Conselho Nacional de Justiça
Autos: | PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006201-32.2023.2.00.0000 |
Requerente: | FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO NOS ESTADOS - FENAJUD |
Requerido: | CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA |
RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. RESOLUÇÃO CNJ N. 306. IDENTIFICAÇÃO CIVIL DE PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE. FOMENTO PARA A EMISSÃO DE DOCUMENTOS CIVIS. ATIVIDADES QUE INTEGRAM AS ATRIBUIÇÕES EXERCIDAS POR SERVIDORES PÚBLICOS DO PODER JUDICIÁRIO. AUSÊNCIA DE DESVIO DE FUNÇÃO. DESPROVIMENTO.
I – “A correta identificação civil das pessoas que se encontram privadas de liberdade se coaduna com o mandamento constitucional de individualização da pena e o compromisso do Poder Judiciário de promover políticas de segurança pública e de justiça criminal pautadas no respeito aos direitos humanos, a partir da garantia do efetivo exercício dos direitos de cidadania das pessoas privadas de liberdade.”
II – A Resolução CNJ n. 306 estabelece diretrizes e parâmetros para emissão de documentação civil e identificação civil biométrica das pessoas privadas de liberdade, “com a finalidade de regulamentar as ações de biometria e documentação e, desse modo, cumprir com as atividades de especificações procedimentais, técnicas, operacionais e de competências dos atores envolvidos”.
III – Com o avanço tecnológico, o procedimento de identificação civil, que antes consistia em mera conferência do documento de identidade (RG ou equivalente), apresentado pela pessoa ao serventuário da Justiça, passou a ser realizado de forma muito mais rigorosa, por meio da identificação biométrica.
IV – A execução dessa atividade não é extraordinária ou estranha às atribuições dos servidores do Poder Judiciário, haja vista que a identificação biométrica passa a fazer parte da qualificação da pessoa apresentada em juízo, tarefa de há muito por eles executada.
V – O “preenchimento do cadastro nos sistemas e bancos de dados utilizados pela instituição, que apenas passará a ser qualificada pelo uso da tecnologia”, integra tarefa desempenhada pelos mencionados agentes públicos, sendo certo que a emissão de documentação civil continuará a ser realizada pelos órgãos emissores competentes.
VI – Fica evidenciado que não existe qualquer desvio de função ou extrapolamento de atribuições, ou tampouco agravamento de risco, mas, sim, plena compatibilidade com conteúdos ocupacionais já integrantes das respectivas carreiras, e, de resto, realizados em segmentos do próprio Poder Judiciário desde longa data, como no caso da Justiça Eleitoral.
VII – Além de não atacar, motivadamente, os fundamentos da Decisão recorrida, ofendendo os princípios da dialeticidade e da congruência, as razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os fundamentos ali adotados.
VIII – Recurso conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro LuÃs Roberto Barroso. Plenário Virtual, 9 de fevereiro de 2024. Votaram os ExcelentÃssimos Conselheiros LuÃs Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Guilherme Caputo, José Rotondano, Mônica Autran, Jane Granzoto, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos VinÃcius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.
Conselho Nacional de Justiça
Autos: | PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006201-32.2023.2.00.0000 |
Requerente: | FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO NOS ESTADOS - FENAJUD |
Requerido: | CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA |
RELATÓRIO
Trata-se de RECURSO ADMINISTRATIVO interposto pela FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO NOS ESTADOS (FENAJUD), em face da decisão que julgou manifestamente improcedente o PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS sob exame e determinou seu arquivamento, com fundamento no artigo 25, inciso X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ) (ID n. 5371910).
O relatório da Decisão monocrática recorrida descreve adequadamente o objeto da controvérsia, como se vê a seguir (ID n. 5355073):
Trata-se de PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS (PP), proposto pela FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO NOS ESTADOS (FENAJUD), em face do CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, por meio do qual questiona a quem cabe a responsabilidade pela identificação biométrica das pessoas privadas de liberdade (ID n. 5304305). A Requerente alega, em síntese, que: i) a Resolução CNJ n. 306 impõe a identificação biométrica, preferencialmente, na audiência de custódia, ou na primeira oportunidade em que a pessoa privada de liberdade for apresentada perante o Poder Judiciário, mas silencia quanto a quem cabe realizar tal atividade; ii) a tarefa tem sido atribuída aos servidores públicos do Poder Judiciário, em extrapolação de sua competência e desvio da função de origem; iii) “a respectiva atribuição coloca em risco a segurança e a integridade física dos próprios servidores, ante ao iminente contato direto deste com alguma pessoa responsabilizada por demanda criminal, situação que gera um natural temor aos servidores públicos uma vez que os Tribunais em sua maioria não dispõem de estrutura e pessoal aptos para tratar da demanda”; e iv) nos termos da mencionada Resolução, os Tribunais podem estabelecer parcerias com órgãos locais gestores da administração penitenciária para a execução da tarefa. Diante disso, requer: 1. Seja suspensa e/ou revogada a Resolução nº 306/2019, no que diz respeito a emissão de documentação civil e para a identificação civil biométrica das pessoas privadas de liberdade, em relação aos servidores do Poder Judiciário nos Estados, ante aos diversos pontos acima abordados; ou 2. No caso de Vossa Excelência assim não entender, que seja efetuada alteração na redação do artigo 3º, §2º, da Resolução, de forma a modificar o verbo “poderão” (que possui caráter facultativo) para “deverão” (que traça um valor vinculativo/coercitivo), a fim de que os Tribunais estabeleçam parcerias com os órgãos locais gestores da administração penitenciária com a finalidade de assegurar a identificação biométrica das pessoas privadas de liberdade que ainda não tenham efetuado o procedimento. (grifo no original)
Considerando a matéria versada no presente feito, determinei o encaminhamento dos autos ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), solicitando a emissão de parecer (ID n. 5306262). Em resposta, o destacado Departamento encartou Parecer aos autos, opinando pela total improcedência dos pedidos (ID n. 5350822). |
Em sua peça recursal, a Recorrente revisita os fatos alegados e afirma que a confirmação da identidade civil das pessoas em situação de privação de liberdade é atribuição não descrita nos deveres funcionais do servidor públicos do Poder Judiciário em todo país, o que extrapola sua competência ou o desvia da sua função de origem.
Diante disso, pugna pela reforma da decisão recorrida, a fim de suspender a Resolução CNJ n. 306, enquanto não for incluída nas Leis Estaduais uma “espécie de compensação” ao servidor designado para tal atribuição.
É o relatório.
Conselho Nacional de Justiça
Autos: | PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006201-32.2023.2.00.0000 |
Requerente: | FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO NOS ESTADOS - FENAJUD |
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O CONSELHEIRO GIOVANNI OLSSON (Relator):
I – DO CONHECIMENTO
Não vislumbro razão para reconsiderar a decisão proferida, mesmo porque a Recorrente não apresentou nenhum fundamento ou fato novo capaz de provocar o juízo de retratação do entendimento adotado.
Por outro lado, o Recurso em tela é cabível na espécie na medida em que foi protocolado no quinquídio regimental, motivo pelo qual dele conheço, nos termos do artigo 115, §1º, do RICNJ[1].
II – DO MÉRITO
A Recorrente busca reformar a decisão monocrática que concluiu pela improcedência deste PP. Por inteira pertinência, transcrevo-a (ID n. 5355073):
Conforme relatado, a Requerente acorre ao CNJ com vistas à suspensão e/ou revogação da Resolução CNJ n. 306 no que respeita à competência dos servidores do Poder Judiciário na identificação civil biométrica de pessoas privadas de liberdade. Sucessivamente, pugna pela alteração da redação do artigo 3º, §2º, da mencionada Resolução. Pois bem. A Resolução CNJ n. 306 foi editada com o objetivo de “assegurar a concretização das diretrizes deste Conselho voltadas à integração social da pessoa condenada”, nos termos preconizados por Tratados e Acordos Internacionais de Direitos Humanos, pela Constituição Federal e por arcabouço legislativo específico.1 Registro, de antemão, que o Parecer emitido pelo DMF, órgão que formulou a proposta da mencionada Resolução, enfrentou com profundidade e detalhamento todos os aspectos do pleito deduzido no Pedido de Providências sob análise. Nesse cenário, em vista da expertise e competência para o exame da matéria, adoto como alicerce deste decisum tudo quanto ali assinalado, razão pela qual passo a transcrever sua fundamentação (ID n. 5350822 – grifo no original):
Diante desses elementos, fica evidenciado que não existe qualquer desvio de função ou extrapolamento de atribuições, ou tampouco agravamento de risco, mas, sim, plena compatibilidade com conteúdos ocupacionais já integrantes das respectivas carreiras, e, de resto, realizados em segmentos do próprio Poder Judiciário desde longa data, como no caso da Justiça Eleitoral. Por todo o exposto, nos termos da fundamentação acima colacionada e a teor do art. 25, X, do Regimento Interno do CNJ2, julgo manifestamente improcedente o presente Pedido de Providências e determino seu arquivamento. [...]. ____________ 1 (CNJ - ATO - Ato Normativo - 0009617-47.2019.2.00.0000 - Rel. MÁRIO GUERREIRO - 302ª Sessão Ordinária - julgado em 17/12/2019). 2 Art. 25. São atribuições do Relator: [...] X - determinar o arquivamento liminar do processo quando a matéria for flagrantemente estranha às finalidades do CNJ, bem como a pretensão for manifestamente improcedente, despida de elementos mínimos para sua compreensão ou quando ausente interesse geral; |
A princípio, impõe-se ressaltar que a Recorrente se limitou a reforçar a tese central inicialmente exposta, deixando de atacar, motivadamente, os fundamentos da Decisão recorrida.
Nesse cenário, a peça recursal ofende os princípios da dialeticidade e da congruência, o que por si só seria causa para o não provimento do Recurso.
No mesmo sentido, destaca-se recente precedente do Plenário:
RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA ESTRITAMENTE JURISDICIONAL. FATOS QUE NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO DISCIPLINAR. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O princípio da dialeticidade exige que as razões recursais estejam associadas à decisão recorrida e ataquem, motivadamente, seus fundamentos, o que não acontece no presente caso.
2. Não há nos autos indícios que demonstrem a prática de qualquer infração disciplinar ou falta funcional que pudessem ensejar a instauração de processo administrativo disciplinar.
3. Os argumentos desenvolvidos pela parte reclamante demonstram insatisfação em face do conteúdo de decisão proferida nos autos judiciais.
4. O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.
5. Recurso administrativo a que se nega provimento.
(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0002242-87.2022.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 107ª Sessão Virtual - julgado em 10/6/2022) (grifo nosso)
Ainda que assim não fosse, é de se ver, conforme especificamente indicado na Decisão recorrida, que a Recorrente não logrou êxito em demonstrar que a Resolução CNJ nº 306 impôs novas atribuições aos servidores do Poder Judiciário.
Com efeito, tanto na petição inicial, quanto na peça recursal, a FENAJUD apresentou afirmações genéricas, não cotejou as atribuições confiadas aos mencionados servidores na legislação estadual com aquelas previstas no Ato resolutivo do CNJ e sequer acostou aos autos exemplos de efetivo desvio de função.
De outro lado, o detalhado Parecer, emitido pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) e utilizado como alicerce do decisum objurgado, foi contundente ao especificar todas as nuances que envolvem a atuação do Poder Judiciário no procedimento de identificação das pessoas privadas de liberdade.
No que respeita às atribuições dos servidores do Poder Judiciário relacionadas ao fomento para a emissão de documentos civis e à identificação civil, apresentou panorama concreto de atuação e demonstrou a inexistência de desvio de função, uma vez que tais atividades se enquadram em suas atribuições gerais.
Nesse ponto, merece destaque a informação de que houve apenas uma atualização tecnológica do procedimento de identificação. Antes o ato consistia em mera conferência do documento de identidade (RG ou equivalente), apresentado pela pessoa ao serventuário da Justiça; agora passou a ser realizada uma identificação civil muito mais rigorosa, por meio da identificação biométrica.
Todavia, em nenhuma medida, a execução dessa atividade é extraordinária ou estranha às atribuições dos servidores do Poder Judiciário, haja vista que a identificação biométrica passa a fazer parte da qualificação da pessoa apresentada em juízo, tarefa de há muito por eles executada.
De igual forma, o “preenchimento do cadastro nos sistemas e bancos de dados utilizados pela instituição, que apenas passará a ser qualificada pelo uso da tecnologia”, integra tarefa desempenhada pelos mencionados agentes públicos, sendo certo que a emissão de documentação civil continuará a ser realizada pelos órgãos emissores competentes.
Note-se, por fim, que a prestação do serviço público de justiça acompanha, nos seus escopos, seus instrumentos e seus métodos de trabalho, as próprias transformações sociais, administrativas e tecnológicas. A prevalência da tese da inicial implicaria reconhecer, por via contrária, que a mudança do processo em meio papel para o meio eletrônico, ou emissão de documentos processuais em formato digital e não mais em formato papel, a utilização de controles de ponto eletrônicos na gestão ou as reuniões por videoconferência, por exemplo, que inexistiam quando da realização dos concursos públicos e do ingresso de boa parte dos servidores, não poderiam ser realizadas por estes, ou, mais, que isso seria possível apenas depois de instituída legalmente uma “espécie de compensação” aos servidores, o que é de todo desarrazoado.
Ante o exposto, considerando que não foram submetidos à análise novos fatos ou razões diversas, capazes de infirmar os fundamentos da Decisão monocrática, mantenho-a integralmente.
Por todo o exposto, conheço do Recurso e, no mérito, nego-lhe provimento.
É como voto.
Após as comunicações de praxe, arquivem-se.
À Secretaria Processual para as providências.
Brasília-DF, data registrada no sistema.
Conselheiro GIOVANNI OLSSON
Relator
[1] Art. 115. A autoridade judiciária ou o interessado que se considerar prejudicado por decisão do Presidente, do Corregedor Nacional de Justiça ou do Relator poderá, no prazo de cinco (5) dias, contados da sua intimação, interpor recurso administrativo ao Plenário do CNJ. § 1º São recorríveis apenas as decisões monocráticas terminativas de que manifestamente resultar ou puder resultar restrição de direito ou prerrogativa, determinação de conduta ou anulação de ato ou decisão, nos casos de processo disciplinar, reclamação disciplinar, representação por excesso de prazo, procedimento de controle administrativo ou pedido de providências.