Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0006571-11.2023.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ACRE - TJAC
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


 

CONSULTA. MODULAÇÃO DA APLICAÇÃO DA RESOLUÇÃO CNJ N. 516/2023, QUE ALTEROU AS RESOLUÇÕES CNJ N. 203/2015 E 81/2009, EM RELAÇÃO À NOTA DE CORTE DOS CANDIDATOS COTISTAS. MODULAÇÃO TEMPORAL NECESSÁRIA, DE MODO A NÃO PREJUDICAR OS CONCURSOS EM ANDAMENTO.

 

CONSULTA CONHECIDA E RESPONDIDA NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO. PROPOSTA DE ATO NORMATIVO.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu, por unanimidade: I - responder a consulta nos termos do voto do Relator: a) Os concursos para outorga das serventias extrajudiciais que não tiverem finalizado a etapa da prova objetiva seletiva, devem aplicar imediatamente a modificação prevista na Resolução CNJ n. 516/2023; b) Os concursos para provimento de cargos efetivos de servidores que não tiverem finalizado a etapa das provas discursivas, devem aplicar imediatamente a modificação prevista na Resolução CNJ n. 516/2023 e c) Não é possível utilizar as regras aplicáveis aos concursos destinados à seleção de ingresso de magistrados e de provimento de cargos de servidores efetivos, aos concursos para outorga serventias extrajudiciais; II - aprovar o ato normativo para alterar a Resolução CNJ n. 516, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 17 de novembro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e Marcello Terto. Não votaram o Excelentíssimo Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello e, em razão da vacância do cargo, o representante da Câmara dos Deputados.

O CONSELHEIRO VIEIRA DE MELLO FILHO (RELATOR)

Trata-se de Consulta formulada pelo Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Acre, relativamente à Resolução CNJ n. 516/2023 que alterou a Resolução CNJ n. 81. Indaga referido Tribunal sobre:

1 ) a possibilidade do critério mínimo de aprovação na prova objetiva, previsto no item 11.29 do Edital TJAC nº 01/2023, não se confundir com "nota de corte" ou "cláusula de barreira", previstas no § 1º-A do art. 3º da Resolução CNJ nº 81/2009 (redação dada pela Resolução CNJ n. 516/2023).

2) se a nota mínima de 20% (vinte por cento) inferior à nota mínima estabelecida para aprovação dos candidatos da ampla concorrência para os cargos efetivos do Quadro de Pessoal dos órgãos do Poder Judiciário ou nota 6.0 para os concursos da magistratura, disciplinada pela Resolução CNJ nº 203/2015, pode ser parâmetro de nota mínima para os concursos de delegatários, regidos pela Resolução CNJ n o 81/2009.

É o relatório. 

 

 

 


O CONSELHEIRO VIEIRA DE MELLO FILHO (RELATOR)

2. FUNDAMENTAÇÃO

 

O Tribunal consulente formula diversos questionamentos relativos ao Edital TJAC nº 01/2023.

O Regimento Interno deste Conselho regulamenta o procedimento em seus artigos 89 e seguintes:

Art. 89. O Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência. 

§ 1º A consulta deve conter indicação precisa do seu objeto, ser formulada articuladamente e estar instruída com a documentação pertinente, quando for o caso.

§ 2º A resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral.

Art. 90. A consulta poderá ser respondida monocraticamente, quando a matéria já estiver expressamente regulamentada em Resolução ou Enunciado Administrativo, ou já tiver sido objeto de pronunciamento definitivo do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal.

É certo que as dúvidas formuladas pelo Tribunal Requerente referem-se a situação concreta, circunstância que poderia ensejar o não conhecimento da presente consulta.

Inobstante, entendo que o questionamento possui interesse e repercussão geral, conforme se verá em seguida.

A Resolução CNJ n. 81 foi recentemente alterada pela Resolução CNJ n. 516, nos seguintes termos:

Art. 1º O art. 3º da Resolução CNJ n. 81/2009 passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 3º

(...)

§ 1º- A É vedado o estabelecimento de nota de corte ou qualquer espécie de cláusula de barreira para os candidatos negros na prova objetiva seletiva.

(...)

§ 6º As comissões de que trata o parágrafo anterior deverão funcionar preferencialmente no ato da inscrição ou antes da publicação do resultado final do concurso, de acordo com os critérios de conveniência e oportunidade de cada tribunal.”(NR)

Art. 2º O § 3º do art. 2º da Resolução CNJ n. 203/2015 passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 2º

(...)

§3º É vedado o estabelecimento de qualquer espécie de cláusula de barreira para os candidatos negros, bastando o alcance de nota 20% inferior à nota mínima estabelecida para aprovação dos candidatos da ampla concorrência, ou nota 6,0 para os concursos da magistratura, para que os candidatos cotistas sejam admitidos nas fases subsequentes.” (NR)

 

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se imediatamente a todos os editais, independente do estágio em que se encontrem.

 

Como se depreende da dicção do artigo 3º da norma alteradora, a supressão da nota de corte em relação aos candidatos cotistas deve ser imediata, independente do estágio em que se encontrem os editais de concurso.

Inobstante, no âmbito do PCA n.  6606-20, de que fui relator, um candidato cotista inscrito no 12º Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de São Paulo, requeria a imediata aplicação da Resolução CNJ 516, de 22 de agosto de 2023, que alterou o § 1º do art. 3º da Resolução CNJ n. 81/2009, para eliminar a aplicação da nota mínima 6,0 (seis) para os candidatos cotistas,  por entender que a alteração promovida na Resolução deveria ser imediatamente aplicada, justamente em razão do que dispõe o art. 3º da Resolução CNJ 516, de 22 de agosto de 2023.

Naquele feito, decidi monocraticamente nos seguintes termos:

Relativamente a este segundo pedido formulado pelo Requerente – de supressão da nota de corte utilizada na 1ª prova realizada - entendo necessárias algumas ponderações.

É certo que a alteração trazida pela Resolução CNJ n. 516 trouxe regra fundamental para o reequilíbrio das ações afirmativas nos concursos públicos de serventias extrajudiciais, considerando que a instituição da nota mínima 6,0 estaria desvirtuando a classificação dos candidatos cotistas.

A preocupação com a maximização da política afirmativa tem inspirado este Conselho em inúmeras iniciativas adotadas recentemente, inclusive com a criação do FONAER – Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Equidade Racial (FONAER), que tem se dedicado a elaborar o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial.

Igualmente, a Resolução CNJ n. 75/09, que dispõe sobre os concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário nacional, sofreu inúmeras alterações de modo a fortalecer a política pela equidade racial

Este Conselho, e em especial este Relator, não estão insensíveis às demandas trazidas pelo Requerente, muito embora seja necessário realizar ponderações de princípios e valores, de modo a não se inviabilizar a própria higidez do 12º Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de São Paulo.

Feitas tais considerações, entendo que o pedido do Requerente não deve prosperar, porquanto a 1ª fase do concurso, relativa à prova objetiva seletiva ocorreu em 13/03/2022, conforme previsto no EDITAL Nº 03/2022, há mais de 1 ano, portanto.

Em seguida, transcorreram todas as demais fases do concurso, contra as quais foram interpostos inúmeros procedimentos de controle neste Conselho, todos sob a Relatoria deste Conselheiro, prevento para analisar as eventuais irregularidades constatadas no certame.

Este Conselho, portanto, manteve-se atento ao desenvolvimento do concurso, que transcorreu de forma regular durante todo o período.

Importante registar que os Tribunais de Justiça enfrentam inúmeras dificuldades para finalizar os concursos de serventias extrajudiciais, dispendendo recursos extraordinários para a sua segura consecução. Para ilustrar a situação, há Tribunal de Justiça que nunca conseguiram finalizar um único concurso para provimento de serventias em mais de 35 anos, desde a promulgação da Constituição de 1988, o que tem despertado sérias preocupações deste Conselho. 

Portanto, a condução segura e cuidadosa do 12º concurso deve ser reconhecida, porquanto não identificadas irregularidades aptas a obstaculizá-lo.

Assim, não diviso razões para determinar a suspensão do concurso às vésperas da Sessão de Escolha e Outorga das Unidades Extrajudiciais, designada para o dia de amanhã, 05/10/2023, em razão da preclusão da 1ª fase do concurso, ocorrida há mais de 1 ano, cujo resultado deve ser mantido em razão dos princípios da segurança jurídica e da confiança legitima dos demais candidatos, que dedicaram tempo e esforço incalculáveis para a consagração dos resultados de amanhã.

Ante o exposto, indefiro o 2º pedido formulado pelo Requerente.

Prejudicada a análise do pedido liminar.

Como se verifica na decisão, entendi que, na situação concreta, deveriam prevalecer os princípios da segurança jurídica e legítima confiança dos demais candidatos, em detrimento da aplicação imediata da norma, o que poderia ensejar tumulto no certame.

Contra a referida decisão, não houve interposição de recurso.

Desse modo, na linha do que já decidi, entendo necessário propor ao Plenário deste Conselho modulação do disposto no artigo 3º da Resolução CNJ N. 516/2023, de modo a que a supressão da nota de corte aplicada aos candidatos cotistas se aplique imediatamente a todos os editais de concursos de outorga de serventias extrajudiciais, desde que não tenha sido concluída a etapa da prova objetiva seletiva.

Relativamente aos concursos para provimento de cargos efetivos de servidores, igualmente necessária modulação dos efeitos da Resolução. Muito embora não haja regulamentação nacional sobre a estruturação de tais certames, é possível considerar a possibilidade de tais concursos contarem com 5 fases, como prova objetiva (de caráter eliminatório e classificatório), prova escrita discursiva (de caráter eliminatório e classificatório), avaliação de títulos (de caráter classificatório), perícia médica dos candidatos que se declararem com deficiência (de caráter unicamente eliminatório) e heteroidentificação dos candidatos que se declararem negros (de caráter unicamente eliminatório).

Em tais certames, entende-se razoável a aplicação imediata da alteração promovida pela Resolução CNJ n. 516 somente aos concursos que não finalizaram as provas discursivas, de modo a preservar igualmente a legítima expectativa e a segurança jurídica.

Relativamente à Resolução CNJ n.  75/2009, que dispõe sobre os concursos para ingresso na magistratura, torna-se desnecessária a regra intertemporal, pois não houve qualquer alteração normativa.

Ante o exposto, respondo à consulta nos termos seguintes termos:

a)     Os concursos para outorga das serventias extrajudiciais que não tiverem finalizado a etapa da prova objetiva seletiva, devem aplicar imediatamente a modificação prevista na Resolução CNJ n. 516/2023;

b)     Os concursos para provimento de cargos efetivos de servidores que não tiverem finalizado a etapa das provas discursivas, devem aplicar imediatamente a modificação prevista na Resolução CNJ n. 516/2023;

c)      Não é possível utilizar as regras aplicáveis aos concursos destinados à seleção de ingresso de magistrados e de provimento de cargos de servidores efetivos, aos concursos para outorga serventias extrajudiciais.

Adicionalmente, proponho a alteração da Resolução CNJ n. 516, para que a proposta se restrinja aos editais que não tenham concluído a etapa da prova objetiva seletiva, no caso da Resolução CNJ n. 81, ou a etapa das provas discursivas, no caso dos concursos para provimento de cargos efetivos de servidores, nos seguintes termos: 

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se imediatamente a todos os editais, independente do estágio em que se encontrem, desde que não finalizada a etapa da prova objetiva seletiva, no caso dos concursos regidos pela Resolução CNJ n. 81, ou a etapa das provas discursivas, no caso dos concursos para provimento de cargos efetivos de servidores. 

 

Ministro LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO

Conselheiro Relator