Conselho Nacional de Justiça

 

 

Autos:

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0006684-62.2023.2.00.0000

Requerente:

CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA

Requerido:

LUIZ FERNANDO LIMA

 

  

EMENTA

 

 

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MEDIDA CAUTELAR E INTERLOCUTÓRIA. DECISÃO DE CONVERSÃO EM PRISÃO DOMICILAR DE PRESO DE ALTA PERICULOSIDADE, CONCEDIDA EM PLANTÃO JUDICIAL SEM AS CAUTELAS MÍNIMAS, EM MEIO A CRISE DE SEGURANÇA DO ESTADO. POSSÍVEL ATITUDE ISOLADA COM INTUITO DE BENEFICIAR, INJUSTIFICADAMENTE, O RÉU JÁ CONDENADO E QUE EMPREENDEU FUGA ANTERIORMENTE. NECESSIDADE DE AFASTAMENTO CAUTELAR IMEDIATO DO MAGISTRADO, NA FORMA DO ART. 8º, IV DO RICNJ C/C ART. 15, §1º DA RESOLUÇÃO 135/2011. RATIFICAÇÃO EM PLENÁRIO.


1. Reclamação disciplinar instaurada de oício pela Corregedoria Nacional de Justiça para apurar conduta de Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia que, sem as cautelas mínimas, em aparente contrariedade às normas que pautam as hipóteses de plantão judiciário e o princípio do juiz natural, concede prisão domiciliar a preso de alta periculosidade, liderança de uma das facções criminosas da Bahia, em meio a crise de segurança do estado.


2. Circunstância agravada por elementos encaminhados pelo Tribunal local, revelando possível atitude isolada e diferenciada com intuito de beneficiar, injustificadamente, o réu condenado e que já havia empreendido fuga anteriormente, com graves máculas à imagem do poder judiciário, e danos à segurança pública.


3. Afastamento cautelar imediato do magistrado que se impõe, com a ratificação Plenária.

 

 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu, por unanimidade: I - incluir em pauta o presente procedimento, nos termos do § 1º do artigo 120 do Regimento Interno; II - afastar cautelarmente o magistrado de suas funções, nos termos do voto do Relator. Ausentes, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Ministério Público da União e da Câmara dos Deputados. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 17 de outubro de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

 

Autos:

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0006684-62.2023.2.00.0000

Requerente:

CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA

Requerido:

LUIZ FERNANDO LIMA

 

  

 

RELATÓRIO

 

O EXMO. CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA, MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Trata-se de Reclamação Disciplinar instaurada de ofício, em face do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), Luiz Fernando Lima, calcada em notícia amplamente veiculada no sentido de que o referido magistrado teria concedido o benefício da prisão domiciliar ao cofundador e uma das principais lideranças da maior facção criminosa baiana denominada “Bonde do Maluco” (BDM), Ednaldo Freire Ferreira, mais conhecido como "Dadá", durante plantão judicial. Inobstante, horas depois, a decisão tenha sido revogada, o traficante, considerado de alta periculosidade pelas autoridades policiais locais, não mais fora encontrado.

Face à gravidade dos fatos narrados, proferi despacho, de imediato, determinando a intimação do magistrado para defesa prévia.

O Tribunal de Justiça da Bahia, nesta data, encaminhou a esta Corregedoria Nacional de Justiça material referente à apuração prévia ocorrida na origem com os elementos colhidos até aquela data, dando ciência acerca de novos e graves fatos envolvendo o magistrado e circunstância ligadas à presente Reclamação Disciplinar, razão pela qual submeti o feito à conclusão, com o encaminhamento do presente voto em mesa, a fim de que seja apreciado, com a urgência que o caso merece, pelo Plenário. deste Conselho, na forma do art. 120, §1º do RICNJ.

É o relatório.

 

 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

 

Autos:

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0006684-62.2023.2.00.0000

Requerente:

CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA

Requerido:

LUIZ FERNANDO LIMA

 

  

 

VOTO

 

O EXMO. CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA, MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

 

  

1- Trata-se de Reclamação Disciplinar instaurada de ofício em face do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), Luiz Fernando Lima, calcada em notícia amplamente veiculada no sentido de que o referido magistrado teria concedido - em recente plantão judicial - o benefício de prisão domiciliar ao cofundador e uma das principais lideranças da maior facção criminosa baiana denominada “Bonde do Maluco” (BDM), Ednaldo Freire Ferreira, mais conhecido como "Dadá". Inobstante, horas depois, a decisão tenha sido revogada, o traficante, considerado de alta periculosidade pelas autoridades policiais locais, não mais foi encontrado.

Diante da gravidade dos fatos narrados, proferi despacho, de imediato, determinando a intimação do magistrado para defesa prévia.

O Tribunal de Justiça da Bahia, em 16/10/2023, encaminhou a esta Corregedoria Nacional de Justiça material referente à apuração prévia ocorrida na origem com os elementos sindicados, dando ciência acerca de novos e graves fatos envolvendo o magistrado e circunstância ligadas à presente Reclamação Disciplinar, razão pela qual submeto o feito ao Colegiado para exame de providência cautelar que reputo necessária, com o encaminhamento do presente voto em mesa, a fim de que seja apreciado, com a urgência que o caso merece, na forma do art. 120, §1º do RICNJ.

2- O presente caso ganhou notória e fundada repercussão, ante a sua gravidade, e, segundo penso, merece a atuação urgente e precisa deste Conselho Nacional de Justiça.

Segundo consta dos autos, por notícias amplamente divulgadas, o magistrado reclamado, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), Luiz Fernando Lima, no dia inobstante a alta periculosidade do preso e alheio às peculiaridades do caso, recebeu o pedido de prisão domiciliar em plantão judicial do dia 30 de setembro de 2023, sábado, 20:42h, e concedeu o benefício no domingo de madrugada, sob o fundamento de que o preso, conhecido traficante e uma das principais lideranças da maior facção criminosa baiana denominada “Bonde do Maluco” (BDM), era pai de menor que sofre de “TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO NÍVEL 3 (CID F84.0) e completamente dependente da figura paterna”.

Horas depois, o pedido de prisão domiciliar foi revogado pelo desembargador Julio Travessa, da 2ª CÂMARA CRIMINAL – 1ª TURMA, atendendo recurso interposto pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais (Gaeco).

No entanto, o beneficiado “já havia sido liberado do presídio de segurança máxima onde estava cumprindo a pena no Estado de Pernambuco e não foi mais encontrado”.

3- Com efeito, sem nenhuma necessidade de se adentrar ao exame da decisão judicial em si, o fato é que, no caso concreto, há muitas situações que refogem às circunstâncias normais.

O desembargador Luiz Fernando Lima recebeu o pedido somente algumas horas antes do início do expediente judiciário normal, situação que, por si só, já ensejaria uma análise minimamente cuidadosa acerca do caso, e o real enquadramento da hipótese àquelas que legitimam a análise pela via do plantão judicial.

Depois, ao que parece, não houve mínima análise acerca do perfil e antecedentes do requerente, preso desde 2008 e já condenado, na medida em que, como noticiado, em setembro de 2022, quando se encontrava preso em um complexo presidiário na Bahia, a defesa do mesmo réu havia solicitado a conversão de sua prisão em domiciliar, circunstância utilizada, igualmente, para promover a fuga do traficante naquela ocasião.

Consta da notícia veiculada e transcrita na inicial do presente procedimento, ainda, que, “em setembro deste ano, o criminoso foi preso durante uma abordagem da Polícia Rodoviária Federal (PRF), na BR 232, em Sertânia, Pernambuco. Ele estava com um veículo SW4 Diamond, avaliado em mais de R$ 400 mil e tinha um mandado de prisão em aberto emitido pelo Juízo da Vara dos Feitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa da Comarca de Salvador”, em que, igualmente, haja elementos que indiquem que tal fato fora considerado na análise realizada pelo desembargador reclamado.

De se ressaltar, ainda, que, conforme também noticiado, a decisão foi tomada em meio à onda de violência no Estado, sobretudo em Salvador. Consta que, “só no mês de setembro, mais de 70 mortes tiveram ligações diretas com a 'Guerra do Tráfico”, e que, “no dia 15 daquele mês, uma megaoperação da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO), terminou com um policial federal, Lucas Caribé, morto e outros dois agentes, sendo um da PF e um da Polícia Civil, feridos”.

Cabe ressaltar que o então paciente, Ednaldo Freire Ferreira, cumpria pena de 15 anos e 4 meses de prisão, em virtude da imputação e condenação em vários crimes decorrentes da sua participação em organização criminosa responsável por associação com o tráfico de drogas, homicídio e tortura, por exemplo.

Tais fatos foram ressaltados pelo Ministério Público em sua manifestação nos autos do processo 8050252-50.2023.8.05.0000, além do fato de ter sido constatado que “Dadá” teria sido designado por outro preso para a distribuição de facas no ambiente prisional.

Na mesma ocasião, foi indicado, ainda, não haver provas de que o quadro do menor teria se agravado, tampouco que, de fato, a presença do pai seria imprescindível ao seu lado naquele momento, ao menos em urgência a respaldar a utilização do plantão judiciário, tendo em vista, inclusive, o tempo em regime fechado em que já se encontrava.

4- Não bastassem essas circunstâncias, hábeis a induzir à conclusão acerca de possível violação a deveres funcionais pelo desembargador reclamado e que serão apuradas no curso da instrução, questões ainda mais graves chegaram em 16/10/2023 ao conhecimento da Corregedoria Nacional de Justiça.

Conforme os documentos encaminhados pelo Tribunal de Justiça da Bahia e juntados no presente procedimento por meio do OFÍCIO Nº 1310/2023/GP, em 04/10/2023, nos autos do HC 8051011-14.2023.8.05.0000, em caso similar ao presente, o mesmo magistrado, dias antes, indeferiu o pedido, indicando não ser o caso de plantão judiciário.

Na referida decisão, proferida pelo mesmo magistrado diante de pedido de prisão domiciliar sustentado por enfermidade da esposa do paciente geradora de intensa instabilidade emocional, e ante a existência de menor impúbere vulnerável que demandava a presença do pai, o requerimento de concessão de prisão domiciliar restou indeferido.

Conforme documento em anexo referente ao Habeas Corpus citado, o magistrado reclamado fundamentou sua decisão no fato de que : (i) o Plantão Judiciário em Segundo Graus, instituído pela Resolução TJBA no 15/2019, em conformidade com a Resolução nº 71/2009, do CNJ, destina-se , apenas e tão somente, à análise de matérias urgentes, que não possa ocorrer durante o expediente forense regular, sem resultar em dano irreparável ou de difícil reparação para o interessado; (ii)  a análise do magistrado plantonista deve levar em conta tal urgência  necessidade, de modo a evitar lesão ao princípio do juiz natural; (iii) a questão trazida não se trata de questão que não possa ser realizada no horário normal de expediente, ou que constitua hipótese capaz de gerar risco de grave prejuízo ou difícil reparação; (iv) o pleito já poderia ter sido apresentado no expediente regular, de modo que a apreciação extraordinária da questão em sede de plantão afrontaria os princípios da livre distribuição da livre distribuição por sorteio do juiz natural, da moralidade e da impessoalidade.

Ao final, declarou-se incompetente para apreciara a questão, m fundamentos que caberiam, em igualdade de condições, ao caso referente ao preso “Dadá”. Friso, por oportuno, que no caso análogo em que indeferida a concessão da prisão domiciliar, o Ministério Público havia opinado, inclusive, pelo deferimento parcial da medida, situação que sequer chegou a ocorrer no HC relacionado à presente reclamação disciplinar. 

5- Não se desconhece que, no âmbito administrativo, é excepcional a hipótese de afastamento do magistrado. 

Consoante dispõe o Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, no exercício de suas atribuições constitucionais, o Corregedor Nacional de Justiça poderá determinar, desde logo, “as medidas que se mostrem necessárias, urgentes ou adequadas” (art. 8º, inciso IV).

Dentro de tais medidas, insere-se também a determinação de afastamento do magistrado investigado, como corolário do dever geral de cautela que também pauta os procedimentos de natureza administrativa em geral, tal e qual já indicado na Lei 9.784/1999, inclusive sob a forma inaudita altera pars[1].

A competência do Conselho Nacional de Justiça em relação aos procedimentos disciplinares possui, como dito, status constitucional, prevista no art.103-B, 4º, III da Constituição Federal, a saber:

III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção ou a disponibilidade e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;   

Nesse diapasão, a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça decorrente do citado dever geral de cautela, no exercício do poder instrutório relacionado aos procedimentos voltados à apuração de infrações disciplinares praticadas por magistrados, relaciona-se à função precípua de garantia da observância aos princípios previstos no art. 37 do diploma constitucional. Via de consequência, ganha contornos próprios, e ainda maior amplitude quando praticada no bojo de tais procedimentos, como já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADI 4709 (“o controle interno do Poder Judiciário coaduna-se com os valores republicanos e com a necessidade de manter a idoneidade do exercício do poder que é a jurisdição” -ADI 4709, rel. Ministra Rosa Weber, julgado em 30/05/2022, DJe 09-06-2022).

Na mesma oportunidade, o Supremo reconheceu que a “Corregedoria Nacional de Justiça é órgão destacado, pela Constituição Federal, na arquitetura do CNJ e do controle interno do Poder Judiciário e da magistratura nacional”, e que  “o arranjo institucional permite perceber atribuições próprias que visam a densificar o papel constitucional de concretização dos valores republicanos”, de modo a afastar a “alegação de inconstitucionalidade na atribuição requisitória por decisão singular do Corregedor, e não do Plenário”[2].

Tal raciocínio deve ser aplicado à interpretação das normas que regulamentam esta atribuição constitucional do Corregedor Nacional de Justiça, conforme seus contornos amplos, já reconhecidos pelo STF. Dentro do poder geral de cautela, e das medidas assecuratórias praticadas ao longo da apuração de infrações disciplinares por magistrados, a possibilidade de determinação do afastamento do magistrado investigado, antes ou durante a apuração, bem como por meio de provimento plenário (art. 27, §3º da LOMAN[3]) ou monocrático, possui importante papel.

Com efeito, assim prevê o art. 15 da Resolução 135/2011, verbis:

Art. 15. O Tribunal, observada a maioria absoluta de seus membros ou do Órgão Especial, na oportunidade em que determinar a instauração do processo administrativo disciplinar, decidirá fundamentadamente sobre o afastamento do cargo do Magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral.

§ 1º O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar.
 

 

Não por acaso, indica o parágrafo 1º do referido normativo a “necessidade e conveniência” para aferição acerca do cabimento da medida. Ainda que se saiba ser medida em caráter excepcional, foi descrito em suas hipóteses com acepção ampla, no tocante aos requisitos à determinação de afastamentos cautelares de magistrados submetidos a tais procedimentos disciplinares.

Revela-se, na esteira do que ocorre com os procedimentos de natureza administrativa lato sensu e nos dizeres dos doutrinadores, como importante mecanismo para “prevenir danos sérios ao interesse público ou à boa ordem administrativa”, não possuindo a finalidade de intimidar ou punir os infratores, mas, sim a de “paralisar comportamentos de efeitos danosos ou de abortar a possibilidade de que se desencadeiem"[4]. Ainda que determinados sem a oitiva da parte contrária, não desmerecem o contraditório ou a ampla defesa, na medida em que apenas invertem a ordem concernente a tal manifestação à luz da natureza indiciária e preliminar da fase que antecede a abertura do PAD[5]. Na fase posterior, oportunidade em que realizada a dilação probatória e cognição aprofundada e exauriente da questão, haverá a oitiva e ampla participação da parte. 

Seus requisitos não estão expressos exaustivamente pela Resolução 135/2011 ou pela LOMAN, seguindo, como já se pontuou, a análise acerca da necessidade e conveniência da medida, como meio de paralisia dos prejuízos causados, ou que possam vir a ocorrer. Tais prejuízos, ao longo do tempo e construção jurisprudencial advinda de decisões plenárias do Conselho Nacional de Justiça, foram identificados, primordialmente, com a gravidade das condutas que estão sendo objeto da apuração. 

Sob tal prisma, as condutas praticadas de caráter grave podem ser consideradas não só aquelas que possuem por consequências repercussões imediatas à atividade contemporaneamente realizada pelo magistrado (caráter de continuidade da conduta e/ou comprometimento das atividades atuais), mas também aquelas que, já realizadas, possuem o condão de gerar mácula na imagem do Poder Judiciário e na confiança do jurisdicionado face a tal Poder (“manter a idoneidade do exercício do poder que é a jurisdição” - ADI 4709, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2022, DJe 09-06-2022), em situação que certamente seria profundamente majorada ante a constatação, por esses mesmos jurisdicionados, de que o investigado permanece, incólume tem na verificação, por parte da sociedade.  Por fim, a verificação acerca de efetivo prejuízo e/ou interferência nas investigações em curso (necessidade de assegurar o resultado útil da apuração), caso o magistrado permaneça no exercício das funções, também autoriza a realização do poder de cautela pelo Corregedor Nacional de Justiça, na esteira do que prevê o art. 15, caput e parágrafo primeiro, da Resolução 135/2011. 

O entendimento do Supremo Tribunal Federal indica convergência a esta linha de atuação, confirmando hipóteses de afastamento cautelar do magistrado, ainda que em fase indiciária como a que antecede a abertura do PAD ou a sua finalização, conforme a recente decisão proferida nos autos da ADI 4638/DF (rel. Ministro Marco Aurélio, redator para acórdão Ministro Luis Roberto Barroso, DJe 15/08/2023). 

Na mesma direção, recentemente submetido ao Plenário do Conselho Nacional de Justiça: 

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 28 DA RESOLUÇÃO 135/CNJ. REVISÃO DE PROCESSO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO DE OFÍCIO, COM AFASTAMENTO CAUTELAR DO MAGISTRADO. JUIZ DE DIREITO. CRIME DE TRÂNSITO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA AO PRÓPRIO FILHO. VIOLAÇÃO A IMPEDIMENTO LEGAL. CENSURA. APLICAÇÃO INADEQUADA. BUSCA PELA ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DA PENALIDADE APLICADA.

 (...)

4. Quando a conduta do magistrado indicar o descumprimento de deveres intransponíveis impostos aos magistrados e um indevido favoritismo na sua decisão, a gerar uma repercussão extremamente negativa à imagem do Poder Judiciário e uma inegável perda da confiança dos jurisdicionados na sua atuação, deve-se verificar a adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao caso.

5. Não é recomendável que o magistrado que tenha despachado o processo envolvendo o próprio filho permaneça em atuação na mesma comarca, transmitindo aos jurisdicionados a falsa impressão de que é autoridade plenipotenciária e que tudo pode, inclusive decidindo questões de seu interesse privado. A conduta do magistrado maculou de forma grave a imagem do Poder Judiciário, com evidente perda da confiança dos jurisdicionados da Comarca na sua atuação. Necessário seu afastamento cautelar.

6. Conclusão pela necessidade de instauração, de ofício, da revisão de processo disciplinar, fundada no art. 83, inciso I, do RICNJ, para verificação da adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao juiz requerido, nos termos dos arts. 82 e 86 do RICNJ. (PP 0002447-53.2021.2.00.0000, 360ª sessão Plenária, 22/11/2022)- grifei. 

 

No caso em tela, segundo penso, evidenciam-se elementos suficientes a recomendar o afastamento do magistrado, na medida em que não é recomendável que o magistrado permaneça em atuação.

Os elementos encaminhados pelo Tribunal local, revelando possível atitude pontual e diferenciada com intuito de beneficiar, injustificadamente, o réu no caso concreto, com graves danos à segurança pública

Ressai quea conduta do magistrado, segundo apurado até aqui, maculou de forma grave aimagem do Poder Judiciário, com evidente perda da confiança dos jurisdicionados na sua atuação. Necessário, assim, seu afastamento cautelar imediato. 

Registro que a verificação acerca de abertura, na estrutura de funcionalidades atualmente existentes no BNMP, para lançamentos que não indicam com fidedignidade a concessão de medidas similares àquela analisada no caso em liça, revela a necessidade de aprimoramento do sistema e suas respectivas funcionalidades, a serem analisados com a brevidade necessária por este Conselho Nacional de Justiça.

Por fim, determino a extração de peças dos presentes autos e encaminhamento, via ofício e junto à cópia da presente decisão, para a Procuradoria Geral da República.

Sem prejuízo, oficie-se ao Tribunal de Justiça da Bahia para que, no prazo de 5 (cinco) dias, forneça informações pormenorizadas acerca de eventual procedimento envolvendo a aposentadoria do magistrado reclamado, encaminhando os documentos correspondentes.

 

É como voto.

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça

 

 

 

J6

 

 



[1] Nesse sentido, os artigos 45 e 61, ambos da Lei 9.784/99, verbis:

“Art. 45. Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado”; e

“Art. 61. Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.

Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso.

[2] EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 8º, V, DO REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATRIBUIÇÕES DO CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA. REQUISIÇÃO DE DADOS SIGILOSOS EM PROCESSOS OU PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DE SUA COMPETÊNCIA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. CONHECIMENTO PARCIAL QUANTO A DADOS BANCÁRIOS E FISCAIS. NORMA FORMALMENTE CONSTITUCIONAL À LUZ DO ART. 5º, § 2º, DA EC Nº 45/2004. HIPÓTESE DE TRANSFERÊNCIA DE SIGILO QUE SE COMPATIBILIZA COM O DESENHO INSTITUCIONAL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A PROTEÇÃO DA PRIVACIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS FISCALIZADOS PELO ÓRGÃO, OBSERVADAS AS DEVIDAS GARANTIAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL, NA PARTE CONHECIDA. INTERPRETAÇÃO CONFORME. 1. Controvérsia constitucional sobre a atribuição, do Corregedor Nacional de Justiça, de "requisitar das autoridades fiscais, monetárias e de outras autoridades competentes informações, exames, perícias ou documentos, sigilosos ou não, imprescindíveis ao esclarecimento de processos ou procedimentos submetidos à sua apreciação, dando conhecimento ao Plenário" (art. 8º, V, Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça). 2. Cognoscibilidade da ação. I. Rejeitada preliminar de conhecimento parcial, no que concerne às "autoridades fiscais", por ausência de impugnação de todo o complexo normativo. Conquanto o art. 198, § 1º, II, CTN, também preveja o compartilhamento de informações fiscais com autoridades administrativas, a norma contestada se apresenta ao mesmo tempo subjetivamente mais específica e objetivamente mais ampla, a justificar o reconhecimento da existência de interesse de agir em sua impugnação autônoma. II. Restringido, de ofício, o objeto da ação ao que especificamente impugnado, a requisição de dados fiscais e bancários às autoridades competentes. Precedentes. 3. Norma formalmente constitucional, editada com respaldo no art. 5º, § 2º, da EC nº 45/2004, que confere competência ao Conselho Nacional de Justiça, mediante resolução, para disciplinar seu funcionamento e definir as atribuições do Corregedor, enquanto não normatizada a matéria pelo Estatuto da Magistratura. Competência transitória atribuída pelo Poder Constituinte derivado ao CNJ para evitar vácuo normativo a inviabilizar a implementação da arquitetura institucional do controle interno do Poder Judiciário. Resolução que, no ponto, encontra amparo direto na Constituição Federal e equivale à normatização pelo Estatuto da Magistratura. 4. Atribuição requisitória que, prima facie, colide com o direito à privacidade, à intimidade, à vida privada e à proteção de dados (art. 5º, X e XII, CRFB) resulta constitucional, por se tratar de hipótese de transferência de sigilo justificada diante do papel institucional do CNJ e do Corregedor Nacional de Justiça. O controle interno do Poder Judiciário coaduna-se com os valores republicanos e com a necessidade de manter a idoneidade do exercício do poder que é a jurisdição (ADI 3367). (...) 7. A Corregedoria Nacional de Justiça é órgão destacado, pela Constituição Federal, na arquitetura do CNJ e do controle interno do Poder Judiciário e da magistratura nacional. O arranjo institucional permite perceber atribuições próprias que visam a densificar o papel constitucional de concretização dos valores republicanos, o que afasta a alegação de inconstitucionalidade na atribuição requisitória por decisão singular do Corregedor, e não do Plenário. 8. Ação conhecida apenas no que concerne à requisição de dados bancários e fiscais às autoridades competentes, e, na parte conhecida, julgado parcialmente procedente o pedido, para, em interpretação conforme a Constituição (art. 5º, X, XII e LIV, CRFB), estabelecer que a requisição dos dados bancários e fiscais imprescindíveis, nos moldes do art. 8º, V, do Regimento Interno do CNJ, é constitucional em processo regularmente instaurado para apuração de infração por sujeito determinado, mediante decisão fundamentada e baseada em indícios concretos da prática do ato. (ADI 4709, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 08-06-2022 PUBLIC 09-06-2022)

[3]Art. 27. § 3º - O Tribunal ou o seu órgão especial, na sessão em que ordenar a instauração do processo, como no curso dele, poderá afastar o magistrado do exercício das suas funções, sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens, até a decisão final.”

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 35ª ed. rev. e atualizada. São Paulo: Malheiros. p. 859.

[5] EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINSTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ. IRREGULARIDADES OCORRIDAS NA SINDICÂNCIA. NÃO AFETAÇÃO DA INSTAURAÇÃO DO PAD. DISPENSABILIDADE DA SINDICÂNCIA. FASE MERAMENTE INVESTIGATÓRIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1) Esta Corte Administrativa tem posicionamento firme no sentido de não interferir no andamento regular de processos administrativos disciplinares quando inexistente patente ilegalidade ou desrespeito aos direitos do investigado. 2) Conforme entendimento pacífico do STF, do STJ e do CNJ, as irregularidades existentes no decorrer da sindicância não têm o condão de macular o processo administrativo disciplinar instaurado a partir dela, porquanto a  sindicância é um procedimento que se reveste de dispensabilidade e de mera apuração de fatos, sendo até mesmo dispensada a participação do investigado e do seu procurador. 3) Recurso administrativo conhecido e não provido. ( PCA 0006434-68.2019.2.00.0000, rel. Cons. Valtércio Oliveira, Plenário Virtual, Dje 21.11.2019)