Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007153-45.2022.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ADVOGADOS TRABALHISTAS - ABRAT
Requerido: ANTONIO FRANCISCO MONTANAGNA

 

 

EMENTA  



 

 



RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. INFRAÇÃO DISCIPLINAR IMPUTADA A DESEMBARGADOR DO TRABALHO.  DIVERSAS PUBLICAÇÕES NAS REDES SOCIAIS DO FACEBOOK COM CONTEÚDO POLÍTICO. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTS. 95, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DA CF, 35, VIII, E 36, III, DA LOMAN E 1º, 2º, 4º, 7º, 12, II, 13, 15, 16 E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL, BEM COMO DE DISPOSITIVOS DO PROVIMENTO N. 135/2022 DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA E DA RESOLUÇÃO N. 305/2019 DO CNJ. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, SEM O AFASTAMENTO DO MAGISTRADO.   

1. A liberdade de expressão não constitui direito absoluto, e, no caso dos magistrados, deve se coadunar com o necessário à afirmação dos princípios da magistratura. 


2. Publicações feitas por magistrados em redes sociais, mesmo que privadas, devem observar o disposto no Provimento n. 135/2022 e na Resolução n. 305/2019, na medida em que seus deveres éticos não se esvaem com o fim do expediente forense. 


3. Configura infração disciplinar a conduta consistente em publicar diversas mensagens nas redes sociais do Facebook que manifestam conteúdo incontestavelmente político, em circunstância agravada pelo potencial de influência que as mídias sociais ostentam atualmente.


4. Existência de elementos indiciários apontando afronta aos arts. 95, parágrafo único, III, da CF/88, 35, VIII, 36, III, da LC n. 35/79 (LOMAN), 1°, 2°, 4º, 7°, 12, II, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, 2º, §§ 1º, 2º e 3º, e 2º, IV, 3º, I, do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como 3º, II, “b” e “e”, e 4º, II, da Resolução n. 305 do CNJ.  


5. Os elementos indiciários autorizam a instauração de procedimento administrativo disciplinar (PAD) para que o Conselho Nacional de Justiça possa aprofundar as investigações, se necessário com a produção de novas provas, com vistas a analisar a concreta violação dos deveres funcionais por parte do magistrado, com respeito ao contraditório e ao devido processo legal, aplicando a sanção disciplinar cabível, se for o caso, sem o afastamento cautelar do magistrado.

 

J6

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do Desembargador, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 5 de setembro de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão (Relator), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentou oralmente pelo Requerido, o Advogado Cristiano Sofia Molica - OAB/SP 203.624.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007153-45.2022.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ADVOGADOS TRABALHISTAS - ABRAT
Requerido: ANTONIO FRANCISCO MONTANAGNA


RELATÓRIO


          

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):  

 

Cuida-se de Reclamação Disciplinar interposta pela Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas em desfavor de ANTONIO FRANCISCO MONTANAGNA, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região. 


Insurge-se a ora reclamante contra a conduta do reclamado, que, em suas redes sociais, postou uma série de imagens e expressões de cunho discriminatório, com vinculação a um dos candidatos à Presidência da República no pleito eleitoral, relacionadas a fatos notórios e recentes utilizados nas campanhas publicitárias.


Pede a concessão de liminar para que seja determinada a exclusão de quaisquer postagens de conteúdo machista, misógino e mentiroso em relação ao pleito eleitoral e que seja determinada a retratação imediata do Representado pelos conteúdos mentirosos postados em suas redes sociais, em especial o de comparação misógina entre eleitoras de direita e esquerda. Alternativamente pede a suspensão, em caráter liminar das redes sociais do Representado (Facebook, Linkedin, Telegrama, Twitter, Instagram e Whatsapp), evitando que continue propagando mentiras e disseminando preconceitos durante o período pré-eleitoral.


Ao final pede a apuração dos fatos, instaurando-se o competente processo legal administrativo disciplinar para aplicação da penalidade cabível em lei para o caso concreto, bem como a confirmação das liminares. 


Em decisão de Id 4923628, determinei a título de medida cautelar (RICNJ, art. 8º, inciso IV; Lei 12.965/2014, art. 19, caput, §§ 1º e 4º), a suspensão nos seguintes perfis utilizados pelo Desembargador Antonio Francisco Montanagna: Facebook: https://www.facebook.com/montanagna e Twitter: https://twitter.com/montanagna, bem como que fossem oficiados o Twitter e o Facebook para retenção imediata das contas mencionadas, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00.  a determinação foi cumprida pelos provedores nos quais o magistrado possuía contas, conforme manifestações de Ids. 4923639 e 4925423.  


Notificado para prestar informações, o Desembargador reclamado apresentou a manifestação de Id 4937860. Alega, em suma, que nunca foi filiado a qualquer partido, nem apoiou nenhum candidato, bem como jamais solicitou votos para algum deles. Informa que deixou suas senhas das redes sociais com sua filha que passou a utilizar o seu perfil no Facebook a contar de junho de 2022. Informa que chegou a compartilhar algumas postagens referentes à polarização desenfreada ocorrida durante as eleições, usando seu perfil. Ressalta que os compartilhamentos não foram para o público em geral, mas apenas para grupo restrito de poucos amigos que havia no seu perfil, muitos deles igualmente familiares ou amigos da sua filha. Aduz que quando constatou tais postagens imediatamente solicitou à sua filha que as deletasse, no que foi prontamente atendido.


No que tange ao conteúdo dos compartilhamentos, defende que se tratavam de posts que já circulavam na internet, que nenhum deles foi criado ou produzido nem pelo reclamado nem por sua filha. Impugna as alegações de fake news e misoginia. Esclarece que não foi realizada postagem no perfil do Twitter, conforme já esclarecido pela empresa nos autos.


Defende que os posts foram espontaneamente deletados, de modo que nada restou a ser retratado.


Em despacho saneador, ante indícios de infração funcional, determinei a intimação do Reclamado para Defesa Prévia, sob os expressos termos do art. 67, § 3º, do RICNJ.


Sobreveio a defesa prévia do magistrado, subscrita por advogado, em que, além de repisar os argumentos anteriormente expostos nas manifestações de Id. 4937860, sustenta que o magistrado, professor universitário, sofreria de graves problemas de saúde desde um acidente ocorrido em 2017, e que teria requerido aposentadoria voluntária, deferida em 2019, “a qual não acarretou ainda seus efeitos quanto ao afastamento definitivo e respectiva percepção dos proventos da inatividade em razão de ter requerido logo a seguir o sobrestamento provisoriamente” (Id. 5093699).


A ANAMATRA e a AMB requereram o ingresso no feito, na condição de terceiras interessadas (Id. 5186936 e 5160544).  


 É o relatório.

 

J6/F30 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007153-45.2022.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ADVOGADOS TRABALHISTAS - ABRAT
Requerido: ANTONIO FRANCISCO MONTANAGNA

 


 

VOTO  

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):  

 

O presente expediente foi instaurado a partir de notícia de que o Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região, ANTONIO FRANCISCO MONTANAGNA, estaria adotando conduta em suas redes sociais incompatível, em tese, com seus deveres funcionais de magistrado, a partir de denúncia realizada pela ABRAT- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ADVOGADOS TRABALHISTAS, de que o magistrado realizara postagens de conteúdo “machista, misógino e mentiroso” em relação ao pleito eleitoral.

A respaldar a denúncia realizada, foram indicados os seguintes conteúdos:

 

1. repostagem no Facebook com mensagem “Intriga da oposição”, na qual há foto indicando suposto padrão das eleitoras dos então candidatos Jair Bolsonaro e Lula (id 4923277, página 3). 

2. comentário numa postagem no Facebook com mensagem: “Vocês têm 37 dias para decidir se querem passear com seus cachorros ou se ‘alimentar’ deles. Bom dia!”  (id 4923277, página 4)

3. postagem de autoria do reclamado no qual se manifesta sobre Roberto Jefferson com a mensagem “no fundo presenciamos uma tentativa de suicídio. Associar isso a Bolsonaro como fez o Lula é jogar sujo, mais uma vez” (id 4923277, página 5). 

4. repostagem no Facebook intitulada “Pode isso, Arnaldo?”, na qual faz referência à legalização do aborto (id 4923277, página 7) 

5. postagem no Facebook sob o teor “Lula e PT usando religião e igreja para conturbar as eleições e enganar incautos. E ainda criticam Bolsonaro por frequentar missa, sendo católico, e visitar cultos, sendo casado com uma evangélica” (id 4923277, página 8). 

6. Postagem com a informação “com pix hoje você transfere dinheiro e paga conta de graça. Quando você voltar a pagar 18.00 reais por transferência bancária e taxa por emissão de boleto faz um L” (id 4923277, página 9) 

 

Inicialmente, destaco que o magistrado goza de direito à liberdade de expressão, assegurado pela Constituição da República (art. 5º, IV), pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 19) e pelo Pacto de San José da Costa Rica (art. 13).

Entretanto, a despeito de ampla, a liberdade de expressão não é absoluta. Sua própria enunciação costuma vir acompanhada de marcos restritivos. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dispõe que o direito à liberdade de expressão “implicará deveres e responsabilidades especiais” e “poderá estar sujeito a certas restrições”. O Pacto de San José da Costa Rica anda em linha semelhante.

Uma limitação à liberdade de expressão deve ser compatível com o princípio democrático. Como leciona Catalina Botero Marino, então relatora especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o escrutínio dessa compatibilidade é feito por meio de um teste tripartite (In COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Marco Jurídico Interamericano sobre o Direito à Liberdade de Expressão. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Washington: OEA, 2014 (disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/docs/publicaciones/20140519%20-%20PORT%20Unesco%20-%20Marco%20Juridico%20Interamericano%20sobre%20el%20Derecho%20a%20la%20Libertad%20de%20Expresion%20adjust.pdf.): 

“(1) a restrição deve ter sido definida de forma precisa e clara por meio de uma lei formal e material, (2) a restrição deve se orientar à realização de objetivos imperiosos autorizados pela Convenção Americana, e (3) a restrição deve ser necessária em uma sociedade democrática para o sucesso dos imperiosos fins buscados; estritamente proporcional à finalidade buscada; e idônea para alcançar o imperioso objetivo que procura realizar”.

 

No específico caso dos servidores públicos, a relatora especial ainda aponta a existência de deveres próprios e gerais, relacionados à liberdade de expressão: dever de pronunciar-se em certos casos, em cumprimento de suas funções constitucionais e legais, sobre assuntos de interesse público; dever especial de constatação razoável dos fatos que fundamentam seus pronunciamentos; dever de assegurar-se de que os seus pronunciamentos não constituam violações dos direitos humanos; dever de assegurar-se de que seus pronunciamentos não constituam uma ingerência arbitrária, direta ou indireta, sobre os direitos daqueles que contribuem à deliberação pública mediante a expressão e difusão de seu pensamento; dever de assegurar-se de que os seus pronunciamentos não interfiram na independência e na autonomia das autoridades judiciais.

Desse contexto recolhe-se que o ordenamento jurídico pode, na medida do indispensável à promoção dos valores de uma sociedade democrática, impor restrições à liberdade de expressão. Também são possíveis restrições peculiares aos servidores públicos, desde que compatíveis com o princípio democrático e proporcionais às funções por eles exercidas.

Especificamente em se tratando dos membros da magistratura, um regime peculiar de restrições se justifica em razão de seu mister. Aos juízes é entregue a tarefa de aplicar o direito, a partir de uma posição imparcial. Para em nome do povo, desempenhar sua tarefa de resolução de disputas, os magistrados precisam demonstrar em sua conduta a aptidão para ouvir e compreender os diversos pontos de vista em uma sociedade plural. Os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial bem enunciam a necessária responsabilidade no exercício da liberdade de expressão pelo magistrado. Dispõe o item 4.6: 

“4.6 Um juiz, como qualquer outro cidadão tem direito à liberdade de expressão, crença, associação e reunião de pessoas, mas ao exercer tais direitos, deve sempre conduzir-se de maneira tal que preserve a dignidade do ofício judicante e a independência do Judiciário”.

 

Os §§ 134 e 136 dos Comentários aos Princípios de Bangalore ilustram como o magistrado deve abordar as próprias responsabilidades ao exercer a liberdade de expressão. Ao ser investido no cargo, um juiz não abandona qualquer crença política anterior ou deixa de ter interesse em assuntos políticos”, mas “parcimônia é necessário para manter a confiança do público na imparcialidade e independência do Judiciário”. Cabe ao magistrado refrear o envolvimento no debate público se sua participação “poderia razoavelmente minar a confiança na sua imparcialidade” ou “expor desnecessariamente o juiz ao ataque político”, ou ainda, “ser incoerente com a dignidade do ofício judicante”. A contenção se justifica porque a “verdadeira essência de ser juiz é ser hábil para abordar os vários problemas que são objetos de disputas de maneira objetiva e judicial”, e porque o “juiz deve ser visto pelo público como exibindo um tipo de abordagem desinteressada, imparcial, não-preconceituosa, de mente aberta e justa”. O comentário conclui:

 

“Se um juiz entra na arena política e participa de debates públicos, expressa opiniões sobre assuntos controversos, entra em disputa com figuras públicas da comunidade ou critica publicamente o governo, ele não será visto como atuando judicialmente quando presidir como juiz em uma corte e decidir litígios a respeito dos quais tenha expressado opiniões em público, ou talvez mais importante, quando as figuras públicas ou departamentos do governo que ele tenha criticado anteriormente sejam partes ou litigantes ou até mesmo testemunhas em casos sob sua atuação” (Nações Unidas (ONU). Escritório Contra Drogas e Crime (Unodc). Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial/Escritório Contra Drogas e Crime; tradução de Marlon da Silva Malha, Ariane Emílio Kloth. – Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2008).

 

Para exercer com responsabilidade sua liberdade de expressão, a pessoa investida na magistratura deve guardar especial atenção aos valores que informem a atividade jurisdicional. Ao magistrado cabe cultivar, em sua vida profissional e em todas as suas relações interpessoais, as qualidades que demonstram aptidão para as elevadas funções nas quais foi democraticamente investido.

No caso brasileiro, a própria Constituição da República traça balizas para a compatibilização da liberdade de expressão dos juízes com suas elevadas atribuições. Entre nós, os magistrados organizam e arbitram as eleições. Tendo isso em consideração, a Constituição restringe o importantíssimo direito ao exercício da liberdade de manifestação política, ao estabelecer que “aos juízes é vedado dedicar-se à atividade político-partidária” (art. 95, parágrafo único, III, da CF).

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional vai além, impondo dever de conduta irrepreensível na vida privada (art. 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e limitando a liberdade de manifestação crítica a órgãos do Poder Judiciário. Neste sentido, ao magistrado é vedado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério” (art. 36, III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional).

De seu lado, o Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado por Resolução do Conselho Nacional de Justiça, estabelece os princípios do comportamento judicial. As manifestações públicas dos magistrados não podem fugir aos valores expressos no Código de Ética - independência, imparcialidade, transparência, integridade pessoal e profissional, diligência e dedicação, cortesia, prudência, sigilo profissional, conhecimento e capacitação e dignidade, honra e decoro.

Os valores expressos no Código de Ética da Magistratura Nacional são coincidentes com padrões acolhidos pelos documentos que servem de orientação às melhores práticas dos juízes. Os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial enunciam os valores da independência, imparcialidade, integridade, idoneidade, igualdade, competência e diligência. O Código Ibero-americano de Ética Judicial menciona independência, imparcialidade, motivação, conhecimento e capacitação, justiça e equidade, responsabilidade institucional, cortesia, transparência, segredo profissional, prudência, diligência e honestidade profissional. Em substância, os valores descritos nos mencionados diplomas são coincidentes.

Em suas manifestações públicas, o magistrado deve observar esses princípios. Deve demonstrar imparcialidade, evitando “todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito” (art. 8º do Código de Ética da Magistratura Nacional), bem como lhe é vedado participar de atividade político-partidária a teor do artigo 7º do mesmo Código de Ética. Em homenagem à transparência, deve “evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza” (art. 13 do Código de Ética da Magistratura Nacional). Para cultivar a integridade, precisa “comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral” (art. 16 do Código de Ética da Magistratura Nacional). Um imperativo de prudência lhe exige ter por meta “manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou críticas lançados de forma cortês e respeitosa” (art. 26 do Código de Ética da Magistratura Nacional).

A Resolução n. 305/2019 do Conselho Nacional de Justiça, por sua vez, “estabelece os parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário” e prevê no seu art. 4º, II:

 

Art. 4º Constituem condutas vedadas aos magistrados nas redes sociais:

 [...]

II – emitir opinião que demonstre atuação em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos (art. 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal; art. 7º do Código de Ética da Magistratura Nacional); - grifei” 

 

Outrossim, em setembro de 2022, a Corregedoria Nacional de Justiça editou o Provimento n. 135, que estabelece diretrizes sobre condutas e procedimentos dos magistrados e tribunais no período eleitoral e posteriormente a ele, vedando aos magistrados sob jurisdição do CNJ, investidos ou não em função eleitoral:

 

 “Art. 3º:

 I - manifestações públicas, especialmente em redes sociais ou na mídia, ainda que em perfis pessoais próprios ou de terceiros, que contribuam para o descrédito do sistema eleitoral brasileiro ou que gerem infundada desconfiança social acerca da justiça, segurança e transparência das eleições;

II – associação de sua imagem pessoal ou profissional a pessoas públicas, empresas, organizações sociais, veículos de comunicação, sítios na internet, podcasts ou canais de rádio ou vídeo que, sabidamente, colaborem para a deterioração da credibilidade dos sistemas judicial e eleitoral brasileiros ou que fomentem a desconfiança social acerca da justiça, segurança e transparência das eleições.

§ 1º As vedações constantes neste artigo também se aplicam a magistrados afastados temporariamente da jurisdição por questões disciplinares ou postos em disponibilidade.

§ 2º É estimulado o uso educativo e instrutivo das redes sociais e de canais de comunicação, para fins de divulgação de informações que contribuam com a promoção dos direitos políticos e da confiança social na integridade dos sistemas de justiça e eleitoral brasileiros.

 

Portanto, há um conjunto de normas que limitam a liberdade de expressão dos magistrados, a iniciar pela Constituição da República, passando pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional e normas do Conselho Nacional de Justiça (Código de Ética da Magistratura Nacional, Provimento n. 135/2022 e Resolução n. 305/2019).

 Saliento que os diplomas normativos editados pelo CNJ pouco mais fazem do que aclarar aquilo que já decorre da Constituição da República e da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Tratam de fixar interpretação clara quanto a deveres que já existem.

Desse panorama, o que se recolhe é que a liberdade de expressão dos magistrados pode sim ser restringida, desde que na estrita medida do necessário à afirmação dos princípios da magistratura, e que as normas editadas pelo Conselho Nacional de Justiça se prestam a aclarar e desenvolver essas restrições.

Em suma, na conciliação entre a preservação da imagem do magistrado como agente político e a manifestação de pensamento do magistrado como pessoa física, deve prevalecer a cautela, a prudência, a discrição e a economia verbal. Tal entendimento parte da premissa mais básica a ser percebida, pelas partes litigantes, quando defrontados com o Estado-Julgador em suas causas: a imparcialidade.

Do exposto resulta que, mesmo em redes sociais privadas, o magistrado deve se abster de manifestações que envolvam questões de natureza político ou partidária, porque a palavra do magistrado, em razão de seu cargo, tem maior alcance na formação de opinião. Aliado a isso, tem-se que o impacto das redes digitais na forma de comunicação e circulação de informações é imenso.

Nesse sentido, vale destacar que, na recente decisão do Ministro Luís Roberto Barroso, nos autos do MS 35.793, constou: 

A nova realidade das campanhas eleitorais no Brasil, acompanhada desse movimento mundial de transferência às redes sociais da estratégia de mobilização política faz com que as manifestações de magistrados em redes sociais, favoráveis ou contrárias a candidatos e partidos, possam ser entendidas como exercício de atividade político partidária.” 

 

 No caso concreto, o magistrado, pelo que se extrai de uma análise preliminar, não observou a cautela exigida e ultrapassou os limites de sua liberdade de expressão ao publicar em suas redes sociais do Facebook diversas mensagens com conteúdo nitidamente político, dentre as quais se destacam as seguintes:

1. repostagem no Facebook com mensagem “Intriga da oposição”, na qual há foto indicando o suposto padrão das eleitoras dos então candidatos Jair Bolsonaro e Lula (id 4923277, página 3). 

2. comentário numa postagem no Facebook com mensagem: “Vocês têm 37 dias para decidir se querem passear com seus cachorros ou se ‘alimentar’ deles. Bom dia!”, na qual justifica que em alguns países de esquerda a população se alimenta de cães e gatos para aliviar a fome (id 4923277, página 4).

3. postagem de autoria do reclamado no qual se manifesta sobre Roberto Jefferson, com mensagem de que “no fundo presenciamos uma tentativa de suicídio. Associar isso a Bolsonaro como fez o Lula é jogar sujo, mais uma vez” (id 4923277, página 5).

4. repostagem no Facebook intitulada “Pode isso, Arnaldo?”, na qual faz referência à legalização do aborto (id 4923277, página 7).

5. postagem no Facebook “Lula e PT usando religião e igreja para conturbar as eleições e enganar incautos. E ainda criticam Bolsonaro por frequentar missa, sendo católico, e visitar cultos, sendo casado com uma evangélica” (id 4923277, página 8).

6. Postagem com a informação “com pix hoje você transfere dinheiro e paga conta de graça. Quando você voltar a pagar 18.00 reais por transferência bancária e taxa por emissão de boleto faz um L” (id 4923277, página 9).

 

Da análise da defesa apresentada não se extraem elementos, justificativas ou argumentos capazes de afastar os claros indícios de possível infração funcional.

A uma, porque a alegação de que se trata de postagem destituída de conteúdo político é nitidamente afastada pela indicação jocosa e expressa comparativa de eleitoras dos então candidatos às eleições de 2022, postagens com o direcionamento de críticas abertas a um dos candidatos, além de possível imputação de conduta ilícita ao mesmo candidato e seu partido (“no fundo presenciamos uma tentativa de suicídio. Associar isso a Bolsonaro como fez o Lula é jogar sujo, mais uma vez”; “Lula e PT usando religião e igreja para conturbar as eleições e enganar incautos. E ainda criticam Bolsonaro por frequentar missa, sendo católico, e visitar cultos, sendo casado com uma evangélica” e com pix hoje você transfere dinheiro e paga conta de graça. Quando você voltar a pagar 18.00 reais por transferência bancária e taxa por emissão de boleto faz um L”). Tal menção, por sua vez, torna inequívoco o conteúdo político-partidário das postagens, em um contexto e período reconhecido como concomitante ao das eleições de 2022.

A duas, pois o conteúdo indicativo de possível misoginia da postagem constante do Id. 4923277, página 3, incute agravamento na conduta com o viés de preconceito, aliado a imputações de fatos relacionados a supostas condutas dos candidatos desprovidas de respaldo aparente, o que poderia configurar, ainda, a prática de possível fake news por parte do magistrado.

E, por fim, nem se diga que quem postou as mensagens foi sua filha, pois o próprio magistrado confessa ter repassado sua senha, sabendo da titularidade de seu perfil e sua condição de magistrado com os deveres inerentes ao cargo. No mínimo, portanto, assumiu o risco ao fornecer sua senha, tendo em vista que o reclamado não se desincumbiu de sequer negar a autenticidade dos prints colacionados na inicial, mas, ao contrário, confessou sua autoria ao afirmar que pediu a sua filha que deletasse as postagens a fim de não causar constrangimento pessoal nem institucional a quem quer que seja. De qualquer sorte, tal circunstância somente poderá ser objeto de maiores esclarecimentos em sede de cognição exauriente que é inerente ao Processo Administrativo Disciplinar, à luz do contraditório, ampla defesa, e dilação probatória.

Pode-se inferir, assim, possível incitação a condutas sociais antidemocráticos que extrapolam o exercício de atividade, em tese, político-partidárias, como sói ocorrer com falas indicativas de preconceito, discriminação, ódio e mesmo incitação a movimentos que celebram princípios e condutas contrárias ao Estado Democrático de Direito.

Registro, a corroborar o raciocínio aqui exposto, o seguinte aresto do Supremo Tribunal Federal, de modo a diferenciar o tratamento que deve ser concedido as postagens com conteúdo de ódio e incitação de condutas antidemocráticos, daquelas que não as possuem:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO DE PERFIS NAS REDES SOCIAIS PARA A PROPAGAÇÃO DE DISCURSOS COM CONTEÚDO DE ÓDIO, SUBVERSÃO DA ORDEM E INCENTIVO À QUEBRA DA NORMALIDADE INSTITUCIONAL E DEMOCRÁTICA. ABUSO DO DIREITO DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO NO BLOQUEIO DE PERFIS PARA FAZER CESSAR A ATIVIDADE CRIMINOSA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A liberdade de expressão é consagrada constitucionalmente e balizada pelo binômio LIBERDADE E RESPONSABILIDADE, ou seja, o exercício desse direito não pode ser utilizado como verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas. Não se confunde liberdade de expressão com impunidade para agressão. 2. Dessa maneira, uma vez desvirtuado criminosamente o exercício da liberdade de expressão, a Constituição Federal e a legislação autorizam medidas repressivas civis e penais, tanto de natureza cautelar quanto definitivas. 3. Agravo Regimental desprovido. (Pet 10391 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 13-02-2023  PUBLIC 14-02-2023)

 

Assim, seja porque: (i) incontroversa a titularidade do magistrado do perfil indicado nas postagens que deram azo à presente reclamação disciplinar, cujo teor não foi impugnado; seja porque (ii) é também clara a menção a candidatos e partido político específico, em disputa das eleições de 2022; e, ainda, (iii) há indícios de conteúdo discriminatório e possível fake news, revela-se suficiente o arcabouço probatório existente para respaldar a necessidade de aprofundamento das apurações por meio do correspondente Processo Administrativo Disciplinar.

É importante ressaltar que, em relação aos debates acerca dos contornos do que seria considerado, em tese, como atividade político-partidária, a hipótese dos autos se resolve pela própria literalidade do art. 4º, II, da Resolução CNJ 305/2019, que relaciona o art. 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal diretamente à vedação de manifestações em redes sociais “em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos (g.n.). Com efeito, a postagem ora analisada foi realizada por meio de perfil de rede social, com crítica aberta a candidato e partido político. 

Some-se a tal constatação que o magistrado é a personificação do Poder Judiciário e nunca se despe da autoridade do cargo que ocupa, mesmo que fora do exercício de sua função ou em suas redes sociais privadas. Por isso, ao publicar diversas mensagens de forma independente e sem observar o regramento a que é submetido, há indícios de que o magistrado violou o seu dever funcional.

Vale registrar que o Provimento n. 135 do CNJ (que dispõe sobre a manifestação de membros do Poder Judiciário em redes sociais) foi publicado em setembro de 2022, anteriormente à notícia da postagem, sendo exigível ao aplicador do direito o conhecimento do aludido Provimento e a adoção de postura compatível.

 Portanto, a conduta narrada e delimitada pode se amoldar, em tese, a dispositivos legais contidos na Constituição Federal, na Lei Complementar n. 35 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional-LOMAN), ao Código de Ética da Magistratura Nacional, e na Resolução n. 135/CNJ.

Isso porque a Constituição Federal dispõe que:

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

[...]

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

[...]

III - dedicar-se à atividade político-partidária.

 

Também como baliza ao Provimento n. CNJ 135/2022 e à Resolução n. 305/2019, já transcritos, a Lei Complementar n. 35 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional-LOMAN) regulamenta que:

Art 35. São deveres do magistrado:

[...]

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.


Art. 36 - É vedado ao magistrado:

[...]

III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.

 

Também estabelece o Código de Ética da Magistratura:

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

 

Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos.

 

Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas legais.

 

Art. 7º A independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária.


Art. 12. Cumpre ao magistrado, na sua relação com os meios de comunicação social, comportar-se de forma prudente e equitativa, e cuidar especialmente: 

[...] 

II – de abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, doutrinária ou no exercício do magistério.

 

Art. 13. O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza.


Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

 

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.

 

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

 

Como precedentes ao mesmo entendimento aqui esposado, cito as seguintes Reclamações Disciplinares julgadas, à unanimidade, por este Conselho Nacional de Justiça, sob minha relatoria: RD  0007593-41.2022.2.00.0000 e RD 0007017-48.2022.2.00.0000 (Plenário Virtual de 10/03/2023)

 

Dessa forma, entendo pela existência de indícios suficientes do cometimento de infração disciplinar pelo Magistrado ANTONIO FRANCISCO MONTANAGNA, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região, fato que evidencia a necessidade de instauração de Processo Administrativo Disciplinar em seu desfavor onde devem ser apuradas as circunstâncias em que as condutas foram praticadas.   

Em suma, existem elementos indiciários apontando afronta aos arts. 95, parágrafo único, III, da CF/88, 35, VIII, 36, III, da LC 35/79 (LOMAN), 1°, 2°, 4º, 7°, 12, II, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, 2º, IV, e 3º do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como 3º, II, “b” e “e”, e 4º, II, do Provimento n. 135/2022 do CNJ.

Por fim, diante de todo o exposto, mostra-se necessária a manutenção da cautelar determinada por meio da decisão de id 4923628.

O poder geral de cautela utilizado no exercício do papel constitucional do Conselho Nacional de Justiça tem sido largamente aplicado ao longo de apurações sobre possíveis infrações funcionais de magistrados. O Conselho Nacional de Justiça já decidiu reiteradamente acerca da possibilidade de extensão de efeitos deste poder para além dos expressamente previstos nas normas de regência, tendo por parâmetro de proporcionalidade e razoabilidade à ampliação citada a mácula à credibilidade do Poder Judiciário. Nesse sentido: PAD 0006920-87.2018.2.00.0000, Rel. Cons. Mário Guerreiro, 84ª Sessão Virtual, 16/04/2021; RD n. 0002489-20.2012.2.00.0000, Rel. Cons. Francisco Falcão, 175ª Sessão, 23/09/2013; RD n. 0001755-69.2012.2.00.0000, Rel. Cons. Eliana Calmon, 147ª Sessão, 21/05/2012; SIND n. 0002524-82.2009.2.00.0000, Rel. Cons. Gilson Dipp, 110ª Sessão, 17/08/2010.

De se notar que, nos precedentes citados, a influência dos atos praticados pelos magistrados em relação à credibilidade do Poder Judiciário foi equiparada à incompatibilidade com o próprio exercício da jurisdição, certamente medida muito mais gravosa do que aquela determinada nos presentes autos, liminarmente.

No caso em tela, a determinação deferida, em sede liminar, no sentido de suspender o perfil do Reclamado nas redes sociais, teve por finalidade garantir que manifestações de grave conteúdo, como o que se viu no caso do Reclamado, não comprometam a credibilidade do Poder Judiciário, tornando-se incompatíveis com o exercício da jurisdição.

Como já indicado na decisão liminar proferida, o art. 19, em seu caput e § 4º, da Lei 12.965/2014 permite que se torne indisponível “o conteúdo apontado como infringente”, inclusive em sede de tutela antecipada. Ao longo da fase de apuração preliminar, e, mormente no caso em tela, em que reiteradas foram as postagens e de conteúdo de grande potencial ofensivo, não é possível se mensurar a extensão e o alcance do conteúdo postado, inobstante tenham sido deletadas.

Nesses termos, a única forma de exercer, com eficácia, o poder geral de cautela previsto nos normativos vigentes (chancelado pela jurisprudência pátria para guarnecer a credibilidade do Poder Judiciário e não inviabilizar o exercício da função pelo Reclamado) é a manutenção da medida tal como imposta ao longo da apuração determinada, com o bloqueio do perfil social indicado, até que se elucidem os fatos objeto de apuração.

Tendo em vista o exercício do poder geral de cautela por meio da providência já determinada, não vislumbro a necessidade de afastamento das funções durante o processo.

Ante o exposto, julgo procedente a Reclamação Disciplinar para, nos termos dos arts. 13 da Resolução CNJ n. 135, 8º, III, e 69 do RICNJ, propor a INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR em desfavor de ANTONIO FRANCISCO MONTANAGNA, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região, a ser distribuído a um Conselheiro Relator, a quem competirá ordenar e dirigir a instrução respectiva.

O enquadramento legal apontado a partir da delimitação fática da acusação é apenas preliminar, ficando postergado ao momento do julgamento do PAD eventual capitulação definitiva.

É como voto.   

Após as intimações, arquivem-se os presentes autos.

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça 

J6/F30 

 

 

 

 

PORTARIA N.       , DE                    DE  2023.

 

Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de magistrado, sem afastamento das funções nesta fase.

 

 

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos arts. 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal, e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI n. 4.638/DF;

CONSIDERANDO o disposto no § 5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135, de 13 de julho de 2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e do Regimento Interno do CNJ;

CONSIDERANDO que foi instaurado pedido de providências para apurar suposta falta disciplinar praticada por ANTONIO FRANCISCO MONTANAGNA, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região, que teria feito diversas publicações com conteúdo político e teor discriminatório em suas redes sociais no Facebook (mensagem “Intriga da oposição”, relacionada a foto indicando o suposto padrão das eleitoras dos então candidatos Jair Bolsonaro e Lula - id 4923277, página 3; “Vocês tem 37 dias para decidir se querem passear com seus cachorros ou se ‘alimentar’ deles. Bom dia!” - id 4923277, página 4; manifestação sobre Roberto Jefferson com conteúdo “no fundo presenciamos uma tentativa de suicídio. Associar isso a Bolsonaro como fez o Lula é jogar sujo, mais uma vez”- id 4923277, página 5; “Pode isso, Arnaldo?”, na qual faz referência a legalização do aborto- id 4923277, página 7; “Lula e PT usando religião e igreja para conturbar as eleições e enganar incautos. E ainda criticam Bolsonaro por frequentar missa, sendo católico, e visitar cultos, sendo casado com uma evangélica” - id 4923277, página 8; “com pix hoje você transfere dinheiro e paga conta de graça. Quando você voltar a pagar 18.00 reais por transferência bancária e taxa por emissão de boleto faz um L” - id 4923277, página 9);

CONSIDERANDO a existência de elementos indiciários apontando afronta ao art. 95, parágrafo único, III, da CF/88, ao art. 35, VIII, 36, III, da LC 35/79 (LOMAN), aos arts. 1°, 2°, 4º, 7°, 12, II, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, ao art. 2º, §§ 1º, 2º e 3º e aos arts. 2º, IV, e 3º do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como aos arts. 3º, II, “b” e “e”, e 4º, II, da Resolução n. 305 do CNJ;

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento do Reclamação Disciplinar n. 0007153-45.2022.2.00.0000, durante a______  Sessão, realizada no dia_____________________.                          

 

RESOLVE:

 

Art. 1º Instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor de ANTONIO FRANCISCO MONTANAGNA, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região, por violação do art. 95, parágrafo único, III, da CF/88, do art. 35, VIII, 36, III, da LC 35/79 (LOMAN), dos arts. 1°, 2°, 4º, 7°, 12, II, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, do art. 2º, §§ 1º, 2º e 3º e dos arts. 2º, IV, e 3º do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como dos arts. 3º, II, “b” e “e”, e 4º, II, da Resolução n. 305 do CNJ. 

Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região acerca do teor da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de processo administrativo disciplinar objeto desta portaria, sem o afastamento do magistrado de suas funções jurisdicionais e administrativas.

Art. 3º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros, nos termos do art. 74 do RICNJ.

 

Ministra ROSA WEBER

 Presidente do Conselho Nacional de Justiça