e à equipe de servidores.

É dizer: a sistemática utilizada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, a meu sentir, privilegia o interesse privado em detrimento do interesse público, tornando-se, assim, a previsão regimental em discussão ilegal.

Ante o exposto, renovando todas as vênias, DIVIRJO da eminente relatora, para DAR PROVIMENTO ao recurso administrativo, reconhecendo-se a ilegalidade do art. 10, caput, do Regimento Interno do TJMG.

Determina-se, ainda, que a Corte Mineira adeque o regime de plantão judiciário no âmbito daquele órgão às diretrizes definidas pela Resolução CNJ 71/2009. 

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

MAURO PEREIRA MARTINS

Conselheiro




[1] Art. 69. A distribuição, realizada sob a supervisão do Primeiro Vice-Presidente, será efetuada diariamente, entre as oito e as dezoito horas, por sistema eletrônico, de modo a assegurar a equitativa e racional divisão de trabalho e a observância dos princípios da publicidade, da alternatividade e do sorteio, permitida a fiscalização pelo interessado, sem prejuízo do disposto no art. 10 deste regimento.  (grifo nosso)

[2] Art. 1º Os servidores em exercício no Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais cumprirão jornada básica de trabalho de 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais, de segunda a sexta-feira, entre as 7 e as 19 horas, em horário estipulado pelo gestor imediato, exceto no caso dos servidores: [...] (grifo nosso)

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007674-24.2021.2.00.0000
Requerente: OSVALDO OLIVEIRA ARAUJO FIRMO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - TJMG

 


 

VOTO

 

A SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA): Trata-se de recurso administrativo contra a decisão que julgou o pedido improcedente, nos seguintes termos (Id4776939): 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto pelo Desembargador Osvaldo Oliveira Araújo Firmo contra dispositivo do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) que disciplina o plantão judicial (art. 10, caput do RITJMG).

Aduziu que, entre segunda e sexta-feira, o horário regular do plantão judicial no TJMG tem início às 18 horas, porém vigorou um “acordo de cavalheiros” no Tribunal que estabeleceu o regime de plantão antecipado às sextas-feiras e vésperas de feriados, com início às 12 horas.

Registrou que o TJMG instituiu em seu regimento interno a antecipação do início do plantão destinado, exclusivamente, à análise de medidas urgentes para o dia útil imediatamente anterior ao início do plantão. Assinalou que a livre distribuição dos processos é interrompida e ocorre o direcionamento dos feitos para os desembargadores cujo plantão se iniciará somente às 8 horas do dia seguinte.

O requerente alegou que, desde sua promoção para o segundo grau de jurisdição, combateu a prática e destacou que formulou requerimento para que fosse divulgada a lista dos desembargadores responsáveis para apreciar as medidas distribuídas a partir das 12 horas do dia anterior ao início do plantão oficial.

Argumentou que o plantão antecipado previsto no art. 10 do RITJMG contraria o disposto no art. 2º da Resolução CNJ 71, de 31 de março de 2009, art. 69 do RITJMG e art. 313 da LODJ/MG. Ressaltou que o Tribunal editou a Resolução 967/2021 para regulamentar o plantão judicial da segunda instância e o fez de forma distinta da primeira instância.

Apontou a necessidade de este Conselho se pronunciar sobre a regularidade da medida adotada pelo Tribunal. Afirmou que a Consulta se justifica para evitar questionamentos e a alegação de nulidades.

O feito foi inicialmente autuado como Consulta (CONS), entretanto, considerando que o requerente questionou a legalidade do caput do artigo 10 do RITJMG, foi determinada a reautuação como Procedimento de Controle Administrativo (PCA), bem como a oitiva do TJMG (decisão Id4638419).

O TJMG prestou informações no Id4670822 nas quais suscitou a preliminar de autonomia do Tribunal para disciplinar o plantão judiciário segundo as diretrizes estabelecidas pela Resolução CNJ 71/2009. Argumentou que a medida está no espectro do autogoverno que lhe é garantido pela Constituição Federal e que a Lei Complementar Estadual 59, de 18 de janeiro de 2001, estabelece que as regras de distribuição de processos no plantão judiciário serão estabelecidas pelo regimento interno do Tribunal.

No mérito, defendeu a legalidade do procedimento e afirmou que a norma questionada pelo requerente está em harmonia com a legislação de regência. Destacou que cabe aos Tribunais regulamentarem o horário de expediente normal e do plantão judiciário.

O TJMG sustentou que o procedimento interno de remessa dos autos ao plantonista tem o objetivo de racionalizar os trâmites nos setores administrativos envolvidos e alegou que inexiste antecipação do plantão judiciário. Assinalou que somente os casos urgentes distribuídos às vésperas do encerramento normal do expediente são remetidos aos plantonistas e que há posterior redistribuição ao magistrado competente. Disse que a distribuição de feitos regulares não é alterada e que a medida impugnada nos autos é adotada por outros tribunais.

Os autos foram inicialmente distribuídos à então Conselheira Ivana Farina Navarrete Pena em 8 de outubro de 2021. Em razão do término do mandato da relatora originária, em 20 de janeiro de 2022, o feito foi redistribuído à Conselheira que me antecedeu na vaga.

É o relatório. Decido.

Inicialmente, cumpre anotar que a Resolução CNJ 71/2009 estabeleceu regras gerais para o plantão judiciário de primeira e segunda instância, de observância obrigatória pelos Tribunais, à exceção do Supremo Tribunal Federal. Contudo, é cediço que a referida norma não esgotou a atuação dos órgãos judiciais na disciplina da matéria, uma vez que em um país de dimensões continentais os Tribunais enfrentam realidades diferentes.

Com efeito, o caput do artigo 2º da Resolução CNJ 71/2009 não deixa margem para interpretações dissonantes ao estabelecer de forma expressa que o plantão judiciário será mantido nos termos disciplinados pelo Tribunal, vejamos:

Art. 2º O plantão judiciário realiza-se nas dependências do Tribunal ou fórum, em todas as sedes de comarca, circunscrição, seção ou subseção judiciária, conforme a organização judiciária local, e será mantido em todos os dias em que não houver expediente forense e, nos dias úteis, antes ou após o expediente normal, nos termos disciplinados pelo Tribunal.

Em face do regramento estabelecido pela Resolução CNJ 71/2009, firmou-se no âmbito do Conselho Nacional de Justiça a orientação no sentido de reservar o controle de atos dos Tribunais relacionados ao plantão judiciário a situações excepcionais, nas quais seja constatada flagrante ilegalidade, conforme se depreende dos seguintes precedentes:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PLANTÃO JUDICIÁRIO. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL. ART. 96, I, “b”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMATIVO INTERNO EM CONSONÂNCIA COM A RESOLUÇÃO CNJ N. 71/2009. PRECEDENTES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. HISTÓRICO DE PEDIDO SEMELHANTE ANALISADO E NEGADO PELO TRIBUNAL REQUERIDO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I – Recurso administrativo contra decisão que julgou improcedente pedido de desconstituição de ato administrativo praticado por Diretoria de Foro da Capital, que incluiu os juízes de direito que compõem as Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Estado na escala de plantão judiciário dessa Comarca. II – Compete aos Tribunais de Justiça disciplinar a realização dos plantões judiciários e a decisão de incluir os juízes de direito que compõem as Turmas Recursais na escala constitui expressão desta prerrogativa constitucional. III – A Resolução CNJ n. 71/2009, que dispõe sobre o regime de plantão judiciário em primeiro e segundo graus de jurisdição, foi observada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e a decisão administrativa está em consonância com a legislação de regência. IV – Razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os fundamentos da decisão combatida. V – Recurso conhecido e não provido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0006909- 24.2019.2.00.0000 - Rel. FLÁVIA PESSOA - 61ª Sessão Virtual - julgado em 13/03/2020)

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. NORMA REGIMENTAL QUE PREVÊ A DESIGNAÇÃO EXCLUSIVA DE JUÍZES SUBSTITUTOS PARA ATUAÇÃO EM PLANTÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AUTONOMIA DO TRIBUNAL. NÃO OCORRÊNCIA DE OFENSA À RESOLUÇÃO CNJ n. 71/2009. MANUTENÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Pretensão de que seja declarado nulo dispositivo do regimento interno de Tribunal de Justiça que prevê a designação exclusiva de juízes substitutos para as escalas de plantões judiciários. Autonomia do Tribunal. 2. A Resolução CNJ n. 71/2009 expressamente faculta aos Tribunais a edição de atos complementares a fim de disciplinarem peculiaridades locais. 3. Não tendo os Recorrentes apresentado fundamentos que pudessem justificar a alteração da decisão monocrática proferida, mantem-se a decisão recorrida. 4. Recurso conhecido e não provido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0006298-76.2016.2.00.0000 - Rel. HENRIQUE DE ALMEIDA ÁVILA - 33ª Sessão Virtual - julgado em 20/04/2018)

RECURSO EM SEDE DE PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PLANTÃO JUDICIÁRIO. AUTONOMIA DO TRIBUNAL. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO. NÃO PROVIMENTO. I. Recurso contra decisão que acolheu a tese de preservação da autonomia dos Tribunais. II. Regulamentação do plantão judiciário pelo Tribunal. Cabe a cada Corte considerar sua realidade e avaliar a viabilidade do disciplinamento do plantão judiciário, sem prejuízo da prestação da tutela jurisdicional. III. Inexistindo, nas razões recursais, qualquer elemento novo capaz de alterar o entendimento adotado, a decisão monocrática combatida deve ser mantida. IV. Recurso conhecido, uma vez que tempestivo, mas que, no mérito, nega-se provimento. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0003599-78.2017.2.00.0000 - Rel. CARLOS AUGUSTO DE BARROS LEVENHAGEN - 25ª Sessão Virtual - julgado em 21/09/2017)

A diretiva consolidada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça preserva as normas dos Tribunais que não contrariem a Resolução CNJ 71/2009 e tenham a finalidade de adequar o plantão judiciário às particularidades locais para a otimização da prestação jurisdicional.

É indene de dúvidas que a autonomia constitucional conferida aos Tribunais pelo artigo 96, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal lhes assegura o direito de regular o plantão judicial de forma complementar. Diante disso, somente há espaço para este Conselho censurar medidas que não tenham amparo em normas estaduais ou estejam em desacordo com os propósitos da Resolução CNJ 71/2009.

No caso vertente, a questão controvertida dos autos reside na legalidade do dispositivo do Regimento Interno do TJMG, segundo o qual as medidas sujeitas a análise durante plantão judiciário distribuídas a partir das 12 horas do dia útil imediatamente anterior ao plantão serão encaminhadas ao magistrado plantonista, nos seguintes termos:

Art. 10. O plantão do Tribunal, nos fins de semana, feriados ou em qualquer outro dia em que não houver expediente forense, destinar-se á a decisão em habeas corpus, no mandado de segurança, no agravo cível e em quaisquer outras medidas urgentes, distribuídos a partir das doze horas do dia útil que imediatamente anteceder o início do plantão, e contará com pelo menos dois desembargadores de câmara cível e dois de câmara criminal.

O requerente defendeu a ilegalidade da medida estabelecida regimentalmente pelo TJMG ao argumento de que a prática constitui um “plantão judiciário antecipado” e contraria a Resolução CNJ 71/2009 e os artigos 69 e 313 da Lei Complementar Estadual 59/2001. Além disso, apontou a existência de uma espécie de bis in idem pelo fato de as medidas urgentes serem remetidas aos plantonistas no horário de expediente regular.

A pretensão do requerente não comporta acolhimento.

Infere-se dos autos que a legislação estadual delega ao Tribunal poderes para disciplinar em seu regimento interno o horário do plantão judiciário. Eis a redação dos artigos 307, caput e 313, caput e §1º, da LODJ/MG:

Art. 307 - Os processos remetidos aos Tribunais serão protocolizados no mesmo dia do recebimento ou no dia útil imediato, serão publicados no "Diário do Judiciário" e imediatamente distribuídos, segundo as regras de seus regimentos internos.

[...]

Art. 313 - Haverá expediente nos tribunais e nos órgãos da Justiça de primeiro grau nos dias úteis, de segunda a sexta-feira, conforme horário fixado pelos órgãos indicados nos regimentos internos dos tribunais.

§ 1º - Nos fins de semana, feriados ou em qualquer outro dia ou horário em que não houver expediente forense, haverá, nos tribunais e nos órgãos da Justiça de primeiro grau, magistrado e servidor em plantão, designados para apreciar e processar as medidas de natureza urgente, conforme dispuserem os respectivos regimentos internos, com direito a compensação ou indenização.

Desse modo, não há espaço para acolher a alegação do requerente segundo a qual a medida questionada neste procedimento não teria suporte jurídico. É indene de dúvidas que a legislação mineira atribuiu ao Tribunal competência para definir as regras e horários do plantão judiciário e tal prerrogativa permitiu ao TJMG adequar a distribuição das medidas urgentes segundo sua conveniência administrativa.

Em relação à Resolução CNJ 71/2009, é forçoso reconhecer que a regra prevista no caput do artigo 10 do RITJMG não viola frontalmente a referida resolução. Inexiste na norma editada pelo Conselho Nacional de Justiça dispositivo que estabeleça horários para início da remessa das medidas judiciais sujeitas ao plantão judicial ou que impeça os Tribunais de fazê-lo.

Por sua vez, mister reconhecer que o início da remessa de processos às 12h do dia útil imediatamente anterior ao começo do plantão judicial constitui a maneira encontrada pelo TJMG para otimizar a prestação jurisdicional.

A sistemática prevista no regimento interno do Tribunal mineiro evita que demandas urgentes sejam distribuídas aos magistrados no final do expediente forense regular, situação que causa transtornos tanto para o julgador quanto para a equipe de servidores.

Com efeito, a práxis forense demonstra que, não raro, juízes e desembargadores, bem como servidores, precisam ultrapassar o horário regular de expediente para apreciar processos conclusos no limiar do encerramento do expediente forense regular que, por questão de horas (ou minutos) não foram distribuídos no plantão judicial. No caso do TJMG esta situação é amenizada, pois as medidas urgentes sujeitas à análise em regime de plantão protocolizadas a partir das 12h do dia útil imediatamente anterior já são encaminhadas para o plantonista designado na escala divulgada pelo Tribunal.

O procedimento adotado pelo TJMG não implica na violação do princípio do juiz natural, porquanto os autos são encaminhados ao magistrado plantonista (juiz natural provisório) que tem competência legal para apreciar a medida, nos termos das regras pré-estabelecidas pelo Tribunal no âmbito de sua autonomia administrativa. Ao término do plantão judiciário, os autos são redistribuídos para o juízo que detém a competência definitiva para processamento e julgamento do feito.

De igual forma, não diviso fundamento para acolher o argumento segundo o qual o caput do artigo 10 do RITJMG acarreta o funcionamento concomitante do plantão judiciário com as demais instâncias do Poder Judiciário, o que, na visão do requerente, configuraria bis in idem.

A norma regimental é de clareza meridiana ao estabelecer que apenas as matérias sujeitas ao plantão judiciário são apreciadas aos plantonistas. Dessa forma, as medidas que são examinadas pelo magistrado escalado para o plantão judiciário não são distribuídas a outro juízo e, sob estas circunstâncias, não há falar em sobreposição de competências.

Desta feita, não há falar em nulidade do caput do artigo 10 do RITJMG. A regulamentação do plantão judiciário é uma prerrogativa dos Tribunais expressamente ressalvada pela Resolução CNJ 71/2009 e o procedimento adotado pelo TJMG não conflita com as regras gerais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça.

Ante o exposto, com fundamento no artigo 25, inciso X, do RINCJ, julgo o pedido improcedente e determino o arquivamento deste PCA.

Intimem-se as partes. Após, arquivem-se os autos independentemente de nova conclusão.

Intimem-se. (sem grifos originais)

Não diviso no recurso administrativo interposto pelo requerente a presença de fundamentos capazes de infirmar a decisão monocrática que julgou improcedente o pedido formulado na inicial.

Em primeiro lugar, deve ser registrado que, ao contrário do alegado pelo TJMG em suas contrarrazões, não caracteriza inovação recursal o argumento do recorrente no sentido de que a disciplina do plantão judiciário ensejaria aumento de gastos públicos, sobretudo diante do disposto no §7º do artigo 313 da Lei Complementar Estadual 59, de 18 de janeiro de 2001.

É de reconhecer que os fundamentos do recurso administrativo não se distanciaram das questões suscitadas ao longo da instrução e não houve modificação do requerimento inicial. O cerne da discussão permaneceu na legalidade do dispositivo do regimento interno do TJMG que regula o plantão judiciário e a indicação em obter dictum de consequências da medida adotada pelo Tribunal não desnatura a pretensão do recorrente.

Todavia, as razões recursais não apresentaram fatos ou argumentos capazes de infirmar os fundamentos da decisão Id4776939 e, por isso, inexistem motivos para reformá-la.

Embora o recorrente tenha sustentado que a decisão monocrática que julgou o pedido improcedente não enfrentou todas as questões suscitadas na inicial, merece ser ressaltado o fundamento para a improcedência do pedido foi a possibilidade de o Tribunal, nos limites de sua autonomia constitucional, disciplinar regras para o plantão judiciário naquela Corte de Justiça.

Considerando que a decisão Id4776939 estabeleceu que as regras gerais da Resolução CNJ 71/2009 foram respeitadas pelo TJMG e que é uma prerrogativa do Tribunal regulamentar da matéria segundo a conveniência administrativa, sem nenhum esforço hermenêutico, é possível inferir que inexiste irregularidade nas regras do plantão judiciário de primeira e segunda instância.

Nesse contexto, reafirmo a compreensão de que inexiste ilegalidade passível de controle no dispositivo do regimento interno do TJMG[1] que determina o encaminhamento das medidas sujeitas ao plantão judiciário ao desembargador plantonista a partir das 12h do dia útil imediatamente anterior ao plantão.

A meu sentir, o regramento do Tribunal não contraria frontalmente a Resolução CNJ 71/2009 e não transcende os limites da autonomia constitucional daquela Corte. Além disso, é salutar destacar que a legislação estadual delegou ao TJMG poderes para disciplinar em seu regimento interno as regras do plantão judiciário (vide artigos 307, caput e 313, caput e §1º, da LODJ/MG[2]).

Reitero que a medida adotada pelo TJMG otimiza a prestação jurisdicional ao impedir que demandas urgentes sejam distribuídas próximas do expediente forense regular. Esta situação é contraproducente, pois, não raro, exige que magistrados e a equipe de servidores ultrapassem o horário ordinário de expediente para apreciar processos conclusos próximos do encerramento do expediente forense regular que, por questão de horas ou minutos, não foram distribuídos no plantão judicial.

A alegação de violação ao princípio do juiz natural carece de razoabilidade, uma vez que a distribuição dos processos é feita ao desembargador plantonista regularmente designado e com competência provisória para apreciar a medida. Posteriormente, com a finalização do plantão judiciário, os autos são redistribuídos para o juízo competente.

Em acréscimo, não vislumbro motivos para acolher o argumento do recorrente no sentido de que haveria bis in idem, pois, em seu entendimento, ocorreria o funcionamento concomitante do plantão judiciário com as demais instâncias do Poder Judiciário. O caput do artigo 10 do RITJMG evidencia que as medidas sujeitas ao plantão judiciário são distribuídas aos desembargadores plantonistas e não são apreciadas por outros magistrados. Portanto, não há falar em sobreposição de competências.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo e determino o arquivamento do feito.

É como voto.

Intimem-se as partes. Em seguida, arquivem-se os autos, independentemente de nova conclusão.

 

Brasília, data registrada no sistema. 

 

Jane Granzoto

Conselheira 



[1] Art. 10. O plantão do Tribunal, nos fins de semana, feriados ou em qualquer outro dia em que não houver expediente forense, destinar-se-á a decisão em habeas corpus, no mandado de segurança, no agravo cível e em quaisquer outras medidas urgentes, distribuídos a partir das doze horas do dia útil que imediatamente anteceder o início do plantão, e contará com pelo menos dois desembargadores de câmara cível e dois de câmara criminal.

(Disponível em http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/rp00032012.pdf. Acesso em 5 de outubro de 2022)

[2] Art. 307 - Os processos remetidos aos Tribunais serão protocolizados no mesmo dia do recebimento ou no dia útil imediato, serão publicados no "Diário do Judiciário" e imediatamente distribuídos, segundo as regras de seus regimentos internos.

[...]

Art. 313 - Haverá expediente nos tribunais e nos órgãos da Justiça de primeiro grau nos dias úteis, de segunda a sexta-feira, conforme horário fixado pelos órgãos indicados nos regimentos internos dos tribunais.

§ 1º - Nos fins de semana, feriados ou em qualquer outro dia ou horário em que não houver expediente forense, haverá, nos tribunais e nos órgãos da Justiça de primeiro grau, magistrado e servidor em plantão, designados para apreciar e processar as medidas de natureza urgente, conforme dispuserem os respectivos regimentos internos, com direito a compensação ou indenização.

(Disponível em https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa-nova-min.html? tipo=LCP& num=59&ano=2001. Acesso em 5 de outubro de 2022)