Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006510-53.2023.2.00.0000
Requerente: JULIANA SANTANA DA SILVA
Requerido: COMISSÃO DO CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA OUTORGA DE DELEGAÇÕES DE NOTAS E DE REGISTRO DO ESTADO DE ALAGOAS

 

EMENTA

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. RATIFICAÇÃO DE LIMINAR. CONVERSÃO EM JULGAMENTO DE MÉRITO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS. TJAL. CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA OUTORGA DE DELEGAÇÕES DE NOTAS E DE REGISTRO. EDITAL N. 1/2023. PROVA ESCRITA E PRÁTICA. CANDIDATA GESTANTE. AVANÇADO ESTÁGIO DE GRAVIDEZ. REMARCAÇÃO DA PROVA. PARTURIENTE. POSSIBILIDADE. IGUALDADE MATERIAL. PROTEÇÃO À FAMÍLIA. DIREITOS REPRODUTIVOS. LIVRE ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS. RESOLUÇÃO CNJ Nº 492/2023. PERSPECTIVA DE GÊNERO NOS JULGAMENTOS DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO. LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA. JULGADO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO.

1. Procedimento de Controle Administrativo proposto contra decisão da Comissão do Concurso que indeferiu a remarcação da prova escrita e prática de candidata gestante.

2. Em exame liminar, exsurgem indícios da plausibilidade do direito reivindicado na inicial, uma vez que a candidata gestante se encontrava em avançado estágio de gravidez (38ª semana), com o parto realizado poucos dias antes da aplicação da prova.

3. Na ponderação de princípios constitucionais, no caso concreto, a proteção à família, à saúde, ao trabalho e o livre acesso aos cargos, empregos e funções públicas devem preponderar em face do princípio da igualdade formal. Condições excepcionais da candidata que autorizam a remarcação da prova. Precedentes STF e CNJ.

4. Tutela de urgência parcialmente concedida para determinar que a Comissão do Concurso propicie a remarcação da prova escrita e prática apenas em relação à candidata, de forma presencial e nos mesmos termos proporcionados aos demais candidatos, observado o prazo mínimo de 45 dias corridos entre o dia do parto e a nova data de realização da prova.

5. Liminar ratificada. Conversão em julgamento definitivo. Julgado procedente em parte o pedido.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, após ratificar a liminar, converteu o julgamento em definitivo, em razão dos argumentos do voto do Relator. Vencidos, quanto à ratificação da liminar, os Conselheiros Vieira de Mello Filho, Salise Sanchotene, Giovanni Olsson e o Presidente. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante da Câmara dos Deputados. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 31 de outubro de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Pablo Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues (Relator), Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006510-53.2023.2.00.0000
Requerente: JULIANA SANTANA DA SILVA
Requerido: COMISSÃO DO CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA OUTORGA DE DELEGAÇÕES DE NOTAS E DE REGISTRO DO ESTADO DE ALAGOAS


RELATÓRIO

 

Cuida-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), inaugurado por Juliana Santana da Silva, com pedido liminar, em face da Comissão do Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, cuja pretensão se consubstancia na suspensão da prova escrita e prática do certame regido pelo Edital de Abertura n. 01/2023, dada a sua "condição de gestante", o que impossibilita candidata a realização das provas na data estipulada pela Comissão do Concurso (Id. 55317184).

Subsidiariamente, requer a remarcação da prova apenas em favor da candidata, ou que lhe seja oferecida condição alternativa, a fim de que se submeta ao certame, no prazo de 60 dias após o parto, ressalvada a possibilidade de nova prorrogação em caso de eventual intercorrência relacionada à saúde da requerente no pós-parto.

Como candidata regularmente inscrita, informa que foi considerada habilitada na prova objetiva do certame, sendo, posteriormente, convocada para a realização das provas escrita e prática. De acordo com o Edital n. 14/2023, relata que as provas escritas e práticas – em relação ao Grupo 2, Critérios Provimento e Remoção – ocorreram no dia 22/10/2023 (domingo).

Em razão do avançado estágio de sua gravidez (32ª semanas de gestação), assevera que, apesar de ter solicitado a remarcação da data de sua arguição para data diversa, a Comissão do Concurso indeferiu o adiamento, por implicar em violação ao princípio da isonomia na aplicação das regras do certame, nos termos da resposta ao Requerimento n. 03/23 (Id. 5317190).

Afirma que na data de instauração deste PCA (07/10/2023), a candidata encontrava-se no curso da 38ª semana de gestação, com data provável de parto para o dia 18/10/2023, com variação possível de uma semana antes e uma semana depois da data estimada do parto.

Ademais, aduz a impossibilidade de realizar viagens no período para o qual a prova foi designada, consoante declaração médica acostada aos autos (Id. 5317191).

Em acréscimo, a candidata afirma que, sob recomendação médica, foi afastada de suas atividades profissionais desde o dia 03/10/2023, conforme atestado médico anexo (Id. 5317194).

Pelos fatos e fundamentos apresentados, a requerente solicita a concessão de medida liminar para que seja suspensa a realização das provas escritas e práticas, ou subsidiariamente, que seja remarcada a data da sua prova, devendo o referido ato ser realizado 60 dias após o parto, com possibilidade de prorrogação em caso de eventual intercorrência médica.

Distribuídos livremente os autos ao Conselheiro Mauro Pereira Martins, este remeteu o presente feito para análise de possível prevenção em relação ao Pedido de Providências (PP) n. 0006499-24.2023.2.00.0000, distribuído em 06/10/2023, de minha relatoria (Id. 5319917).

Em decisão interlocutória, dado que ambos os expedientes foram propostos para controle administrativo do mesmo certame, reconheci a minha prevenção no presente processo, nos termos do art. 44, § 5º, do RICNJ (Id. 5327807).

Por fim, sobreveio peticionamento da candidata, em que requer a juntada da declaração de nascido vivo, bem como a juntada da certidão de nascimento do filho, nascido aos 10/10/2023, oportunidade em que reitera todos os termos da inicial (Id. 5330256).

Em decisão monocrática, concedi parcialmente medida liminar em favor da requerente para determinar que a Comissão do Concurso requerida propicie a remarcação da prova escrita e prática da candidata, de forma presencial e nos mesmos termos proporcionados aos demais candidatos, observado o prazo mínimo de 45 dias corridos entre o dia do parto (10/10/2023) e a nova data de realização da prova, a ser estabelecida (Id. 5331846).

A Comissão do Concurso foi devidamente notificada, conforme previsto no art. 94, do RICNJ (Id. 5332514).

Após, os autos vieram-me conclusos, oportunidade em que submeto ao Plenário deste Conselho a referida liminar, para sua ratificação, nos termos do art. 25, inciso XI, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ).

É o relatório.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006510-53.2023.2.00.0000
Requerente: JULIANA SANTANA DA SILVA
Requerido: COMISSÃO DO CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA OUTORGA DE DELEGAÇÕES DE NOTAS E DE REGISTRO DO ESTADO DE ALAGOAS

 


VOTO

 

Por considerar presentes os pressupostos autorizadores da concessão da medida liminar (fumus boni iuris e periculum in mora), deferi parcialmente a tutela de urgência pleiteada. Assim, com fulcro no art. 25, XI, do RICNJ, submeto a referendo do Plenário deste Conselho a decisão liminar por mim proferida em 20/10/2023 (Id. 5331846):

"[...] De acordo o disposto no art. 25, inciso XI, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça[1] (RICNJ), entre as atribuições do relator, cabe deferir medidas urgentes e acauteladoras, de forma fundamentada, quando haja fundado receio de prejuízo, dano irreparável ou risco de perecimento do direito invocado, determinando a inclusão em pauta, na sessão seguinte, para submissão ao referendo do Plenário.

No caso dos autos, reputo caracterizados os requisitos autorizadores da concessão parcial da pretensão cautelar, quais sejam, a verossimilhança das alegações e o risco de perecimento da pretensão da requerente, nos termos a seguir expostos.

Para tanto, considero como pano de fundo a Resolução CNJ n. 492/2023[2], que determinou a diretriz de adoção da “Perspectiva de Gênero nos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário”, cujo objetivo principal é a superação dos obstáculos que impossibilitam a concretização de uma igual dignidade entre mulheres e homens, em todos os cenários da vida pública e privada.

Ademais, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, desenvolvido pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria CNJ n. 27/2021, elenca diversos fatores de discriminação da mulher na sociedade, entre eles, a desigualdade salarial e dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, in verbis:

Outro fator que também contribui para as desigualdades salariais são algumas interrupções na carreira vividas pelas mulheres, como, por exemplo, em razão da gravidez/maternidade ou dever de cuidado com outros membros da família, que acabam impactando diretamente no seu crescimento profissional. Isso porque, a maternidade ainda é vista como um “empecilho” ao crescimento profissional da mulher dentro de um mercado de trabalho que não a acolhe e que valora de forma negativa uma condição que lhe é específica (gestação/lactação/maternidade), exigindo da trabalhadora que ela se adapte a espaços e instituições que são estabelecidas a partir do modelo  masculino. (grifou-se)

 

Na ordem jurídica internacional, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, promulgada internamente por meio do Decreto n. 4.377/2002, impõe aos Estados-Partes a necessidade de desenvolvimento de medidas concretas destinadas a acelerar a igualdade material entre o homem e a mulher. Perfilha, expressamente, o dever dos respectivos países signatários de adotar medidas de proteção da maternidade, cuja abordagem diferenciada não implica em tratamento discriminatório:

Artigo 4º

1. A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como consequência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.

2. A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais, inclusive as contidas na presente Convenção, destinadas a proteger a maternidade, não se considerará discriminatória.

[...]

Artigo 11

1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular:

a) O direito ao trabalho como direito inalienável de todo ser humano;

b) O direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a aplicação dos mesmos critérios de seleção em questões de emprego;

c) O direito de escolher livremente profissão e emprego, o direito à promoção e à estabilidade no emprego e a todos os benefícios e outras condições de serviço, e o direito ao acesso à formação e à atualização profissionais, incluindo aprendizagem, formação profissional superior e treinamento periódico;

d) O direito a igual remuneração, inclusive benefícios, e igualdade de tratamento relativa a um trabalho de igual valor, assim como igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho;

e) O direito à seguridade social, em particular em casos de aposentadoria, desemprego, doença, invalidez, velhice ou outra incapacidade para trabalhar, bem como o direito de férias pagas;

f) O direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho, inclusive a salvaguarda da função de reprodução.

2. A fim de impedir a discriminação contra a mulher por razões de casamento ou maternidade e assegurar a efetividade de seu direito a trabalhar, os Estados-Partes tomarão as medidas adequadas para:

a) Proibir, sob sanções, a demissão por motivo de gravidez ou licença de maternidade e a discriminação nas demissões motivadas pelo estado civil;

b) Implantar a licença de maternidade, com salário pago ou benefícios sociais comparáveis, sem perda do emprego anterior, antigüidade ou benefícios sociais;

c) Estimular o fornecimento de serviços sociais de apoio necessários para permitir que os pais combinem as obrigações para com a família com as responsabilidades do trabalho e a participação na vida pública, especialmente mediante fomento da criação e desenvolvimento de uma rede de serviços destinados ao cuidado das crianças;

d) Dar proteção especial às mulheres durante a gravidez nos tipos de trabalho comprovadamente prejudiciais para elas. (grifou-se)

 

Nessa perspectiva, entendo como uma repercussão da referida desigualdade entre homens e mulheres a não consideração da condição especial da mulher gestante/lactante no livre acesso aos cargos, empregos e funções públicas, o que, ao meu sentir, fere a proporcionalidade e as disposições dos art. 5º, inciso I[3], e art. 37, inciso I[4], ambos da Constituição Federal (CF).

No caso dos autos, como candidata regularmente inscrita no Concurso Público para o Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, regido pelo Edital de Abertura n. 1/2023, a requerente logrou aprovação na prova objetiva do certame e foi, posteriormente, convocada para a realização das provas escrita e prática.

Conforme edital de convocação (Id. 5317198), as provas escritas e práticas – em relação ao Grupo 2, Critérios Provimento e Remoção – serão submetidas aos candidatos no dia 22/10/2023 (domingo).

Nessa perspectiva, em virtude do avançado estágio de gravidez (32ª semanas de gestação), a candidata solicitou, perante a Comissão do Concurso, a remarcação da data de sua prova. No entanto, o pedido administrativo restou indeferido, sob a justificativa de que o seu atendimento frustraria à isonomia na aplicação das regras do concurso público (Id. 5317190).

Contudo, em cognição sumária, a despeito do argumento apresentado Comissão do Concurso, o caso posto demanda interpretação em consonância com os princípios e normais constitucionais, em verdadeira ponderação de direitos.

Como é cediço, na colisão entre princípios constitucionais, não se deve atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou direito. Ao revés, cumpre ao intérprete harmonizar a aplicação das normas conflitantes, ainda que, no caso concreto, uma delas sofra alguma atenuação[5].

Revela questão assaz difícil (hard case), diretamente relacionada ao direito à igualdade e à dignidade humana, que devem ser interpretados em coerência com os direitos da mulher.

Ressalte-se que a proteção à gestante, a proteção da família e a liberdade reprodutiva são direitos de cunho fundamental, incorporados constitucionalmente ao patrimônio jurídico das mulheres, bem como da própria sociedade indiretamente. Na espécie, no âmbito dos concursos públicos, a natureza fundamental destes direitos foi traduzida no julgamento do RE 1.058.333, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na tese de Repercussão Geral n. 973. Eis o teor da ementa do julgado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA GRÁVIDA À ÉPOCA DA REALIZAÇÃO DO TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. POSSIBILIDADE DE REMARCAÇÃO INDEPENDENTE DE PREVISÃO EDITALÍCIA. DIREITO À IGUALDADE, DIGNIDADE HUMANA E LIBERDADE REPRODUTIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. 1) O teste de aptidão física para a candidata gestante pode ser remarcado, posto direito subjetivo que promove a igualdade de gênero, a busca pela felicidade, a liberdade reprodutiva e outros valores encartados pelo constituinte como ideário da nação brasileira. 2) A remarcação do teste de aptidão física, como único meio possível de viabilizar que a candidata gestante à época do teste continue participando do certame, estende-lhe oportunidades de vida que se descortinam para outros, oportunizando o acesso mais isonômico a cargos públicos. 3) O princípio da isonomia se resguarda, ainda, por a candidata ter de, superado o estado gravídico, comprovar que possui a mesma aptidão física exigida para os demais candidatos, obtendo a performance mínima. 4) A família, mercê de ser a base da sociedade, tem especial proteção do Estado (artigo 226 da CRFB), sendo certo que a Constituição de República se posicionou expressamente a favor da proteção à maternidade (artigo 6º) e assegurou direito ao planejamento familiar (artigo 226, § 7º), além de encontrar especial tutela no direito de previdência social (artigo 201, II) e no direito de assistência social (artigo 203, I). 5) O direito à saúde, tutelado expressamente no artigo 6º, requer uma especial proteção no presente caso, vez que a prática de esforços físicos incompatíveis com a fase gestacional pode por em risco a saúde da gestante ou mesmo do bebê. 6) O constituinte expressamente vedou qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas que obstaculize o planejamento familiar (art. 226, §7º), assim como assegurou o acesso às informações e meios para sua efetivação e impôs o dever de propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito. 7) A ampla acessibilidade a cargos, empregos e funções públicas é assegurada expressamente em nosso sistema constitucional (art. 37, I), como corolário do princípio da isonomia, da participação política e o da eficiência administrativa. 8) A remarcação do teste de aptidão física realiza com efetividade os postulados constitucionais, atingindo os melhores resultados com recursos mínimos, vez que o certame prossegue quanto aos demais candidatos, sem descuidar do cânone da impessoalidade. 9) A continuidade do concurso em geral, com reserva de vagas em quantidade correspondente ao número de candidatas gestantes, permite que Administração Pública gerencial desde logo supra sua deficiência de contingente profissional, escopo último do concurso, assim como permite que os candidatos aprovados possam ser desde logo nomeados e empossados, respeitada a ordem de classificação. 10) O adiamento fundamentado na condição gestatória se estende pelo período necessário para superação da condição, cujas condições e prazos devem ser determinados pela Administração Pública, preferencialmente em edital, resguardada a discricionariedade do administrador público e o princípio da vinculação às cláusulas editalícias . 11) A inexistência de previsão em em edital do direito à remarcação, como no presente caso, não afasta o direito da candidata gestante, vez que fundado em valores constitucionais maiores cuja juridicidade se irradia por todo o ordenamento jurídico. Por essa mesma razão, ainda que houvesse previsão expressa em sentido contrário, assegurado estaria o direito à remarcação do teste de aptidão para a candidata gestante. 12) A mera previsão em edital do requisito criado pelo administrador público não exsurge o reconhecimento automático de sua juridicidade. 13) A gravidez não se insere na categoria de “problema temporário de saúde” de que trata o Tema 335 de Repercussão Geral. É que a condição de gestante goza de proteção constitucional reforçada, por ter o constituinte estabelecido expressamente a proteção à maternidade, à família e ao planejamento familiar. 14) Nego provimento ao recurso, para fixar a tese de que “É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata aprovada nas provas escritas que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público”.

STF. RE 1058333, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21-11-2018, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-185 DIVULG 24-07-2020 PUBLIC 27-07-2020) (grifou-se)

 

Desse modo, foi conferido às candidatas gestantes, a possibilidade de remarcação do teste de aptidão física, à época de sua realização, independentemente de haver previsão expressa nesse sentido no edital do concurso público, por ser aplicação do princípio constitucional da igualdade material, de forma a resguardar o direito ao planejamento familiar, o direito à saúde e o princípio do livre acesso aos cargos públicos mediante concurso público.

Por certo, a referida tese envolveu a realização do teste de aptidão física. Todavia, não obstante as especificidades de cada fase do certame, compreende-se que igual orientação pode ser aplicada para a organização da prova escrita e prática, sem maiores prejuízos aos demais candidatos, uma vez que a requerente se situa em hipótese excepcionalíssima.

Ademais, o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em julgamento do PCA n. 0006779-97.2020.2.00.0000, de relatoria da então Cons. Maria Tereza Uille Gomes, o Plenário reconheceu, em ratificação de liminar, por iguais fundamentos, a necessidade de tratamento diferenciado para a candidata gestante, assegurando o direito de remarcação da prova oral nas mesmas condições e características conferidas aos demais candidatos. Eis o teor da ementa:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA. CONCURSO DA MAGISTRATURA. PROVA ORAL. VIDEOCONFERÊNCIA. CANDIDATAS GESTANTES. AMBIENTE NÃO CONTROLADO. INCERTEZA QUANTO À SEGURANÇA E À IDONEIDADE DO ATO. FALTA DE ISONOMIA COM OS DEMAIS CANDIDATOS QUE FORAM ARGUIDOS PRESENCIALMENTE. PERDA PARCIAL DO OBJETO DA PROVA ORAL, QUE TAMBÉM TEM O PROPÓSITO DE AFERIR O ESTADO DE ESPÍRITO E A SERENIDADE DO CANDIDATO EM SITUAÇÕES DE STRESS NO CONFRONTO PRESENCIAL DE IDEIAS QUE É COMUM NA ATIVIDADE JUDICANTE. IMPOSSIBILIDADE DE PROVA ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA. REMARCAÇÃO DA DATA DO ATO. REALIZAÇÃO NO ÂMBITO DO TRIBUNAL. OPÇÃO QUE MELHOR SE COADUNA AO PRECEDENTE DO STF INVOCADO E NÃO COLOCA EM RISCO A SAÚDE DA MULHER E DO FETO PELA SUJEIÇÃO À SITUAÇÃO DE STRESS EMOCIONAL. RATIFICAÇÃO PARCIAL DA LIMINAR.

(CNJ - ML – Medida Liminar em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0006779-97.2020.2.00.0000 - Rel. MARIA TEREZA UILLE GOMES - 63ª Sessão Virtual Extraordinária - julgado em 21/09/2020 ). (grifou-se)

 

Entendo que os referidos precedentes se aplicam integralmente ao caso dos autos, dado a natureza do pedido formulado neste procedimento administrativo, uma vez que o estágio avançado de gravidez da candidata impedia a realização da prova escrita e prática na data marcada pela Comissão do Concurso (ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio).

Na presente hipótese, verifico que, no momento da instauração deste PCA (07/10/2023), a candidata encontrava-se no curso da 38ª semana de gestação, com data provável de parto para o dia 18/10/2023, com variação possível de uma semana antes e uma semana depois da data estimada do parto (Id. 5317191).

Além disso, a candidata apresentou recomendação médica de afastamento de suas atividades profissionais, obtida em desde o dia 03/10/2023, conforme atestado médico anexo (Id. 5317194).

Em acréscimo, consoante declaração médica acostada aos autos (Id. 5317191), a candidata comprovou a sua impossibilidade de realizar viagens no período para o qual a prova foi designada, circunstância que favorece a concessão da liminar, dado que a candidata mora na cidade de Timon/MA, e as provas serão realizadas em Maceió/AL, no dia 22/10/2023.

Nada obstante, sobreveio notícia nos autos, que o parto do filho da candidata ocorreu, via cirurgia cesárea, no dia 10/10/2023, conforme declaração de nascido vivo, bem como a juntada da certidão de nascimento do filho (Id. 5330257 e 5330258).

Nessa perspectiva, realizando a ponderação entre os princípios constitucionais em conflito – princípio da isonomia nos concursos públicos e o princípio da dignidade humana – entendo que deve preponderar o segundo, dado que este concretiza uma miríade de direitos previstos constitucionalmente, entre eles: o direito ao planejamento familiar e a proteção à família[6], o direito à saúde e ao trabalho[7], e o princípio do livre acesso aos cargos públicos mediante concurso público.

Considero a situação da candidata excepcionalíssima, à vista da data de realização de seu parto que coincidiu com a semana de realização das provas, situação que autoriza de forma extraordinária a concessão da liminar.

Por tais considerações, reputo presentes os requisitos necessários para o deferimento da medida de urgência, ante a caracterizada plausibilidade e do perigo de dano do direito alegado, uma vez que a candidata se encontra em situação excepcionalíssima.

Quanto ao pedido liminar, indefiro o pedido principal em relação à suspensão da aplicação da prova escrita e prática, vez que causará diversos prejuízos aos candidatos que já estão aptos a realizar a prova, bem como poderá acarretar danos à Administração Pública, visto as peculiaridades na realização deste concurso.

Por outro lado, compreende-se possível a pretendida remarcação individual da prova, apenas em relação à gestante, de modo a garantir-lhe a posterior possibilidade de realização da prova. Nesse sentido, concedo a medida liminar para permitir a remarcação da prova da candidata.

 

Dispositivo

Isto posto, em exame de cognição sumária e nos termos do art. 25, XI, do RICNJ, CONCEDO a medida liminar em parte, para determinar que a Comissão do Concurso requerida propicie a remarcação da prova escrita e prática pela candidata, ora requerente, de forma presencial e nos mesmos termos proporcionados aos demais candidatos, observado o prazo mínimo de 45 dias corridos entre o dia do parto (10/10/2023) e a nova data de realização da prova, a ser estabelecida pela comissão.

Importante salientar que a candidata poderá realizar a prova na condição de lactante, mesmo que não tenha informado desta condição no momento da inscrição no concurso.

Informo, ainda, que somente após a realização da prova pela referida candidata, a Comissão do Concurso poderá disponibilizar o resultado preliminar da prova escrita e prática, a fim de não gerar nenhum prejuízo aos demais candidatos.

INDEFIRO o pedido liminar em relação à suspensão da aplicação da prova escrita e prática, vez que causará diversos prejuízos aos candidatos que já estão aptos a realizar a prova, bem como poderá acarretar danos à Administração Pública, dada as peculiaridades na realização deste concurso.

DETERMINO que a Comissão do Concurso e a respectiva instituição organizadora publiquem novo edital para cientificar os demais candidatos acerca da presente decisão.

Por oportuno, determino à Secretária Processual a notificação da requerida, para que, no prazo de 15 (quinze) dias, traga aos autos informações pertinentes ao mérito, conforme previsto no art. 94, do RICNJ[8].

Após, inclua-se esta decisão para deliberação em Plenário, no tocante à medida liminar deferida, nos termos do art. 25, inciso III, do RICNJ.

Intime-se com urgência que o caso requer." (Grifos originais)


Ante o exposto, voto pela confirmação da medida liminar em exame, por seus próprios fundamentos.

Por fim, seguindo o que foi decidido pelo Plenário do CNJ, na 16ª Sessão Ordinária, de 31/10/2023, conforme certidão de julgamento Id 5345961, proponho a conversão do julgamento em decisão de mérito para julgar parcialmente procedente o pedido da autora, para determinar que a Comissão do Concurso requerida, propicie a remarcação da prova escrita e prática pela candidata, ora requerente, de forma presencial e nos mesmos termos proporcionados aos demais candidatos, observado o prazo mínimo de 45 dias corridos entre o dia do parto (10/10/2023) e a nova data de realização da prova, a ser estabelecida pela comissão.

 

Conselheiro Marcos Vinícius Jardim

Relator  



[1] Art. 25. São atribuições do Relator: [...] XI - deferir medidas urgentes e acauteladoras, motivadamente, quando haja fundado receio de prejuízo, dano irreparável ou risco de perecimento do direito invocado, determinando a inclusão em pauta, na sessão seguinte, para submissão ao referendo do Plenário;

[2] Estabelece, para adoção de Perspectiva de Gênero nos julgamentos em todo o Poder Judiciário, as diretrizes do protocolo aprovado pelo Grupo de Trabalho constituído pela Portaria CNJ n. 27/2021, institui obrigatoriedade de capacitação de magistrados e magistradas, relacionada a direitos humanos, gênero, raça e etnia, em perspectiva interseccional, e cria o Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero no Poder Judiciário e o Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.

[3] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

[4] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;     

[5] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 380.

[6] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

[7] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[8] Art. 94. O Relator determinará a notificação da autoridade que praticou o ato impugnado e dos eventuais interessados em seus efeitos, no prazo de quinze (15) dias.

 

O CONSELHEIRO VIEIRA DE MELLO FILHO:

 

VOTO DIVERGENTE

Trata-se de procedimento de controle administrativo instaurado por Juliana Santana da Silva em face da Comissão do Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, em que pretende a alteração da data da Prova Escrita e Prática (designada para o dia 22/10/2023) ou, subsidiariamente, a realização de sua prova no prazo de 60 (sessenta) dias, dada a sua "condição de gestante" (Id. 55317184).

O Conselheiro Relator traz à ratificação liminar deferida em que determina ao tribunal a remarcação da prova escrita e prática para a candidata, a ser realizada no prazo mínimo de 45 dias, a contar da data do parto, ocorrido em 10/10/23, de forma presencial e nos mesmos termos proporcionados aos demais candidatos.

Para fundamentar sua decisão, invoca o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, desenvolvido pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria CNJ n. 27/2021 deste Conselho, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Tese de Repercussão Geral n. 973 do E. Supremo Tribunal Federal e o precedente contido no PCA 0006779-97.2020.2.00.0000, deste Conselho.

Ainda que reconheça o mérito da decisão liminar trazida à ratificação e os sólidos fundamentos nela contidos, discordo do relator com relação à medida adotada.

Inicialmente, importa reconhecer que a comissão do concurso adotou várias ações a fim de comportar as situações excepcionais surgidas no certame. Providenciou transporte de candidata grávida, que, por equivoco, compareceu a local de prova diverso do que deveria se apresentar. Candidata com gestação de alto risco teve acesso a sala especial, com maca, acompanhamento médico e ambulância no local de prova, além de tempo adicional.

Tais providências configuram tratamento especial que não compromete a idoneidade do certame.

Os concursos públicos devem ser conduzidos em observância aos princípios constitucionais da isonomia, impessoalidade, moralidade e eficiência, garantido igualdade de condições e amplo acesso a todos os interessados, para a realização de certame célere e que alcance sua finalidade, que é a satisfação do interesse público.

No caso em exame, a medida liminar leva, a meu ver, a uma quebra do princípio da isonomia de forma a macular o concurso como um todo, por desprestigiar valores inegociáveis da seleção pública.

Primeiramente, é de se destacar que a candidata não fará a mesma prova a que foram submetidos todos os demais candidatos. Nesse ponto, a Tese de Repercussão Geral n. 973 não se aplica diretamente ao presente caso, pois trata da designação de nova data para a realização de teste de aptidão física, que pode ser replicado em qualquer momento posterior, sem prejuízo da isonomia.

No caso presente, qualquer alternativa implica a violação do princípio da isonomia; seja pela aplicação da mesma prova já realizada pelos candidatos, seja pela confecção de nova prova exclusivamente para a Requerente, hipótese em que haveria presumida distinção, o que poderia facilmente prejudicá-la ou beneficiá-la.

A segunda etapa do concurso é um momento de comparação do nível dos conhecimentos dos candidatos, o que deve ser realizado sob as mesmas condições. Não é possível compará-los utilizando critérios diversos.

Nesse ponto, é fundamental reconhecer que o precedente deste Conselho, citado pelo Relator, tampouco se aplicaria ao caso deste feito. No referido PCA, facultou-se às candidatas gestantes inscritas em concurso da magistratura a realização de provas orais em momento diverso, de modo a preservar a saúde da mulher e do feto, em razão da pandemia do coronavirus, no ano de 2020.

Além do contexto fático distinguir o precedente, há 2 aspectos a se destacar. Primeiramente, tratava-se de aplicação de provas orais que, por sua própria natureza, não são idênticas entre si; por outro lado, àquela altura do concurso, os candidatos já estavam identificados, o que não se verifica na hipótese presente.

Nesse contexto, a decisão liminar proferida acaba por tornar sem efeito diversos dispositivos da Resolução CNJ n. 81/09, que impõem a preservação da não identificação dos candidatos nesta fase do certame. Transcrevo-os, para melhor compreensão:

5.6. A Prova Escrita e Prática consistirá numa dissertação e na elaboração de peça prática, além de questões discursivas.

(...)

5.6.2. Qualquer prova que contiver algum dado que permita a identificação do candidato será anulada.

(...)

6.5. As provas de seleção e escrita e prática, que não admitirão revisão, serão assinadas pelo candidato por meio de cartão numerado e destacável, de modo a não as identificar.

Entretanto, reconheço que a questão não é simples. De fato, está-se diante de verdadeiro dilema jurídico.

Há pouco, durante o julgamento do ATO 5605-48, que tratava da alteração da Resolução CNJ n. 106/2010 - relativa à promoção por merecimento - para adequá-la à ação afirmativa de equidade de gênero, proferi voto convergente ao da Relatora, Conselheira Salise Sanchotene, para destacar a estrondosa desigualdade histórica no acesso das mulheres aos cargos do Poder Judiciário e a necessidade de os homens abrirem pequenas brechas em seus espaços de poder para possibilitar que as mulheres compartilhem as escadas que permitem a ascensão na carreira.

No caso em análise, entretanto, a situação me parece bastante diversa.

A candidata foi inquestionavelmente prejudicada por um evento natural, insuperável, e que decorre do fato de ser mulher. De fato, os homens nunca perderão oportunidades profissionais por terem seus corpos dedicados à geração da vida.

Inobstante, a decisão sob exame, conquanto louvável em sua pretensão, cria um precedente de insegurança jurídica para futuros certames, na medida em que situações pessoais das mais diversas poderão ser invocadas para fundamentar pedidos semelhantes. 

É preciso considerar, ainda, proporcionalidade e razoabilidade da medida em relação aos demais candidatos, que criaram legítima expectativa em relação ao desenrolar do concurso, sacrificando suas vidas em prol dos parâmetros definidos pela Comissão do Concurso.

Ademais, não se pode olvidar os princípios que vinculam a atividade da Administração Pública, como o da eficiência, em face da onerosidade excessiva que a decisão poderá ocasionar.

A exigência constitucional e republicana dos concursos públicos compromete cifras consideráveis dos cofres públicos, e a padronização e previsibilidade são as únicas formas de manter esse dispêndio dentro da destinação orçamentária realizada por cada tribunal.

Situações personalíssimas, como a ora observada, se tratadas com a distinção proposta, levariam ao ferimento de princípios de responsabilidade orçamentária, como o da exatidão, que exige estimativas as mais precisas possíveis com relação a receitas e despesas.  

Por fim, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, com as inovações trazidas pela Lei nº 13.655/2018, orienta o julgador a ponderar fortemente as consequências práticas de suas decisões (art. 20), afastando-o dos valores jurídicos abstratos e sugerindo a utilização da motivação para demonstrar a necessidade e adequação da medida imposta.

No presente caso, entendo que a medida utilizada pelo Relator não é proporcional nem razoável, gera ônus excessivo aos cofres públicos e  viola os princípios da eficiência, igualdade e confiança legítima.

Ante o exposto, pedindo vênias ao Relator, voto pela não ratificação da liminar.

 

Brasília, data registrada no sistema.

 

Ministro LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO

Conselheiro