Conselho Nacional de Justiça

 

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0006214-31.2023.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: CARLOS HENRIQUE JARDIM DA SILVA

 

EMENTA

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DO JÚRI. AGRESSÕES VERBAIS PROFERIDAS POR PROMOTOR DE JUSTIÇA CONTRA ADVOGADA. LINGUAGEM MISÓGINA E DEPRECIATIVA DO GÊNERO FEMININO DURANTE INQUIRIÇÃO DE VÍTIMA E TESTEMUNHAS. POSSÍVEL OMISSÃO DO JUIZ PRESIDENTE. DEVER LEGAL PREVISTO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PROTOCOLO DE JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO. INOBSERVÂNCIA. INSTAURAÇÃO DE PAD. 

1. Promotor de justiça atuante em sessão plenária do Tribunal do Júri que compara, por mais de uma vez, a advogada de defesa a uma cadela. Além disso, as inquirições de testemunhas e informantes foram grosseiramente permeadas por excesso de palavrões, palavras misóginas e depreciativas do gênero feminino, além de ironias e desrespeito à advogada, familiares de vítimas e dos réus.

2. Existência de indícios de possível omissão do Juiz Presidente do Tribunal do Júri quanto ao dever de dirigir os debates, intervindo em caso de abuso e excesso de linguagem (art. 497, inciso III, do CPP). Aparente inobservância das diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução CNJ n. 492/2023).

3. Instauração de Processo Administrativo Disciplinar, sem afastamento cautelar. 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado, sem afastamento cautelar, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 26 de abril de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0006214-31.2023.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: CARLOS HENRIQUE JARDIM DA SILVA

 

RELATÓRIO


O EXMO. SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):  

1. Cuida-se de Reclamação Disciplinar (RD) instaurada de ofício pela Corregedoria Nacional de Justiça com o objetivo de investigar a conduta do Juiz de Direito CARLOS HENRIQUE JARDIM DA SILVA, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), durante o julgamento do Processo n. 0745229-53.2020.8.04.0001, na sessão plenária da 3ª Vara do Tribunal do Júri de Manaus/AM, realizada em 12 de setembro de 2023, em que a advogada CATHARINA DE SOUZA CRUZ ESTRELLA teria sido agredida verbalmente pelo membro do Ministério Público Estadual oficiante naquele ato, o promotor de justiça WALBER NASCIMENTO.

Os elementos que ensejaram o presente procedimento foram os seguintes, divulgados pela imprensa:

(i)   vídeo capturado durante a supramencionada sessão plenária em que o Promotor de Justiça do MPAM diz à advogada: “Comparar vossa excelência a uma cadela, é, de fato, ofensivo, mas não à Vossa Excelência, à cadela.” (disponível em https://www.migalhas.com.br/quentes/393510/advogada-acusa-promotor- - acesso em 14/03/2024);

 

(ii) notícia de que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) afastara cautelarmente o membro em questão do exercício de suas funções no Ministério Público do Amazonas (htpps://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2023/09/18/promotor-que-comparou-advogada-a-cadela-no-am-e-afastado-do-pela-corregedoria-nacional-do-mp.ghtml);

(iii) vídeo de uma manifestação da OAB/AM, em que a advogada afirma: “Hoje fui ofendida no meu trabalho. O juiz nada fez para impedir, então aqui está a nossa classe mostrando a unidade e pedindo respeito para que isso não ocorra com outra advogada. Eu não precisava passar por isso no exercício da minha profissão.” (disponível em https://www.migalhas.com.br/quentes/393510/advogada-acusa-promotor-de-compara-la-a-cadela-durante-sessao-do-juri - acesso em 14/03/2024). 

Como medida inicial, determinou-se a intimação da Dr.ª CATHARINA DE SOUZA CRUZ ESTRELLA, para que, no prazo de 10 (dez) dias, apresentasse esclarecimentos acerca da sessão plenária em que teriam ocorrido os fatos noticiados, bem como da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Amazonas para que, no mesmo prazo, apresentasse a Ata da sessão plenária da 3ª Vara do Tribunal do Júri realizada em 12 de setembro de 2023.

A Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Amazonas anexou aos autos a Ata solicitada (id 53116470).

A Dr.ª CATHARINA DE SOUZA CRUZ ESTRELLA, por sua vez, prestou os esclarecimentos pertinentes, descreveu a fala do promotor de justiça WALBER NASCIMENTO e discorreu acerca da ausência de intervenção pelo magistrado reclamado a fim de interromper o constrangimento a que estava sendo submetida. Asseverou, também, que o magistrado teria violado a prerrogativa da advocacia ao impor óbices às consignações efetuadas pela defesa na Ata de julgamento, bem como omitindo do documento informações relevantes e consignado outras tidas como incompletas ou falsas. Elencou, ainda, procedimentos de natureza disciplinar em que o magistrado reclamado figuraria no polo passivo (id 5318515).

O reclamado apresentou defesa prévia (ids 5352684 e 5352685), alegando, em primeiro lugar, sempre ter atuado, no exercício de suas funções, na defesa da causa das mulheres.

Quanto aos fatos ocorridos na sessão plenária do dia 12 de setembro de 2023, aduziu, em suma, que:  

a)  a defesa buscou a suspensão ou anulação do julgamento desde o início da sessão, suscitando nulidades revestidas de “caráter estéril”;

b)  a defesa levantou questões sobre a competência formal do Promotor de Justiça, questionando se o membro teria sido regularmente designado para o julgamento. A indagação, aparentemente, não foi bem recebida pelo mencionado representante do Ministério Público”;

c)  a instrução probatória foi efetuada com atenção ao “contraditório e atentando para a manutenção da dignidade da vítima e das testemunhas conforme preceitua o art. 474-A do Código de Processo Penal”;

d)  durante os debates e sustentações orais, o promotor de justiça Walber Nascimento “recorreu a expressões que, se por um lado, exprimem o machismo estrutural que permeia nossa sociedade, por outro, infelizmente, não podemos olvidar serem intrínsecas ao vernáculo popular”, mas que não cabe “ao magistrado tolher o uso dessas expressões, de modo que naquela oportunidade exigisse que o membro do Ministério Público se abstivesse do uso de uma linguagem vulgar para adotar vocabulário mais rebuscado e elegante, sob pena de incorrer em exacerbação do poder de polícia, podendo caracterizar, até mesmo, censura e inobservância às prerrogativas do Parquet. Postura que, se adotada, poderia gerar a nulidade do ato em odiosa quebra de imparcialidade”;

e)  “não percebeu imediatamente que as palavras proferidas pelo Dr. WALBER NASCIMENTO pudessem ser interpretadas como ofensivas e dirigidas especificamente à Dr.ª CATHARINA ESTRELLA, o que denota que a intensidade dos debates e a dinâmica do julgamento podem tornar difícil a avaliação imediata do impacto provocado pelas palavras, realçando a complexidade dessas situações. Com precisão, é necessário ressaltar que, logo após o retromencionado promotor de justiça proferir a polêmica afirmação de que comparar a Dr.ª CATHARINA ESTRELLA a uma cadela seria ofensivo à cadela, o magistrado reclamado prontamente interveio ao asseverar que o tempo do Ministério Público estaria contando, o que objetivava fazer cessar aquele tipo de argumentação que não se prestava de qualquer modo para o desenvolvimento do julgamento”; 

f)   adotou todas as providências possíveis para que a Dr.ª CATHARINA ESTRELLA, ante o estado de abalo emocional em que se encontrava, decorrente das ofensas que lhe foram proferidas, fosse adequadamente acolhida, inclusive providenciando para que a douta advogada fosse encaminhada ao setor médico, conforme a própria afirma em sua manifestação”;

g)  não se verifica, no caso concreto, elemento subjetivo necessário, seja o dolo, má-fé ou culpa grave, aptos a sustentar imputação ao magistrado de conduta afrontosa aos seus deveres funcionais. Não descuidamos, ainda, que o magistrado diligenciou severamente visando garantir que o julgamento fosse concluído e que a prestação jurisdicional fosse efetivada, de modo a satisfazer as expectativas da vítima e de seus familiares, proporcionando-lhes o encerramento do caso através da obtenção de uma resposta adequada do Poder Judiciário”.

Requereu, ao fim, “seja mantido o arquivamento do presente feito, rejeitada eventual proposta de instauração de Processo Administrativo Disciplinar, notadamente, por não existir prova nos autos de que o magistrado reclamado tenha praticado conduta caracterizadora de ilícito de natureza disciplinar”.

É o relatório.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0006214-31.2023.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: CARLOS HENRIQUE JARDIM DA SILVA

 

VOTO


O EXMO. SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):  

  

2. O presente expediente objetiva aferir a existência de indícios de desvio de conduta do juiz CARLOS HENRIQUE JARDIM DA SILVA, a quem é imputada conduta omissiva, supostamente violadora dos deveres funcionais na condução da sessão plenária da 3ª Vara do Tribunal do Júri, realizada em 12 de setembro de 2023, referente ao Processo n. 0745229-53.2020.8.04.0001.

2.1. Do não cabimento de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)

Primeiramente, cumpre salientar que, muito embora o caso em exame pudesse, objetivamente, autorizar a celebração de TAC, os antecedentes funcionais do magistrado e as consequências da conduta não o recomendam.

Consoante dispõe o art. 2º, § 3º, do Provimento CN n. 162/2024, “na análise da adequação e da necessidade da medida, o Corregedor Nacional poderá avaliar, entre outros fatores, os antecedentes funcionais, o dolo ou a má-fé do investigado, o tempo de exercício da magistratura, as consequências da infração, os motivos da conduta, o comportamento do ofendido e a natureza do conflito, se está relacionado preponderantemente à esfera privada dos envolvidos”.

No caso em exame, o reclamado ostenta nada menos que 31 (trinta e um) procedimentos autuados no PJe - CNJ, entre reclamações disciplinares e pedidos de providência, muitos deles abertos por colegas de tribunal e órgãos fracionários do TJAM relacionados a condutas do magistrado no exercício da jurisdição. Em termos de gravidade, destaco a RD 0004703-95.2023.2.00.0000, em curso na Corregedoria Nacional, manejada pelo servidor SILAS BELEM DE CASTRO com denúncia de fatos graves, anda sob investigação.

Ademais, as consequências da conduta imputada ao reclamado parecem graves, tendo em vista que, em razão de aparente descontrole do magistrado na condução da sessão plenária da 3ª Vara do Tribunal do Júri de Manaus, a advogada de defesa e dois jurados passaram mal, precisando ser atendidos pelo serviço médico do Fórum. Ao final, o próprio julgamento, que já se arrastava pelo segundo dia, precisou ser cancelado.

Assim, passo ao exame do mérito da Reclamação Disciplinar.

2.2. Após leitura atenta dos elementos constantes nos autos, verifico a existência de indícios razoáveis de infração disciplinar aptos à abertura de PAD em desfavor do magistrado.

Consoante dispõe textualmente o art. 497, inciso III, do Código de Processo Penal, são atribuições do Juiz Presidente do Tribunal do Júri “dirigir os debates, intervindo em caso de abuso, excesso de linguagem ou mediante requerimento de uma das partes”.

Além disso, desde março de 2023, com a aprovação da Resolução CNJ n. 492, a adoção de Perspectiva de Gênero nos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário passou a ser imperativa, o que antes era apenas recomendação (Recomendação CNJ n. 128/2022).

Nesse passo, as diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero apontam:

(...) ao julgar com perspectiva de gênero, a magistrada e o magistrado atuam na contenção de danos e promovem a interrupção de atos involucrados em vocabulários e/ou linguagens ofensivas, desqualificadoras e estereotipadas, sejam estas proferidas no curso de uma audiência ou formatadas em peças processuais, tudo mediante termo nos autos, para substanciar a análise sob tal perspectiva, conforme compromissos assumidos pelo Brasil na ambiência internacional (p. 83).

 

Portanto, é preciso questionar, durante todo o processo judicial, se as assimetrias de gênero estão, de qualquer forma, presentes no conflito apresentado, com especial atenção ao “tratamento das partes envolvidas, como advogadas, promotoras, testemunhas e outros atores relevantes”.

Vale dizer, o magistrado comprometido com o julgamento com perspectiva de gênero deve estar sempre atento às “desigualdades estruturais que afetam a participação dos sujeitos em um processo judicial” (p. 45).

Destacando a inadequação de qualquer inquirição que deprecie as mulheres, o protocolo aponta a existência de instrumentais para a responsabilização nesses casos, a exemplo da determinação de que sejam riscadas palavras ofensivas, da interrupção de atos processuais, da imposição de restrição, da aplicação de multas processuais e até da condenação por ato atentatório à dignidade da justiça, sem prejuízo da retirada de peças ou imagens categorizadas por violações (Op. cit., p. 91). 

No caso em exame, segundo os elementos de prova até aqui colhidos, o reclamado parece ter-se distanciado dos ditames legais e regulamentares acerca da matéria.

É incontroverso que, durante os debates na sessão plenária da 3ª Vara do Tribunal do Júri de Manaus/AM, realizada em 12 de setembro de 2023, a advogada CATHARINA DE SOUZA CRUZ ESTRELLA foi agredida verbalmente pelo promotor de justiça WALBER NASCIMENTO, quando este, em determinado momento, afirmou: “Comparar Vossa Excelência a uma cadela, é, de fato, ofensivo, mas não a Vossa Excelência, à cadela”.

Como o próprio reclamado admite em defesa prévia, sua única intervenção foi “asseverar que o tempo do Ministério Público estaria contando”, e isso ressoa mais como autorização para que o promotor de justiça continuasse nas horrendas manifestações, uma vez ciente de que o tempo de fala estava fluindo normalmente.

Para além disso, com a requisição de atas e arquivos da referida sessão plenária, descobriu-se que esse fato foi apenas um dentre outros tantos de igual reprovabilidade praticados pelo promotor WALBER NASCIMENTO, com a chancela, por evidente omissão, do magistrado CARLOS HENRIQUE JARDIM DA SILVA.

As inquirições de testemunhas e informantes foram grosseiramente permeadas por excesso de palavrões, palavras misóginas e depreciativas do gênero feminino, além de ironias e desrespeito à advogada, familiares de vítimas e dos réus.

Colhem-se os seguintes exemplos muito bem resumidos na peça apresentada pela advogada CATHARINA DE SOUZA CRUZ ESTRELLA:

I.       Pergunta realizada a testemunha Sivirino, pai do réu Antônio Carlos, pelo Promotor de Justiça: “O sr. chamou o Mariano para dizer ´PORRA BIXO TU TA COMENDO UMA FUNCIONÁRIA´?” (01h31min05s - 01h31min13s);

II.       Pergunta realizada a testemunha Márcia, mãe do réu Antônio Carlos, pelo Promotor de Justiça: “A sra. falou a mesma coisa que o sr. Sivirino, que vocês os tratam como filhos. Aí eu fiquei curioso né, como é que o sr. Sivirino e a sra. tomaram conhecimento de que o Mariano estava comendo uma das filhas de vocês e não falaram nada para ele? Eu fiquei bastante curioso com relação a isso, porque ou trata como filha ou então trata como vagabunda, A O MEU IRMÃO TÁ COMENDO NÃO TEM PROBLEMA NENHUM, PODE’” (02h10min45s – 01h11min18s);

III.       Pergunta realizada a testemunha Márcia, mãe do réu Antônio Carlos, pelo Promotor de Justiça: “Mas corria lá na empresa a história de que o Mariano pagava programas para a Karine, e assim, para mim é uma novidade porque é uma modalidade nova de namoro, porque eu nunca precisei pagar nenhuma namorada minha para ela dá para mim, sendo bem sincero com a sra.” (02h20min10s – 02h20min36s);

IV.       Pergunta realizada à testemunha Márcia, mãe do réu Antônio Carlos, pelo Promotor de Justiça: “Qual era o status da Karine com relação ao Mariano? Se ela era amante do Marino, se ela era puta do Mariano ou se ela namorava com o Marino?” (02h20min40s – 02h:20min48s);

V.       Pergunta realizada à testemunha Ketlen, amiga da vítima, pelo Promotor de Justiça: “Se alguém estivesse comendo... se ela estivesse dando para alguém a sra. acha que ela contaria para a sra.?” (02h58min49s – 02h58min55s);

VI.       Pergunta realizada à testemunha Ketlen, amiga da vítima, pelo Promotor de Justiça: “Só para colocar uma pá de cal nesse assunto, se alguém chegasse com a sra. e dissesse ‘SABE AQUELA TUA AMIGA KETLEN, A KARINE, ELA É UMA VABAGABUNDA, ELA É DE PROGRAMA’ a sra. acreditaria?” (03h01m45s – 03h01min58s);

VII.       Momento em que o Promotor faz a primeira referência a “cadela” como sinônimo do gênero feminino (durante a inquirição da mãe da vítima): “Eu cresci ouvindo da minha mãe né, que eu deveria respeitar as mulheres, e a minha mãe inclusive dizia o seguinte, que ela era quase uma psicóloga, a sra. desculpa o palavrão, ela dizia ‘OLHA SEU FILHO DA PUTA, SE APARECER UMA CADELA AQUI GRÁVIDA DE TI, TU VAI CASAR” (03h24min20s – 03h24min40s);

 

No dia seguinte, por uma segunda vez, o promotor de justiça comparou a advogada CATHARINA ESTRELLA a uma cadela, e o magistrado nada fez:

Promotor de Justiça: Muito obrigado Excelência. Mas me cumpre Exa., antes de prosseguir com a minha fala, repetir o que eu falei aqui hoje! Que o que eu falei foi em função da acusação que a Dra. Catharina me fez ontem na sua defesa, dizendo que eu havia comparado todas as mulheres a cadelas, gritando, inclusive dizendo que ela tinha se sentido ofendida, quando eu não falei nada disso, expliquei o contexto que só ela deturpou, e eu disse que os cachorros eram fiéis, eram leais, levando em consideração a lealdade, eu não poderia fazer essa comparação dela com uma cadela, porque senão estaria ofendendo a cadela. Eu não a comparei em nenhum momento, muito pelo contrário, mas como ela gosta de deturpar as coisas...

Dra. Catharina (ao fundo do áudio): “Excelência pela ordem! Novamente”;

Juiz Carlos Jardim: “Excelência, o seu tempo está sendo contado.”

Promotor de Justiça: “Obrigado, ... (continua a reinquirição da vítima)” (11h15min08s – 11h16min48s).

 

Da análise dos elementos dos autos, fica evidenciada a presença de indícios de que o magistrado possa ter incorrido em omissão ao não advertir o promotor de justiça pela utilização de termos inapropriados e ofensivos às mulheres, tanto por ocasião da inquirição da vítima que atuava como assistente de acusação, quanto em diálogos entre ele e a advogada de defesa.

Tais fatos merecem apuração – naturalmente em obediência ao devido processo e garantida a ampla defesa – e são hipoteticamente violadores dos deveres impostos pelo art. 35, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional - Loman e arts. 3º, 9º e 20, caput, do Código de Ética da Magistratura Nacional.

3. Ante o exposto, julgo procedente a Reclamação Disciplinar para, nos termos dos artigos 13 da Resolução CNJ n. 135, 8º, III, e 69 do RICNJ, propor a instauração de Processo Administrativo Disciplinar em desfavor de CARLOS HENRIQUE JARDIM DA SILVA, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, sem afastamento cautelar, a ser distribuído a um Conselheiro Relator, a quem competirá ordenar e dirigir a instrução respectiva.

O enquadramento legal apontado a partir da delimitação fática da acusação é apenas preliminar, ficando postergada ao momento do julgamento do PAD eventual capitulação definitiva.

É como voto.   

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça

 

 

 

 



PORTARIA Nº,  XX DE XXXX DE 2024. 

 

Instaura Processo Administrativo Disciplinar em desfavor de Magistrado.

  

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso das atribuições previstas nos artigos 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ),

 CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do CNJ para processar investigações contra Magistrados, independentemente da atuação das Corregedorias e Tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI 4.638/DF;

CONSIDERANDO o art. 14, § 5º, da Resolução CNJ n. 135/2011, as disposições pertinentes da Lei Complementar n. 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União),  da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e do Regimento Interno deste Conselho; 

CONSIDERANDO os fatos atribuídos ao Juiz CARLOS HENRIQUE JARDIM DA SILVA, descritos no voto condutor da Reclamação Disciplinar 0006214-31.2023.2.00.0000, que apontam possível violação dos deveres impostos aos Magistrados, especialmente aqueles previstos no art. 35, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e nos arts. 3º, 9º e 20, caput, do Código de Ética da Magistratura Nacional;

 CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do CNJ no julgamento da mencionada Reclamação Disciplinar 0006214-31.2023.2.00.0000, durante a   XX Sessão Ordinária, realizada em  XX, de XX , de 2024; 

RESOLVE: 

Art. 1º. Instaurar Processo Administrativo Disciplinar em face de CARLOS HENRIQUE JARDIM DA SILVA, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, para apurar o eventual cometimento das infrações previstas no art. 35, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e nos arts. 3º, 9º e 20, caput, do Código de Ética da Magistratura Nacional, tendo em vista possível conduta relacionada a atos omissivos do reclamado na sessão plenária da 3ª Vara do Tribunal do Júri, realizada em setembro de 2023, referente ao Processo n. 0745229-53.2020.8.04.0001, quando não interveio nas falas misóginas e depreciativas do gênero feminino manifestadas pelo promotor de justiça WALBER NASCIMENTO dirigidas a vítima e testemunhas durante a inquirição, bem como à advogada CATHARINA DE SOUZA CRUZ ESTRELLA, durante os debates.

Art. 2º Comunique-se o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, dando-lhe ciência da instauração deste Processo Administrativo Disciplinar, sem o afastamento do Magistrado das funções jurisdicionais e administrativas. 

Art. 3º Distribua-se livremente entre os Conselheiros, nos termos do art. 74 do RICNJ.

 

Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO

Presidente