Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0005551-82.2023.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: ZILDA MARIA YOUSSEF MURAD VENTURELLI

 

EMENTA

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADA. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS.  DENÚNCIA ANÔNIMA. SÚMULA 611 DO STJ. PRECEDENTES DO CNJ E DO STF. PRELIMINAR AFASTADA. IMPUTAÇÕES. MANIFESTAÇÕES POLÍTICO-PARTIDÁRIAS EM REDES SOCIAIS. VEDAÇÃO. PROVIMENTO CNJ 165/2024, REVOGADOR DO PROVIMENTO CNJ 71/2018. CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA. RESOLUÇÃO CNJ 305/2019. PARÂMETROS PARA O USO DAS REDES SOCIAIS PELOS MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO.  

PROCEDÊNCIA DAS IMPUTAÇÕES. PAD EM CURSO. INVIABILIDADE DA CELEBRAÇÃO DO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - TAC. APLICAÇÃO DA PENA DE DISPONIBILIDADE POR 60 DIAS. 

1. Processo Administrativo Disciplinar instaurado contra magistrada, em decorrência de manifestações de cunho político-partidário em redes sociais.

2. Denúncia anônima. Tese já afastada no Pedido de Providências que originou o PAD. Ademais, os elementos dos autos não evidenciam que a apuração da possível infração disciplinar tenha se originado a partir de mera “denúncia anônima”, e sim a partir de e-mail, enviado por pessoa identificada, à Corregedoria Nacional de Justiça.

Mesmo que houvesse irregularidade formal na representação, não haveria óbice à apuração, pela Administração, ante notícias de supostas irregularidades envolvendo magistrados, cabendo-lhe iniciar imediatamente a apuração dos fatos, conforme preceitua o art. 8º da Resolução CNJ n. 135/2011. Precedentes do CNJ e do STF. Súmula 611 do STJ. 

3. A Constituição da República fixou diretrizes que objetivam compatibilizar a liberdade de expressão dos magistrados com as restrições ínsitas às suas relevantes atribuições, ao mitigar a liberdade de manifestação política, dispondo textualmente que “aos juízes é vedado dedicar-se à atividade político-partidária” (art. 95, parágrafo único, inciso III). 

4. A LOMAN também consigna o impedimento do exercício da atividade político-partidária por parte dos magistrados. 

5. A revogação do Provimento n. 71/2018 não promoveu a abolição das vedações ali previstas, que foram mantidas no Provimento n. 165/2024. 

6. A vedação de atividade político-partidária aos membros da magistratura não se restringe à prática de atos de filiação partidária, abrangendo a participação em situações que evidenciem apoio público a candidato ou a partido político.

7. O Plenário do CNJ definiu um marco temporal para a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que deverá ocorrer antes da instauração do PAD. Considerando tal exigência, não se mostra viável a análise da proposta no caso vertente.  

8. No caso em tela, não houve divergência sobre a existência da autoria e materialidade das postagens e não sendo o caso de: (i) aplicação de penalidades mais brandas, tampouco de (ii) hipótese em que a falta funcional guarde estreito liame com o local de exercício da jurisdição do representado, que corresponderia à remoção compulsória com vias a coibir a reiteração do ilícito, bem assim afastar o descrédito do Poder Judiciário naquela jurisdição, ou de (iii) infração revestida de maior grau de reprovabilidade a revelar a efetiva incompatibilidade para o exercício da jurisdição de forma permanente, o que corresponderia à aposentadoria compulsória, mostra-se adequada a aplicação da penalidade de disponibilidade por 60 dias à magistrada.

9. Processo Administrativo Disciplinar que se julga procedente, para aplicar à magistrada a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço por 60 (sessenta) dias.

 

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Luis Felipe Salomão (Vistor), o Conselho decidiu: I - por unanimidade, julgar procedente o processo administrativo disciplinar; II - por maioria, aplicar a penalidade de disponibilidade por 60 (sessenta) dias à magistrada, nos termos do voto do Conselheiro Luis Felipe Salomão. Vencidos os Conselheiros Renata Gil (Relatora), Caputo Bastos e Alexandre Teixeira, que aplicavam à magistrada a pena de advertência. Lavrará o acórdão o Conselheiro Luis Felipe Salomão. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 7 de junho de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Guilherme Feliciano, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os Conselheiros representantes da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0005551-82.2023.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: ZILDA MARIA YOUSSEF MURAD VENTURELLI


RELATÓRIO


             

Trata-se de Processo Administrativo Disciplinar instaurado, sem afastamento do cargo, por meio da Portaria n. 31, de 28 de agosto de 2023, em face da Juíza de Direito ZILDA MARIA YOUSSEF MURAD VENTURELLI, vinculada ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), no qual se apuram indícios de violação, em tese, do art. 95, parágrafo único, da CRFB/88; arts. 35, incisos VIII e 36, III, da Lei Complementar n. 35/79; arts. 1º, 2º, 4º, 7°, 12, II, 13, 15, 16 e 37, do Código de Ética da Magistratura; arts. 2º, §§ 1º, 2º e 3º; 2º, IV e 3º, do Provimento n. 135/2022 da Corregedoria Nacional de Justiça e arts. 3º, II, “b” e “e”, 4º, II, da Resolução n. 305/2019 do CNJ. 

A instauração do PAD decorreu do julgamento do Pedido de Providências n. 0003283-55.2023.2.00.0000, em sessão plenária virtual do CNJ, ocorrida em 18/8/2023 (Id 5271256). Os fatos sob apuração, delimitados na Portaria n. 31, de 28/8/2023 (Id 5271250), consistem na avaliação do cometimento de falta funcional, em decorrência de 6 postagens veiculadas nas redes sociais da magistrada.

Em 30/8/2023, o PAD foi distribuído por sorteio ao Conselheiro que me antecedeu nesta cadeira.

 Em 31/8/2023, nos termos do art. 16 da Resolução CNJ n. 135/2011, o Ministério Público Federal (MPF) foi intimado para manifestar-se (Id 5272395), oportunidade em que requereu a expedição de ofício ao TJMG com a solicitação de: i) cópia da ficha funcional da magistrada; e ii) informações sobre os procedimentos de natureza disciplinar em que a requerida figure no polo passivo, arquivados e/ou em curso, incluindo esclarecimentos acerca dos respectivos objetos, atual situação processual e eventuais penalidades aplicadas (Id 5292498).

A magistrada requerida foi pessoalmente citada para apresentar defesa e indicar provas que entendesse necessárias, nos termos do art. 17 da Resolução CNJ n. 135/2011 (Ids 5297414/5310004).

Nas razões de defesa (Id 5311866), alegou, em síntese: i) a nulidade da representação aviada, por constituir denúncia anônima; ii) a inexistência de falta funcional, em decorrência do não exercício de atividade político-partidária; iii) a insignificância das postagens.

Afirmou, ainda, que o caso em questão é de pouquíssima repercussão, inclusive porque apagou as postagens e, em momento algum, incentivava condutas contrárias ao Estado Democrático de Direito, o que deve ser considerado (Id 5311866, p. 7).

Ao final, requereu: i) que fosse acolhida a preliminar suscitada, com o arquivamento do processo administrativo, diante da nulidade da “denúncia”; ii) no mérito, o arquivamento do processo administrativo instaurado, diante da inexistência de infração administrativa; iii) o seu depoimento pessoal; iv) a oitiva de testemunhas (Id 5311866, p. 8).

No que se refere à prova testemunhal, pugnou a magistrada pela oitiva das seguintes testemunhas (Id 5311866, p. 8): 1) Rafael Romão Campara, Servidor Público Federal; 2) Rodrigo Melo Oliveira, Juiz de Direito Titular da 1ª Vara Cível de Lavras; 3) Carlos Alberto Ribeiro Moreira, Promotor de Justiça, 4) Adailton José de Carvalho, Defensor Público, 5) Negis Monteiro Rodarte, Advogado.

As informações e os documentos pleiteados pelo MPF e solicitados ao TJMG no Id 5329262 foram encaminhados pelo referido tribunal (Ids 5345964 e 5345965).

Determinada nova intimação do MPF para manifestação sobre os documentos acostados pelo TJMG (Id 5348730), o Parquet pugnou pelo regular prosseguimento do feito, sem a necessidade de produção de novas provas (Id 5365809).

Diante da ultimação do ciclo inicial para a conclusão do PAD, o Plenário do CNJ prorrogou o prazo de instrução pelo período de 140 dias, a contar de 20/1/2024, nos termos do § 9º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135/2011 (Id 5398541).

Em 1º/2/2024, tomei posse como Conselheira e recebi este PAD no estado em que se encontrava.

À vista dos elementos trazidos aos autos, por tratar-se de matéria eminentemente de direito e considerando a provável natureza abonatória dos depoimentos, indeferi a prova testemunhal requerida pela magistrada, mas assinalei prazo para apresentação de declarações escritas, a serem consideradas com o mesmo valor probatório (Id 5441711).

Designei o interrogatório da magistrada para o dia 27/2/2024, realizado por meio da plataforma Microsoft Teams.

Nos termos do § 1º do art. 18 da Resolução CNJ n. 135/2011, deleguei a presidência dos trabalhos ao Dr. Fernando Chemin Cury, Juiz titular da 1ª Vara de Execução Penal de Campo Grande, vinculado ao Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul (Id 5450046).

Em 26/2/2024, a defesa procedeu à juntada das declarações escritas das testemunhas arroladas (Id 5457641 e 5458828).

Em 28/2/2024, o termo de audiência e a gravação dos atos praticados foram devidamente acostados aos autos (Ids 5461500/5461655).

Encerrada a fase instrutória, determinei a intimação do Ministério Público Federal e da magistrada requerida, sucessivamente, no prazo de 10 dias, para apresentarem razões finais, de acordo com o art. 19 da Resolução CNJ n. 135/201 (Id 5461784).

Apresentadas as razões finais do MPF, o Parquet manifestou-se pela procedência da imputação formulada no processo administrativo disciplinar, com a aplicação da sanção de disponibilidade com proventos proporcionais ao tempo de serviço, pelo prazo de 30 dias (Id 5485802).

A defesa juntou tempestivamente aos autos razões finais, postulou pelo arquivamento do PAD e, alternativamente, não sendo arquivado, requereu a celebração de TAC, conforme previsto no Provimento n. 162/CNJ. Ainda alternativamente, no caso de não arquivamento do PAD ou não sendo celebrado o TAC, pleiteou pela aplicação da pena de advertência (Id 5510074).

Em 12/4/2024, a Associação dos Magistrados Mineiros (AMAGIS), requereu sua admissão no feito (Id 5521845), o que foi deferido. Pugnou pelo arquivamento do PAD e, alternativamente, não sendo arquivado, requereu a celebração de TAC. Subsidiariamente, requereu a imposição da sanção de advertência (Id 5521845).

É o relatório.  


Autos:

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0005551-82.2023.2.00.0000 

Requerente:

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ 

Requerido:

ZILDA MARIA YOUSSEF MURAD VENTURELLI 

 

 

VOTO PARCIALMENTE VENCEDOR

 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:

 

 

1. Tal como relatado no voto apresentado pela Exma. Conselheira relatora, os fatos em apuração referem-se a postagens da magistrada Zilda Maria Youssef Murad Venturelli, Juíza de Direito vinculada ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), na rede social Facebook, em período posterior aos atos ocorridos em 8/1/2023. 

Em suma, as postagens em apuração são as que se seguem:

 

1. Um vídeo com a imagem do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o título ´O FIM DELE´. Nele há uma fala do Ministro Flávio Dino e comentário de outra pessoa – em crítica a Lula – sobre os fatos de 8 de janeiro do 2023. Esta afirma que um “documento já foi aprovado para que seja derrubado o sigilo e vai tornar público para todos vocês a verdade dos fatos do dia oito de janeiro”. A magistrada publicou a seguinte legenda: “Nada fica encoberto” (Id 5271288).

 2. Um vídeo publicado originalmente no TikTok de @reinolord em que apresenta falas de alguns políticos que em um momento criticaram o Presidente Lula e que depois aparecem em fotos com o político, demonstrando apoio a ele. A requerida postou a seguinte legenda ao publicar o vídeo: “Pra quem tem dúvidas sobre o caráter dessas criaturas” (Id 5271289).

3. Um vídeo com o título “REVOLTANTE. PT PROPÕE PROJETO ZANIN PARA GARANTIR A IMPUNIDADE NO BRASIL”. Nele um interlocutor narra que seria aprovado um projeto que, caso ocorra empate entre ministros na votação, a decisão vai favorecer o réu. Diz que atualmente esse sistema somente existe para as ações de habeas corpus, mas que se estenderia a todos os recursos com a aprovação. Afirma que essa mudança está sendo feita agora porque o Presidente Lula quer nomear Zanin para a vaga de Ministro do STF. Assim, como Zanin deve se declarar suspeito nos casos que envolvem a Lava-Jato, ocorreria empate nas turmas e o réu seria beneficiado (Id 5271291). 

4. Um vídeo em que aparece uma mulher narrando que o Presidente da Islândia viajou até Londres para a coroação do Rei Charles em um voo comercial e com apenas uma assessora, sem avião presidencial e seguranças. A juíza, ao publicar o vídeo, coloca esta legenda: “Lição não aprendida pelo nove dedos” (Id 5271290). 

5. Um vídeo com o título “Sem autonomia! ‘Ministro não tem ideia, tem que trabalhar para executar o que nós já decidimos”. Consta a imagem do Presidente Lula quando ele pronuncia essa fala. Logo após há uma fala de Tarcísio de Freitas, publicada no @canal_patriota, com o título “Tarcísio de Freitas elenca as diferenças entre Lula e Bolsonaro”, em que ele afirma a satisfação de ter trabalhado com o ex-Presidente Bolsonaro e que tece críticas a Lula (Id 5271292).

6. A noticiante apresenta, ainda, o print de uma publicação feita pela requerida no Instagram com a imagem do jornalista Cesár Tralli, com uma marca d´água ´Faz o L´, e com o texto: “2022 Bolsonaro deixou 58 bilhões no caixa. 2023 Rombo de 232 bilhões em 3 meses” (Id 5271287).

 

Em conclusão, o voto apresentado julgou procedente o processo administrativo disciplinar, por vislumbrar violação ao art. 95, parágrafo único, inciso III, da CRFB/88; art. 26, I, “c” da LOMAN; art. 16 do Código de Ética da Magistratura e ao disposto na Resolução 305/2019 e no Provimento 165/2024.

Em análise da dosimetria da pena, considerou adequada a aplicação da pena de advertência, com base no precedente fixado no Processo Administrativo Disciplinar n. 0006628-97.2021.2.00.0000
(Rel. JANE GRANZOTO - 3ª Sessão Ordinária de 2023 - julgado em 14/03/2023), pontuando: a ausência de registros desabonadores em desfavor da magistrada; a idade da magistrada e o fato de não ser juíza eleitoral; a falta praticada ter sido pontual, não havendo relatos no processo de que tenha havido reiteração da conduta; o reconhecimento do caráter inadequado das postagens, apagando os posts compartilhados, além de informar que apagou suas redes sociais.

2. Inobstante acompanhar a Exma. Conselheira relatora na conclusão pela procedência do Processo Administrativo Disciplinar, divirjo, respeitosamente, quando a pena aplicada.

Explico.

Quando do julgamento do Padmag 0002268-51.2023.2.00.0000, analisando fatos análogos aos examinados no presente caso, o Plenário deste Conselho Nacional de Justiça deliberou, à unanimidade, pela procedência do processo administrativo disciplinar em referência, firmando precedente no sentido de considerar adequada a penalidade de disponibilidade com recebimento de proventos proporcionais ao tempo de serviço, fixando, naquela oportunidade, o prazo de 60 dias para tanto.

Eis a ementa do referido julgado:

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA NÃO CARACTERIZADA. REPOSTAGEM E MANIFESTAÇÃO EM REDE SOCIAL. CONTEÚDO REVESTIDO DE ÍNDOLE POLÍTICO-PARTIDÁRIA. OFENSA AOS DEVERES INSCULPIDOS NO ART. 95, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DA CARTA MAGNA/1988, NO ART. 35, VIII, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79 (LOMAN), NOS ARTS. 1º, 2º, 7º, 13, 15, 16 E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA, NO ART. 3º, I, DO PROVIMENTO Nº 135 DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA, BEM COMO NOS ARTS. 3º, II, “A” E “F”, E 4º, II, DA RESOLUÇÃO CNJ Nº 305/2019 DEMONSTRADA. PROCEDÊNCIA DA IMPUTAÇÃO. GRAVIDADE DA CONDUTA. INCOMPATIBILIDADE TEMPORÁRIA PARA O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO. PENA DE DISPONIBILIDADE FIXADA POR 60 (SESSENTA) DIAS.

1. Tanto na fase embrionária e apuratória, quanto no âmbito do presente procedimento administrativo disciplinar, restou assegurada ao processado a perfeita compreensão dos fatos, dos dispositivos constitucionais, legais e normativos tidos por violados e da possível falta funcional que lhe foi imputada, o que propiciou plenamente o exercício do contraditório e da ampla defesa. Preliminar repelida.  

2. O indeferimento das diligências reveladas impertinentes, meramente protelatórias e de nenhum interesse para o deslinde do feito encontra pleno respaldo na dicção do art. 25, incs. I, IV e VIII, do RICNJ e do art. 26 da Resolução CNJ nº 135/2011 c/c o art. 156, § 1º, da Lei nº 8.112/1990. Nulidade não pronunciada. 

3. A liberdade de manifestação, consagrada no Texto Constitucional (art. 5º, incisos IV e IX, da Carta Magna), não ostenta conotação absoluta, nem tampouco ilimitada, porquanto passível de submissão a certas restrições, compatíveis com os pilares do Estado Democrático de Direito, implicando deveres e responsabilidades que visam resguardar, no caso dos magistrados, a necessária afirmação dos postulados e demais princípios norteadores da magistratura. Precedentes do STF e deste CNJ.

4. Na hipótese, para além de replicar em rede social de amplo espectro conteúdo intuitivamente apto a descredenciar candidato à Presidência da República perante a opinião pública, o requerido manifestou expressamente apoio a candidato e partido político, evidenciando militância político-partidária, ou seja, dada a condição de membro do Poder Judiciário, ultrapassou os limites inerentes ao exercício do livre direito de expressão de pensamento.

5. Os atos praticados pelo magistrado processado, distanciando-se da prudência e da cautela que deveriam nortear as suas manifestações em rede social, ainda que de índole privada, consubstanciaram falta funcional, a receber reprovação por parte deste Conselho, pois violadores dos deveres insculpidos no art. 95, parágrafo único, III, da Carta Magna/1988, no art. 35, VIII, da Lei Complementar nº 35/79 (LOMAN), nos arts. 1º, 2º, 7º, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, no art. 3º, I, do Provimento nº 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como nos arts. 3º, II, “a” e “f”, e 4º, II, da Resolução CNJ nº 305/2019.

6. Sopesados o elevado grau de reprovabilidade da conduta, o potencial lesivo dali decorrente e o efeito pedagógico/dissuasório da sanção, à luz da razoabilidade e da proporcionalidade, revela-se pertinente a aplicação da disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, pelo prazo de 60 (sessenta) dias (art. 93, VIII, da Carta Magna, arts. 42, inc. IV, e 57, parágrafo 1º, da LOMAN, c.c art. 6º, da Resolução CNJ nº 135/2011).

7. Imputação que se julga procedente para aplicar ao magistrado processado a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço por 60 (sessenta) dias.

 

(Padmag 0002268-51.2023.2.00.0000- rel. Cons Jane Granzoto, julgamento 13/12/2023, DJe 15/12/2023,19ª Sessão Ordinária de 2023).

 

Analisando os fundamentos do referido julgado, verifica-se que foram consideradas as seguintes circunstâncias para a procedência do Processo Administrativo Disciplinar e consequente aplicação da pena de disponibilidade:

 

(i) Reconhecimento da autoria e autenticidade das publicações;

(ii) Necessidade de resguardo da imparcialidade do magistrado, inclusive por ocasião das manifestações de índole privada, as quais devem ser balizadas pela prudência e cautela, com o escopo de resguardar não apenas a imagem pessoal, como também, é bom reiterar, a confiança e a credibilidade de todos os jurisdicionados no Poder Judiciário. Assim, irrelevante se tratar de rede fechada ou aberta;

(iii) Reconhecimento do caráter político-partidário da(s) postagem(ns), a partir da menção crítica a candidatos, lideranças ou partidos políticos (por qualquer indicação, inclusive número de legenda), tendo o potencial de desacreditar ainda que por via oblíqua, o próprio sistema eleitoral brasileiro;

(iv) Irrelevância de se tratar de repostagem, sendo tal indicação inócua inclusive para afastar eventual alegação de disseminação de fake news, uma vez que, ao repostar o conteúdo de outras postagens, o magistrado acabar por chancelar o seu teor;

(v) Presentes as circunstâncias acima narradas, a conduta merece ser considerada grave negligência frente aos deveres de decoro, prudência e cautela que deveriam pautar a conduta de requerido ao fazer uso de sua rede social, à luz de todo o regramento normativo e principiológico vigente, não sendo cabíveis as penas mais brandas de advertência e censura previstas no ordenamento.

 

3. No caso em tela, considerando que não há debate sobrea autoria e materialidade das postagens acima reproduzidas tal e qual mencionado no acórdão de julgamento do PADMag 0000262-09.2022.2.00.00808, e amoldando-se os eventos que são objeto do presente processo administrativo disciplinar ao caso, a conclusão acerca da penalidade a ser aplicada parece destoar do entendimento deste conselho Nacional de Justiça.

Portanto, não sendo o caso de: (i) aplicação das penalidades mais brandas, como já visto, tampouco de (ii) hipótese em que a falta funcional guarde estreito liame com o local de exercício da jurisdição do representado, que corresponderia à remoção compulsória com vias a coibir a reiteração do ilícito, bem assim afastar o descrédito do Poder Judiciário naquela jurisdição, ou de (iii) infração revestida de maior grau de reprovabilidade a revelar a efetiva incompatibilidade para o exercício da jurisdição de forma permanente, o que corresponderia à aposentadoria compulsória, mostra-se adequada a aplicação da penalidade de disponibilidade por 60 dias à magistrada.

4. Vale registrar ainda, por oportuno, que, mesmo anteriormente ao precedente citado, este Conselho Nacional de Justiça já havia decidido pela adequação da pena de disponibilidade em casos envolvendo infrações disciplinares decorrentes de publicação em redes sociais. Nesse sentido:

 

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO. QUESTÃO DE ORDEM. NATUREZA PROCRASTINATÓRIA. REJEIÇÃO. USO PRIVADO DE MEIOS E DOCUMENTOS PÚBLICOS. ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE OFÍCIO-CONVITE PARA SIMULAR REALIZAÇÃO DE EVENTO. VEICULAÇÃO EM REDE SOCIAL PARA MANIFESTAR DEBOCHE CONTRA PROMOTORA DE JUSTIÇA E O MP ESTADUAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DE RESPEITABILIDADE E CONVIVÊNCIA DEMOCRÁTICA ENTRE AS INSTITUIÇÕES. VIOLAÇÃO AOS DEVERES FUNCIONAIS DA MAGISTRATURA. PENALIDADE. DISPONIBILIDADE.

1. Em razão de sua natureza eminentemente procrastinatória, bem como pelo fato de já haver sido objeto de decisão no curso da instrução processual, rejeita-se a questão de ordem suscitada pela defesa.

2. Processo Administrativo Disciplinar instaurado em desfavor de magistrado para apurar a utilização de documento oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na rede social Facebook de colega juíza, com a notória intenção de promover deboche e chacota em relação à Promotora de Justiça daquela unidade da federação, bem como à instituição do Ministério Público fluminense.

3. O conjunto probatório constante dos autos revela que o magistrado requerido fez uso privado de documentos públicos e da estrutura de comunicação do TJRJ para forjar ofício, redigido em linguagem desrespeitosa e com o timbre do referido Tribunal, formulando convite para evento fictício, na intenção de promover a ridicularização de membro do MPRJ e da própria instituição ministerial em rede social, na qual desencadeadas sucessivas postagens em tom crítico e jocoso.

4. Comportamento do magistrado incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das funções dos(as) juízes(as), dos quais se exige conduta irrepreensível na vida pública e particular e se impõe os deveres de zelar pela respeitabilidade entre as instituições e de cortesia para com colegas, membros do Ministério Público, demais autoridades, advogados(as), servidores(as) e usuários(as) da Justiça. Comprovada a violação aos deveres inerentes à magistratura inscritos nos arts. 1º, 15, 16, 18, 22, 37 e 39, todos do Código de Ética da Magistratura Nacional, bem como no art. 35, IV e VIII, da LOMAN.

5. Aplicação de reprimenda administrativa mais severa em razão das consequências nocivas advindas da conduta do magistrado, potencializadas sobremaneira pela capilaridade inerente às redes sociais. Jurisprudência do CNJ (PAD 10.912-56, Red. p/ acórdão Ministro Dias Toffoli, Julg. 03/12/2019).

6. Processo Administrativo Disciplinar julgado procedente para impor ao magistrado a pena de disponibilidade com proventos proporcionais ao tempo de serviço (art. 6º da Res. CNJ 135/2011).

(PADMAG - 0000036-08.2019.2.00.0000, rel. Cons. Ivana Farina Navarrete Pna, 86ª Sessão Virtual, Data do Julgamento: 14/05/2021, Dje 19/05/2021)

 

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO ESTADUAL. VIOLAÇÃO AOS DEVERES FUNCIONAIS. LOMAN. CONDUTA GRAVE E INCOMPATÍVEL COM A DIGNIDADE, A HONRA E O DECORO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL. DIVULGAÇÃO DE ÁUDIO DE CONTEÚDO OFENSIVO. IMODERAÇÃO NO USO DE REDES SOCIAIS. FALTA FUNCIONAL. PENALIDADE. DISPONIBILIDADE.

1. O Magistrado, ao divulgar áudio ofensivo à honra e à imagem de Ministro da Suprema Corte, violou os deveres funcionais de independência, de imparcialidade, de conhecimento e capacitação, de cortesia, de transparência, de segredo profissional, de prudência, de diligência, de integridade profissional e pessoal, honra e do decoro;

2. Na dimensão pública das mídias sociais, a calúnia, a difamação, a injúria, a ironia, a manifestação de caráter político, o comentário maledicente e a busca de aprovação ou promoção pessoal não condizem com a dignidade inerente à função jurisdicional, em prestígio da qual foram estatuídos os deveres funcionais;

3. Os magistrados, além do indeclinável respeito mútuo, devem zelar pelo prestígio da ordem judiciária e pela respeitabilidade das suas instituições, notadamente do Supremo Tribunal Federal, dado o fato de figurar no ápice da pirâmide judiciária;

4. A disponibilidade é a pena que se mostra adequada e útil, para prevenção e reprovação das faltas disciplinares praticadas pelo magistrado;

5. Processo disciplinar que se julga procedente para aplicação da pena de disponibilidade.

(PADMAG - 0010912-56.2018.2.00.0000, Rel. Cons. Arnaldo Hossepian, red. Acórdão Presid. Ministro Dias Toffoli, 301ª Sessão Ordinária, Data de Julgamento: 03/12/2019, DJe: 08/01/2020)

 

 

 

5. Desnecessário ressaltar que, em matéria disciplinar, para evitar subjetivismo e insegurança jurídica, a observância dos precedentes e de regras objetivas claras são imprescindíveis ao processo administrativo.

Por isso, no caso vertente, não me parece possível nem razoável, com a devida vênia, criar qualquer exceção ou distinção aos precedentes anteriores.

6. Assim, acompanhando o voto apresentado pela Exma. Conselheira Relatora para julgar PROCEDENTE o presente Processo Administrativo Disciplinar, divirjo da penalidade de advertência apontada, nos termos da jurisprudência deste Conselho Nacional de Justiça, para considerar adequada a penalidade de disponibilidade por 60 dias (art. 42, IV da LOMAN).

É como voto.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0005551-82.2023.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: ZILDA MARIA YOUSSEF MURAD VENTURELLI

 

VOTO  

 

Os fatos em apuração referem-se a postagens da magistrada Zilda Maria Youssef Murad Venturelli na rede social Facebook, em período posterior aos atos ocorridos em 8/1/2023. 

O presente processo administrativo disciplinar (PAD) foi instaurado a partir da notícia de que a requerida, Juíza de Direito vinculada ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), estaria adotando conduta incompatível, em tese, com seus deveres funcionais de magistrada.

O PAD em tela teve origem no Pedido de Providências n. 0003283-55.2023.2.00.0000, instaurado em razão do recebimento de um e-mail encaminhado por Vera Lopes da Silva à Corregedoria Nacional de Justiça, no bojo do qual se comunicou que a magistrada requerida publicava, em suas redes sociais, textos e vídeos de cunho político-partidário (Ids 5271287/5271286). 

Do julgamento do referido pedido de providências decorreu a instauração deste PAD, em 18/8/2023. (Id 5271252).  

Tratando a matéria unicamente de direito, o acervo probatório restringiu-se aos conteúdos publicados nas redes sociais e ao interrogatório da requerida, complementado pelos depoimentos abonatórios, apresentados por escrito. Abaixo estão elencados os principais documentos que instruem este PAD:  

  

Ato  

 (PAD CNJ 0005551-82.2023)  

Id. 

 (PJe CNJ) 

Acórdão CNJ (abertura do PAD, por unanimidade, sem afastamento das funções).  

Id 5271252 

Certidão de julgamento – abertura do PAD pelo CNJ 

Id 5271256 

Portaria CNJ n. 31 de 28 de agosto de 2023 – abertura do PAD  

Id 5271250 

Manifestação inicial do MP 

Id 5292498

Defesa prévia 

Id 5311815

Declarações abonatórias escritas:  

1.   Negis Monteiro Rodarte – Advogado

2.   Rafael Romão Campara – Servidor Público Federal

3.   Adailton José de Carvalho - Defensor Público

4.   Rodrigo Melo Oliveira – Juiz de Direito

5.   Carlos Alberto Moreira – Promotor de Justiça

Ids 5457641 a 5457646 e 5458828

Interrogatório (28/2/2024) 

Link: PJe Mídias 

Id 5461655

Termo de audiência 

Id 5461500

Razões finais do MP

Id 5486954 

Razões finais da defesa 

Id 5510074

 

Os fatos sob apuração consistem em:

1. Um vídeo com a imagem do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o título ´O FIM DELE´. Nele há uma fala do Ministro Flávio Dino e comentário de outra pessoa – em crítica a Lula – sobre os fatos de 8 de janeiro do 2023. Esta afirma que um “documento já foi aprovado para que seja derrubado o sigilo e vai tornar público para todos vocês a verdade dos fatos do dia oito de janeiro”. A magistrada publicou a seguinte legenda: “Nada fica encoberto” (Id 5271288).

 

2. Um vídeo publicado originalmente no TikTok de @reinolord em que apresenta falas de alguns políticos que em um momento criticaram o Presidente Lula e que depois aparecem em fotos com o político, demonstrando apoio a ele. A requerida postou a seguinte legenda ao publicar o vídeo: “Pra quem tem dúvidas sobre o caráter dessas criaturas” (Id 5271289).


 

3. Um vídeo com o título “REVOLTANTE. PT PROPÕE PROJETO ZANIN PARA GARANTIR A IMPUNIDADE NO BRASIL”. Nele um interlocutor narra que seria aprovado um projeto que, caso ocorra empate entre ministros na votação, a decisão vai favorecer o réu. Diz que atualmente esse sistema somente existe para as ações de habeas corpus, mas que se estenderia a todos os recursos com a aprovação. Afirma que essa mudança está sendo feita agora porque o Presidente Lula quer nomear Zanin para a vaga de Ministro do STF. Assim, como Zanin deve se declarar suspeito nos casos que envolvem a Lava-Jato, ocorreria empate nas turmas e o réu seria beneficiado (Id 5271291). 

 

 

4. Um vídeo em que aparece uma mulher narrando que o Presidente da Islândia viajou até Londres para a coroação do Rei Charles em um voo comercial e com apenas uma assessora, sem avião presidencial e seguranças. A juíza, ao publicar o vídeo, coloca esta legenda: “Lição não aprendida pelo nove dedos” (Id 5271290). 

5. Um vídeo com o título “Sem autonomia! ‘Ministro não tem ideia, tem que trabalhar para executar o que nós já decidimos”. Consta a imagem do Presidente Lula quando ele pronuncia essa fala. Logo após há uma fala de Tarcísio de Freitas, publicada no @canal_patriota, com o título “Tarcísio de Freitas elenca as diferenças entre Lula e Bolsonaro”, em que ele afirma a satisfação de ter trabalhado com o ex-Presidente Bolsonaro e que tece críticas a Lula (Id 5271292).


6. A noticiante apresenta, ainda, o print de uma publicação feita pela requerida no Instagram com a imagem do jornalista Cesár Tralli, com uma marca d´água ´Faz o L´, e com o texto: “2022 Bolsonaro deixou 58 bilhões no caixa. 2023 Rombo de 232 bilhões em 3 meses” (Id 5271287).

Das preliminares. 

De início, cumpre rechaçar os argumentos da requerida no sentido de que o processo disciplinar teve início a partir de “denúncia anônima”, o que violaria o disposto na Súmula 611 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e acarretaria a nulidade do PAD.

Sem razão a requerida.

Em primeiro lugar, porque cuida-se de tese que, embora aventada neste PAD, já havia sido apontada no PP que o originou, o que reflete a superação do tema.

Em segundo lugar, porque, ainda que assim não fosse, os elementos dos autos não evidenciam que a apuração da possível infração disciplinar tenha se originado a partir de mera “denúncia anônima”, mas sim teve início a partir de um e-mail enviado por Vera Lopes da Silva à Corregedoria Nacional de Justiça (Id 5271287).

Em linhas gerais, a denúncia anônima ocorre quando alguém, sem se identificar, relata para as autoridades que determinada pessoa praticou uma infração. Como se vê, a pessoa que remeteu a notícia à Corregedoria Nacional está identificada. A notícia foi enviada por e-mail, o que possibilita seu rastreamento.

E mesmo que houvesse irregularidade formal na representação, não haveria óbice ao dever de apuração pela Corregedoria Nacional de Justiça, ante notícias de supostas irregularidades envolvendo magistrados, cabendo-lhe iniciar imediatamente a apuração dos fatos, conforme preceitua o art. 8º da Resolução CNJ n. 135/2011.

No caso concreto, o Ministro Corregedor adotou as providências apuratórias iniciais, para que, havendo elementos, propusesse a instauração do procedimento disciplinar, respeitados o contraditório e a ampla defesa. Tanto é que a Corregedoria Nacional ordenou a instauração do Pedido de Providências n. 0003283-55.2023.2.00.0000 para reunir tais evidências indiciárias suficientes à abertura do processo administrativo.

Nos termos da Súmula 611 do STJ, desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é permitida a instauração de processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração.

Diante disso, o e-mail identificado afasta a alegação de denúncia anônima, e a autuação de um procedimento prévio de averiguação que reuniu elementos para a instauração deste PAD (PP n. 0003283-55.2023.2.00.0000) esvazia o argumento defensivo de que há ausência de identificação da reclamante apta a ensejar a nulidade do PAD.

Ademais, a mencionada súmula estabelece que a Administração Pública possui o poder-dever de autotutela, o que justifica a abertura do PAD após a colheita de elementos que comprovam os fatos noticiados.

A jurisprudência do CNJ acompanha o entendimento supramencionado, senão vejamos:

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DPROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO.  JUIZ DO TRABALHO. PRELIMINAR DE NULIDADE POR DENÚNCIA ANÔNIMA. REJEITADA. PRELIMINAR DE NULIDADE POR ILICITUDE DA PROVA. REJEITADA. PROCEDIMENTO DISCIPLINAR PRÉVIO INSTAURADO DE OFÍCIO PELO CNJ. LEGALIDADE. MANIFESTAÇÃO EM REDE SOCIAL. CRÍTICAS DEPRECIATIVAS E OFENSIVAS DIRECIONADAS À DIVERSAS AUTORIDADES. MANIFESTAÇÃO REALIZADA NO PRAZO DE SEIS MESES CONTIDO NO ART. 10 DA RESOLUÇÃO 305 DO CNJ. PERÍODO DE ADEQUAÇÃO À NORMA. FLEXIBILIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DA IMPUTAÇÃO.

1. Processo Administrativo Disciplinar instaurado para a apuração de imputações, nos termos da Portaria n.º 10 – PAD, de 25 de agosto de 2022 (“I - tecer críticas depreciativas, dirigindo ofensas a diversas autoridades do país, e II - exercer atividade político partidária).

2. Preliminar de nulidade do PAD por suposta denúncia anônima rejeitada. A administração pública, notadamente a Corregedoria Nacional de Justiça, quando diante da notícia da ocorrência de possível falta funcional de um dos seus agentes, possui o poder/dever de verificar previamente a verossimilhança das alegações, podendo, para tanto, instaurar de ofício procedimento disciplinar para investigação dos fatos, nos exatos termos ocorridos neste expediente. (PAD 0006582-11.2021.00.0000. Rel. Cons. Luiz Fernando Bandeira de Mello. Julgado em 29 nov. 2022.)

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO DE 1º GRAU VINCULADO AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 01ª REGIÃO.  NULIDADE DO ACÓRDÃO DE DEFLAGRAÇÃO DO PAD POR SUPOSTOS VÍCIOS NA INSTAURAÇÃO E NA AVOCAÇÃO DO PROCEDIMENTO PRÉVIO DE APURAÇÃO QUE TRAMITAVA NO ÓRGÃO CENSOR REGIONAL. JULGAMENTO PRESENCIAL DA MEDIDA PREPARATÓRIA. DESVIO DE FINALIDADE. DENÚNCIA ANÔNIMA. IMPEDIMENTO DA ANTERIOR CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA. SUBVERSÃO DO RITO PROCEDIMENTAL. PREMATURO ENCERRAMENTO DA FASE INSTRUTÓRIA. VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. PRELIMINARES AFASTADAS.  PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO NÃO CONSUMADA.  REDES SOCIAIS. MANIFESTAÇÕES DE ÍNDOLE POLÍTICA DIRECIONADAS A DIVERSAS AUTORIDADES. CARÁTER OFENSIVO E DEPRECIATIVO. VIOLAÇÃO DOS DEVERES INSCULPIDOS NOS ARTS. 35, I E VIII, E 36, III, DA LOMAN, NOS ARTS. 4º, 12, II, 15, 16, 22 E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL E NO ARTS. 2º, 3º E 4º DO PROVIMENTO CNJ Nº 71/2018 CARACTERIZADA. PROCEDÊNCIA DAS IMPUTAÇÕES. PENA DE CENSURA (ART. 42, II, DA LOMAN).

(...)

2. A regularidade no processamento da medida apuratória perante a Corregedoria Nacional de Justiça foi há muito referendada, por unanimidade, consoante deliberação plenária desta Conselho na 104ª Sessão Virtual, no julgamento do Pedido de Providências nº 0005178-90.2019.2.00.0000, do qual resultou a instauração do presente PAD. Nesse passo, os questionamentos relacionados à suposta ilicitude da apuração prévia motivada por denúncia anônima e à arguição de impedimento da anterior Corregedora Nacional de Justiça refletem temas totalmente superados, não se concebendo qualquer rediscussão no bojo do presente procedimento, ante o óbice insculpido nos artigos 4º, § 1º e 115, §§ 1º e 6º, do RICNJ, dos quais exsurge nítida a conclusão de que as deliberações plenárias desta Casa são insuscetíveis de recurso administrativo. Nulidades afastadas. (PAD 0003280-37.2022.00.0000. Rel. Cons. Jane Granzoto. Julgado em 11 abr. 2023.)

 

De fato, de acordo com os princípios que orientam a atividade administrativa, ao constatar uma possível violação funcional por parte de magistrados, a Corregedoria Nacional de Justiça possui o poder-dever de apurar os fatos, a fim de determinar se houve ou não a alegada quebra das normas que orientam a atividade funcional.

Não há impedimento a que o Poder Público, motivado por denúncia anônima, realize diligências para confirmar sua veracidade, uma vez que a autoridade administrativa tem o dever de apurar as infrações que chegaram ao seu conhecimento.

É dizer, incumbe ao Órgão Fiscalizador deste Conselho iniciar a devida apuração, como ocorreu no caso em questão, sem que isso signifique, ao contrário do que a parte requerida deseja alegar, qualquer tipo de nulidade.

Além disso, para encerrar definitivamente o argumento suscitado pela requerida nesse particular, ressalte-se que o STF já se posicionou a favor da abertura do processo administrativo disciplinar com base nos resultados da sindicância instaurada para apuração de fatos narrados em denúncia anônima:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO DO MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. INSTAURAÇÃO A PARTIR DO RESULTADO DE SINDICÂNCIA QUE APUROU FATOS NARRADOS EM DENÚNCIA ANÔNIMA. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE AO ART. 134 DA LEI N. 8.112/1990; OFENSA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ALEGADA NULIDADE DO PROCESSO E DA PENA APLICADA. INEXISTÊNCIA. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.  (STF. RMS 29.198. Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA. 2ª T. Julgado em 30 out. 2012.)

Preliminar afastada.

Suscitou-se, ainda, a elaboração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no caso vertente.

Em decorrência da recente alteração do art. 47-A do Regimento Interno do CNJ, a requerida pleiteou a aplicação de TAC.

No entanto, na 1ª Sessão Extraordinária de 2024, realizada em 12/3/2024, o Plenário definiu um marco temporal para a celebração do TAC, que deverá ocorrer antes da instauração do PAD.

Considerando tal exigência, não se mostra viável a análise da proposta no caso em análise.

 

Do mérito.

Conforme relatado, os fatos sob apuração dizem respeito a 6 postagens realizadas pela magistrada requerida em sua rede social Facebook.

Os fatos são incontroversos e em nenhum momento contestados pela magistrada, a qual confirmou a autoria dos compartilhamentos, inclusive reconhecendo a inadequação das postagens (Interrogatório - Id 5461655, aos 13’05”).

Alegou, porém, a não caracterização de atividade político-partidária, a conduta de ínfima lesividade, o pouquíssimo domínio no manejo das redes sociais, a baixa expressão de seu perfil na rede social, restrita a poucas pessoas de seu relacionamento pessoal e profissional (Id 5510074).

Aduziu que as postagens não tiveram repercussão e foram devidamente apagadas assim que tomou conhecimento deste procedimento, e foram realizadas após as eleições do ano de 2022, sem qualquer ataque às instituições ou ao Estado Democrático de Direito (Id 5311866 pp. 6 a 8).

No interrogatório, a magistrada afirmou que não tinha a intenção de depreciar a imagem de qualquer pessoa. Ressaltou que não tinha conhecimento razoável de como operar suas redes sociais; retirou as postagens com ajuda de seu gabinete; e não se identificava como magistrada nas redes sociais (Interrogatório - Id 5461655, aos 8’28”; 14’30”).

Todavia, entendo que tais alegações não merecem prosperar.

A requerida afirmou não possuir competências em mídias sociais, porém, demonstrou aptidão ao publicar conteúdo e inclusive acrescentar legendas às postagens. Isso indica que, mesmo não sendo uma usuária experiente, possui habilidades fundamentais para se comunicar e disseminar informações nessas plataformas.

A inexperiência no uso das redes sociais e o reconhecimento, pela magistrada, do caráter inadequado das postagens não afastam a caracterização da infração funcional, ainda que configurem circunstâncias a serem consideradas na dosimetria da sanção.

No ordenamento jurídico pátrio, a Constituição da República fixou diretrizes que objetivam compatibilizar a liberdade de expressão dos magistrados com as restrições ínsitas às suas elevadas e relevantes atribuições, ao mitigar a liberdade de manifestação política, dispondo textualmente que “aos juízes é vedado dedicar-se à atividade político-partidária” (art. 95, parágrafo único, inciso III).

Por seu turno, a Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN), no art. 26, I, c, consigna o impedimento do exercício da atividade político-partidária por parte dos magistrados.[1] 

O Código de Ética da Magistratura, em seu art. 16, dispõe que o magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, sabendo que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições pessoais distintas dos cidadãos em geral.[2]

O Grupo de Integridade Judicial, constituído sob os auspícios das Nações Unidas, elaborou os Princípios de Conduta Judicial de Bangalore, documento que objetiva estabelecer um padrão global de integridade judicial. Os Princípios têm por finalidade orientar a atuação do juiz, de modo a contribuir para o fortalecimento da integridade judicial e da autoridade moral dos magistrados.[3]

Ao elaborar comentários sobre os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal registrou observações sobre a imparcialidade necessária aos magistrados no tocante a debates públicos e opiniões expressadas em público sobre o governo:

136. Um juiz não deve envolver-se inapropriadamente em debates públicos. A razão é óbvia. A verdadeira essência de ser juiz é ser hábil para abordar os vários problemas que são objetos de disputas de maneira objetiva e judicial. É igualmente importante que o juiz deve ser visto pelo público como exibindo um tipo de abordagem desinteressada, imparcial, não-preconceituosa, de mente aberta e justa que é a marca distintiva de um juiz. Se um juiz entra na arena política, participa de debates públicos, expressa opiniões sobre assuntos controversos, entra em disputa com figuras públicas da comunidade ou critica publicamente o governo, ele não será visto como atuando judicialmente quando presidir como juiz em uma corte e decidir litígios a respeito dos quais tenha expressado opiniões em público ou talvez mais importante, quando as figuras públicas ou departamentos do governo que ele tenha criticado anteriormente sejam partes ou litigantes ou até mesmo testemunhas em casos sob sua atuação. (g.n)

 

Apesar da existência dos normativos descritos acima, o progresso das interações nas redes sociais, aliado à ausência de compreensão sobre a interligação entre o espaço público e o privado, bem como entre o pessoal e o profissional, impulsionou a necessidade de uma regulamentação mais precisa em relação aos limites no uso das redes sociais por magistrados, que vai além do sistema normativo já em vigor.

Considerando o uso inadequado das redes sociais, o CNJ editou o Provimento n. 71/2018, revogado pelo Provimento n. 165/2024,[4] dispondo que a liberdade de expressão, como direito fundamental, não pode ser utilizada pela magistratura para afastar a proibição constitucional do exercício de atividade político-partidária.[5]

Nesse ponto, é importante esclarecer que, considerando a importância de concentrar todos os Provimentos da Corregedoria Nacional de Justiça em um único ato, para evitar os transtornos decorrentes da assistematicidade criada pela dispersão de atos normativos, a Corregedoria Nacional revogou o Provimento n. 71/2018 e o consolidou no Título V do Provimento n. 165/2024.

Dessa forma, a revogação do Provimento n. 71/2018 não promoveu a abolição das vedações ali previstas. Como as condutas continuam proibidas no Provimento n. 165/2024, considera-se que houve continuidade normativo-típica.

Posto isso, afastada está a alegação da requerida de que a atividade político partidária ocorre quando o magistrado se filia a partidos políticos, engaja-se em militância partidária e concorre a cargos eletivos.

O Provimento n. 165/2024 traz, textualmente, a previsão segundo a qual a vedação de atividade político-partidária aos membros da magistratura não se restringe à prática de atos de filiação partidária, abrangendo a participação em situações que evidenciem apoio público a candidato ou a partido político.[6]

Diante disso, aos juízes não é vedado apenas a filiação a partidos políticos o engajamento em militâncias partidárias. Demonstrar apreço ou desapreço a candidatos, lideranças políticas e partidos políticos também são condutas vedadas.

Em adição, ante às dificuldades apresentadas pela atual realidade das comunicações por meio virtual e da necessidade de fortalecer a legitimidade e a imagem do Poder Judiciário, o CNJ publicou a Resolução n. 305/2019, que estabeleceu, no art. 4º, que constitui conduta vedada aos magistrados nas redes sociais manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos.[7]

No caso em apreço, o posicionamento político-partidário da requerida é facilmente identificado ao se ler os prints juntados neste voto ou ao se assistir aos vídeos das publicações feitas pela magistrada (Id 5271287).

Nesse aspecto, é importante ressaltar que a conduta do magistrado, na condição de órgão do Poder Judiciário, não diz respeito apenas a si mesmo, mas se confunde com a do poder que representa. Portanto, o magistrado possui o dever de sobriedade.

Mais além, é importante que o magistrado tenha em mente que seus comentários em público podem ser entendidos como representativos da opinião do Poder Judiciário. Por vezes, é desafiador para um juiz expressar uma opinião que seja interpretada como estritamente pessoal e não como uma posição do Judiciário em geral, o que exige discrição.

De outro lado, a ínfima lesividade e a baixa expressão do perfil da magistrada na rede social não configuram excludentes para a observância do determinado na Resolução CNJ n. 305/2019 e no Provimento CNJ n. 165/2024 (antigo Provimento n. 71/2018), ambos vigentes bem antes das postagens analisadas.

Diante da falta de mensuração das possíveis e prováveis reproduções do conteúdo, a lesividade de mensagens veiculadas nas redes sociais não pode ser calculada.

E ainda que a quantidade de interlocutores fosse pequena, a requerida não adotou as cautelas necessárias e ordenadas pelos normativos do CNJ no que diz respeito às condutas esperadas nas redes sociais.

Conforme oportunamente pontuou o Ministério Público Federal em alegações finais, há um arcabouço normativo e jurisprudencial que há muito impõe aos magistrados um regime diferenciado de restrições de conduta, fundamentado na necessidade de preservar o direito dos cidadãos de terem suas demandas julgadas por um juízo imparcial e independente (Id 5486954, p. 16).

No interrogatório, a requerida afirmou desconhecer o teor da Resolução CNJ n. 305/2019, o que não afasta o cometimento de falta funcional porque, a uma, a proibição da participação de magistrados em atividades político-partidárias decorre da Constituição da República; e a duas, porque a própria requerida reconheceu que, embora não conhecesse bem os normativos emanados pelo CNJ, deveria conhecê-los (Id 5461655 – interrogatório, aos 16’07”).

Pelas razões expostas, entendo caracterizado o cometimento de falta funcional.

Passo à dosimetria da sanção disciplinar.

Da dosimetria. 

Inicialmente, é importante destacar que, de acordo com o art. 42, caput, da LOMAN, bem como o art. 3º da Resolução CNJ n. 135/2011, os juízes podem ser submetidos às seguintes sanções disciplinares: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória e demissão (juízes não vitalícios).

Segundo o que está previsto na LOMAN e na Resolução CNJ n. 135/2011, a falta de cuidado pode resultar em uma advertência, enquanto a censura deve ser utilizada em situações de negligência repetida ou conduta inadequada, desde que a violação não justifique uma punição mais severa.

Em caso análogo ao destes autos, que também envolveu manifestação indevida em redes sociais, aplicou-se a pena de advertência:

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADA. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAPÁ. DESEMBARGADORA APOSENTADA VOLUNTARIAMENTE. MANIFESTAÇÕES VEICULADAS EM MÍDIAS SOCIAIS E REDES DE RÁDIO E TELEVISÃO. OPOSIÇÃO À POLÍTICA SANITÁRIA ADOTADA PELO PODER EXECUTIVO ESTADUAL E MUNICIPAL NO COMBATE À COVID-19.  PRELIMINARES AFASTADAS. DESISTÊNCIA DE RECURSO ADMINISTRATIVO HOMOLOGADA. VIOLAÇÃO DOS DEVERES INSCULPIDOS NOS INCISOS I E VIII, DO ART. 35, DA LOMAN E NOS ARTS. 1º, 13, 15, 16 E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. CARACTERIZAÇÃO. PROCEDÊNCIA DAS IMPUTAÇÕES. PENA DE ADVERTÊNCIA (ART. 42, I, DA LOMAN), QUE DEIXA DE SER APLICADA POR FORÇA DO ÓBICE INSCULPIDO NO PARÁGRAFO ÚNICO DO CITADO DISPOSITIVO LEGAL. (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0006628-97.2021.2.00.0000 - Rel. JANE GRANZOTO - 3ª Sessão Ordinária de 2023 - julgado em 14/03/2023).

 

Os fatos apurados nestes autos, sopesados com a ficha funcional da magistrada (Id 5345965), que não apresenta registros desabonadores, recomendam, na mesma linha, a aplicação da pena de advertência.

Isso porque, além de a magistrada não possuir fatos desabonadores em sua ficha funcional, não era juíza eleitoral, e a falta praticada foi pontual, não havendo relatos no processo de que tenha havido reiteração da conduta. Outrossim, a requerida reconheceu o caráter inadequado das postagens, apagou os posts compartilhados, e informou que apagou suas redes sociais.

Outro aspecto que merece reflexão é a idade da magistrada.

Muito embora o fato de ter 72 anos de idade e não ser uma usuária experiente, não possuir familiaridade com as ferramentas tecnológicas e não manejar com domínio as redes sociais, conforme afirmou, não serem elementos capazes de afastar, por si sós, a caracterização da infração funcional, devem, sim, ser considerados como circunstância atenuante no caso em apreço, pois tais argumentos, incabíveis para nativos digitais, merecem ponderação dos julgadores quanto ao comportamento e desenvoltura das pessoas idosas nas redes sociais.

Sendo assim, sopesados a natureza e a gravidade da conduta, os danos que dela provieram, a carga coativa da pena, o caráter pedagógico e a eficácia da reprimenda, a circunstância atenuante, assim como os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da individualização da sanção, revela-se pertinente a aplicação da penalidade de advertência, na forma do art. 42, I, da LOMAN, do art. 3º, I, e do art. 4º, primeira parte, da Resolução CNJ n. 135/2011.

Ante o exposto, rejeito a preliminar de nulidade suscitada e, no mérito, com fundamento no art. 42, I, da LOMAN, no art. 3º, I, e no art. 4º, primeira parte, da Resolução CNJ n. 135/2011, JULGO PROCEDENTE o Processo Administrativo Disciplinar para aplicar a pena de advertência à magistrada requerida.

É como voto.

Intimem- se as partes e o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Após, arquive-se.

Conselheira Renata Gil 

Relatora

 

 



[1] Art. 26 - O magistrado vitalício somente perderá o cargo:

 (...)

 II - em procedimento administrativo para a perda do cargo nas hipóteses seguintes:

 (...)

 c) exercício de atividade político-partidária.

[2] Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.

[3] Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial. Conselho da Justiça Federal. Disponível em: < chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_corruption/Publicacoes/2008_Comentarios_aos_Principios_de_Bangalore.pdf>.

[4] Disponível em: < https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5527>.

[5] Art. 31. A liberdade de expressão, como direito fundamental, não pode ser utilizada pela magistratura para afastar a proibição constitucional do exercício de atividade político-partidária (CF/88, art. 95, parágrafo único, III).

[6] Art. 31, § 1º: A vedação de atividade político-partidária aos membros da magistratura não se restringe à prática de atos de filiação partidária, abrangendo a participação em situações que evidenciem apoio público a candidato(a) ou a partido político.

[7] Art. 4º Constituem condutas vedadas aos magistrados nas redes sociais:

(...)

II – emitir opinião que demonstre atuação em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos (art. 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal; art. 7º do Código de Ética da Magistratura Nacional).