Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006201-32.2023.2.00.0000
Requerente: FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO NOS ESTADOS - FENAJUD
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

 


RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. RESOLUÇÃO CNJ N. 306. IDENTIFICAÇÃO CIVIL DE PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE. FOMENTO PARA A EMISSÃO DE DOCUMENTOS CIVIS. ATIVIDADES QUE INTEGRAM AS ATRIBUIÇÕES EXERCIDAS POR SERVIDORES PÚBLICOS DO PODER JUDICIÁRIO.  AUSÊNCIA DE DESVIO DE FUNÇÃO. DESPROVIMENTO.

I – “A correta identificação civil das pessoas que se encontram privadas de liberdade se coaduna com o mandamento constitucional de individualização da pena e o compromisso do Poder Judiciário de promover políticas de segurança pública e de justiça criminal pautadas no respeito aos direitos humanos, a partir da garantia do efetivo exercício dos direitos de cidadania das pessoas privadas de liberdade.”

II – A Resolução CNJ n. 306 estabelece diretrizes e parâmetros para emissão de documentação civil e identificação civil biométrica das pessoas privadas de liberdade, “com a finalidade de regulamentar as ações de biometria e documentação e, desse modo, cumprir com as atividades de especificações procedimentais, técnicas, operacionais e de competências dos atores envolvidos”.

III – Com o avanço tecnológico, o procedimento de identificação civil, que antes consistia em mera conferência do documento de identidade (RG ou equivalente), apresentado pela pessoa ao serventuário da Justiça, passou a ser realizado de forma muito mais rigorosa, por meio da identificação biométrica.

IV – A execução dessa atividade não é extraordinária ou estranha às atribuições dos servidores do Poder Judiciário, haja vista que a identificação biométrica passa a fazer parte da qualificação da pessoa apresentada em juízo, tarefa de há muito por eles executada.

V – O “preenchimento do cadastro nos sistemas e bancos de dados utilizados pela instituição, que apenas passará a ser qualificada pelo uso da tecnologia”, integra tarefa desempenhada pelos mencionados agentes públicos, sendo certo que a emissão de documentação civil continuará a ser realizada pelos órgãos emissores competentes. 

VI – Fica evidenciado que não existe qualquer desvio de função ou extrapolamento de atribuições, ou tampouco agravamento de risco, mas, sim, plena compatibilidade com conteúdos ocupacionais já integrantes das respectivas carreiras, e, de resto, realizados em segmentos do próprio Poder Judiciário desde longa data, como no caso da Justiça Eleitoral.

VII – Além de não atacar, motivadamente, os fundamentos da Decisão recorrida, ofendendo os princípios da dialeticidade e da congruência, as razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os fundamentos ali adotados.

VIII – Recurso conhecido e não provido.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 9 de fevereiro de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Guilherme Caputo, José Rotondano, Mônica Autran, Jane Granzoto, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006201-32.2023.2.00.0000
Requerente: FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO NOS ESTADOS - FENAJUD
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA


RELATÓRIO

 

Trata-se de RECURSO ADMINISTRATIVO interposto pela FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO NOS ESTADOS (FENAJUD), em face da decisão que julgou manifestamente improcedente o PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS sob exame e determinou seu arquivamento, com fundamento no artigo 25, inciso X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ) (ID n. 5371910).

O relatório da Decisão monocrática recorrida descreve adequadamente o objeto da controvérsia, como se vê a seguir (ID n. 5355073):

Trata-se de PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS (PP), proposto pela FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO NOS ESTADOS (FENAJUD), em face do CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, por meio do qual questiona a quem cabe a responsabilidade pela identificação biométrica das pessoas privadas de liberdade (ID n. 5304305).

A Requerente alega, em síntese, que:

i) a Resolução CNJ n. 306 impõe a identificação biométrica, preferencialmente, na audiência de custódia, ou na primeira oportunidade em que a pessoa privada de liberdade for apresentada perante o Poder Judiciário, mas silencia quanto a quem cabe realizar tal atividade;

ii) a tarefa tem sido atribuída aos servidores públicos do Poder Judiciário, em extrapolação de sua competência e desvio da função de origem;

iii) “a respectiva atribuição coloca em risco a segurança e a integridade física dos próprios servidores, ante ao iminente contato direto deste com alguma pessoa responsabilizada por demanda criminal, situação que gera um natural temor aos servidores públicos uma vez que os Tribunais em sua maioria não dispõem de estrutura e pessoal aptos para tratar da demanda”; e

iv) nos termos da mencionada Resolução, os Tribunais podem estabelecer parcerias com órgãos locais gestores da administração penitenciária para a execução da tarefa. 

Diante disso, requer:

1. Seja suspensa e/ou revogada a Resolução nº 306/2019, no que diz respeito a emissão de documentação civil e para a identificação civil biométrica das pessoas privadas de liberdade, em relação aos servidores do Poder Judiciário nos Estados, ante aos diversos pontos acima abordados; ou

2. No caso de Vossa Excelência assim não entender, que seja efetuada alteração na redação do artigo 3º, §2º, da Resolução, de forma a modificar o verbo “poderão” (que possui caráter facultativo) para “deverão” (que traça um valor vinculativo/coercitivo), a fim de que os Tribunais estabeleçam parcerias com os órgãos locais gestores da administração penitenciária com a finalidade de assegurar a identificação biométrica das pessoas privadas de liberdade que ainda não tenham efetuado o procedimento. (grifo no original) 

 

Considerando a matéria versada no presente feito, determinei o encaminhamento dos autos ao Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), solicitando a emissão de parecer (ID n. 5306262).

Em resposta, o destacado Departamento encartou Parecer aos autos, opinando pela total improcedência dos pedidos (ID n. 5350822).

 

Em sua peça recursal, a Recorrente revisita os fatos alegados e afirma que a confirmação da identidade civil das pessoas em situação de privação de liberdade é atribuição não descrita nos deveres funcionais do servidor públicos do Poder Judiciário em todo país, o que extrapola sua competência ou o desvia da sua função de origem.

Diante disso, pugna pela reforma da decisão recorrida, a fim de suspender a Resolução CNJ n. 306, enquanto não for incluída nas Leis Estaduais uma “espécie de compensação” ao servidor designado para tal atribuição.

É o relatório.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006201-32.2023.2.00.0000
Requerente: FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO NOS ESTADOS - FENAJUD
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

 

VOTO

 

O CONSELHEIRO GIOVANNI OLSSON (Relator):

I – DO CONHECIMENTO

 

Não vislumbro razão para reconsiderar a decisão proferida, mesmo porque a Recorrente não apresentou nenhum fundamento ou fato novo capaz de provocar o juízo de retratação do entendimento adotado.

Por outro lado, o Recurso em tela é cabível na espécie na medida em que foi protocolado no quinquídio regimental, motivo pelo qual dele conheço, nos termos do artigo 115, §1º, do RICNJ[1].

 

II – DO MÉRITO

A Recorrente busca reformar a decisão monocrática que concluiu pela improcedência deste PP. Por inteira pertinência, transcrevo-a (ID n. 5355073):

 

Conforme relatado, a Requerente acorre ao CNJ com vistas à suspensão e/ou revogação da Resolução CNJ n. 306 no que respeita à competência dos servidores do Poder Judiciário na identificação civil biométrica de pessoas privadas de liberdade. Sucessivamente, pugna pela alteração da redação do artigo 3º, §2º, da mencionada Resolução.

Pois bem.

A Resolução CNJ n. 306 foi editada com o objetivo de “assegurar a concretização das diretrizes deste Conselho voltadas à integração social da pessoa condenada”, nos termos preconizados por Tratados e Acordos Internacionais de Direitos Humanos, pela Constituição Federal e por arcabouço legislativo específico.1

Registro, de antemão, que o Parecer emitido pelo DMF, órgão que formulou a proposta da mencionada Resolução, enfrentou com profundidade e detalhamento todos os aspectos do pleito deduzido no Pedido de Providências sob análise.

Nesse cenário, em vista da expertise e competência para o exame da matéria, adoto como alicerce deste decisum tudo quanto ali assinalado, razão pela qual passo a transcrever sua fundamentação (ID n. 5350822 – grifo no original):

 

[...]

1. Do dever do Judiciário de realizar a qualificação pessoal e da atualização do procedimento de identificação civil a partir da coleta biométrica

A realização do procedimento de identificação das pessoas submetidas a procedimento criminal por parte do Poder Judiciário é condição sine qua non para o início da prestação jurisdicional. O Estado-juiz precisa ter certeza sobre identidade da pessoa que lhe é apresentada, para dar início ao procedimento judicial.

Antes, por falta de meios tecnológicos mais precisos, o ato era feito usualmente com a conferência do documento de identidade (RG ou equivalente), apresentado pela pessoa ao serventuário de justiça. Hoje, o avanço tecnológico permite e impõe uma identificação civil muito mais rigorosa, através da identificação biométrica.

Da mesma forma que jamais se cogitaria de desvio de função do Poder Judiciário decorrente da atividade de simples conferência da identidade da pessoa apresentada em juízo, é descabida a alegação na hipótese presente, em que observada simples atualização tecnológica do expediente.

Não há falar, portanto, em atividade extraordinária ou estranha às atribuições do Judiciário, nem mesmo em violação do princípio da eficiência, porquanto a certeza sobre quem de fato participa de atos judiciais essenciais e a maior precisão na qualificação das partes não são somente responsabilidades do Judiciário, mas objetivos a serem perseguidos incansavelmente por suas instituições.

Atualmente, o nível de maturidade tecnológico alcançado impõe que a qualificação da pessoa não pressuponha exclusivamente o levantamento de informações biográficas e a conferência de documentos físicos apresentados. A qualificação se perfaz na certeza da identidade e na individualização da própria pessoa em si, atributos que advêm de sua singularização biométrica, por meio da coleta de digitais, da fotografia e da assinatura.

A coleta biométrica fomentada pelo Conselho Nacional de Justiça, através da Ação de Identificação Civil e Emissão de Documentos às Pessoas Privadas de Liberdade, permite a precisa individualização das pessoas apresentadas perante o juízo criminal, garantindo segurança jurídica, individualização da pena e o aprimoramento da prestação jurisdicional, conforme diretrizes a seguir apresentadas.

2. Das funções da identificação civil por meio da coleta biométrica: individualização da pena, segurança na emissão de documentos e gestão eficiente do sistema prisional

Desde 2007, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem promovido de forma bem-sucedida a identificação civil dos eleitores, por meio da coleta biométrica. A atividade estendeu-se a todos os cidadãos, nos termos da Lei nº 13.444/2017, sendo atualmente o TSE o gestor da Base de Identificação Civil Nacional (BDICN), que hoje detém 120 milhões de pessoas, com previsão de alcance de 131 milhões até dezembro de 2023.

Por esse motivo, o TSE é parceiro de primeira hora da Ação Nacional Identificação Civil e Emissão de Documentos às Pessoas Privadas de Liberdade, compartilhando com o CNJ a política de inclusão plena da população privada de liberdade na BDICN.

A correta identificação civil das pessoas que se encontram privadas de liberdade se coaduna com o mandamento constitucional de individualização da pena e o compromisso do Poder Judiciário de promover políticas de segurança pública e de justiça criminal pautadas no respeito aos direitos humanos, a partir da garantia do efetivo exercício dos direitos de cidadania das pessoas privadas de liberdade.

Porém, a adequada identificação pessoal pressupõe a diminuição das duplicidades e das divergências nos cadastros constantes das bases de dados dos órgãos públicos. Isso justificou a política de centralização na BDICN, no qual a pessoa deve ter apenas um único registro validado para consulta e expedição de seus documentos civis de forma confiável, pelos diversos órgãos emissores do país.

E a realização do cadastramento biométrico configura estratégia técnica mais confiável de validação e de aperfeiçoamento da aplicação da tecnologia na execução penal e na gestão prisional, promovendo políticas públicas mais eficientes neste campo.

A correta identificação de acusado e condenados, a emissão confiável de documentos civis, a individualização da pena e o aperfeiçoamento da gestão prisional são objetivos do Judiciário e de seus parceiros na Ação de Identificação Civil e Emissão de Documentos às Pessoas Privadas de Liberdade, que tem como instrumentos as necessárias verificação, coleta e consulta biométrica nas bases da BDICN.

3. Da Documentação Civil e do Acesso às Políticas Públicas de Cidadania

A documentação civil básica é representada por uma série de documentos que buscam a identificação civil dos cidadãos brasileiros e estrangeiros e tem como um dos objetivos garantir o acesso pleno dos indivíduos às políticas públicas de cidadania.

A Certidão de nascimento, o RG, o CPF, o Título de Eleitor, os certificados de situação militar, o Registro Nacional Migratório (RNM) e outros documentos são essenciais para que cada pessoa possa acessar políticas educacionais, profissionais e de saúde. Também permite o exercício do direito ao voto, o recebimento de benefícios previdenciários e o ingresso em programas de moradia e de distribuição de renda, dentre outros.

Considerando o “déficit” de documentação da população brasileira, o Governo Federal, por meio do Decreto nº 6.289/2007, atualizado pelo Decreto 10.063/2019, assumiu o Compromisso Nacional de Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento e Ampliação do Acesso à Documentação Básica, tendo também instituído o Comitê Gestor Nacional do Plano Social de Registro Civil.

Para além da legislação nacional de regência, a política vai ao encontro de diversos instrumentos de direito internacional de direitos humanos.

Os Objetivos para o Desenvolvimento Social (ODS) da Organização da Nações Unidas (ONU) têm como Meta 16 a promoção de “sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável” e do “acesso à justiça para todos”, além da construção de “instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”. A meta tem como desdobramento e compromisso das Nações pactuantes de “até 2030, fornecer identidade legal para todos, incluindo o registro de nascimento” (16.9).

Para o Brasil, especialmente, o objetivo 16.9 enfatiza a necessidade de visibilização e de realização de ações específicas destinadas às populações vulnerabilizadas, como as comunidades quilombolas, os povos indígenas e a população em situação de privação de liberdade, dentre outros. Isso se justificaria porque, tecnicamente, o país já conseguiu universalizar o registro civil, mas para “parcela importante dos grupos vulneráveis destacados, contudo, ainda está pendente a universalização do acesso”1.

As Regras de Mandela, por sua vez, referem-se às diretrizes mínimas a serem observadas pelo Estado para o tratamento de reclusos. O documento também traz regras sobre a identificação e documentação civis:

“Nenhuma pessoa será admitida em um estabelecimento prisional sem uma ordem de detenção válida. As seguintes informações serão adicionadas ao sistema de registro do preso quando de sua entrada: (a) Informações precisas que permitam determinar sua identidade única, respeitando a sua autoatribuição de gênero (...); (Regra 7 – grifo nosso)

Os serviços e as agências, sejam governamentais ou não, que ajudam presos libertos a se restabelecerem na sociedade devem assegurar, na medida do possível e do necessário, que eles possuam os documentos e papéis de identificação apropriados, que tenham casa e trabalho adequados, que estejam adequadamente vestidos, levando em consideração o clima e a estação do ano, e que tenham meios suficientes para alcançar seu destino e para se sustentarem no período imediatamente posterior a sua liberação (Regra 108 – grifo nosso).

Com a justificativa de garantir o acesso às diversas políticas sociais citadas e à reintegração social da população privada de liberdade, finalidade da pena definida em lei, pode-se dizer que os ordenamentos jurídicos nacional e internacional conferem ao Estado Brasileiro e ao seu Poder Judiciário não apenas a faculdade, mas o dever de realizar providências para que as pessoas submetidas a procedimento criminal:

a) sejam identificadas civilmente de forma correta;

b) tenham emitidos e estejam de posse de seus documentos civis para o exercício de seus direitos fundamentais básicos e das políticas de cidadania, dentro e fora do cárcere.

Apesar disso, alguns grupos populacionais continuam com restrições no acesso à documentação básica, como é o caso das pessoas em situação de privação de liberdade.

4. Do compromisso do Judiciário Brasileiro no combate à Sub-identificação e Sub-documentação civis

O CNJ é partícipe do Compromisso Nacional de Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento e Ampliação do Acesso à Documentação Básica, marco civilizatório no funcionamento da justiça brasileira e na promoção da cidadania e da dignidade da pessoa humana para todos os brasileiros.

Alinhado a esses objetivos, o Conselho desenvolve variadas ações para a ampliação do acesso à documentação básica, como o “Programa de Enfrentamento ao Sub-registro Civil e de Ampliação ao Acesso à Documentação Básica por Pessoas Vulneráveis”, encabeçado pela Corregedoria Nacional, que através, na Semana Nacional do Registro Civil, promoveu a emissão de 31 mil certidões de nascimento à população vulnerabilizada: população em situação de rua, indígenas e estrangeiros.

Nessa mesma toada, o CNJ publicou a Resolução CNJ nº 306, de 17 dezembro 2019, que estabelece diretrizes e parâmetros para emissão de documentação civil e identificação civil biométrica das pessoas privadas de liberdade, com a finalidade de regulamentar as ações de biometria e documentação e, desse modo, cumprir com as atividades de especificações procedimentais, técnicas, operacionais e de competências dos atores envolvidos.

Para dar efetividade a esta Resolução, estruturou e implementou a Ação de Identificação Civil e Emissão de Documentos às Pessoas Privadas de Liberdades em todas as unidades federativas, em parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o TSE e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

A Ação faz parte do “Programa Fazendo Justiça”, que traz diversas iniciativas voltadas a superar o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 347, diante das violações massivas e sistemáticas dos direitos humanos em unidades prisionais em todo o país, dentre eles os direitos à saúde, educação, alimentação, trabalho, previdência e assistência social.

Além do compromisso com a solução à violação de direitos no sistema carcerário e a promoção dos direitos sociais das pessoas privadas de liberdade, a melhoria do processo de qualificação das partes tem o objetivo de certificar ao magistrado a individualização dos dados biográficos a partir da verificação biométrica e, por conseguinte, dar maior segurança à decisão, diminuindo a margem de erros judiciários, bem como maior fidedignidade aos registros e às informações geradas pelo Judiciário.

5. Da competência dos servidores do Judiciário para a realização da coleta biométrica

A requerente pede na inicial a suspensão, a revogação ou a alteração da Resolução CNJ 306/2019,

“com vistas a dirimir esta situação dos servidores do Poder Judiciário, desviados de suas funções originais para desempenhar a função de emissão de documentação civil e para a identificação civil biométrica, das pessoas privadas de liberdade”.

Quanto à função da emissão de documentação civil, esclarecemos que esta continuará sendo realizada pelos órgãos emissores competentes: Cartórios, Institutos de Identificação, Receita Federal, Tribunais Regionais Eleitorais e outros.

Os servidores do Judiciário apenas acessam o Módulo de Documentação Civil do Sistema Eletrônico de Execução Unificada (SEEU), de uso habitual, para eventual apoio às Secretarias de Administração Penitenciária na geração das listas dos documentos faltantes.

O objetivo da Ação Nacional é a correta identificação civil na BDICN e o fomento para a emissão de documentos civis, por meio de fluxos delineados juntos às SEAPs e os Tribunais de Justiça.

Quanto a identificação civil, frisamos que a identificação biométrica passa a fazer parte da qualificação da pessoa apresentada em juízo. Sendo assim, a função de identificação civil e preenchimento de dados no sistema integrado à BDICN faz parte das atribuições ordinárias dos servidores do Judiciário.

Neste sentido, à título de exemplo, o Edital 01/2017, destinado ao provimento de cargos de servidor do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), elenca como atribuições gerais do cargo de Técnico Judiciário o “atendimento ao público, bem como a manutenção e a consulta a bancos de dados”. Portanto, a verificação, a consulta e a coleta biométricas se enquadrariam nas definições das atribuições dos servidores judiciais.

De modo a deixar ainda mais clara a simplicidade da atividade de identificação biométrica, esclarecemos que os servidores do Judiciário seguem o procedimento que se resume em:

·        Primeiro passo: é coletada uma digital para verificação e consulta na BDICN. Este é o momento que o sistema aponta se aquela pessoa já se encontra na BDICN, base que até dezembro de 2023 já contará com o registro de 131 milhões de pessoas;

·        Segundo Passo: caso não encontrada a pessoa na BDCIN é necessário realizar a coleta dos dados biográficos e biométricos, ou seja, a) a coleta da imagem das digitais roladas de cada um dos dez dedos; b) a coleta da assinatura; e c) a captura da fotografia facial;

·        Terceiro Passo: o servidor deve finalizar o cadastro no sistema e fazer o registro no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP), cujo acesso para atualizações é exclusivo aos servidores do Judiciário.

A coleta de assinatura e a captura da foto da face (frontal) e das digitais contam com controle automático de qualidade da imagem, funcionalidade existente na tecnologia de reconhecimento do próprio software de coleta que foi disponibilizado aos tribunais de justiça e seções judiciárias federais.

O procedimento é simples e integra tarefa já desempenhada pelos servidores, de qualificação das partes e preenchimento do cadastro nos sistemas e bancos de dados utilizados pela instituição, que apenas passará a ser qualificada pelo uso da tecnologia.

Vale destacar que o procedimento de coleta, nos mesmos moldes que está sendo realizada na Ação, vem sendo realizado pela Justiça Eleitoral em milhões de brasileiros desde 2007. A atividade, executada pelos servidores eleitorais, vem sendo regulamentada e atualizada nas Resoluções TSE 22.688/2007, 23.061/2009, 23.335/2011, 23.345/2011 e 23.659/2021. Esta última em vigor determina em seu art. 8º:

“No atendimento durante o serviço ordinário de alistamento, revisão ou transferência eleitoral ou durante a revisão de eleitorado, serão coletados dados biométricos, mediante inclusão de impressões digitais roladas dos dez dedos, ressalvada impossibilidade física, fotografia no padrão ICAO e, salvo se se tratar de pessoa analfabeta ou para o qual seja impossível manejar a caneta de coleta, assinatura digitalizada da eleitora ou do eleitor”.

A implementação dos fluxos de identificação civil e emissão de documentos foram realizadas em missões presenciais em cada UF por equipes formadas pelo CNJ, pelo TSE e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Nessas missões ocorreram:

1) Reuniões negociais com os Tribunais de Justiça, Secretarias de Administração Penitenciária e Seções Judiciárias Federais: o fluxo foi apresentado de forma detalhada e, em seguida, pactuado com cada parceiro. O compromisso da Ação também se deu de forma mais ampla através da assinatura dos Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) com os TJs e TRFs, que têm como o objetivo a implementação das ações definidas no Plano Executivo Estadual (PEEs), dentre elas a biometria;

2) Treinamentos para a realização da coleta biométrica com capacitações destinadas aos servidores que ficarão responsáveis pela realização da coleta biométrica nas Audiências de Custódia; aos servidores da área de tecnologia da informação (encarregados da instalação dos equipamentos e softwares, cadastramento de usuários e suporte nível zero); e aos servidores que utilizarão o Módulo de Documentação Civil do SEEU.

3) Acompanhamento das primeiras coletas efetivas: momento em que as equipes do CNJ, PNUD e TSE acompanharam in loco as primeiras coletas, realizando ajustes finais e tirando dúvidas.

Por fim, a alegação de que a conferência da identidade (agora de maneira eletrônica) acarretaria riscos à integridade física do servidor também não merece prosperar. As pessoas são apresentadas à audiência de custódia sob escolta policial suficiente para a realização do ato conforme avaliação da força de segurança pública. A identificação civil, agora realizada por meio da coleta biométrica, se torna ato corriqueiro e passa a ocorrer no mesmo momento já usual de preenchimento dos sistemas utilizados pela instituição.

6. Da inviabilidade dos pedidos

A requerente pede na inicial a suspensão, a revogação ou a alteração da Resolução CNJ 306/2019.

Conforme detalhado neste parecer, as atividades de identificação civil enquadram-se nas atribuições gerais dos servidores do Poder Judiciário, não configurando desvio de função.

Essa conclusão conduz, salvo melhor juízo, à inviabilidade de acolhimento dos pedidos suscitados, os quais acarretariam paralisação de importante política pública implementada e em plena execução, implicando evidente retrocesso na efetivação de direitos fundamentais das pessoas submetidas à jurisdição criminal.

O pedido alternativo, que diz com a alteração do verbo “poderão” por “deverão” no texto do art. 3º, § 2º, da Resolução, também não pode ser acolhido. Isso porque o dispositivo trata da possibilidade de os Tribunais firmarem termos de parceria com órgãos do Executivo, que não são alcançados pela força normativa das resoluções do CNJ. É vedado ao Conselho Nacional de Justiça, no exercício de suas atribuições constitucionais, determinar que órgãos de outros Poderes celebrem tratativas de qualquer natureza.

7. Conclusão

Ante o exposto, este Departamento opina pela total improcedência dos pedidos.

Ressalta-se, por fim, que o DMF vem continuamente promovendo o aperfeiçoamento dos fluxos de identificação civil e emissão de documentos, bem como monitorando e capacitando servidores dos Tribunais de Justiça e Seções Judiciárias Federais, que são atores essenciais para o sucesso da Ação.

[...].

________________

1 https://www.ipea.gov.br/ods/ods16.html#:~:text=Promover%20sociedades%20pac%C3%ADficas%20e%20inclusivas,inclusivas%20em%20todos%20os%20n%C3%ADveis

 

Diante desses elementos, fica evidenciado que não existe qualquer desvio de função ou extrapolamento de atribuições, ou tampouco agravamento de risco, mas, sim, plena compatibilidade com conteúdos ocupacionais já integrantes das respectivas carreiras, e, de resto, realizados em segmentos do próprio Poder Judiciário desde longa data, como no caso da Justiça Eleitoral.

Por todo o exposto, nos termos da fundamentação acima colacionada e a teor do art. 25, X, do Regimento Interno do CNJ2, julgo manifestamente improcedente o presente Pedido de Providências e determino seu arquivamento.

[...].

____________

1 (CNJ - ATO - Ato Normativo - 0009617-47.2019.2.00.0000 - Rel. MÁRIO GUERREIRO - 302ª Sessão Ordinária - julgado em 17/12/2019).

2 Art. 25. São atribuições do Relator: [...] X - determinar o arquivamento liminar do processo quando a matéria for flagrantemente estranha às finalidades do CNJ, bem como a pretensão for manifestamente improcedente, despida de elementos mínimos para sua compreensão ou quando ausente interesse geral;

 

A princípio, impõe-se ressaltar que a Recorrente se limitou a reforçar a tese central inicialmente exposta, deixando de atacar, motivadamente, os fundamentos da Decisão recorrida.

Nesse cenário, a peça recursal ofende os princípios da dialeticidade e da congruência, o que por si só seria causa para o não provimento do Recurso.

No mesmo sentido, destaca-se recente precedente do Plenário:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA ESTRITAMENTE JURISDICIONAL. FATOS QUE NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO DISCIPLINAR. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. O princípio da dialeticidade exige que as razões recursais estejam associadas à decisão recorrida e ataquem, motivadamente, seus fundamentos, o que não acontece no presente caso.

2. Não há nos autos indícios que demonstrem a prática de qualquer infração disciplinar ou falta funcional que pudessem ensejar a instauração de processo administrativo disciplinar.

3. Os argumentos desenvolvidos pela parte reclamante demonstram insatisfação em face do conteúdo de decisão proferida nos autos judiciais.

4. O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

5. Recurso administrativo a que se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0002242-87.2022.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 107ª Sessão Virtual - julgado em 10/6/2022) (grifo nosso) 

 

Ainda que assim não fosse, é de se ver, conforme especificamente indicado na Decisão recorrida, que a Recorrente não logrou êxito em demonstrar que a Resolução CNJ 306 impôs novas atribuições aos servidores do Poder Judiciário.

Com efeito, tanto na petição inicial, quanto na peça recursal, a FENAJUD apresentou afirmações genéricas, não cotejou as atribuições confiadas aos mencionados servidores na legislação estadual com aquelas previstas no Ato resolutivo do CNJ e sequer acostou aos autos exemplos de efetivo desvio de função.  

De outro lado, o detalhado Parecer, emitido pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) e utilizado como alicerce do decisum objurgado, foi contundente ao especificar todas as nuances que envolvem a atuação do Poder Judiciário no procedimento de identificação das pessoas privadas de liberdade.

No que respeita às atribuições dos servidores do Poder Judiciário relacionadas ao fomento para a emissão de documentos civis e à identificação civil, apresentou panorama concreto de atuação e demonstrou a inexistência de desvio de função, uma vez que tais atividades se enquadram em suas atribuições gerais.

Nesse ponto, merece destaque a informação de que houve apenas uma atualização tecnológica do procedimento de identificação. Antes o ato consistia em mera conferência do documento de identidade (RG ou equivalente), apresentado pela pessoa ao serventuário da Justiça; agora passou a ser realizada uma identificação civil muito mais rigorosa, por meio da identificação biométrica.

Todavia, em nenhuma medida, a execução dessa atividade é extraordinária ou estranha às atribuições dos servidores do Poder Judiciário, haja vista que a identificação biométrica passa a fazer parte da qualificação da pessoa apresentada em juízo, tarefa de há muito por eles executada.

De igual forma, o “preenchimento do cadastro nos sistemas e bancos de dados utilizados pela instituição, que apenas passará a ser qualificada pelo uso da tecnologia”, integra tarefa desempenhada pelos mencionados agentes públicos, sendo certo que a emissão de documentação civil continuará a ser realizada pelos órgãos emissores competentes.

Note-se, por fim, que a prestação do serviço público de justiça acompanha, nos seus escopos, seus instrumentos e seus métodos de trabalho, as próprias transformações sociais, administrativas e tecnológicas. A prevalência da tese da inicial implicaria reconhecer, por via contrária, que a mudança do processo em meio papel para o meio eletrônico, ou emissão de documentos processuais em formato digital e não mais em formato papel, a utilização de controles de ponto eletrônicos na gestão ou as reuniões por videoconferência, por exemplo, que inexistiam quando da realização dos concursos públicos e do ingresso de boa parte dos servidores, não poderiam ser realizadas por estes, ou, mais, que isso seria possível apenas depois de instituída legalmente uma “espécie de compensação” aos servidores, o que é de todo desarrazoado. 

Ante o exposto, considerando que não foram submetidos à análise novos fatos ou razões diversas, capazes de infirmar os fundamentos da Decisão monocrática, mantenho-a integralmente.

Por todo o exposto, conheço do Recurso e, no mérito, nego-lhe provimento. 

É como voto.

Após as comunicações de praxe, arquivem-se.

À Secretaria Processual para as providências. 

Brasília-DF, data registrada no sistema.

 

Conselheiro GIOVANNI OLSSON

Relator



[1] Art. 115. A autoridade judiciária ou o interessado que se considerar prejudicado por decisão do Presidente, do Corregedor Nacional de Justiça ou do Relator poderá, no prazo de cinco (5) dias, contados da sua intimação, interpor recurso administrativo ao Plenário do CNJ. § 1º São recorríveis apenas as decisões monocráticas terminativas de que manifestamente resultar ou puder resultar restrição de direito ou prerrogativa, determinação de conduta ou anulação de ato ou decisão, nos casos de processo disciplinar, reclamação disciplinar, representação por excesso de prazo, procedimento de controle administrativo ou pedido de providências.