EMENTA 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA. HIPÓTESE DE CABIMENTO. ARTIGO 83 DO REGIMENTO INTERNO DO CNJ. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE ÀS EVIDÊNCIAS DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. REVDIS. IMPROCEDÊNCIA.

1. A revisão disciplinar (RevDis) é uma modalidade de procedimento em que há limites horizontais à cognição, já que somente podem ser admitidas as matérias expressamente previstas no art. 83 do Regimento Interno do CNJ, o que poderia dar ensejo a alguma discussão quanto à possibilidade de que, não sendo caso de flagrante ilegalidade, rever a decisão do Tribunal de origem.

2. Este Conselho tem adotado uma jurisprudência menos restritiva no que diz com a possibilidade de, em sede de RevDis, analisar a proporcionalidade da sanção aplicada, tendo sido via de regra adotado o entendimento de que a falta de proporcionalidade por si só já seria suficiente para legitimar o cabimento da Revisão Disciplinar.

3. Ocorre, entretanto, que o Tribunal aplicou de forma correta a pena de aposentadoria, tendo em vista que restou comprovado que o magistrado exercia uma atividade empresarial, o que já seria forte suficiente para justificar a pena capital. Porém, no caso em tela, sequer essa atividade foi exercida de forma íntegra, já que os detalhes do caso concreto indicam que todo o exercício dessa atividade empresarial se deu de modo nebuloso (tanto que ensejou até mesmo o oferecimento de uma denúncia criminal pelos mesmos fatos), causando prejuízos aos demais negociantes, descumprindo as obrigações assumidas e praticando atos que caracterizam conduta desleal.

4. A decisão do Tribunal não merece reparos porquanto observou a proporcionalidade e a razoabilidade para aplicar a pena de aposentadoria compulsória.

5. Pedidos julgados improcedentes.

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Marcello Terto (vistor), o Conselho, por maioria, julgou improcedente o pedido, nos termos do voto do Conselheiro Marcio Luiz Freitas. Vencido o Conselheiro Marcos Vinicius Jardim Rodrigues, que julgava parcialmente procedente o pedido rever a penalidade aplicada na origem e impor ao magistrado a penalidade de disponibilidade, com vencimento proporcionais ao tempo de serviço. Lavrará o acórdão o Conselheiro Marcio Luiz Freitas. Ausentes, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Ministério Público da União e da Câmara dos Deputados. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 17 de outubro de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0005336-43.2022.2.00.0000
Requerente: ADIP CHAIM ELIAS HOMSI NETO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA - TJRO


 

 

Relatório 

 

Trata-se de Revisão Disciplinar (RevDis) proposta por ADIP CHAIM ELIAS HOMSI NETO, Juiz de Direito, na qual requer a desconstituição da penalidade de aposentadoria compulsória aplicada pelo Pleno Administrativo do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO), nos autos do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) n° 000168-81.2021.8.22.0000, ou, subsidiariamente, a conversão da sanção aplicada em pena de advertência.

Segundo o Revisionado, o PAD foi instaurado em razão de o magistrado processado supostamente ter praticado atos de gestão empresarial, vedados pela Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN), bem como, no exercício daquela atividade, ter deixado de observar os deveres funcionais de integridade pessoal e profissional, dignidade, honra e decoro.

Alegou que o PAD foi instaurado, na origem, por conta de negociação realizada diretamente pelo Revisionado para aquisição de postos de combustível. No contexto, o TJRO verificou o possível exercício direto de atividade empresarial pelo magistrado e, após celebrado o referido negócio jurídico, a ocorrência de supostos desvios de conduta, consistentes na aquisição sem lastro financeiro dos postos, o que levou à rescisão contratual por inadimplemento absoluto; à retenção indevida de valor de estoque de combustíveis previamente adquiridos; à sustação de cheque emitido em favor de corretor (Vagner Lopes dos Santos).

O Juiz aduziu ainda que lhe foi imputada conduta de, durante o processo de negociação, ter se identificado como magistrado, confundindo, assim, as atividades comerciais com o cargo público que ocupa.

Sustentou, todavia, que os fatos apontados no PAD não estariam aptos a atribuir ilicitude a suas condutas, porquanto, na própria ação judicial que seguiu a controvérsia - ação de rescisão contratual cumulada com cobrança e reintegração de posse (processo n. 7003634-60.2018.8.22.0002) -, restariam evidenciadas as razões juridicamente plausíveis para o não cumprimento das obrigações contratuais.

Na sequência, registrou não ter exercido ato de empresa ou qualquer ato de gestão empresarial, mas, e tão-somente, teria participado das negociações para aquisição de bem em favor de pessoa jurídica, na qual a sócia administradora seria sua esposa.

Asseverou que a controvérsia supra não repercutiu na sua atividade como magistrado, razão pela qual não poderia ter sido penalizado administrativamente.

Apontou nulidades supostamente havidas no julgamento do PAD de origem, como: violação aos princípios do devido processo legal, da legalidade e do contraditório; ainda, ausência de fundamentação para justificar a pena aplicada, em tese, não sanado, mesmo após a interposição de Embargos de Declaração.

Pediu, por fim, o deferimento de tutela de urgência, para julgar antecipadamente o mérito, de forma a absolvê-lo da sanção aplicada ou, subsidiariamente, converter a pena em advertência. No mérito, solicitou a confirmação da medida liminar pleiteada.

Protocolado o expediente em 23/08/2022, a Secretaria Processual do CNJ, de logo, constatou a ausência juntada nos autos de comprovante de residência, documento indispensável para prosseguimento de procedimentos iniciais neste Conselho (Id. 4832811). O autor, em seguida regularizou a petição inicial (Id. 4838082).

Distribuídos livremente os autos a esta relatoria, previamente à análise do pedido liminar, reputei prudente estabelecer o contraditório, a fim de obter as razões do requerido. Dessa forma, regularmente intimada (Id. 4844848), a Presidência do TJRO prestou informações acerca do alegado no expediente (Id.4869322).

Em síntese, explicou o Tribunal que procedimento revisional seria incabível na espécie, dado que o pedido inicial não se enquadraria em qualquer das hipóteses previstas no art. 83 do Regimento Interno do CNJ (RICNJ). Quanto ao pleito liminar, afirmou não haver plausibilidade no direito reivindicado pela parte, considerando que a sanção teria sido aplicada com base em elementos sólidos de convicção, com a devida fundamentação e em observância à proporcionalidade e razoabilidade, previstas no artigo 42 da LOMAN.

Sustentou que o devido processo legal foi respeitado e que a decisão foi proferida em completa observância à disciplina legal e normativa aplicável à espécie. Ademais, o TJRO justificou que o afastamento do magistrado não trouxe prejuízo à jurisdição, porquanto a comarca por ele ocupada já está devidamente preenchida. Por essas razões, salientou não se justificar o deferimento da medida liminar pleiteada.  

Aduziu, ainda, que os fatos que ensejaram a aposentadoria do requerente são graves, razão pela qual seria injustificável seu retorno à judicatura, a fim de preservar a credibilidade do Poder Judiciário do Estado de Rondônia.

Propugnou, assim, pelo indeferimento do pedido liminar, bem como a improcedência da presente Revisional.

Do retorno dos autos a meu gabinete, em 04/10/2022, proferi decisão monocrática para indeferir o pleito liminar, reputando, naquela ocasião, inexistente a plausibilidade jurídica do pedido do autor, em especial, considerando que o escopo da tutela de urgência reivindicada se restringia à antecipação do julgamento de mérito (Id. 487615).

Finda a instrução, com a obtenção das razões e documentos indispensáveis para julgamento (RICNJ, art. 84), conforme o rito regimental, o Ministério Público Federal (MPF) foi intimado para razões prestadas, pelo Subprocurador-Geral da República, na quais manifestou-se pela improcedência desta RevDis.

Em seguida, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ingressa como terceira interessada. Alega, em síntese, desproporcionalidade da pena aplicada e pleiteia a procedência dos pedidos formulados pelo autor (Id 4942674).

Após, embora devidamente intimado para apresentação de razões finais (Id 4922816), o Revisionado quedou-se inerte.

É o relatório.

 

  

 

VOTO DIVERGENTE

 

O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Vistor):

 

Adoto o bem lançado Relatório do e. Conselheiro Relator, pedindo vênia, todavia, para divergir pelos fatos e fundamentos a seguir.

Eu ouvi atentamente o voto do Conselheiro Marcos Vinícius, como sempre muito dedicado e brilhante. Com efeito, o voto de sua excelência trouxe um apanhado da situação fática e uma avaliação de suas consequências jurídicas, no que pertine à efetiva ocorrência da falta disciplinar, com os quais estou completamente de acordo.

Inexiste, portanto, qualquer controvérsia ou dissenso quanto aos fatos e à caracterização da infração disciplinar feitas pelo Tribunal de origem. Entretanto, apenas quanto à avaliação da dosimetria da pena aplicada é que, com a devida vênia, apresento divergência.

Desde logo cumpre notar que a revisão disciplinar (RevDis) é uma modalidade de procedimento em que há limites horizontais à cognição, já que somente podem ser admitidas as matérias expressamente previstas no art. 83 do Regimento Interno do CNJ, o que poderia dar ensejo a alguma discussão quanto à possibilidade de que, não sendo caso de flagrante ilegalidade, rever a decisão do Tribunal de origem. 

Entretanto, é de se ver que este Conselho tem adotado uma jurisprudência menos restritiva no que diz com a possibilidade de, em sede de RevDis, analisar a proporcionalidade da sanção aplicada, tendo sido via de regra adotado o entendimento de que a falta de proporcionalidade por si só já seria suficiente para legitimar o cabimento da Revisão Disciplinar.

Por essa razão, uma vez que no caso em tela inexiste divergência quanto aos fatos e quanto à efetiva prática da infração, mas tão somente quanto à proporcionalidade da pena aplicada. Nesse passo, a fim de permitir a avaliação acerca da irrazoabilidade ou exagero da sanção, vale transcrever as imputações, sumarizadas nos memoriais apresentados pela defesa do requerente (Id 4869350)

a) Violação à Integridade pessoal e profissional – arts. 15 e 16 do Código de Ética da Magistratura Nacional, art. 35, VIII, da LOMAN e, ainda, os arts. 53, 54 e 55 do Código Ibero-Americano da Ética Judicial e itens 3.1 e 3.2 dos Princípios de Bangalore da Conduta Judicial, em razão desses fatos: No contexto fático já mencionado, o magistrado A.C.E.H.N., exercendo atividade eminentemente empresarial, deixou de observar as cautelas de integridade pessoal impostas aos integrantes da carreira da magistratura, adquirindo postos de combustível sem ter o lastro financeiro ou garantias para tanto, deixando de restituir ao alienante a integralidade dos bens que lhe foram entregues, notadamente os estoques de combustíveis, sustando, ainda, o cheque dado em pagamento ao corretor que atuou na intermediação e assessoramento, dando azo para a interposição de ações judiciais contra si. No decorrer de toda a negociação, inclusive no encaminhamento de propostas, A.C.E.H.N. identificou-se como “Juiz de Direito”, mesclando sua vida privada ao cargo, transmitindo aos participantes da negociação uma postura não condizente com a esperada para um magistrado deste Poder.

b) Vedação da Participação em Sociedade Comercial – art. 38 do Código de Ética da Magistratura Nacional e art. 36, incisos I e II, da LOMAN: também no contexto das negociações para aquisição dos postos de combustíveis ficou evidente a prática de outra conduta vedada ao magistrado, consistente no exercício direto de atividade empresarial. Consta nos autos cópia integral do processo 7008868-23.2018.8.22.0002 e nele estão contidas cópias de longas conversas entre o corretor Vagner Lopes dos Santos e o magistrado A.C.E.H.N., ficando evidente nos diálogos que o magistrado exerce de forma direta a gestão da atividade empresarial de postos de combustíveis da família, manifestando-se de forma expressa, inclusive com proposta de compra em seu nome, qualificando-se como “Juiz de Direito”.

c) Violação da Dignidade, Honra e Decoro – art. 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, consoante o relato a seguir: Em decorrência do insucesso da forma como pretendia custear a aquisição dos postos de combustível, o magistrado A.C.E.H.N. negou-se a realizar o pagamento pelos serviços já realizados pelo corretor Vagner Lopes dos Santos, frustrando o pagamento de cheque emitido para essa finalidade por sustação, conduta que encontra adequação típica com o delito do art. 171, inciso VI do Código Penal. Pelo mesmo motivo, o magistrado deixou de cumprir as condições que assumiu em contrato, devolvendo parcialmente os bens que adquiriu, deixando de restituir a integralidade do estoque de combustíveis que tomou posse, realizando a aquisição de novas cargas de combustível em nome das empresas que adquiriu e não efetuando o pagamento.

d) Violação dos Deveres de Diligência e Dedicação – art. 21 do Código de Ética da Magistratura Nacional e art. 77 do Código Ibero-Americano de Ética Judicial, diante da narrativa abaixo: Ao atuar de forma intensa em atividades empresariais de seu núcleo familiar, o magistrado A.C.E.H.N. incorreu em desvio de atenção, porquanto a atividade paralela influenciou negativamente em sua atuação funcional, fato marcado pela instauração de duas investigações preliminares pretéritas para apurar a má prestação jurisdicional, materializada em sentenças mal elaboradas e com erros processuais graves.

O relator, em seu judicioso voto, entendeu que a imputação “d”, referente à violação dos deveres de diligência e dedicação, não foi suficientemente comprovada, dado que inexistiram elementos a demonstrar que as sentenças e demais atos judiciais teriam sido elaborados com baixa qualidade devido à atividade empresarial paralela, e que por isso a pena aplicada deveria ser revista.

Ocorre, entretanto, que a meu sentir, mesmo que se exclua por completo a imputação “d”, ainda há elementos suficientes a demonstrar que a pena aplicada nada teve de desproporcional.  

Com efeito, os fatos ocorreram numa pequena cidade do interior do Estado de Rondônia, na qual o magistrado exercia sua jurisdição. Nesse contexto, em uma cidade pequena, com vara única, a figura do juiz, mais do que em qualquer outro lugar, assume uma relevância social extremamente alta. Em tais realidades, a presença social do magistrado, encarnando o Poder estatal de solucionar conflitos, torna-se um elemento essencial para o Estado de Direito e para a construção de uma sociedade democrática. A atuação do magistrado, mesmo fora da jurisdição, assume, assim, um grande relevo e importância capital para o funcionamento e estabilidade das instituições.

Por isso, ainda que se concorde com o Conselheiro relator quanto ao fato de que o Tribunal não poderia punir o magistrados com base na consideração de que as sentenças anteriores por ele proferidas foram teratológicas e continham erros grosseiros, o fato é que, independentemente disso, há elementos que demonstravam que o juiz se dedicou ativamente a uma atividade empresarial na comarca onde ele exercia a judicatura, e mais do que isso, que no exercício dessa atividade ele praticava atos que são absolutamente contrários àquilo que se espera de alguém que atua com integridade pessoal e com retidão na sua conduta.

Os atos de emitir cheques sem fundos, ou de emitir cheques e sustá-los, em meio a uma negociação conturbada, em um estratagema que somente foi resolvido quando a vítima obteve tutela jurisdicional do tribunal contra o magistrado, me parece ser o oposto daquilo que se espera de um juiz em quem a comunidade deposita confiança para a solução de seus conflitos mais sensíveis.  O magistrado em questão, todavia, além de dedicar-se a atividade vedada a magistrados, também pretendeu valer-se cargo (anunciado em todas as negociações) como instrumento apto a gerar temor e reverência para a que seus negócios privados ilícitos não fossem embaraçados. Essa atuação é rigorosamente contrária àquilo que se espera na figura de alguém que deve inspirar a confiança na jurisdição.

Nesse sentido, trago a lição do Hamilton, nos federalistas 78, de que, dos três poderes do Estado, o Judiciário é o ramo menos perigoso, e por isso a ele é confiada a tutela e controle dos demais poderes. Afinal, sempre o lado mais fraco, porque não detém a espada (polícia, forças armadas e demais atividades administrativas que podem garantir a efetiva aplicação de sanções), nem a bolsa (o controle dos recursos orçamentários, que cabe ao Legislativo), e, portanto, a sua existência enquanto Poder depende da confiança que a comunidade tenha nos magistrados. 

Na verdade, o caso que ora se analisa é um exemplo perfeito do porquê há vedação do exercício de qualquer outra atividade, salvo uma de docência, por parte dos magistrados. Com efeito, fosse permitida essa atuação, estar-se-ia abrindo espaço não só para que o magistrado deixe de se focar adequadamente na importante missão de julgar, mas também (e principalmente) abrir-se-ia uma gigantesca porta para que os poderes inerentes ao cargo sejam utilizados de forma indevida, para favorecer os negócios da vida privada.

Por isso que, a rigor, só o fato de estar o requerente exercendo ativamente uma atividade empresarial já seria forte suficiente para justificar até a aposentadoria compulsória como pena. Porém, no caso em tela, sequer essa atividade foi exercida de forma íntegra, já que os detalhes do caso concreto indicam que todo o exercício dessa atividade empresarial se deu de modo nebuloso (tanto que ensejou até mesmo o oferecimento de uma denúncia criminal pelos mesmos fatos), causando prejuízos aos demais negociantes, descumprindo as obrigações assumidas e praticando atos que caracterizam conduta desleal, reprovável e talvez até mesmo criminosa.

Diante de tais fatos, tenho que, independentemente de como tenha sido a qualidade da prestação jurisdicional que foi aferida pelo Tribunal numa eventual promoção de entrância, a gravidade da conduta, a meu sentir, é suficiente para justificar a manutenção de uma pena de aposentadoria compulsória.

Nesse sentido, vale lembrar que o Código de Ética de conduta do magistrado, em seu artigo 15, dispõe que “a integridade da conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura”, e no artigo 16 dispõe que “o magistrado deve comportar-se na vida de modo a dignificar a função cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral”.

Por fim senhora Presidente e senhoras e senhores Conselheiros, eu cito aqui que temos precedentes deste Conselho reconhecendo como correta aplicação da pena de aposentadoria em casos em que havia condutas na vida pessoal dos magistrados que se mostravam inadequadas do ponto de vista da integridade pessoal, como o PAD 7026-78, que foi relatado pela Conselheira Jane, que é relativo à conduta de um desembargador durante uma abordagem relativa ao uso de máscaras em São Paulo. Naquele caso, ele foi aposentado em razão de uma conduta praticada fora do exercício da magistratura, mas que se considerou que contaminava a confiabilidade que a comunidade deposita Poder Judiciário e isso tendo como referência o fato de que se tratava do exercício da jurisdição em São Paulo, maior Judiciário da Federação, e o que dirá dos efeitos deletérios de condutas ainda mais graves praticados pelo juiz de uma comarca em uma cidade pequena do interior de Rondônia?

Nesse aspecto, por sua pertinência, vale transcrever trecho do voto do Conselheiro Keppen, no julgamento do PAD nº 9550-19, quando tratou da integridade da magistratura fora do exercício da jurisdição, no qual ele apontou:

 

“A Magistratura é, sem dúvida, um sacerdócio, uma profissão que exige do juiz alto padrão de conduta e correção dentro e fora da jurisdição, na vida pública e privada. Essa sacrificante exigência de que a vida privada seja tão correta quanto a vida pública decorre do significativo poder decisório que lhe foi atribuído. A condição de juiz acaba transbordando dos limites da jurisdição, configurando uma espécie de poder simbólico que dele emana.

Essa principiologia não é novidade para a Magistratura. Os comentários aos Princípios Judiciais de Bangalore de Conduta Judicial, publicados nos anos 2000, já alertavam para a necessidade de o magistrado manter padrões de conduta “acima de reprimenda do ponto de vista de um observador sensato”. Essa exigência é necessária para que se mantenha a confiança e credibilidade do público no sistema judicial.

O conceito-chave que resume a ideia dos Princípios de Bangalore é a integridade judicial. O juiz não deve agir corretamente, mas deve também parecer agir de forma correta, sem deixar transparecer dúvidas quanto a isso. O juiz não deve ostentar comportamentos dissociados na vida privada e pública. O juiz, enfim, exige-se do juiz integridade e coerência:

 

101. A integridade é o atributo da correção e da virtude. Os componentes da integridade são honestidade e moralidade judicial. Um juiz deve sempre agir dignamente e de uma maneira apropriada ao ofício judicial, livre de fraude, trapaça e mentira, não apenas no cumprimento de seus deveres oficiais, sendo bom e virtuoso em comportamento e caráter.

Não há graus de integridade assim definida. A integridade é absoluta. No Judiciário, a integridade é mais que uma virtude; é uma necessidade.

(...)

109. A confiança no Judiciário é fundada não somente na competência e diligência de seus membros, mas também na sua integridade e correção moral. Ele não se deve somente ser um ‘bom juiz’, mas também uma boa pessoa, embora variem os pontos de vista sobre o significado disso, em diferentes áreas da sociedade.

Da perspectiva do público, um juiz não só prometeu servir aos ideais de justiça e verdade, em que se constituem os pilares de estado de Direito e da democracia, mas prometeu também incorporá-los. Desse modo, as qualidades pessoais, conduta e imagem que um juiz projeta afetam todo o sistema judicial e, conseqüentemente, a confiança que o público nele coloca.

O público demanda uma conduta do juiz em patamar mais elevado do que a que é demandada de seus concidadãos, padrões de conduta muito mais altos do que aqueles da sociedade como um todo; de fato, uma conduta virtualmente irrepreensível. É como se a função judicial, que é julgar outros, tivesse imposto uma exigência de que o juiz permaneça além do julgamento razoável de outros nas matérias que podem, de um modo razoável, usurpar o papel e ofício judicial.

(...)

Exigência de uma vida exemplar

115. Exige-se que um juiz viva uma vida exemplar também fora da corte.

Um juiz deve-se comportar em público com a sensibilidade e autocontrole demandados pelo ofício judicial, porque uma exposição de temperamento pouco judicioso é humilhante aos processos de justiça e incompatível com a dignidade do cargo judicial.

Por fim, mas não menos importante, os comentários aos Princípios de Bangalore vaticinam:

4.9 Um juiz não deve usar ou pôr à disposição o prestígio do cargo para promover os seus interesses privados, de um membro de sua família ou quem quer que seja, nem deve transmitir ou permitir que outros transmitam a impressão de que qualquer um está em uma posição especial, capaz de indevidamente influenciá-lo no desempenho das obrigações do ofício.”

 

Diante do exposto, pedindo vênias ao e. Relator, conheço da RevDis e, no mérito, julgo os pedidos improcedentes.

 

É o voto que submeto ao Egrégio Plenário.

 

Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0005336-43.2022.2.00.0000
Requerente: ADIP CHAIM ELIAS HOMSI NETO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA - TJRO

 


 

 

VOTO

 

Trata-se de Revisão Disciplinar (RevDis) proposta por ADIP CHAIM ELIAS HOMSI NETO, a fim de desconstituir a pena de aposentadoria compulsória a si aplicada pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, no julgamento do PAD n.º 000168-81.2021.8.22.0000.

De início, defiro o pedido de ingresso como terceira interessada da ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB (Id. 4942674).

 

Conhecimento

 

De acordo com o art. 103-B, §4º, V, da Constituição Federal e com o art. 82 do Regimento Interno do CNJ, podem ser revistos, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano. In verbis:

Constituição Federal

Art. 103-B (...)

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

(...)

V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano; (grifado)

 

Regimento Interno do CNJ

Art. 82. Poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão. (grifado)


No caso presente, verifica-se que o PAD foi julgado em 14/02/2022 (Id. 483211) e os Embargos de Declaração opostos pelo autor foram rejeitados em 27/06/2022 (Id. 4833004 – fl. 124), ao passo que a presente Revisional foi proposta no dia 23/08/2022, ou seja, em prazo inferior a um ano do julgamento (Id. 4832107).

Atendido, portanto, o requisito temporal para propositura deste procedimento específico, razão pela qual conheço da presente Revisão Disciplinar.

 

Fundamentação

 

O PAD em revisão foi instaurado pelo Pleno Administrativo do TJRO (Id. 4869349, fl. 119), e o Revisionado processado nos termos da Portaria da Presidência n. 15/2021, que transcrevo na parte que interessa (Id. 4869349, fl. 126):


[...] I - INSTAURAR Processo Administrativo Disciplinar contra o magistrado A.C.E.H.N., nos termos do disposto no art. 15 da Resolução 135/2011 do Conselho Nacional da Justiça, objetivando a apuração de prática de infração ético disciplinar, assegurando-lhe ampla defesa, conforme descrição fática a seguir

(...)

Diante dos fatos narrados, o Tribunal Pleno Administrativo decidiu pela instauração de processo administrativo disciplinar para apuração das seguintes condutas:

a) Integridade pessoal e profissional

No contexto fático já mencionado, o magistrado A.C.E.H.N., exercendo atividade eminentemente empresarial, deixou de observar as cautelas de integridade pessoal impostas aos integrantes da carreira da Magistratura, adquirindo postos de combustível sem ter o lastro financeiro ou garantias para tanto, deixando de restituir ao alienante a integralidade dos bens que lhe foram entregues, notadamente os estoques de combustíveis, sustando, ainda, o cheque dado em pagamento ao corretor que atuou na intermediação e assessoramento, dando azo para a interposição de ações judiciais contra si.

No decorrer de toda a negociação, inclusive no encaminhamento de propostas, A.C.E.H.N. identificou-se como “Juiz de Direito”, mesclando sua vida privada ao cargo, transmitindo aos participantes da negociação uma postura não condizente com a esperada para um magistrado deste Poder.

Tais condutas contrariam os artigos 15 e 16 do Código de Ética da Magistratura Nacional, Art. 35, inciso VIII da LOMAN e, ainda, os arts. 53, 54 e 55 do Código Ibero-Americano de Ética Judicial, e itens 3.1 e 3.2 dos Princípios de Bangalore da Conduta Judicial.

b) Da Violação da Vedação de Participação em Sociedade

Comercial Também no contexto das negociações para aquisição dos postos de combustíveis ficou evidente a prática de outra conduta vedada ao magistrado, consistente no exercício direto de atividade empresarial.

Consta nos autos cópia integral do processo 7008868-23.2018.8.22.0002 e nele estão contidas cópias de longas conversas entre o corretor Vagner Lopes dos Santos e o magistrado A.C.E.H.N., ficando evidente nos diálogos que o magistrado exerce de forma direta a gestão da atividade empresarial de postos de combustíveis da família, manifestando-se de forma expressa, inclusive com proposta de compra em seu nome, qualificando-se como “Juiz de Direito”.

Tais condutas contrariam o artigo 38 do Código de Ética da Magistratura Nacional e Art. 36, incisos I e II da LOMAN.

c) Da Violação da Dignidade, Honra e Decoro

Em decorrência do insucesso da forma como pretendia custear a aquisição dos postos de combustível, o magistrado A.C.E.H.N. negou-se a realizar o pagamento pelos serviços já realizados pelo corretor Vagner Lopes dos Santos, frustrando o pagamento de cheque emitido para essa finalidade por sustação, conduta que encontra adequação típica com o delito do art. 171, inciso VI do Código Penal.

Pelo mesmo motivo, o magistrado deixou de cumprir as condições que assumiu em contrato, devolvendo parcialmente os bens que adquiriu, deixando de restituir a integralidade do estoque de combustíveis que tomou posse, realizando a aquisição de novas cargas de combustível em nome das empresas que adquiriu e não efetuando o pagamento.

Tais condutas contrariam o artigo 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

d) Da Violação dos Deveres de Diligência e Dedicação

Ao atuar de forma intensa em atividades empresariais de seu núcleo familiar, o magistrado A.C.E.H.N. incorreu em desvio de atenção, porquanto a atividade paralela influenciou negativamente em sua atuação funcional, fato marcado pela instauração de duas investigações preliminares pretéritas para apurar a má prestação jurisdicional, materializada em sentenças mal elaboradas e com erros processuais graves.

Tais condutas contrariam o artigo 21 do Código de Ética da Magistratura Nacional e art. 77 do Código Ibero-Americano de Ética Judicial.

[...]

 

De pronto, afasto as alegações abstratas apresentadas pelo autor sobre eventuais violações, no curso e no julgamento do PAD, aos princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e ao princípio processual da não surpresa.

Desde a análise do pedido de tutela de urgência, dentre outros fundamentos, indeferi a medida por não restar evidenciada irregularidade ou teratologia na atuação procedimental do Tribunal de origem em face do magistrado.

 

Posto isto, transcrevo excerto da decisão monocrática por mim proferida nestes autos (Id. 4879615), fundamento que passa a compor o presente voto:


De fato, os autos não trazem evidente e flagrante desrespeito aos princípios constitucionais da legalidade, do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, no curso do PAD 0000168-81.2021.8.22.0000.

O Corregedor-Geral de Justiça do TJRO, após ciência de possível irregularidade praticada pelo magistrado requerido, notificou-o para prestar informações, no prazo de cinco dias (Id. 4869349, fls. 83 e 84), e o requerente apresentou manifestação (Id. 4869349, fls. 88 e 89).

Após análise, o órgão correcional local não verificou motivos suficientes para o arquivamento imediato do procedimento. Portanto, determinou a intimação do magistrado ora requerente para apresentar sua defesa prévia no prazo de 15 dias (Id. 4869349, fls. 91 e 89). Todavia, o requerente não o fez, conforme atesta a certidão de Id. 4869349 (Fl. 100).

Ato contínuo, o procedimento preliminar acima foi remetido ao Pleno do TJRO que, por seu turno, deliberou, de forma unânime, pela instauração do PAD, mantendo-se o magistrado na jurisdição (Id. 4869349, fls. 91 e 89). Após, foi devidamente publicada a Portaria 15/2021, com a instauração formal do PAD.

Os autos foram então remetidos ao Ministério Público local, o qual se manifestou pela regularidade formal do procedimento. Em seguida, foi aberto prazo para o magistrado requerente apresentar razões de defesa e indicar as provas que pretendia produzir.

Em resposta, o juiz apresentou sua defesa aos fatos imputados no PAD, bem como informou que não pretendia produzir provas para além dos documentos juntados aos autos (Id. 4869349, fls. 136 e 171 e Id. 4869350, fl. 23).

Houve, então, designação de audiência para oitiva de testemunhas e do acusado. Nessa ocasião – audiência – houve solicitação de oitiva de testemunha de defesa, pedido negado sob o argumento de preclusão (Id. 4869350, fls. 28 e 74).

Finalizada a instrução, foi oportunizada nova manifestação ao Ministério Público de Rondônia que indicou a regularidade formal do PAD, sem opinar acerca do mérito (Id. 4869350, fls. 76 e 74) e, após intimado, o requerente apresentou suas razões finais (Id. 4869350, fls. 79 e 90).

Por fim, após a instrução, o PAD foi submetido ao Pleno do Tribunal requerido que, por sua vez, sancionou o ora autor à aposentadoria compulsória (Id. 4869350, fls. 76 e 74).

Ademais, em análise perfunctória da matéria e em sede de liminar, não vislumbro evidente vício nos autos do PAD em análise que seja apto a demonstrar o fumus boni iuris, visto que o procedimento parece ter seguido a íntegra a Resolução CNJ n. 135/2011, oportunizando-se ao magistrado todas as ferramentas e meios de manifestação e de defesa.


 Ademais, em análise exauriente da questão, verifica-se que o PAD originário do TJRO seguiu o procedimento previsto na Resolução CNJ n. 135/2011, onde foi oportunizada ao magistrado a ampla possibilidade de manifestação e defesa.

As alegações do autor no sentido de ausência de juntada - nos autos originários - da íntegra das ações judiciais que embasaram a instauração do PAD e a suposta necessidade de aguardar o trânsito em julgado do respectivo processo judicial não merecem prosperar. A primeira, por não se tratar de flagrante nulidade ou teratologia, de forma que é necessário privilegiar a autonomia sindical própria do Tribunal de origem. A segunda, igualmente não merece acolhida, pois é notória a desvinculação entre instância jurisdicional e administrativa.

Por oportuno, vale destacar que, conforme jurisprudência pacífica deste Conselho, a Revisão Disciplinar não detém natureza de recurso, e, assim, não tem o condão de revisitar questões laterais ou mesmo toda a controvérsia havida no PAD originário, devendo atuar nos limites cognitivos previstos pelo art. 83 do RICNJ.

 Destaque-se a seguinte ementa representativa:


REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO. ARQUIVAMENTO DE SINDICANCIA. REANALISE DO CONJUNTO PROBATORIO. PRETENSAO RECURSAL. FALTA DE PREVISAO REGIMENTAL. IMPROCEDENCIA.

[...]

2. Esta Corte tem entendimento sedimentado no sentido de que a Revisão Disciplinar não possui natureza recursal. Ao contrário, trata-se de procedimento administrativo autônomo, cujos requisitos estão expressamente elencados no art. 83 do Regimento Interno deste Conselho.

 3. A revisão disciplinar não se presta para reexame da matéria objeto de anterior analise e decisão anterior pelo Tribunal censor, não podendo a parte, por meio do processo revisional, retomar a discussão da causa em si, especificamente acerca da correção ou não da deliberação originária. É possível a reapreciação acervo probante em situação semelhante à da revisão criminal. Cabe o controle da legalidade do procedimento disciplinar, o que também não foi demonstrado no caso sob exame.

4. Revisão Disciplinar julgada improcedente. (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003374-97.2013.2.00.0000 - Rel.  GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA - 182a Sessão - j. 11/02/2014). (Grifado)

 

Quanto às hipóteses de cabimento atinentes à Revisão Disciplinar, o Revisionado reputa contrário às provas dos autos o acórdão do Tribunal de origem que lhe impôs a pena de aposentadoria compulsória. Dessa forma, invoca especificamente o inciso I do artigo 83 do RICNJ: 


Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I - Quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

 

 Feitas essas considerações, passo a análise específica das condutas imputadas ao Revisionado pelo Pleno TJRO.

 

 Do Dever Funcional de Integridade Pessoal e Profissional e da Conduta Compatível com a Dignidade, Honra e Decoro (Código de Ética da Magistratura, arts. 1º e 15 a 19)

 

Nesse ponto, em sincronia com o decidido pelo Pleno Administrativo do TJRO, depreende-se que o magistrado, de fato, deixou de observar as cautelas necessárias ao exercício do cargo, como de conduzir-se com integridade pessoal, de forma a não conspurcar a integridade da própria Magistratura.

Explico.

A conduta do Revisionado de operar negócio jurídico, sem o respectivo lastro financeiro, implicou o inadimplemento do ajuste, retenção indevida de bem adquirido para estoque e a sustação de cheque devido ao corretor, o que resultou no ajuizamento de ações judiciais contra o magistrado: Ação Cível de Perdas e Danos (processo nº 7003634-60.2018.8.22.0002) e a ação de execução de título extrajudicial (processo nº 7004048-58.2018.8.22.0002).

Ainda, as condutas imputadas são incontroversas, porquanto o juiz foi sucumbente em ambos os processos e porque sua conduta restou confessada, ao afirmar em defesa:


“ser legítima a desistência do contrato, em razão de diversos vícios redibitórios existentes nos postos negociados e da negativa do autor em renegociar a avença”,

[e que sustou o cheque para evitar maiores prejuízos, pois] “não concordou em pagar comissão por um negócio em que sua família foi enganada”.


 No entanto, ainda que existissem razões juridicamente plausíveis para o não cumprimento das obrigações contratuais assumidas, como aplicador do direito e conhecedor da legislação, não lhe caberia agir ex propria auctoritate, mas utilizar-se dos meios legais e judiciais disponíveis, seja para desfazer-se do negócio jurídico, seja na cautela de desvincular o negócio jurídico do cargo que ocupa.

O magistrado, no entanto, agiu de maneira oposta: inadimpliu propositalmente o contrato assinado; sustou inadvertidamente o cheque referente aos honorários de corretagem; utilizou-se do cargo que ocupa como argumento de autoridade; e, não obstante, foi acionado judicialmente.

Vale dizer, o que se analisou na origem foi a conduta do juiz que, em sua vida privada, deixou de observar as cautelas decorrentes da condição de membro da Magistratura que, desde o ingresso na carreira, está ciente de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais, mormente quanto às relações jurídicas que exponham sua vida e negócios privados. Portanto, um membro da Magistratura deve sempre se comportar de modo a dignificar a função.

Vale destacar que, apesar de recomendável e prudente, não é vedado ao magistrado apresentar-se como juiz ao realizar negócios particulares, desde que não haja intuito deliberado de se valer do ofício para a obtenção de qualquer vantagem tangente, indisponível aos demais cidadãos.

Contudo, apresentando-se como integrante da carreira Magistratura no momento em que realiza negócio jurídico particular e quando inadvertidamente decide inadimplir, sponte propria, as obrigações assumidas, o juiz acaba por macular a dignidade e honra da Magistratura em geral, mesmo que a conduta não afete diretamente sua função jurisdicional.

Mencione-se que a conduta do Revisionado foi considerada mais reprovável pelo Tribunal de origem, tendo em vista que se deu em uma cidade do interior  (São Miguel do Guaporé-RO[1]), onde é notório o especial prestígio do juiz, de forma que sua ação conduz a uma perda de confiança do público em geral com o Poder Judiciário local.

Dessa forma, a conduta do Revisionado, a meu sentir, contrariou, de fato, os artigos 15 e 16 do Código de Ética da Magistratura Nacional e os artigos 37 e 35, inciso VIII da LOMAN, como apontado no acórdão de origem.

 

Da Vedação de Participação em Sociedade Empresarial, exceto como acionista ou cotista (LOMAN, art. 36, I)


Nesse aspecto, ressalte-se que restou comprovado no PAD de origem a atuação direta do magistrado em sociedade empresária, tendo firmado diretamente diversos negócios jurídicos em nome da pessoa jurídica que, em tese, era administrada por sua esposa.

Nota-se ainda que, de início, o juiz negou a participação na referida sociedade, entretanto, em diversos momentos, inclusive na petição inicial desta Revdis, o Revisionado confirmou que esteve “nas negociações para aquisição de um estabelecimento comercial em favor da pessoa jurídica que sua esposa era sócia e administradora” (Id. 4832108 fl. 5).

Assim, vale apontar excerto do voto pela abertura do PAD, do relator o Desembargador VALDECI CASTELLAR CITON, então Corregedor-Geral Da Justiça rondoniense, em que constam conversas entre o requerente e o corretor (id. 4869349 – fls. 110-111):


Verifico que os primeiros contatos do magistrado e corretor ocorreram em 10/01/2018 com a troca de informações sobre imóveis residenciais em Ariquemes e, no dia 17/01/2018, surge a primeira mensagem sobre a “pedida” do “Pacatão” para arrendamento dos postos. Pacatão é o apelido de José Maria Brandão, nomenclatura que identifica os postos de combustíveis dele.

Após a confirmação do interesse de José Maria Brandão em negociar os postos, o magistrado Adip demonstra grande interesse em prosseguir com a negociação e determina ao corretor “fica atento com ele”.

Mais adiante, após debaterem sobre uma possível forma de aquisição de cartas de crédito para aquisição de imóveis, o magistrado afirma ao corretor que “sua comissão está garantida” e logo em seguida diz: “E os postos do pacatao vou querer tb”, “To pensando em um aqui e dois em São Miguel”. Após uma mensagem de áudio de conteúdo desconhecido, Adip pergunta: “Quanto o pacato quer em cada posto?” e afirma: “Pode marcar com o pessoal do atem então” e pouco depois faz uma exigência “não deixa ele passar ninguém na minha frente então”. (ATEM é uma das redes de postos de combustíveis de maior capilaridade na região norte).

 

No mesmo sentido foi o voto do relator do PAD, o Desembargador Isaias Fonseca Moraes (id. 4869350 – fl. 138):


As mensagens trocadas entre o requerido e Vagner Lopes dos Santos, corretor que intermediou a negociação, juntadas pelo próprio magistrado nos embargos à execução n. 7008868-23.2018.8.22.0002, demonstram sua atuação como negociador e administrador do negócio.

Essa circunstância está bem delineada nos seguintes trechos das mensagens: “Fiquei interessado”, “E os postos do pacatão vou querer tb […] To pensando em um aqui e dois em São Miguel”, “Não deixa ele passar ninguém na minha frente então”.

A atuação do magistrado na gestão do negócio restou evidente na seguinte passagem da conversa: “Vagner, preciso, por favor, do balanço de cada posto, volume de litros vendidos e em potencial, quantidade de armazenamento e capacidade de caminhão. Além disso, regularidade de inss, impostos e crédito junto às distribuidoras”, “Por mim o negócio está fechado”, “Amanhã só formalizo o contrato”.

As solicitações feitas pelo magistrado no trecho acima ultrapassam a figura do mero fiador, caracterizando que este é o detentor do poder de aquisição e administração do negócio. (grifou-se)

As mensagens trocadas entre o requerido e Vagner Lopes dos Santos, corretor que intermediou a negociação, juntadas pelo próprio magistrado nos embargos à execução n. 7008868-23.2018.8.22.0002, demonstram sua atuação como negociador e administrador do negócio.

Essa circunstância está bem delineada nos seguintes trechos das mensagens: “Fiquei interessado”, “E os postos do pacatão vou querer tb […] To pensando em um aqui e dois em São Miguel”, “Não deixa ele passar ninguém na minha frente então”.

A atuação do magistrado na gestão do negócio restou evidente na seguinte passagem da conversa: “Vagner, preciso, por favor, do balanço de cada posto, volume de litros vendidos e em potencial, quantidade de armazenamento e capacidade de caminhão. Além disso, regularidade de inss, impostos e crédito junto às distribuidoras”, “Por mim o negócio está fechado”, “Amanhã só formalizo o contrato”.

As solicitações feitas pelo magistrado no trecho acima ultrapassam a figura do mero fiador, caracterizando que este é o detentor do poder de aquisição e administração do negócio. (grifou-se)

 

Em sua defesa, o Revisionado sustenta ter sido uma prática isolada e que o exercício de “atividade comercial e gestão de sociedade comercial pressupõem habitualidade”. No entanto, depreende-se que a conduta não foi isolada, ocorrendo, na verdade, mediante a prática de atos seguidos e reiterados, notadamente: a negociação inicial, assinatura da proposta de compra e venda, a busca pelo financiamento, entre outros.

Nesse sentido, consta dos documentos juntados aos autos que, em pelo menos três oportunidades, houve participação ativa do Revisionado em atos de gestão da sociedade, em clara violação ao art. 36 da LOMAN.

Ainda, vale mencionar as mensagens trocadas entre o Revisionado e Vagner Lopes dos Santos, corretor que intermediou a negociação, que demonstram cabalmente a atuação na negociação eminentemente empresarial. Para além, destaque-se a proposta de compra e venda e arrendamento dos postos de combustível na qual constou - como comprador - unicamente o Revisionado (Id 4905812, fl. 28).

Ademais, a busca pelo financiamento foi demonstrada em prova testemunhal, nos autos dos embargos à execução 7008868-23.2018.8.2.0002 (Id. 4908119 fls. 61-66). Confira-se:  

 

Testemunha da autora: TAINARÁ GONÇALVES MACEDO PAVARINI, brasileira, solteira, cooperativária (SICOOB), residente à Rua das Orquídeas, apto 102, setor 04, Ariquemes/RO.

Testemunha compromissada. Inquirida às perguntas, respondeu: Dada a palavra ao advogado do autor, respondeu: eu participei de uma reunião com Marcos Murilo, diretor do Sicoob, Adip e Vagner no Sicoob, para tratar de uma proposta de crédito no valor de 4 milhões; o crédito não tinha designação pré determinada mas a princípio destinava-se à aquisição de 4 postos de gasolina, sendo 1 em Ariquemes, três numa outra cidade que não recordo o nome;

Testemunha do autor: MARCOS MURILO GONÇALVES, brasileiro, casado, bancário (SICOOB), residente à Av. Capitão Silvio, 4450, Ariquemes/RO. Testemunha compromissada. Inquirida às perguntas, respondeu: Dada a palavra ao advogado do autor, respondeu: não participei de reunião com Tainará, Adip e Vagner no Sicoob; recebi Adip no Sicoob, acredito que Tainará esteve presente, e ele me comunicou que estaria adquirindo alguns postos de gasolina e se haveria a possibilidade do banco liberal uma linha crédito no valor de 4 milhões; (grifou-se)


 Assim, em consonância com o decidido no TJRO, verifica-se que o Revisionado, de fato, incidiu nos desvios funcionais tipificados no art. 38 do Código de Ética da Magistratura Nacional e no art. 36, I e II, da LOMAN.

 

Da Suposta Violação dos Deveres de Diligência e Dedicação

 

Quanto a esta conduta específica, entendo não haver elementos aptos a ensejar a conclusão de violação dos deveres de diligência e dedicação no exercício da atividade jurisdicional.

Explico.

Consta dos autos que o Pleno Administrativo TJRO considerou que “o investigado incorreu em desvio de atenção, porquanto a atividade paralela influenciou negativamente em sua atuação funcional, fato marcado pela instauração de duas investigações preliminares pretéritas para apurar a má prestação jurisdicional, materializada em sentenças mal elaboradas e com erros processuais graves” (id. 4869326).

Nesse sentido, consta do Voto do relator do PAD originário (id. 4869350 – fls. 138):


Não desconheço a necessidade de me limitar ao que está nos autos, mas não posso deixar de mencionar que o magistrado requerido, costumeiramente, tem sido julgado por este Colegiado.

É preciso que tenhamos cuidado, para que as condutas praticadas pelos nossos membros não maculem a imagem de nosso Tribunal.

(...)

Por derradeiro, após desfiar todo o contexto dos autos e avaliar o histórico de procedimentos instaurados contra o magistrado e registrados perante este Colegiado, entendo que as vicissitudes a que se expôs o magistrado podem prejudicar a avaliação de sua imagem de credibilidade, bem como deste Tribunal. 

 

E, ainda, do Voto do relator do PAD o Desembargador Valdeci Castellar Citon (Id. 4869350 – fls. 150):

 

Embora não seja a questão central deste procedimento, identificou-se que o exercício dessa atividade paralela contribui negativamente para a atuação funcional do magistrado, constatação que encontra fundamento na análise do histórico de procedimentos instaurados nesta Corregedoria para apurar comunicações de irregularidades.

Nos autos 0001464-37.2018.8.22.0003 e 0001545-62.2013.8.22.0002, quando ainda compunha a 2ª Câmara Criminal deste Tribunal, comuniquei à Corregedoria a anulação de sentenças mal elaboradas e com erros processuais graves, o que isoladamente não foram compreendidas pelo Corregedor à época como infrações disciplinares, todavia, revela-se agora o contexto em que foram proferidas aquelas decisões, que podem ser apenas uma amostra do universo de outras tantas de igual teratologia.


Nota-se que, nos próprios fundamentos do acórdão em revisão, é reconhecido que o Revisionado não incorreu em violação dos deveres de diligência e dedicação no exercício da atividade jurisdicional, mormente por força dos atos investigados neste feito.

Vale ressaltar, a simples menção subjetiva e em abstrato da existência de sentenças mal elaboradas pelo Revisionado, não é, por si só, prova de negligência, sobretudo quando não se desincumbe o órgão censor local de provar contemporaneamente o nexo de causalidade.

Destaque-se que há declarações do Presidente da Subseção da OAB de Machadinho D’Oeste e do Defensor Estadual, atuante na Comarca dos eventos processados, as quais descrevem a excelência e celeridade na prestação jurisdicional por parte do Magistrado (4832112 – fls. 1 e 4832114 – fls. 1-3).

Por fim, de se notar a impossibilidade de se valorar negativamente tão-só baseado no histórico de procedimentos preliminares instaurados contra magistrados. Ao contrário, não havendo constatação de infração disciplinar, ou aplicação de penalidade anterior, o histórico funcional deve ser valorado positivamente, inclusive para servir como circunstância atenuante.

Portanto, neste ponto específico, entendo que a conclusão a que chegou o acórdão em revisão foi, realmente, contrária às provas dos autos.

 

5. Dosimetria da pena

 

Considerando a fundamentação acima, faz-se necessária nova análise da dosimetria de pena imposta na origem, a fim de adequá-la ao novo status processual e, ainda, preservar a proporcionalidade da sanção.

Conforme demonstrado nos parágrafos anteriores, verificou-se que as condutas do magistrado infringiram os arts. 15, 16, 37 e 38 do Código de Ética da Magistratura Nacional e os arts. 35, VIII, e 36, I e II, da LOMAN.

Transcrevo:


Código de Ética da Magistratura Nacional

Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral. (grisou-se)

(...)

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

Art. 38. O magistrado não deve exercer atividade empresarial, exceto na condição de acionista ou cotista e desde que não exerça o controle ou gerência. 

Lei Orgânica da Magistratura Nacional

Art. 35 - São deveres do magistrado: 

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

(...)

Art. 36 - É vedado ao magistrado: 

I - exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista;

II - exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração;

Código de Ética da Magistratura Nacional

Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral. (grisou-se)

(...)

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

Art. 38. O magistrado não deve exercer atividade empresarial, exceto na condição de acionista ou cotista e desde que não exerça o controle ou gerência.

 

Lei Orgânica da Magistratura Nacional

Art. 35 - São deveres do magistrado: 

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

(...)

Art. 36 - É vedado ao magistrado: 

I - exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista;

II - exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração;

 

Acerca das penalidades aplicáveis aos magistrados em processos disciplinares, os artigos 42 a 46 da LOMAN propugnam o seguinte:

Art. 42 - São penas disciplinares:

I - advertência;

II - censura;

III - remoção compulsória;

IV - disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;

V - aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;

VI - demissão.

Parágrafo único - As penas de advertência e de censura somente são aplicáveis aos Juízes de primeira instância.

Art. 43 - A pena de advertência aplicar-se-á reservadamente, por escrito, no caso de negligência no cumprimento dos deveres do cargo.

Art. 44 - A pena de censura será aplicada reservadamente, por escrito, no caso de reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo, ou no de procedimento incorreto, se a infração não justificar punição mais grave.

Parágrafo único - O Juiz punido com a pena de censura não poderá figurar em lista de promoção por merecimento pelo prazo de um ano, contado da imposição da pena.

Art. 45 - O Tribunal ou seu órgão especial poderá determinar, por motivo de interesse público, em escrutínio secreto e pelo voto de dois terços de seus membros efetivos:

I - a remoção de Juiz de instância inferior;

II - a disponibilidade de membro do próprio Tribunal ou de Juiz de instância inferior, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

Art. 46 - O procedimento para a decretação da remoção ou disponibilidade de magistrado obedecerá ao prescrito no art. 27 desta Lei.

 

Em paralelo, dispõem os artigos 3º ao 7º da Resolução CNJ nº 135/2011: 


Art. 3º São penas disciplinares aplicáveis aos magistrados da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar, da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios:

I - advertência;

II - censura;

III- remoção compulsória;

IV - disponibilidade;

V - aposentadoria compulsória;

VI – demissão.

§ 1º - As penas previstas no art. 6º, § 1º, da Lei no 4.898, de 9 de dezembro de 1965, são aplicáveis aos magistrados, desde que não incompatíveis com a Lei Complementar no 35, de 1979.

§ 2º - Os deveres do magistrado são os previstos na Constituição Federal, na Lei Complementar no 35, de 1979, no Código de Processo Civil (art. 125), no Código de Processo Penal (art. 251), nas demais leis vigentes e no Código de Ética da Magistratura.

Art. 4º O magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo, está sujeito à pena de advertência. Na reiteração e nos casos de procedimento incorreto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave.

Art. 5º O magistrado de qualquer grau poderá ser removido compulsoriamente, por interesse público, do órgão em que atue para outro.

Art. 6º O magistrado será posto em disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, ou, se não for vitalício, demitido por interesse público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória.

§ 1º Cumpridos dois anos de pena de disponibilidade, havendo pedido de aproveitamento, cabe ao tribunal ao qual vinculado o magistrado promover:

I – sindicância da vida pregressa e investigação social;

II – reavaliação da capacidade física, mental e psicológica; e

III – reavaliação da capacidade técnica e jurídica, por meio de frequência obrigatória a curso oficial ministrado pela Escola da Magistratura.

§ 2º Na análise do pedido, o tribunal procederá ao exame da subsistência das razões que determinaram a disponibilidade, ou da superveniência de fatos novos, quando deverá apontar motivo plausível, de ordem ética ou profissional, diverso dos fatos que ensejaram a pena.

§ 3º Devidamente instruído e fundamentado o procedimento, caberá ao tribunal ou Órgão Especial decidir quanto ao retorno imediato ou gradual e adaptativo do magistrado.

Art. 7º O magistrado será aposentado compulsoriamente, por interesse público, quando:

I - mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres;

II - proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;

 III - demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar comportamento funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.

 

É dizer: o magistrado negligente no cumprimento dos deveres do cargo, em tese, está sujeito à pena de advertência. Nos casos de reiteração ou de procedimento incorreto, a pena é de censura, se não justificável a aplicação de pena mais grave.

No caso, as condutas praticadas pelo Revisionado foram comprovadamente graves, por ter deixado de observar as cautelas sobre a integridade pessoal impostas aos integrantes da Magistratura, bem como por ter procedido de forma incompatível com a dignidade, honra e decoro.

Entretanto, necessário sopesar a gravidade da conduta com eventuais circunstâncias atenuantes, a fim de individualizar a penalidade administrativa aplicável, como cediço na jurisprudência deste Conselho.

Confira-se a ementa:


REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. MAGISTRADO EM PROCESSO DE VITALICIAMENTO. DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA. ATIVIDADE ASSEMELHADA À DE COACH. DESEMPENHO DE ATIVIDADE EMPRESARIAL. PENA DE DEMISSÃO APLICADA. CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES DESCONSIDERADAS. DESPROPORCIONALIDADE DA SANÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO REVISIONAL. MODIFICAÇÃO DA PENALIDADE. CABIMENTO DA PENA DE CENSURA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE POR INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO.

1. Revisão disciplinar proposta contra decisão do TJSP que aplicou a pena de demissão a magistrado que, ainda no estágio probatório, descumpriu decisão do Conselho Superior da Magistratura daquela Corte, ao exercer atividade assemelhada à de coach, e desempenhou atividade empresarial. 

2. Afastadas as nulidades decorrentes de alegada violação à política de cotas (Resolução CNJ 203/2015), de atuação indevida da juíza formadora e de desvio de finalidade do PAD.

3. Ao apreciar a suposta atividade de docência que o requerente desenvolvia, o Colegiado do TJSP não só determinou a cessação da atividade, como fez questão de frisar o que caracterizaria, para o tribunal, a atividade que se assemelha à de coach. 

4. Contudo, mesmo ciente das balizas traçadas por aquela Corte, o magistrado preferiu assumir o risco de continuar ofertando a elaboração de recursos e a disponibilização de roteiros de estudos que não tinham conteúdo jurídico, mas tão somente “levantamento de estatísticas dos conteúdos mais cobrados”, e que funcionavam como método destinado ao treinamento coletivo de candidatos para concursos públicos.

5. Promovida a intensa divulgação e venda dos produtos no Instagram pessoal, não encontra guarida a alegação do requerente de que figurava como mero sócio de empresa responsável pela comercialização dos produtos. Configurada atividade empresarial. 

6. Cuidando-se de condutas que foram devidamente apreciadas e comprovadas pelas provas produzidas, não há que se falar em contrariedade à evidência dos autos a ensejar a intervenção deste Conselho neste ponto.

7. Todavia, constatado que a Corte Bandeirante desconsiderou circunstâncias atenuantes, que revelavam a desproporcionalidade da pena de demissão, e verificado que a pena cabível ao caso seria a censura, torna-se premente a modificação da penalidade pelo CNJ.

8. Passados, contudo, mais de 2 anos desde a instauração do PAD, necessário consignar a incidência da prescrição. 

9. Revisão disciplinar conhecida, e, no mérito, julgado parcialmente procedente o pedido revisional, para reconhecer a necessidade de modificação da sanção imposta, declarando, porém, extinta a punibilidade pela incidência da prescrição.

10. Uma vez reconhecida a prescrição, afigura-se vedada qualquer anotação desabonadora na ficha do funcional do magistrado relacionada às condutas apreciadas nestes autos. Precedente STF - MS 23.262/DF.

11. Assegurados os efeitos financeiros da presente decisão e declarada a vitaliciedade do magistrado.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0009178-02.2020.2.00.0000 - Rel. MAURO PEREIRA MARTINS - 351ª Sessão Ordinária - julgado em 24/05/2022). (grifou-se)


 Assim, observo que, na cominação da penalidade in concreto, o Pleno Administrativo do TJRO deixou de observar circunstância atenuante em favor do Revisionado, e, não obstante, valorou negativamente seu histórico funcional, conquanto não tenha constatado qualquer penalidade administrativa durante a sua carreira na Magistratura.

Nesse tópico, destaco que o Tribunal nortista utilizou amostra inservível para comprovação da suposta violação do dever funcional de diligência e dedicação, pois os atos jurisdicionais produzidos pelo Revisionado - tidos como mal elaborados ou teratológicos no PAD de origem - foram objeto de apuração por parte da Corregedoria local que, na oportunidade, não verificou a ocorrência de falta funcional.

Assim, se ao tempo da ação, o próprio órgão censor local não considerou a conduta do magistrado irregular, desarrazoada a utilização do mesmo fato para valorar negativamente a conduta funcional do Revisionado.

Destaco, novamente, que há declarações do Presidente da Subseção da OAB de Machadinho D’Oeste e do Defensor Estadual que atua na Comarca, no sentido de que a prestação jurisdicional do magistrado seria de excelência e célere (4832112 – fls. 1 e 4832114 – fls. 1-3).

Ademais, após os fatos datados de 03/02/2018 (Id 4906160 – fl. 9), o Revisionado foi promovido por merecimento, em 04/11/2019 (Id 4832266 – fl. 222), assumindo a titularidade na Comarca de Machadinho D’Oeste, fato que depõe positivamente para higidez de sua carreira profissional.

No caso em tela, da análise conjunta da gravidade das infrações disciplinares imputadas e da circunstância atenuante, relacionada ao histórico funcional favorável do magistrado, de rigor operar a redução da penalidade cominada pelo TJRO, desconstituindo a penalidade de aposentadoria compulsória então aplicada.

Assim, entendo que a penalidade de disponibilidade com vencimento proporcional ao tempo de serviço é a sanção que mais se amolda, sendo mais justa e adequada às condutas incorretas do Revisionado, atendendo-se, ainda, às funções preventiva e pedagógica próprias da espécie, além de servir para desestimular a reincidência.

É nesse sentido a jurisprudência do CNJ, como demonstram as ementas a seguir:


EMENTA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DESEMBARGADOR ESTADUAL. DIÁLOGOS IMPRÓPRIOS EMPREENDIDOS COM CANDIDATA DURANTE A REALIZAÇÃO DE PROVA ORAL EM CONCURSO À MAGISTRATURA. GRAVAÇÃO DOS DIÁLOGOS. PROVAS. ATUAÇÃO POSTERIOR PREJUDICIAL À CANDIDATA. SUSPEIÇÃO DECORRENTE DOS FATOS OCORRIDOS DURANTE AS PROVAS ORAIS. PROCEDÊNCIA.

 1.     As esferas administrativa e penal não se confundem. O arquivamento de ação penal instaurada no Superior Tribunal de Justiça, com extinção da punibilidade, não obsta a apuração, no âmbito administrativo disciplinar, pois não foi reconhecida a inexistência do fato ou negada a autoria (STJ, Precedentes).

2.     Gravação de diálogo de Desembargador com candidata, em concurso à Magistratura, durante a prova oral, a propósito de ligação telefônica. Captação de diálogo com outra candidata, no mesmo certame, em que também é transmitido número de telefone.

3.     Comportamento inadequado que confunde os espaços público e privado e lança dúvidas sobre a lisura do certame.

4.     Após o diálogo estabelecido na prova oral, os atos subsequentes do Desembargador restaram marcados pela suspeição, em especial por protagonizar vários episódios, no âmbito da Comissão do Concurso, e também individualmente, tendentes a impedir que a candidata fosse aprovada no concurso e nomeada magistrada.

5.     Atuação que caracteriza desvio de poder.

6. Comportamento incompatível com a dignidade, honra e decoro das funções (artigo 56, II, LOMAN), que viola os deveres de imparcialidade (artigos 8º e 9º), integridade pessoal e profissional (artigos 15, 16 e 17) e dignidade, honra e decoro (artigos 37 e 39, todos do Código de Ética da Magistratura Nacional). Violação do dever de manutenção de conduta irrepreensível na vida pública e particular (artigo 35, VIII, da LOMAN).

7.     Por se tratar de fato isolado, e em razão dos ‘atos de retaliação’ ocorrerem, em grande parte, no âmbito da Comissão do Concurso, aplica-se a pena de DISPONIBILIDADE COMPULSÓRIA, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

8.     Processo Administrativo Disciplinar que se julga procedente. (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar – 0005845-23.2012.2.00.0000 - Rel. MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI - 190ª Sessão - julgado em 03/06/2012) (grifou-se)

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO. QUESTÃO DE ORDEM. NATUREZA PROCRASTINATÓRIA. REJEIÇÃO. USO PRIVADO DE MEIOS E DOCUMENTOS PÚBLICOS. ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE OFÍCIO-CONVITE PARA SIMULAR REALIZAÇÃO DE EVENTO. VEICULAÇÃO EM REDE SOCIAL PARA MANIFESTAR DEBOCHE CONTRA PROMOTORA DE JUSTIÇA E O MP ESTADUAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DE RESPEITABILIDADE E CONVIVÊNCIA DEMOCRÁTICA ENTRE AS INSTITUIÇÕES. VIOLAÇÃO AOS DEVERES FUNCIONAIS DA MAGISTRATURA. PENALIDADE. DISPONIBILIDADE.

1. Em razão de sua natureza eminentemente procrastinatória, bem como pelo fato de já haver sido objeto de decisão no curso da instrução processual, rejeita-se a questão de ordem suscitada pela defesa.

2. Processo Administrativo Disciplinar instaurado em desfavor de magistrado para apurar a utilização de documento oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na rede social Facebook de colega juíza, com a notória intenção de promover deboche e chacota em relação à Promotora de Justiça daquela unidade da federação, bem como à instituição do Ministério Público fluminense.

3. O conjunto probatório constante dos autos revela que o magistrado requerido fez uso privado de documentos públicos e da estrutura de comunicação do TJRJ para forjar ofício, redigido em linguagem desrespeitosa e com o timbre do referido Tribunal, formulando convite para evento fictício, na intenção de promover a ridicularização de membro do MPRJ e da própria instituição ministerial em rede social, na qual desencadeadas sucessivas postagens em tom crítico e jocoso.

4. Comportamento do magistrado incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das funções dos(as) juízes(as), dos quais se exige conduta irrepreensível na vida pública e particular e se impõe os deveres de zelar pela respeitabilidade entre as instituições e de cortesia para com colegas, membros do Ministério Público, demais autoridades, advogados(as), servidores(as) e usuários(as) da Justiça. Comprovada a violação aos deveres inerentes à Magistratura inscritos nos arts. 1º, 15, 16, 18, 22, 37 e 39, todos do Código de Ética da Magistratura Nacional, bem como no art. 35, IV e VIII, da LOMAN.

5. Aplicação de reprimenda administrativa mais severa em razão das consequências nocivas advindas da conduta do magistrado, potencializadas sobremaneira pela capilaridade inerente às redes sociais. Jurisprudência do CNJ (PAD 10.912-56, Red. p/ acórdão Ministro Dias Toffoli, Julg. 03/12/2019).

6. Processo Administrativo Disciplinar julgado procedente para impor ao magistrado a pena de disponibilidade com proventos proporcionais ao tempo de serviço (art. 6º da Res. CNJ 135/2011). (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0000036-08.2019.2.00.0000 - Rel. IVANA FARINA NAVARRETE PENA - 338ª Sessão Ordinária - julgado em 21/09/2021). (grifou-se)

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO.PRELIMINARES DE MÉRITO AFASTADAS. ABUSO DE PODER. APROPRIAÇÃO   INDEVIDA DE GADO APÓS PRISÃO DO DEVEDOR. PRISÃO E RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA EM CIRCUNSTÂNCIAS SINGULARES. VIOLAÇÃO AOS DEVERES DO CARGO PELO MAGISTRADO. AJUIZAMENTO DE INTERPELAÇÃO JUDICIAL ÀS VÉSPERAS DO JULGAMENTO DE PROCEDIMENTO PRÉVIO DE NATUREZA DISCIPLINAR EM TRAMITAÇÃO NO TRIBUNAL DE ORIGEM. ALTERAÇÃO PARCIAL DOS FATOS INICIALMENTE NARRADOS PELOS INTERPELADOS AO ÓRGÃO MINISTERIAL. SUSPEITA DE COAÇÃO.  PARCIAL PROCEDÊNCIA DAS ACUSAÇÕES.  APLICAÇÃO DA PENA DE DISPONIBILIDADE.

I – Processo Administrativo Disciplinar instaurado, com afastamento cautelar, para apurar infrações disciplinares supostamente praticadas pelo magistrado Marcelo Testa Baldochi, juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em violação à Lei Orgânica da Magistrado e ao Código de Ética da Magistratura.

II – O PAD tem origem na Reclamação Disciplinar n.° 0006131-93.2015.2.00.0000, autuada a partir da decisão deste Conselho que avocou, da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Maranhão, os procedimentos administrativos instaurados em face do magistrado.

III – A atuação do Conselho Nacional de Justiça no caso concreto deriva da competência concorrente afirmada na ADI n.° 4638/STF.

IV – Além de extemporânea, não procede a impugnação quanto a vícios ocorridos durante a tramitação do PP n.° 0000116-11.2015.2.00.0000e da RD n.° 0006131-93.2015.2.00.0000, esta última ensejadora da instauração de PAD contra o magistrado.

V – Observância do art. 14 da Resolução CNJ n.° 135/2011 e do § 2° do art. 120 do RICNJ para submissão da RD n.° 0006131-93.2015.2.00.0000 ao Plenário.

VI – Possibilidade de citação por hora certa nos processos administrativos disciplinares caso a situação concreta se amolde às condições descritas no art. 362 do CPP c/c art. 252 CPC.

VII – Preliminares de mérito afastadas.

VIII – Apropriação de gado após prisão de pessoa que, em tese, não honrou negócio de compra e venda de bovino com o juiz processado revela atuação incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das funções pelo magistrado, cuja conduta, encontra-se desapegada de qualquer dever de prudência exigido do cargo.

IX – Não deve ser presumido o vício de vontade na declaração prestada em juízo pelos interpelados, sobretudo quando os depoentes interpelados afastam a coação atribuída ao juiz processado, investigada nos autos. 

X – Parcial procedência do Processo Administrativo Disciplinar para determinar a aplicação da pena de disponibilidade com proventos proporcionais em observância aos artigos 42, IV e 45, II, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e artigo 6º, da Resolução CNJ n. 135/2011. (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0002799-84.2016.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO - 328ª Sessão Ordinária - julgado em 06/04/2021). (grifou-se)

 


Dispositivo

 

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados pelo autor para revisar a penalidade de aposentadoria compulsória aplicada pelo Pleno Administrativo do TJRO, nos autos do PAD nº 000168-81.2021.8.22.0000, e imponho ao Revisionado a penalidade de DISPONIBILIDADE, com vencimento proporcionais ao tempo de serviço, nos termos do artigo 44, inciso III, da LOMAN c/c artigo 3º, inciso III, da Resolução CNJ n. 135/ 2011.

Intimem-se as partes.

Cientifique-se a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima da presente decisão, para cumprimento.  

 

É como voto.


Conselheiro Marcos Vinícius Jardim

 

Relator 


 



[1] População no último censo [2010]: 21.828 habitantes.



 

 

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

 

A despeito de minha ausência, devidamente justificada, quando do início dos debates alusivos a esta RevDis, sinto-me apta a proferir voto, pois estudei detidamente o feito, atendi as partes, e verifiquei a gravação da sessão. 

Nesse contexto, apresento respeitosa divergência ao Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, relator, e acompanho a divergência inaugurada pelo Conselheiro Márcio Freitas, pelos fundamentos a seguir expostos. 

Assim como externado pelo Conselheiro Márcio Freitas, acompanhado pelo Conselheiro Ministro Vieira de Mello Filho, dissinto do relator, unicamente, das conclusões a que chegou, que o levaram a julgar parcialmente procedente a RevDis em tela, com a consequente aplicação da pena de disponibilidade, em substituição à de aposentadoria compulsória, aplicada na origem.

 A Portaria de abertura do PAD TJRO  0000168-81.2021.8.22.0000 elencou 4 condutas merecedoras de apuração, por supostamente violarem deveres e vedações estabelecidos aos magistrados, nos seguintes termos (id. 4869349, pp. 126/131):

a)    Integridade pessoal e profissional;

b)    Da Violação da Vedação de Participação em Sociedade Comercial;

c)    Da Violação da Dignidade, Honra e Decoro;

d)    Da Violação dos Deveres de Diligência e Dedicação;

 

Os fatos objetivamente apurados naquele PAD consistiram em:

 

 

Fatos

Suposta violação a deveres/vedações

o magistrado A.C.E.H.N., exercendo atividade eminentemente empresarial, deixou de observar as cautelas de integridade pessoal impostas aos integrantes da carreira da magistratura, adquirindo postos de combustível sem ter o lastro financeiro ou garantias para tanto, deixando de restituir ao alienante a integralidade dos bens que lhe foram entregues, notadamente os estoques de combustíveis, sustando, ainda, o cheque dado em pagamento ao corretor que atuou na intermediação e assessoramento, dando azo para a interposição de ações judiciais contra si. No decorrer de toda a negociação, inclusive no encaminhamento de propostas, A.C.E.H.N. identificou-se como “Juiz de Direito”, mesclando sua vida privada ao cargo, transmitindo aos participantes da negociação uma postura não condizente com a esperada para um magistrado deste Poder.

a)              Integridade pessoal e profissional

Também no contexto das negociações para aquisição dos postos de combustíveis ficou evidente a prática de outra conduta vedada ao magistrado, consistente no exercício direto de atividade empresarial. Consta nos autos cópia integral do processo 7008868- 23.2018.8.22.0002 e nele estão contidas cópias de longas conversas entre o corretor Vagner Lopes dos Santos e o magistrado A.C.E.H.N., ficando evidente nos diálogos que o magistrado exerce de forma direta a gestão da atividade empresarial de postos de combustíveis da família, manifestando-se de forma expressa, inclusive com proposta de compra em seu nome, qualificando-se como “Juiz de Direito”.

b)              Da Violação da Vedação de Participação em Sociedade Comercial

Em decorrência do insucesso da forma como pretendia custear a aquisição dos postos de combustível, o magistrado A.C.E.H.N. negou-se a realizar o pagamento pelos serviços já realizados pelo corretor Vagner Lopes dos Santos, frustrando o pagamento de cheque emitido para essa finalidade por sustação, conduta que encontra adequação típica com o delito do art. 171, inciso VI do Código Penal. Pelo mesmo motivo, o magistrado deixou de cumprir as condições que assumiu em contrato, devolvendo parcialmente os bens que adquiriu, deixando de restituir a integralidade do estoque de combustíveis que tomou posse, realizando a aquisição de novas cargas de combustível em nome das empresas que adquiriu e não efetuando o pagamento.

c)              Da Violação da Dignidade, Honra e Decoro

Ao atuar de forma intensa em atividades empresariais de seu núcleo familiar, o magistrado A.C.E.H.N. incorreu em desvio de atenção, porquanto a atividade paralela influenciou negativamente em sua atuação funcional, fato marcado pela instauração de duas investigações preliminares pretéritas para apurar a má prestação jurisdicional, materializada em sentenças mal elaboradas e com erros processuais graves.

d)              Da Violação dos Deveres de Diligência e Dedicação

 

 

   Segundo as normas de regência, a vedação à atividade empresarial é clara. Da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, extrai-se que é vedado ao magistrado exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista (art. 36, I). Diferente não é a redação do Código de Ética da Magistratura, em seu art. 38: o magistrado não deve exercer atividade empresarial, exceto na condição de acionista ou cotista e desde que não exerça o controle ou gerência. 

Ao apreciar, em 2019, Consulta formulada a respeito da possibilidade de constituição de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), o Plenário rechaçou a constituição, por magistrado, dessa extinta figura, e trouxe, no voto condutor do acórdão, aprofundado estudo sobre todas as vedações que recaem sobre os magistrados no que diz respeito à atividade empresarial.  Pela pertinência, reproduzo excerto da fundamentação que bem se aplica ao caso vertente:  

 

Logo, não há dúvida de que todas as limitações apontadas decorrem da necessidade de impedir o desenvolvimento de atividades que comprometam o dever de diligência do magistrado ou o seu compromisso com a magistratura ou, ainda, que sejam capazes de influenciar o seu processo decisório. 

 No quadro, forçoso é reconhecer que a constituição de uma empresa que tem o condão de personificar/individualizar a atuação do seu titular, como ocorre na EIRELI, revela-se incompatível com o exercício da magistratura, pois cria para o seu proprietário e titular interesses e obrigações que não se coadunam com a dedicação plena à judicatura e, sobretudo, com a independência e a imparcialidade imprescindíveis ao reto desempenho da função jurisdicional.  

De igual modo, tem-se que a incompatibilidade permaneceria mesmo que a administração fosse conferida a pessoa diversa, pois é certo que o exercício individual da empresa, a decisão dos rumos da atividade, a fiscalização do administrador, a concentração integral do capital, a percepção de lucros e o interesse direto no êxito da EIRELI continuariam na presença de seu titular, no caso, o magistrado. 

(Consulta 0005350-37.2016.2.00.0000. Rel. Cons. Márcio Schiefler Fontes. J. em 7/5/2019)

  

Do exame destes autos, depreende-se que o exercício da atividade empresarial pelo magistrado restou inequívoco, conforme consignado pelo relator em diversos trechos de seu judicioso voto (g.n): 

 

depreende-se que o magistrado, de fato, deixou de observar as cautelas necessárias ao exercício do cargo, como de conduzir-se com integridade pessoal, de forma a não conspurcar a integridade da própria Magistratura.”

[...]

A conduta do Revisionado de operar negócio jurídico, sem o respectivo lastro financeiro, implicou o inadimplemento do ajuste, retenção indevida de bem adquirido para estoque e a sustação de cheque devido ao corretor, o que resultou no ajuizamento de ações judiciais contra o magistrado: Ação Cível de Perdas e Danos (processo nº 7003634-60.2018.8.22.0002) e a ação de execução de título extrajudicial (processo nº 7004048-58.2018.8.22.0002).

Ainda, as condutas imputadas são incontroversas, porquanto o juiz foi sucumbente em ambos os processos e porque sua conduta restou confessada, ao afirmar em defesa:

[...]

Vale dizer, o que se analisou na origem foi a conduta do juiz que, em sua vida privada, deixou de observar as cautelas decorrentes da condição de membro da Magistratura que, desde o ingresso na carreira, está ciente de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais, mormente quanto às relações jurídicas que exponham sua vida e negócios privados. Portanto, um membro da Magistratura deve sempre se comportar de modo a dignificar a função.

[...]

Nesse aspecto, ressalte-se que restou comprovado no PAD de origem a atuação direta do magistrado em sociedade empresária, tendo firmado diretamente diversos negócios jurídicos em nome da pessoa jurídica que, em tese, era administrada por sua esposa.

[...]

[...] ... consta dos documentos juntados aos autos que, em pelo menos três oportunidades, houve participação ativa do Revisionado em atos de gestão da sociedade, em clara violação ao art. 36 da LOMAN.

Ainda, vale mencionar as mensagens trocadas entre o Revisionado e Vagner Lopes dos Santos, corretor que intermediou a negociação, que demonstram cabalmente a atuação na negociação eminentemente empresarial. Para além, destaque-se a proposta de compra e venda e arrendamento dos postos de combustível na qual constou - como comprador - unicamente o Revisionado (Id 4905812, fl. 28).

[...]

 Assim, em consonância com o decidido no TJRO, verifica-se que o Revisionado, de fato, incidiu nos desvios funcionais tipificados no art. 38 do Código de Ética da Magistratura Nacional e no art. 36, I e II, da LOMAN.

[...]

[...]... o Revisionado confirmou que esteve “nas negociações para aquisição de um estabelecimento comercial em favor da pessoa jurídica que sua esposa era sócia e administradora” (Id. 4832108 fl. 5).

 

 

Desse modo, a comprovação de uma das condutas sob apuração já seria suficiente para a imposição da sanção disciplinar correspondente, que deve ser valorada conforme sua gravidade. Vale dizer, ainda que o suposto “desvio de atenção”, indicado na alínea “d” da portaria, venha a ser refutado, ao argumento da promoção do magistrado por merecimento, a improcedência dessa imputação não infirma a gravidade das demais imputações comprovadas nos autos, pois o PAD poderia ter sido aberto para apurar apenas o indevido exercício da atividade empresarial.

Nesse contexto, irrelevante seria a averiguação da correção da atividade empresarial desempenhada, por exemplo, com aplicação da legislação aplicável à espécie, pois o que é vedado ao magistrado é o exercício da atividade empresarial em quaisquer termos, sem exceção para a atividade empresarial exercida de maneira escorreita.

Mas há mais.

Agregou-se na alínea “c” da portaria elemento adicional, consistente no fato de o magistrado ter deixado de honrar as condições assumidas em contrato, conduta que se soma àquela inequivocamente comprovada, consistente no exercício indevido da atividade empresarial.

Essas condutas, por si sós, revelam gravíssima violação aos deveres e vedações impostos à magistratura, e não demandam a prévia aplicação de sanção disciplinar para ensejar a imposição da pena máxima.

Recorde-se que, de acordo com o art. 56, II, da LOMAN, a pena de aposentadoria compulsória deverá ser aplicada quando o magistrado realizar procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções. Não por acaso, o art. 38 do Código de Ética da Magistratura, que cuida da vedação ao exercício da atividade empresarial, está posicionado no Capítulo XI, que trata exatamente da “dignidade, honra e decoro”, depreendendo-se, portanto, que tal atividade enseja aplicação da pena de aposentadoria compulsória.

Ante o exposto, pedindo vênia ao relator, acompanho a divergência para julgar improcedente a Revisão Disciplinar, mantendo-se a sanção de aposentadoria compulsória aplicada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia ao magistrado ADIP CHAIM ELIAS HOMSI NETO.

É como voto.

 

Salise Sanchotene

Conselheira