Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0007632-38.2022.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - TJRS
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


PARTICIPAÇÃO DE ADVOGADO EM EXPEDIENTES DA COMISSÃO LOCAL DE PREVENÇÃO E ENFRENTAMENTO DO ASSÉDIO MORAL, DO ASSÉDIO SEXUAL E DA DISCRIMINAÇÃO. RESOLUÇÃO CNJ N. 351/21.

1. A Resolução CNJ n. 351 define a Política Nacional de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação em diversas etapas que possuem caracterizações jurídicas distintas.

2. Na etapa acolhimento, suporte e acompanhamento (Capítulo VI, artigos 7º, 8º, 9º, 10 e 11 da Resolução CNJ 351/21), de regra, sigilosa (art. 14), atraindo a incidência do art. 7º, XIII, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), a presença de advogado não é obrigatória, mas tampouco proibida, cabendo à Comissão Local aferir a sua necessidade mediante o sopesamento dos interesses envolvidos no caso concreto.

3. Se as práticas restaurativas ou conciliatórias não surtirem efeito ou a(o) noticiante entender inviável a resolução do conflito (art. 13, § 4º), na etapa de deliberação da Comissão sobre o mérito da notícia e antes do envio à autoridade competente, a presença de advogado é recomendada, ainda que não obrigatória (Súmula Vinculante 5 do Supremo Tribunal Federal).

4. Em todas as etapas, quando a noticiante for mulher, o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução CNJ 492/23) impõe às Comissões o dever de evitar a revitimização ou exposição excessiva da noticiante.

5. Consulta conhecida e respondida.


 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, respondeu a consulta, nos seguintes termos: I - na etapa acolhimento, suporte e acompanhamento (Capítulo VI, artigos 7º, 8º, 9º, 10 e 11 da Resolução CNJ 351/21), de regra, sigilosa (art. 14), atraindo a incidência do art. 7º, inc XIII, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), a presença de advogado não é obrigatória, mas tampouco proibida, cabendo à Comissão Local aferir a sua necessidade mediante o sopesamento dos interesses envolvidos no caso concreto; II - se as práticas restaurativas ou conciliatórias não surtirem efeito ou a(o) noticiante entender inviável a resolução do conflito (art. 13, § 4º), na etapa de deliberação da Comissão sobre o mérito da notícia e antes do envio à autoridade competente, a presença de advogado é recomendada, ainda que não obrigatória (Súmula Vinculante 5 do Supremo Tribunal Federal) e III - Em todas as etapas, quando a noticiante for mulher, o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução CNJ 492/23) impõe às Comissões o dever de evitar a revitimização ou exposição excessiva da noticiante, termos do voto da Relatora. Vencidos os Conselheiros Marcos Vinicius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Mário Goulart Maia, que respondiam a consulta da seguinte forma: I - Na etapa acolhimento, suporte e acompanhamento (Capítulo VI da Resolução CNJ 351, de 28/10/2020) que é, em regra, sigilosa - a atrair a incidência do art. 7º, XIII, da Lei nº 8.906/1994 - a presença de advogado é facultativa, salvo se houver produção de provas (colheita de depoimentos, expedição de ofícios e requisição de documentos, por exemplo); II - Em qualquer etapa do procedimento, a assistência de profissional da Advocacia deve ser assegurada à parte ré, caso possa ser atingida por deliberações da Comissão (a exemplo das medidas previstas no art. 11, Res. 351) e III - Em todas as etapas, quando a noticiante for mulher, o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução CNJ 492/23) impõe às Comissões o dever de evitar a revitimização ou exposição excessiva da noticiante. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 1º de setembro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Mário Goulart Maia. Não votaram o Excelentíssimo Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

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RELATÓRIO

 

 

Trata-se de Consulta realizada pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (TJRS), por meio da qual requer “seja esclarecido sobre a possibilidade de habilitação de procuradores em expediente realizado no âmbito de Comissão Paritária de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral, Assédio Sexual e Doenças Decorrentes – COPEAM (Resolução nº 351/21 do CNJ).”

Distribuído o processo por sorteio, nos termos do art. 44, § 5º, do RICNJ, foi certificada a existência de outros processos que poderiam tratar da mesma matéria deste feito (ID 4956176).

Em razão disso, acolhi a prevenção e determinei a redistribuição do feito (Id 4994930).

Considerada a especificidade da matéria, designei, na qualidade de membro do Comitê de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual e da Discriminação no Poder Judiciário (Portaria CNJ n. 299/2020), o eminente Juiz Auxiliar da Presidência Dr. Tiago Mallmann Sulzbach para emissão de parecer.

Sobreveio aos autos o parecer de Id 5217616.

É o relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

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VOTO

 

Ao anuir com a manifestação exarada pelo eminente Juiz Auxiliar da Presidência Dr. Tiago Mallmann Sulzbach, acolho integralmente o parecer de Id 5217616, cujos fundamentos passo a reproduzir:

“II. FUNDAMENTAÇÃO:

1. Fundamentos da Consulta. Limitação do escopo.

 

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – TJRS elabora sua consulta com os seguintes fundamentos:

“Trata-se de Consulta prevista no art. 89 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, a qual visa ao esclarecimento sobre a possibilidade de habilitação de advogados para acompanhamento de expediente instaurado no âmbito da Comissão Paritária de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral, Assédio Sexual e Doenças decorrentes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

O pedido dos procuradores teve como fundamento o disposto nos artigos 6º e 7º, ambos da Lei 8.906/94.

Ocorre que, nos termos da Resolução CNJ nº 351/21, que instituiu a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e Sexual, especialmente em seu artigo 16, que trata das atribuições da Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual, não existe previsão de instauração de expediente, sindicância ou processo administrativo, pois a Comissão objetiva atividades diversas e de acolhimento e acompanhamento de “notícias de condutas abusivas”, no âmbito das relações socioprofissionais e da organização do trabalho, sem, contudo, ensejar a presença de procuradores, pois é exigido o resguardo do sigilo nas atribuições específicas da Comissão, as quais não exigem atuação defensiva ou acusatória na esfera de atuação da apuração da notícia, sendo que o devido processo legal e a ampla defesa serão indispensáveis somente nos procedimentos disciplinares e perante as autoridades competentes, na forma do artigo 17, parágrafo 1º, da referida Resolução.

Cabe ressaltar, ainda, que a Comissão não faz as vezes de instância disciplinar, sendo clara a redação nesse sentido do artigo 8º: “as ações de acolhimento e acompanhamento serão pautadas pela lógica do cuidado para pessoas expostas a riscos psicossociais da organização de trabalho e, portanto, terão caráter distinto e autônomo em relação a procedimentos formais de natureza disciplinar”, e do artigo 16, § 2º,: “as Comissões criadas por força desta Resolução não substituem as comissões de sindicância e processo administrativo disciplinar”, ambos da Resolução nº 351 do CNJ.

No entanto, considerando que a COPEAM pode recomendar a “apuração da notícia de condutas abusivas” perante as autoridades competentes, ensejando, eventualmente, a instauração de sindicância ou de processo administrativo disciplinar, podem ter os “reclamados” interesse em constituir advogados para acompanharem, preventivamente, as ações e atividades da Comissão.

Dessa forma, havendo interesse, em tese, de os procuradores acompanharem as atividades da Comissão, com base nos artigos 6º e 7º, principalmente os incisos XIII, XIV, XV e XVI, ambos da Lei 8.906/94, oportuno consultar o Conselho Nacional de Justiça acerca da possibilidade de habilitação de procuradores em expediente realizado no âmbito de Comissão Paritária de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral, Assédio Sexual e Doenças Decorrentes – COPEAM (Resolução nº 351/21 do CNJ).

Em razão disso, requer: “que seja esclarecido sobre a possibilidade de habilitação de procuradores em expediente realizado no âmbito de Comissão Paritária de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral, Assédio Sexual e Doenças Decorrentes – COPEAM (Resolução nº 351/21 do CNJ).”

Inicialmente, verificamos que a Consulta não estabelece rigorosamente em qual das fases de atuação da Comissão Local de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação que os procuradores pretenderam sua habilitação.

Por outro lado, não há clareza se os procuradores que pretendiam se habilitar seriam da parte noticiante ou da parte noticiada. Ainda que, nas entrelinhas, possa-se entender que se trataria da parte noticiada, disso não se tem certeza nos autos.

Todas essas ponderações são feitas de modo prefacial apenas para justificar a análise subsequente, em que a possível e eventual participação de advogados será feita em distintas fases constantes da Resolução CNJ 351/21 e para quaisquer das partes envolvidas.

 

2. Resolução CNJ 351/21. Política Nacional de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação. Etapas.

 

A Resolução CNJ 351 define a Política Nacional de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação em diversas etapas que possuem caracterizações jurídicas distintas.

2.1. A primeira etapa é a de acolhimento, suporte e acompanhamento (Capítulo VI), regulada pelos artigos 7º, 8º, 9º, 10 e 11, que assim dispõem:

“Art. 7º Os órgãos do Poder Judiciário manterão canal permanente, preferencialmente nas respectivas áreas de gestão de pessoas, de acolhimento, escuta, acompanhamento e orientação a todas as pessoas afetadas por situações de assédio e discriminação no âmbito institucional, resguardado pelo sigilo profissional, a fim de minimizar riscos psicossociais e promover a saúde mental no trabalho.

Parágrafo único. O acompanhamento poderá ser individual ou coletivo, inclusive de equipes, a fim de promover o suporte psicossocial e, também, orientar a busca de soluções sistêmicas para a eliminação das situações de assédio e discriminação no trabalho.

Art. 8º As ações de acolhimento e acompanhamento serão pautadas pela lógica do cuidado para pessoas expostas a riscos psicossociais da organização de trabalho e, portanto, terão caráter distinto e autônomo em relação a procedimentos formais de natureza disciplinar.

Art. 9º A escuta e o acompanhamento, observados métodos e técnicas profissionais, propiciarão atenção humanizada e centrada na necessidade da pessoa, respeitando seu tempo de reflexão e decisão e fortalecendo sua integridade psíquica, autonomia e liberdade de escolha.

Parágrafo único. O acompanhamento propiciará informação acerca das possibilidades de encaminhamento previstas nesta Política e das alternativas de suporte e orientação disponíveis, respeitadas as escolhas quanto ao modo de enfrentar a situação de assédio ou discriminação.

Art. 10. As áreas de acompanhamento de pessoas atuarão em rede com os demais profissionais de saúde, na perspectiva inter e transdisciplinar, a fim de assegurar cuidado integral às pessoas afetadas por situação de assédio ou discriminação.

Art. 11. Frente a riscos psicossociais relevantes, os profissionais das áreas de gestão de pessoas e de saúde poderão prescrever ações imediatas para preservar a saúde e a integridade física e moral das pessoas afetadas por assédio ou discriminação, inclusive, se for ocaso, sugerir à Presidência do Tribunal ou à autoridade competente, a realocação dos servidores envolvidos, com sua anuência, em outra unidade”

Como se observa, não há, propriamente, um processo ou procedimento administrativo configurado, mas mero expediente, já que o acolhimento, o suporte e o acompanhamento são realizados independentemente de se aferir a procedência, ou não, da notícia formulada.

E, desta feita, como a Comissão Local não ingressa no mérito da notícia e não faz qualquer juízo de valor ou justiça sobre os fatos a ela trazidos, suas atividades muito mais se assemelham aos atos de acolhimento que são realizados por profissionais da saúde, ainda que exista um vínculo socioprofissional mantido entre noticiante e noticiado.

Por outro lado, esta fase é, de regra, sigilosa, nos termos do art. 14 da Resolução CNJ 351/21: “Deverão ser resguardados o sigilo e os compromissos de confidencialidade estabelecidos no encaminhamento de notícia de assédio ou discriminação, sendo vedado o anonimato.”

Logo, o sigilo necessário ao trato da matéria atrai a incidência do art. 7º, inc XIII, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994): “ Art. 7º São direitos do advogado: (...) XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos; (...) (grifou-se)

No aspecto, a Resolução CNJ 351/21 deixa ao prudente arbítrio da Comissão Local a decisão final sobre o deferimento, ou não, da participação de advogados, já que a sua participação, apesar de não ser obrigatória, tampouco está proibida.

Deste modo, a presença de advogado na etapa de acolhimento, suporte e acompanhamento não é obrigatória, mas tampouco proibida.

2.2. Depois de realizado o acolhimento, suporte e acompanhamento, a Comissão passa a deliberar sobre quais medidas deve tomar, conforme estatui o artigo 16 da Resolução CNJ 351/21:

“Art. 16. A Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual terá as seguintes atribuições:

I – Monitorar, avaliar e fiscalizar a adoção dessa Política;

II – contribuir para o desenvolvimento de diagnóstico institucional das práticas de assédio moral e sexual;

III – solicitar relatórios, estudos e pareceres aos órgãos e unidades competentes, resguardados o sigilo e o compromisso éticoprofissional das áreas técnicas envolvidas;

IV – sugerir medidas de prevenção, orientação e enfrentamento do assédio moral e sexual no trabalho;

V – representar aos órgãos disciplinares a ocorrência de quaisquer formas de retaliação àquele(a) que, de boa-fé, busque os canais próprios para relatar eventuais práticas de assédio moral ou sexual;

VI – alertar sobre a existência de ambiente, prática ou situação favorável ao assédio moral ou assédio sexual;

VII – fazer recomendações e solicitar providências às direções dos órgãos, aos gestores das unidades organizacionais e aos profissionais da rede de apoio, tais como:

a) apuração de notícias de assédio;

b) proteção das pessoas envolvidas;

c) preservação das provas;

d) garantia da lisura e do sigilo das apurações;

e) promoção de alterações funcionais temporárias até o desfecho da situação;

f) mudanças de métodos e processos na organização do trabalho;

g) melhorias das condições de trabalho;

h) aperfeiçoamento das práticas de gestão de pessoas;

i) ações de capacitação e acompanhamento de gestores e servidores;

j) realização de campanha institucional de informação e orientação;

k) revisão de estratégias organizacionais e/ou métodos gerenciais que possam configurar assédio moral organizacional;

l) celebração de termos de cooperação técnico-científica para estudo, prevenção enfrentamento do assédio moral e sexual;

VIII – articular-se com entidades públicas ou privadas que tenham objetivos idênticos aos da Comissão.

§ 1º Sem prejuízo das medidas de coordenação nacional, acompanhamento e incentivo por parte do Conselho Nacional de Justiça, as Comissões instituídas pelos tribunais coordenarão rede colaborativa e promoverão o alinhamento das Comissões em nível regional, bem como tomarão iniciativas para a efetividade de seus objetivos.

§ 2º As Comissões criadas por força desta Resolução não substituem as Comissões de sindicância e processo administrativo disciplinar.”

Neste momento, entre as medidas que podem ser adotadas, estão as abordagens de práticas restaurativas ou conciliatórias, conforme o art. 4º, inc. III, alínea “c”, da Resolução CNJ 351/21:

“Art. 4º Essa Política rege-se pelas seguintes diretrizes gerais: (...)

III – as estratégias institucionais de prevenção e combate ao assédio e à discriminação priorizarão:

(...) c) o incentivo às abordagens de práticas restaurativas para resolução de conflitos;”

Aqui, é de bom alvitre ressaltar que a atuação da Comissão pode simplesmente não ser mais necessária, caso surtam efeitos as práticas restaurativas ou conciliatórias e tudo isso antes de qualquer encaminhamento de notícia a qualquer órgão competente para apuração disciplinar.

Em realidade, parece que esse é um dos grandes objetivos da Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação: a possível restauração do ambiente de trabalho sem a necessária utilização das penalidades administrativas aplicáveis ao caso.

Logo, a criação de uma cultura de paz nos ambientes de trabalho socioprofissionais é um dos objetivos da Resolução CNJ 351/21, daí o porquê de valorizar tanto as formas alternativas de resolução de conflitos em detrimento das tradicionais formulas processualísticas para a solução de controvérsias.

Dito isso, somente se as práticas restaurativas ou conciliatórias não surtirem efeito ou a(o) noticiante entender inviável a resolução do conflito (art. 13, § 4º), é que há deliberação da comissão sobre o mérito da notícia e antes do envio à autoridade competente.

E não só isso.

Apenas e quando a notícia considerada procedente pela comissão configurar violação de deveres previstos na Constituição Federal, Lei Complementar 35/79, no Código Civil, no Código Penal, no Código de Ética da Magistratura, na Lei 8.112/90, na legislação estadual e distrital e atos normativos vigentes, haverá a constituição de processo formal, com a instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar[1].

Isto tudo porque apenas a denominada denúncia fundamentada é que será considerada para os efeitos de encaminhamento da notícia para a autoridade competente que, assim, para todos os efeitos, pode ser conceituada como aquela que a Comissão Local entende violadora dos deveres previstos na Constituição e Legislação infraconstitucional.

As Comissões Locais não substituem as comissões de sindicância e processo administrativo disciplinar (art. 16, §2º, da Resolução CNJ 351/21), deixando clarividente que se trata de coisas distintas as etapas de acolhimento, suporte e acompanhamento daquela em que se delibera pelo envio, ou não, da notícia à autoridade competente.

Ainda que a Comissão Local não seja uma etapa obrigatória para a apuração do assédio moral, do assédio sexual e da discriminação, quando a notícia a ela chega, a tentativa de solução do conflito deve seguir a ordem escolhida pela Resolução CNJ 351/21.

Sendo assim, quando a notícia alcança este estágio dentro da Comissão, a Resolução CNJ 351/21 expressamente reconhece a necessidade de observância do devido processo legal e da ampla, como não poderia deixar de ser, nos precisos termos do § 2º do seu art. 17:

“A apuração de situação de assédio ou discriminação, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, será instaurada pela autoridade competente em razão de denúncia fundamentada, observados o devido processo legal e a ampla defesa.”

Uma vez instaurado, formalmente, um processo administrativo, sobre a participação de advogados, incide o entendimento consolidado na Súmula Vinculante 5 do Supremo Tribunal Federal: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.”

Então, respondendo à consulta, na fase de apreciação do mérito da denúncia e antes de seu envio à autoridade competente, a presença de advogado é recomendada, ainda que não obrigatória (Súmula Vinculante 5 do Supremo Tribunal Federal).

 

3. Do Protocolo de Julgamento Com Perspectiva de Gênero. Resolução CNJ 492/23.

 

Ressalta-se que quando a noticiante for mulher o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, cuja aplicação é obrigatória nos termos Resolução CNJ 492/23, determina um olhar diferenciado para a questão: “o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero foi criado com escopo de orientar a magistratura no julgamento de casos concretos, de modo que magistradas e magistrados julguem sob a lente de gênero, avançando na efetivação da igualdade e nas políticas de equidade.”[2]

Para os casos de assédio e discriminação, em especial, diz o Protocolo, expressamente, em todas as etapas, que apreciar “os casos de assédio sob a perspectiva de gênero, implica evitar a exposição excessiva da vítima, a revitimização, bem como a criação de mecanismos reparadores para a prevenção do assédio, a responsabilização efetiva e o restabelecimento de uma vida livre de violência.”[3]

 Ainda que a Consulta não questione isso diretamente, importante registrar que, ao apreciar todo e qualquer pedido de vista, devem as Comissões ter por norte evitar a revitimização ou exposição excessiva da noticiante em todas as etapas de sua atuação.

Desde modo, fica ao prudente arbítrio da Comissão Local, mais próxima da parte noticiante (princípio da imediação), as definições sobre eventuais peculiaridades do caso concreto que autorizem, ou não, a participação de advogados nas diferentes etapas, mas sempre respeitando a necessidade de não revitimizar ou expor excessivamente a noticiante.

(...)”

 

Diante do exposto, conheço da Consulta, nos termos do art. 89, §2º, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, para, no mérito, respondê-la nos seguintes termos:

 

(i) na etapa acolhimento, suporte e acompanhamento (Capítulo VI, artigos 7º, 8º, 9º, 10 e 11 da Resolução CNJ 351/21), de regra, sigilosa (art. 14), atraindo a incidência do art. 7º, inc XIII, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), a presença de advogado não é obrigatória, mas tampouco proibida, cabendo à Comissão Local aferir a sua necessidade mediante o sopesamento dos interesses envolvidos no caso concreto.

(ii) se as práticas restaurativas ou conciliatórias não surtirem efeito ou a(o) noticiante entender inviável a resolução do conflito (art. 13, § 4º), na etapa de deliberação da Comissão sobre o mérito da notícia e antes do envio à autoridade competente, a presença de advogado é recomendada, ainda que não obrigatória (Súmula Vinculante 5 do Supremo Tribunal Federal).

(iii) Em todas as etapas, quando a noticiante for mulher, o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução CNJ 492/23) impõe às Comissões o dever de evitar a revitimização ou exposição excessiva da noticiante.

 

É como voto.

Intimem-se os Tribunais, o CJF, e o CSJT. 

Para conhecimento, deverão os Tribunais remeter cópia deste acórdão às Comissões de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual.

 

Brasília, 1º de setembro de 2023. 


Conselheira Salise Sanchotene

Relatora



[1] Este é o texto do art. 17, caput, da Resolução CNJ 351/21: “O assédio e a discriminação definidos nesta Resolução serão processados pelas instâncias competentes para conhecer da responsabilidade disciplinar, quando constituírem violações a deveres previstos na Constituição Federal, na Lei Complementar no 35/79, no Código Civil, no Código Penal, no Código de Ética da Magistratura, na Lei no 8.112/90, na legislação estadual e distrital ou nas demais leis e atos normativos vigentes.”

[2] Página 14 do Protocolo: disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-18-10- 2021-final.pdf.

[3] Página 65 do Protocolo: disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-18-10-2021-final.pdf.

 

 

Autos:

CONSULTA - 0007632-38.2022.2.00.0000

Requerente:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - TJRS

Requerido:

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 VOTO DIVERGENTE

 

EMENTA: PARTICIPAÇÃO DE ADVOGADO EM EXPEDIENTES DA COMISSÃO LOCAL DE PREVENÇÃO E ENFRENTAMENTO DO ASSÉDIO MORAL, DO ASSÉDIO SEXUAL E DA DISCRIMINAÇÃO. RESOLUÇÃO CNJ N. 351/2020.

1. A Resolução CNJ n. 351 define a Política Nacional de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação em diversas etapas que possuem caracterizações jurídicas distintas.

2. Na etapa acolhimento, suporte e acompanhamento (Capítulo VI, artigos 7º, 8º, 9º, 10 e 11 da Resolução CNJ 351/21), de regra, sigilosa (art. 14), atraindo a incidência do art. 7º, XIII, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), a presença de advogado não é obrigatória, todavia, as deliberações da Comissão possam atingir servidor reclamado, deve lhe ser assegurada a presença da Defesa técnica.

3. Do mesmo, em respeito ao direito de defesa e ao contraditório, se houver a prática de atos procedimentais instrutórios - como requisição de informações, colheita de depoimentos, expedição de ofícios - deve à parte reclamada ser oportunizada a assistência de profissional da Advocacia.

4. Em todas as etapas, quando a noticiante for mulher, o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução CNJ 492/23) impõe às Comissões o dever de evitar a revitimização ou exposição excessiva da noticiante.

5. Consulta conhecida e respondida.

 

O Excelentíssimo Senhor Conselheiro Marcos Vinícius Jardim:

Adoto o bem lançado relatório da Eminente Relatora desta Consulta, a Conselheira Salise Monteiro Sanchotene. Todavia, de sua conclusão, ouso divergir parcialmente, conforme os fundamentos que passo a expor.

Cuida-se de procedimento de Consulta previsto no art. 43, IX, art. 89 e art. 90, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ), pela qual o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) pede esclarecimento sobre a possibilidade de habilitação de advogados para acompanhamento de expediente instaurado na Comissão Paritária de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral, Assédio Sexual e Doenças decorrentes (COPEAM), prevista no artigo 15 da Resolução CNJ n. 351, de 28/10/2020.

O pedido teve como fundamento o disposto nos artigos 6º e 7º, ambos da Lei 8.906/1994, que tratam dos direitos dos integrantes da Advocacia.

Por seu turno, a Resolução CNJ n. 351 instituiu a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e Sexual, prevendo, em seu artigo 16, as atribuições da Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual. No aludido dispositivo, todavia, não está prevista a presença de procuradores, e, consoante voto da Relatora, “o devido processo legal e a ampla defesa serão indispensáveis somente nos procedimentos disciplinares e perante as autoridades competentes, na forma do artigo 17, § 1º, da referida Resolução”.

Realmente, a Comissão prevista na Res. 351 não faz as vezes de instância disciplinar, consoante preconizado em seu artigo 8º: “as ações de acolhimento e acompanhamento serão pautadas pela lógica do cuidado para pessoas expostas a riscos psicossociais da organização de trabalho e, portanto, terão caráter distinto e autônomo em relação a procedimentos formais de natureza disciplinar”, reforçado pelo artigo 16, §2º: “as Comissões criadas por força desta Resolução não substituem as comissões de sindicância e processo administrativo disciplinar”.

Por outro lado, a COPEAM pode recomendar a apuração da notícia de condutas supostamente abusivas perante as autoridades competentes, fato que poderá redundar na instauração de sindicância ou de processo administrativo disciplinar. Exsurge, então, o interesse das pessoas “reclamadas” em constituir advogados para acompanhamento preventivo das ações e atividades da mencionada Comissão.

Dessa forma, havendo interesse da parte nesse monitoramento pelo membro da Advocacia, com base nos artigos 6º e 7º, especialmente nos incisos XIII, XIV, XV e XVI, da Lei 8.906/94, não há dúvida sobre possibilidade da habilitação de procuradores em expediente realizado no âmbito da COPEAM. Aliás, assim concluiu a Relatora. Ou seja, seria opção de que a parte possa solicitar ou não assistência de advogado.

Contudo, não me parece acertado que, em casos de tomada de decisões imediatas como previsto no artigo 11 da Resolução CNJ n. 351, a presença da Advocacia possa ser dispensada, como propõe o voto de Sua Excelência. Explico.

O art. 11 da norma em comento prescreve a possibilidade de que “os profissionais das áreas de gestão de pessoas e de saúde” estabeleçam “ações imediatas para preservar a saúde e a integridade física e moral das pessoas afetadas”, incluindo sugestões “à Presidência do Tribunal ou à autoridade competente”, de “realocação dos servidores envolvidos”. É dizer: medidas restritivas podem ser impostas, sem que o afetado tenha direito defesa ou sequer acompanhamento técnico.

Com efeito, penso ser imprescindível assegurar o direito de defesa do servidor que possa vir a ser atingido por deliberações decorrentes da Resolução CNJ n. 351. Da mesma forma, para a realização dos atos procedimentais - como tomada formal de depoimentos ou produção de outra prova no expediente inaugurado contra si -, deve ser garantida a possibilidade de assistência de profissional da Advocacia.

 

DISPOSITIVO 

Diante do exposto, apresento PARCIAL divergência, rogando novas escusas à Relatoria, para responder à presente Consulta da seguinte maneira:

1.  Na etapa acolhimento, suporte e acompanhamento (Capítulo VI da Resolução CNJ 351, de 28/10/2020) que é, em regra, sigilosa - a atrair a incidência do art. 7º, XIII, da Lei nº 8.906/1994 - a presença de advogado é facultativa, salvo se houver produção de provas (colheita de depoimentos, expedição de ofícios e requisição de documentos, por exemplo);

 

2.  Em qualquer etapa do procedimento, a assistência de profissional da Advocacia deve ser assegurada à parte ré, caso possa ser atingida por deliberações da Comissão (a exemplo das medidas previstas no art. 11, Res. 351);

 

3.  Em todas as etapas, quando a noticiante for mulher, o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução CNJ 492/23) impõe às Comissões o dever de evitar a revitimização ou exposição excessiva da noticiante.

 

É o respeitoso Voto que apresento ao Egrégio Plenário.

 

Conselheiro Marcos Vinícius Jardim