Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ACOMPANHAMENTO DE CUMPRIMENTO DE DECISÃO - 0005266-75.2012.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 

QUESTÃO DE ORDEM. ACOMPANHAMENTO DE CUMPRIMENTO DE DECISÃO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ABONO VARIÁVEL. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. DESCABIMENTO DA RESTITUIÇÃO DE VALORES. APLICAÇÃO ISONÔMICA DE PRECEDENTE DO STF.

I – Procedimento autuado para acompanhar o cumprimento do Acórdão prolatado pelo Plenário do CNJ, que declarou a ilegalidade do pagamento de verba denominada “abono variável” a servidores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e determinou a abertura de processos administrativos individualizados com vistas à restituição dos valores irregularmente pagos.

II – À luz da jurisprudência do STF no sentido do descabimento da restituição de valores em situações nas quais o servidor público está de boa-fé, bem assim levando-se em consideração a argumentação expendida nas decisões-paradigmas exaradas pela Suprema Corte nos Mandados de Segurança n. 33.348 e 33.382, torna-se imperioso afastar a ordem dirigida ao TJRJ pelo Plenário desta Casa.

III – Decisão que se fundamenta na tendência de abstrativização das decisões do STF em casos concretos e no Código de Processo Civil, cuja essência autoriza a concessão de efeitos ultra partes quando em benefício de terceiros estranhos à relação processual.

IV – Revisitação do raciocínio que embasou decisão do STF ante a identidade entre as situações, adequando-se a deliberação do CNJ ao entendimento e à valoração já efetuados pela Suprema Corte. Precedente.

V – Questão de Ordem aprovada para afastar a obrigatoriedade de instauração de processos individualizados para assegurar a devolução de valores percebidos por servidores beneficiados pelo pagamento da parcela denominada “abono variável”, reconhecendo sua boa-fé.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, aprovou questão de ordem para afastar a obrigatoriedade de instauração de processos individualizados para assegurar a devolução de valores percebidos pelos demais servidores beneficiados pelo pagamento da parcela denominada abono variável, reconhecendo sua boa-fé, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 1º de dezembro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e, em razão da vacância do cargo, o representante da Câmara dos Deputados.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: ACOMPANHAMENTO DE CUMPRIMENTO DE DECISÃO - 0005266-75.2012.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ


RELATÓRIO

 

Trata-se de CUMPRDEC instaurado para acompanhar o cumprimento da Decisão proferida pelo Plenário deste Conselho, na 189ª Sessão Ordinária, realizada em 19/5/2014, que, por maioria de votos, julgou parcialmente procedente o Procedimento de Controle Administrativo para declarar a ilegalidade do pagamento da parcela denominada “Abono Variável” aos servidores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) descritos no procedimento e determinar: 

 

a) ao TJRJ, a abertura de processos administrativos individualizados com vistas à restituição dos valores irregularmente pagos, garantindo-se o contraditório e ampla defesa aos servidores beneficiários de tais parcelas;

b) que o TJRJ conclua tais procedimentos e informe ao CNJ os resultados, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias;

c) sejam encaminhadas cópias da presente decisão ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro e à Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro para conhecimento e adoção das medidas que considerar cabíveis;

d) oficie-se o Procurador Geral da República, com cópia desta decisão, para conhecimento e adoção das providências que entender necessárias, especialmente em razão de suposto descumprimento de decisão proferida pelo STF na ADI n. 1.227-4. (ID 1419274 e 1400177)


A Decisão proferida pelo CNJ foi suspensa liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal – STF nos autos dos Mandados de Segurança n. 33.236, 33.348 e 33.382.

No Mandado de Segurança n. 33.236, a Segunda Turma do STF negou provimento ao agravo regimental, mantendo a decisão agravada, que, por sua vez, negou seguimento ao mandamus e cassou a liminar anteriormente deferida (IDs n. 3965659 e 4060330). Após o trânsito em julgado da decisão, o processo foi baixado ao arquivo.[1]

Não obstante, nos Mandados de Segurança n. 33.348[2] e 33.382[3] a ordem foi parcialmente concedida, apenas para ressalvar os valores recebidos de boa-fé pelas impetrantes.

Após o trânsito em julgado das decisões, os processos foram baixados ao arquivo.

Diante disso, a tramitação do presente procedimento, que estava suspensa, foi restabelecida, vindo os autos conclusos.

Nesse cenário e, considerando o alcance inter partes das decisões proferidas, determinei a intimação do TJRJ para que i) instaurasse e concluísse processos administrativos individualizados com vistas à restituição dos valores irregularmente pagos, garantindo-se o contraditório e ampla defesa aos servidores beneficiários de tais parcelas; e ii) informasse ao CNJ os resultados alcançados (ID n. 5224682).

Em resposta, o TJRJ prestou informações encartadas ao ID n. 5305877.

É o relatório.



[1] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4641841, acesso em 4/10/2023. 

[2] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4677678, acesso em 4/10/2023. 

[3] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4684799, acesso em 4/10/2023.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ACOMPANHAMENTO DE CUMPRIMENTO DE DECISÃO - 0005266-75.2012.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 

VOTO

 

Conforme relatado, o presente procedimento foi autuado para acompanhar o cumprimento do Acórdão prolatado pelo Plenário do CNJ, que julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a ilegalidade do pagamento de verba denominada “abono variável” a servidores do TJRJ e determinar a abertura de processos administrativos individualizados com vistas à restituição dos valores irregularmente pagos.

Não obstante, no julgamento dos Mandados de Segurança n. 33.348 e 33.382, o Supremo Tribunal Federal concluiu que a parcela ilegal foi concedida às impetrantes por força de processos administrativos, com fundamento em legislação estadual, não havendo ingerência das servidoras beneficiadas no repasse das verbas.

Diante disso e, considerando a natureza alimentar da parcela, assentou-se o entendimento de ser indevida a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelas impetrantes. Senão vejamos:

Mandado de segurança. Conselho Nacional de Justiça. Atuação dentro dos limites constitucionalmente fixados. Decisão que considerou ilegal o recebimento da verba referente ao “abono variável”, a qual está em consonância com a jurisprudência doeste Supremo Tribunal Federal. Parcela concedida por força de processo administrativo fundado na legislação estadual, sem qualquer ingerência da impetrante. Natureza alimentar da verba. Impossibilidade de devolução dos valores. Precedentes. Concessão parcial da ordem apenas para ressalvar os valores recebidos de boa-fé pela impetrante.

1. O Conselho Nacional de Justiça, ao considerar irregular o pagamento do “abono variável”, atuou dentro das competências que lhe são constitucionalmente conferidas pelo art. 103-B, § 4º.

2. O pagamento do “abono variável” foi considerado ilegal pelo CNJ, em razão da inconstitucionalidade por arrastamento da norma legal estadual que estendeu a concessão da referida verba aos servidores do TJ/RJ ocupantes de cargos comissionados específicos. Ademais, indicou que a Constituição Federal não permite a extensão aos servidores de verba concedida especificamente aos magistrados federais. Essa Decisão que se coaduna com a jurisprudência desta Suprema Corte.

3. A parcela foi concedida à impetrante por força de processos administrativos que tramitaram no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, os quais se fundamentaram-se, por sua vez, na legislação estadual acerca do tema.

4. Não havendo nenhuma ingerência da servidora no repasse das verbas realizado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e, sendo clara a natureza alimentar da parcela, não há falar em devolução dos valores ao erário. Precedentes.

5. Ordem parcialmente concedida, apenas para ressalvar os valores recebidos de boa-fé pela impetrante.

(MS 33348, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 04/04/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-099 DIVULG 23-05-2022 PUBLIC 24-05-2022)

Acórdão no mesmo sentido

MS 33382 PROCESSO ELETRÔNICO JULG-04-04-2022 UF-DF TURMA-01 MIN-MARCO AURÉLIO N. PÁG-021 DJe-099 DIVULG 23-05-2022 PUBLIC 24-05-2022

[...]

Com o devido respeito ao posicionamento do Ministro Relator, que concede a pleiteada segurança, entendo que a ordem deve ser parcialmente deferida, apenas para ressalvar os valores percebidos de boa-fé pela impetrante.

Isso porque a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem entendido pelo descabimento da restituição de valores percebidos indevidamente em circunstâncias como a dos autos, nas quais o servidor público está de boa-fé. Nesse sentido, vide:

[...]

Nessa toada, ressalto que a parcela denominada de “abono variável” foi concedida à impetrante por força de processos administrativos que tramitaram no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, os quais se fundamentaram, por sua vez, na legislação estadual acerca do tema.

Portanto, vê-se que não houve nenhuma ingerência da servidora no repasse das verbas realizado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e sendo clara a natureza alimentar da parcela, não há falar em devolução dos valores ao erário.

Assim, com esses fundamentos, é perfeitamente possível a concessão parcial da segurança.

Entretanto, deixo de conceder a ordem em sua integralidade por entender correta a decisão do Conselho Nacional de Justiça, a qual considerou ilegal o recebimento da verba referente ao “abono variável”, não havendo falar em aplicação ao caso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99. Explico.

[...]. (grifo nosso) 

 

Nesse cenário, instado a demonstrar o cumprimento das determinações do CNJ em relação aos servidores beneficiados com a verba e não alcançados diretamente pelas decisões do STF, o TJRJ alegou:

[...]

A conclusão alcançada pelo colendo Supremo Tribunal Federal, em sede de Mandados de Segurança impetrados por servidores desta Corte, é clara ao asseverar que a parcela denominada “abono variável” possuía natureza alimentar e foi percebida de boa fé, não havendo que se falar em devolução, sobretudo em razão de os servidores não possuírem à época qualquer ingerência no pagamento efetuado por este Tribunal de Justiça.

Dessa forma, a providência requisitada pelo CNJ no sentido da instauração de processos administrativos individualizados com vistas à restituição pelos servidores do pagamento do abono variável vai em sentido contrário a decisões recentes do Supremo Tribunal Federal - que analisaram exatamente a questão de fundo aqui debatida -, o que acarretará na impetração de diversos mandados de segurança que, possivelmente, terão o mesmo desfecho dos precedentes supracitados.

Diante do exposto, com lastro nas decisões do Supremo Tribunal Federal exaradas nos Mandados de Segurança nº 33382 e 33348, considero que a parcela denominada “abono variável” tem natureza alimentar e seu pagamento a alguns servidores deste Tribunal de Justiça ocorreu de boa-fé, o que dispensa a sua devolução, conferindo igualdade de tratamento às decisões paradigmas da Corte Constitucional supracitadas.

[...]. (ID n. 5305877 - grifo nosso) 

 

Com efeito, a despeito da ilegalidade da verba, confirmada nos Mandados de Segurança em epígrafe, a instauração de processos individualizados para assegurar a devolução de valores percebidos indevidamente por outros servidores em circunstâncias idênticas às das impetrantes não parece ser razoável.

É de se ver que a argumentação apresentada pelo Excelentíssimo Ministro Dias Toffoli, redator para o Acórdão, tem como ponto central a boa-fé das servidoras, o que afasta a obrigatoriedade de devolução.  

Nesse ponto, à luz da jurisprudência do STF no sentido do descabimento da restituição de valores em situações nas quais o servidor público está de boa-fé, bem assim levando-se em consideração a argumentação expendida nas decisões-paradigmas exaradas pela Suprema Corte nos Mandados de Segurança n. 33.348 e 33.382, não vislumbro possibilidade de manter a ordem dirigida ao TJRJ pelo Plenário desta Casa.

Tal compreensão encontra sustentáculo na tendência de abstrativização das decisões do STF em casos concretos e no Código de Processo Civil, cuja essência autoriza a concessão de efeitos ultra partes quando em benefício de terceiros estranhos à relação processual[1].

Ademais, em recentíssima decisão, o Plenário do CNJ deu provimento a Recursos Administrativos para reconhecer a boa-fé de servidores e manter a validade de atos inconstitucionais em relação a eles, a partir da revisitação do raciocínio que embasou decisão do STF ante a similitude entre as situações.[2]

Naquela oportunidade, assentou-se o entendimento de que caberia ao CNJ adequar-se ao entendimento e à valoração já efetuados em caso absolutamente similar pela Suprema Corte (grifo nosso). 

No presente caso, a identidade absoluta da situação fática deve conduzir à aplicação uniforme do entendimento do STF.

Ante o exposto, proponho a presente Questão de Ordem ao Plenário desta Casa com vistas a afastar a obrigatoriedade de instauração de processos individualizados para assegurar a devolução de valores percebidos pelos demais servidores beneficiados pelo pagamento da parcela denominada “abono variável”, reconhecendo sua boa-fé.

Intimem-se.

Após as providências, arquivem-se.

Brasília-DF, data registrada no sistema.  

 

Conselheiro GIOVANNI OLSSON

Relator



[1] Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.

[2] CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0002182-27.2016.2.00.0000 - Rel.  MARCIO LUIZ FREITAS - 13ª Sessão Virtual de 2023 - julgado em 15/09/2023.