Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0005195-24.2022.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA - ABJD
Requerido: MARLOS AUGUSTO MELEK

 

 

 

 

EMENTA


RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR.  INDÍCIOS DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR PRATICADA POR MAGISTRADO. PARTICIPAÇÃO EM GRUPO DE WHATSAPP DENOMINADO “EMPRESÁRIOS & POLÍTICA”. INCITAÇÃO POLÍTICA EM PROL DE GOLPE DE ESTADO E CONDUTAS ANTIDEMOCRÁTICAS. PONDERAÇÃO DE VALORES. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DEVERES FUNCIONAIS. APARENTE VIOLAÇÃO DESTES ÚLTIMOS ESTABELECIDOS NA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL E NO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, COM AFASTAMENTO DO MAGISTRADO.
 

1. É dever do magistrado atuar com integridade e ética na vida pública e privada e respeito à dignidade do cargo.  

2. Na espécie, a participação em rede social de mensagens instantâneas com amplo potencial de divulgação, cuja denominação remete à política, é incompatível com o exercício do cargo.

3. Participantes do grupo de WhatsApp que tramaram contra a República e contra a Democracia ao incitar golpe de estado.

3. A liberdade de expressão não possui caráter absoluto e, na espécie, deve ser ponderada com os deveres do cargo desempenhado.

3. Os indícios apontam para eventual prática de infrações disciplinares pelo magistrado, em afronta ao disposto no artigo 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, e nos artigos 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional

4. Instauração de Processo Administrativo Disciplinar para apurar tais condutas cuja importância e gravidade recomenda o afastamento do magistrado de suas funções.   

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado, com afastamento imediato de suas funções, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausente, circunstancialmente, a Conselheira Salise Sanchotene. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 19 de setembro de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão (Relator), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Mario Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0005195-24.2022.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA - ABJD
Requerido: MARLOS AUGUSTO MELEK

 

 


RELATÓRIO

 

 

 O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):  

 

1.            Trata-se de Reclamação Disciplinar apresentada inicialmente por ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA – ABJD, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ECONOMISTAS PELA DEMOCRACIA – ABED, INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS AVANÇADOS DA MAGISTRATURA E MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – IPEATRA, COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ DE BRASÍLIA – CJP/DF, ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE RÁDIOS COMUNITÁRIAS – AMARC e COMISSÃO BRASILEIRA JUSTIÇA E PAZ – CBJP em desfavor de MARLOS AUGUSTO MELEK ao argumento de: que são entidades que possuem enorme zelo pelo exercício da liberdade de expressão;  que a liberdade de expressão e o direito de manifestação não se tratam de um salvo-conduto para o exercício de práticas criminosas; que em 17/08/22 o portal de notícias “Metrópoles” veiculou reportagem com o título “Empresários bolsonaristas defendem golpe de Estado caso Lula seja eleito”, revelando fotografias dos conteúdos das mensagens  em que empresários apoiadores de Jair Bolsonaro  defendiam abertamente um golpe de Estado após a apuração do resultado eleitoral de 2022 caso o ex-Presidente fosse derrotado; que o grupo de WhatsApp denominado “Empresários & Política”, segundo a matéria jornalística, foi criado no ano de 2021 e as trocas de mensagens vinham sendo acompanhadas há meses por uma fonte da Coluna de Guilherme Amado, do site “Metrópoles”; que em mensagem do dia 21/07/22 vê-se o empresário Sr. Meyer Nigri repassando ao grupo de WhatsApp um texto que defendia a contagem paralela de votos nas eleições por uma comissão externa; que em outra mensagem encaminhada por Nigri, no dia 26/06/22, lê-se que o ministro Luís Roberto Barroso “interfere” nas eleições ao “mentir” sobre o voto impresso; que em 31/07/22, o apoio a um golpe de Estado para impedir a eventual posse de Luiz Inácio Lula da Silva ficou explícito quando o Sr. José Koury, proprietário do shopping Barra World e com extensa atuação no mercado imobiliário do Rio de Janeiro, iniciou um debate ao dizer que preferia uma ruptura democrática à volta do Partido dos Trabalhadores ao governo  do país, e que se o Brasil voltasse a ser uma ditadura, tal fato não impediria o recebimento de investimentos externos, arrematando “Prefiro golpe do que a volta do PT. Um milhão de vezes. E com certeza ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil. Como fazem com várias ditaduras pelo mundo”; que neste dia 31 de julho, o grupo iniciou a discussão sobre o tema “golpe” às 17:23 após postagem do Sr.  Ivan Wrobel, proprietário a empresa W3 Engenharia, construtora do Rio de Janeiro, dizendo “Quero ver se o STF tem coragem de fraudar as eleições após um desfile militar na Av. Atlântica com as tropas aplaudidas pelo público”.

Afirmam que também integrava o grupo de WhatsApp naquele dia, o Sr. Isaac Peres, acionista da Multiplan, o qual também distribuiu ofensas ao Superior Tribunal Federal em diferentes ocasiões: em 8/05/22, encaminhou mensagem dizendo que o Supremo Tribunal Federal (STF) “é o mais forte partido político da esquerda que faz oposição ao Poder Executivo” e, no dia 26/05/22, disse que a reação do STF à operação militar que deixou 23 mortos em uma favela do Rio estava “à revelia da Constituição Brasileira”; “Até quando vamos assistir (sic) o abuso de poder prevalecer?”  Outro integrante do grupo, o Sr. Vitor Odisio, coach, engenheiro e CEO da Thavi Construction, em 10/06/22, afirmou que “Bolsonaro não leva essa eleição de forma nenhuma com essa formação de TSE e essas urnas”; “Tem que intervir antes, esquecer o TSE, montar uma comissão eleitoral (como quase todos os países do mundo fazem), votação em papel e segue o jogo! Simples assim”, escreveu; “Depois da eleição já era, vai ser esperneio…”. O Sr. Marco Aurélio Raymundo, proprietário da marca “Mormaii”, ainda afirma que “o Sete de Setembro está sendo programado para unir o povo e o Exército e ao mesmo tempo deixar claro de que lado o Exército está”, além de defender o uso da violência em favor de Bolsonaro e anunciar que fez a compra de “milhares de bandeirinhas” para que fossem distribuídas em suas lojas.

Prosseguem afirmando que alguns integrantes do grupo fazem a defesa explícita de um golpe de Estado e que isso se soma a uma postura comum a quase todos os integrantes, qual seja, a de proferir ataques sistemáticos ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a quaisquer pessoas ou instituições que se oponham ao governo de Jair Bolsonaro.

Aduzem que esta reclamação disciplinar foi motivada e justificada ante a inacreditável participação, como integrante do grupo de WhatsApp referido, do juiz  reclamado, que também interagia com os demais membros, tal como se vê a seguir:

- José Koury:

“Alguém aqui no grupo deu uma ótima ideia, mas temos que ver se não é proibido. Dar um bônus em dinheiro ou um prêmio legal para todos os funcionários das nossas empresas.”

 

- Marlos Melek:

“E a reportagem ainda foi ideológica, pra variar.”

 

- José Koury respondendo a Marlos Melek:

“Sempre é. Imprensa de esquerda.” (emoji de raiva)

 

- Morongo respondendo a José Koury:

“Acho que seria compra de votos... complicado.”

 

Alegam que o reclamado, no curso das mensagens, não alerta para o respeito à Constituição Federal cujo compromisso que possui, ainda que ali não se encontre no exercício da função, é inafastável.  Ademais, alegam que o reclamado não levou ao conhecimento das autoridades brasileiras a gravidade do que foi tratado no grupo de WhatsApp. E, ainda, que se encontra no STF o Inquérito n. 4874/DF no qual foi apresentada notícia-crime acerca do pretendido golpe de Estado.

Dizem que a conduta do reclamado viola os direitos do cidadão, e toda a estrutura existente no Estado Democrático de Direito, bem como a própria razão de ser do cargo ocupado, do tribunal onde exerce a jurisdição, do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho Nacional de Justiça, além da soberania popular. Requerem a apuração dos fatos narrados, verificando-se o cometimento dos crimes destacados, instaurando-se o competente processo legal administrativo disciplinar para aplicação da penalidade cabível e prevista em lei para a espécie.   Os requerentes juntaram os documentos do Id ns. 4826958 e 4844924.

Certidão da secretaria processual no Id. n. 4845180 certifica a ausência de documentos quantos aos reclamantes COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ DE BRASÍLIA - CJP/DF, ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE RÁDIOS COMUNITÁRIAS - AMARC e COMISSÃO BRASILEIRA JUSTIÇA E PAZ – CBJP.

Por meio do despacho do Id. n. 4857884, o reclamado foi instado a prestar informações.

Devidamente intimado, o reclamado apresentou as informações que se encontram no Id. n. 4888654, afirmando que é magistrado substituto do trabalho, atualmente lotado na Vara do Trabalho de Araucária, no Estado do Paraná, e que ao longo de sua carreira conquistou excelente reputação na comunidade jurídica, seja como magistrado, seja como professor nas várias instituições onde já lecionou, como a Escola da Magistratura do Trabalho da 9ª Região, a Universidade Positivo, e a UPIS em Brasília, além de outras demonstrações de inequívoco reconhecimento, como ter sido membro da Equipe de Redação da Reforma Trabalhista (convocado ao Palácio do Planalto, à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal) e juiz auxiliar nesta Corregedoria Nacional entre os anos de 2010 e 2012; que em 18 anos de magistratura nunca sofreu qualquer processo judicial ou administrativo relacionado à sua conduta profissional.

Esclarece que ingressou no grupo de WhatsApp a convite de Daniel Fucks após apresentação graciosa que fez em evento em São Paulo, em homenagem ao Professor Ives Gandra, ao lado do Ministro Marco Aurélio Melo, falando sobre segurança jurídica, sustentando que o seu ingresso no referido grupo de Whatsapp teve como objetivo compartilhar as lâminas de sua apresentação realizada no citado evento em São Paulo.

Prossegue afirmando que não é possível acompanhar todas as mensagens em um grupo com mais de 200 pessoas e que os reclamantes selecionaram mensagens pontuais do grupo de WhatsApp que foram enviadas por diversas pessoas, que não possuem relação com ele, tirando tais mensagens totalmente do seu contexto. As reclamantes concluíram que o juiz reclamado teria cometido “práticas criminosas”, pois “interage com manifestações, em acordo com empresários que abertamente falam em golpe de Estado e compra de votos”, mas que a única mensagem trazida aos autos que foi efetivamente enviada pelo magistrado não se relacionava com golpe ou crime. Aduz que antes dos fatos noticiados pelo site “Metrópoles”, na data de 31 de maio, alguns membros discutiam sobre uma reportagem relativa ao caso “LANCELLOTTI”, tendo o reclamado apenas observado, sem qualquer juízo de valor, que “a reportagem foi ideológica”.

Aduz que a frase “a reportagem é ideológica” foi dita em maio, logo após o reclamado ingressar no grupo, referindo-se a uma reportagem cuja manchete foi “Empresários Atacam Igreja Católica”, matéria esta que, no seu entender, não transmitiu a integralidade dos fatos, o que o motivou a dar a sua opinião, sem qualquer teor eleitoral ou político, referindo-se apenas a uma publicação jornalística sem relação com política.

Que a sua manifestação não teve nada de criminoso e imoral e que as reclamantes pretendem impor a vigilância do pensamento; que se manifestou, pontualmente, mais por educação do que por engajamento, tal como em uma oportunidade na qual explicou os deveres da magistratura informando “Rsssss se a colega realmente falou isso, violou todas as normas da Lei Orgânica da Magistratura e vai estar na rua amanhã.... (emoji). Nós juízes não podemos falar sobre decisões judiciais alheias, tampouco criticar juízes, desembargadores ou ministros. Por isso existe silêncio na Magistratura.”

Por fim, afirma que não cometeu falta disciplinar e nem violou qualquer dos deveres previstos na LOMAN e que os reclamantes abusam do direito de petição, usando deste procedimento como arma de difamação, na medida em que a petição inicial desta Reclamação foi amplamente divulgada no site da ABJD. Requer, assim, o arquivamento da reclamação disciplinar e, subsidiariamente, tendo em vista o princípio da proporcionalidade e o histórico funcional do reclamado, a limitação da punição às sanções de advertência e censura.

Despacho no Id. n. 5013452 indeferiu o sigilo, determinando a renovação da intimação das reclamantes ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE RÁDIOS COMUNITÁRIAS - AMARC e COMISSÃO BRASILEIRA JUSTIÇA E PAZ – CBJP a fim de que regularizassem a representação processual.

Decisão no Id. n. 5076972 excluiu do feito os reclamantes ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ECONOMISTAS PELA DEMOCRACIA – ABED, INSTITUTO DE PESQUISAS E ESTUDOS AVANÇADOS DA MAGISTRATURA E MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – IPEATRA, COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ DE BRASÍLIA – CJP/DF, ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE RÁDIOS COMUNITÁRIAS – AMARC e COMISSÃO BRASILEIRA JUSTIÇA E PAZ – CEJP, tendo em vista a ausência de regularização da representação processual.

                        Intimado para apresentar defesa prévia pela decisão do Id. n. 5162183, o reclamado assim não o fez, conforme certificado no Id. 5271471.

                        No Id. 5261298 o requerido opôs Embargos de Declaração, decidido no Id. 5287775.

É o Relatório.

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0005195-24.2022.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA - ABJD
Requerido: MARLOS AUGUSTO MELEK

 


VOTO

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (RELATOR):  

 

 

2.            A  reclamação disciplinar instaurada em desfavor de Marlos Augusto Melek, juiz do trabalho no Estado do Paraná, tem por finalidade apurar fato noticiado pela Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia – ABID, que relatou a participação do reclamado em grupo de WhatsApp, denominado “Empresários & Política”, bem como sua interação com outros participantes deste coletivo, sendo fato público e notório que alguns dos participantes fomentaram golpe de Estado no país recentemente. O grave fato revela indício de prática de infrações disciplinares.

Regularmente intimado para apresentar defesa, o magistrado, ora investigado, constituiu patronos com poderes especiais (Id. n. 4888655) e, em 03/10/22, apresentou informações (Id. n. 4888654)  nas quais alega, em breve resumo, que é magistrado substituto do trabalho, lotado na Vara do Trabalho de Araucária, no Estado do Paraná, ao longo de sua carreira, conquistou excelente reputação na comunidade jurídica, seja como magistrado, seja como professor nas várias instituições nas quais lecionou, bem como membro da equipe de redação da reforma trabalhista e juiz auxiliar nesta Corregedoria Nacional entre os anos de 2010 e 2012; que ingressou no grupo de WhatsApp “Empresários & Política” a convite de Daniel Fucks, após fazer uma palestra sobre segurança jurídica, ocasião na qual foi abordado pelo referido participante, que lhe solicitou o compartilhamento das lâminas de sua apresentação; que as reclamantes selecionaram mensagens pontuais do grupo de WhatsApp, tirando-as do seu contexto, pois não enviou mensagens que se relacionassem com golpe ou crime; que membros do grupo de WhatsApp discutiam a reportagem que recebeu a manchete “Empresários Atacam Igreja Católica”, relativa ao caso “Lancellotti”, tendo o reclamado apenas observado o cunho ideológico da mesma, por entender que a integralidade dos fatos não fora relatada na reportagem; que em outra oportunidade que se manifestou no grupo de WhatsApp para explicar que juízes devem respeitar o  silêncio e não comentar sobre processos e decisões, inclusive, alheias; que as reclamantes abusaram do direito de petição e divulgaram esta reclamação em seu site, difamando-o.

Requereu a improcedência da reclamação ou a limitação da punição às sanções de advertência e censura.

3.            Como se sabe, o arcabouço normativo que disciplina a magistratura impõe que o juiz atue apartado de qualquer manifestação político-partidária.

A Constituição da República dispõe em seu art. 95, parágrafo único, III, que aos juízes é vedado dedicar-se à atividade político-partidária.

Por outro lado, afirma o Código de Ética da Magistratura Nacional (Resolução CNJ n. 60/2008) em seu art. 7º que: “A independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária.”

Também o Código de Ética nos informa que o exercício da Magistratura exige conduta prudente, diligente e íntegra, bem como que o Magistrado deve primar-se pelo respeito à Constituição e às leis, buscando o fortalecimento das instituições e a realização dos valores democráticos.

Na mesma linha, o Conselho Nacional de Justiça, considerando a significativa quantidade de casos concretos envolvendo redes sociais por magistrados e comportamentos inadequados em manifestações públicas político-partidárias, bem como a vedação aos magistrados acerca da dedicação à atividade político-partidária, editou o Provimento n. 71/2018 que, em seu artigo 3º, ratificou e consolidou diretrizes da LOMAN, estabelecendo que:

“É dever do magistrado ter decoro e manter ilibada conduta pública e particular que assegure a confiança do cidadão, de modo que a manifestação de posicionamento, inclusive em redes sociais, não deve comprometer a imagem do Poder Judiciário nem violar direitos ou garantias fundamentais do cidadão ( CF/1988, art. 37, caput, e Lei Complementar n. 35/1979, art. 35, VIII).”

O mesmo Provimento, em seu art. 4º, diz que:

“O magistrado deve agir com reserva, cautela e discrição ao publicar seus pontos de vista nos perfis pessoais nas redes sociais, evitando a violação de deveres funcionais e a exposição negativa do Poder Judiciário.”

E o art. 6º enfatiza que:

“O magistrado deve evitar, em redes sociais, publicações que possam ser interpretadas como discriminatórias de raça, gênero, condição física, orientação sexual, religiosa e de outros valores ou direitos protegidos ou que comprometam os ideais defendidos pela CF/88.”

Por fim, a LOMAN, ao prever os deveres dos Magistrados, estabelece em seu art. 35, VIII, que cabe aos mesmos manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

Todas estas disposições legais deixam em evidência a necessidade de que o magistrado se conserve afastado das discussões que de algum modo possam colocá-lo em posição de enfrentamento de questões que envolvam, por exemplo, política, atividade política, atividade partidária e opiniões ideológicas.

Neste sentido, o bem jurídico tutelado é o Estado Democrático de Direito. A integridade de conduta do magistrado, ainda que na sua vida privada, contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura, impondo-lhe restrições e exigências pessoais distintas daquelas acometidas aos cidadãos em geral, na forma do que vem disposto nos arts. 15 e 16 do Código de Ética da Magistratura Nacional, com fundamento direto no texto Constitucional.

Todo este arcabouço normativo é fundamental para que a magistratura brasileira possa cultivar princípios éticos reconhecidos internacionalmente. 

4.            No caso concreto, verifica-se de todo o exposto até este momento que o reclamado, ao concordar com a proposta de ser incluído num grupo de WhatsApp denominado “Empresários e Política”, demonstra, à partida, violação à obrigação que possui de manter-se distante do tema “política”.

Ao ter ciência da identidade dos participantes do grupo de WhatsApp, um coletivo de empresários que se encontrava naquele local para discutir temas políticos, e ainda assim se manter como integrante do grupo, o reclamado demonstra o seu desprezo ao dever de prudência e diligência na condução de sua vida privada.

Especificamente acerca da reportagem, estopim do comentário feito pelo reclamado, ao se consultar a rede mundial de computadores é possível verificar que as conversas no grupo de WhatsApp tiveram início após reportagem publicada no site “Brazil Journal”, no sábado (28/5), intitulada “Na São Paulo gélida, um padre e a (verdadeira) mão de Deus”.   Participantes do grupo passaram a se referir ao Padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo, que ajuda pessoas em situação de rua, afirmando que padres que auxiliam pessoas pobres estão errados e que a Igreja é “cúmplice das mazelas do PT”.

Em seguida, no dia 29/05/22, outra reportagem foi publicada no site “Metrópoles”, na coluna do jornalista Guilherme Amado, desta vez intitulada “Empresários Atacam Igreja Católica”, e que depois da veiculação no grupo de WhatsApp desta reportagem, mensagens se sucederam, como por exemplo, a que dizia É da turma do Lula. Hipocrisia pura. Temos que ensinar a pescar, e não dar o peixe. Cada dia que passa é mais malandro vivendo nas costas de quem trabalha”, acrescentando: “Quem defende bandido, bandido é”. 

Portanto, é evidente que as conversas no grupo “Empresários & Política” tinham relação com o Partido dos Trabalhadores, com o candidato à Presidência da República por este partido político, com a oposição entre ele e o então Presidente da República e com a rivalidade entre ambos, bem como com todos os temas daí derivados, incluindo o Padre Júlio Lancellotti e suas obras sociais. 

Apesar disso, o reclamado escolheu permanecer no grupo “Empresários & Política”, mesmo sem ser empresário e apesar do vasto elenco de disposições legais que determinam o seu afastamento de temas que envolvam política. Mas não só: ele ainda fez comentários no grupo, sendo que o comentário motivador da presente reclamação era relacionado ao caráter ideológico da reportagem, segundo o seu entendimento. 

O argumento usado pelo reclamado de ter sido admitido no grupo de WhatsApp “Empresários & Política”, apenas para compartilhar as lâminas da apresentação que fez ao lado do Ministro Marco Aurélio Melo, do STF, em evento em São Paulo em homenagem ao professor Ives Gandra, não se suporta diante da cronologia dos fatos, na medida em que o reclamado permaneceu no grupo, mesmo após conhecer os participantes e ter ciência das mensagens que eram trocadas. É de menor importância a quantidade de vezes em que ele se manifestou. A importância reside no fato de nele ter permanecido e ainda fazer comentários em reportagem com referência à política, à políticos, à ideologia política, e tudo de forma expressa. 

O grupo de WhatsApp no qual se manteve o reclamado passava muito distante de discussões acadêmicas, cotidianas ou corriqueiras. Muito ao contrário, os participantes do grupo, segundo consta e foi noticiado, tramaram contra a República e contra a Democracia, incitando e estimulando condutas antidemocráticas.   

De fato, a imprensa noticiou na época que, entre as mensagens trocadas pelos integrantes do aludido grupo, havia as que defendessem um golpe de estado em caso de vitória de Lula sobre Bolsonaro nas eleições de outubro passado.   

Os empresários, inclusive, foram alvos de busca e apreensão determinadas pelo Supremo Tribunal Federal. Não é demais lembrar que ainda hoje há investigações em curso no Supremo Tribunal Federal e que têm como investigados participantes do tal grupo.  

Não se pode descuidar que a manifestação fora feita por um magistrado, o qual, como é sabido, possui deveres e vedações constitucionais que exigem o seu afastamento de qualquer ambiente político. A opinião determinada e emitida pelo reclamado foi proferida por ocasião de um debate acerca de partido político, ideologia e crença política.

Para a magistratura, a liberdade de expressão deve sofrer a ponderação com os deveres funcionais que lhes são afetos, de maneira a não envolver indevidamente a instituição em debates políticos. 

Ademais, o WhatsApp é uma rede social de mensagens instantâneas muitíssimo popular entre os brasileiros, revelando o impacto que as manifestações do reclamado, na qualidade de magistrado, podem obter.

5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão da ponderação entre a liberdade de expressão e a observância dos deveres funcionais da magistratura, conforme a seguir demonstrado:

 

“Direito administrativo e constitucional. Agravo interno em mandado de segurança. Instauração de PAD contra magistrado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ato que saneou os vícios alegados pelo impetrante. Fundamentação adequada para determinar o afastamento da magistratura. 1. Agravo interno interposto contra decisão que denegou a segurança. Mandado de segurança impetrado contra acórdão do CNJ que determinou a instauração de Processo Administrativo Disciplinar para apurar indícios de violação aos deveres funcionais da imparcialidade, serenidade, exatidão, prudência e cautela pelo impetrante. 2. Como regra geral, o controle dos atos do Conselho por esta Corte somente se justifica nas hipóteses de (i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das competências do Conselho e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado. 3. Não se observa injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade na decisão do CNJ. O suposto ato coator saneou os vícios alegados pelo agravante e apresentou fundamentação adequada para seu afastamento da magistratura. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (MS 38495 AgR, Primeira Turma, Relator  Min. ROBERTO BARROSO, Julgamento: 22/11/2022, Publicação: 24/11/2022)

 

“Ação civil originária. Pedido de trancamento e anulação de processo administrativo disciplinar instaurado, perante o Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, contra membro do Ministério Público Federal. Manifestação em rede social. Liberdade de expressão. Limites. Sanção proporcional. Pedidos julgados improcedentes. 1. O Supremo Tribunal Federal já decidiu (ADI 4.638-MC-REF/DF), em relação ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ, mas com motivos perfeitamente aplicáveis ao CNMP, que a competência correcional desse órgão é originária e concorrente à das corregedorias setoriais. Assim, eventual decisão da Corregedoria do Ministério Público Federal em nada afeta a competência do Conselho Nacional do Ministério Público. 2. No campo disciplinar, nenhum recurso ou impugnação está conectado aos votos vencidos, que não têm influência alguma sobre o conteúdo das decisões. Eventual falta de juntada de voto vencido escrito ao acórdão do CNMP não é motivo de nulidade. 3. O relator do PAD tem atribuição para ajustar o seu ritmo de produção à pauta do órgão, de modo que pode pedir a inclusão do feito em pauta enquanto paralelamente se dedica à conclusão da instrução, desde que, na data do julgamento, o trabalho esteja, de fato, concluído. 4. O autor foi punido fundamentalmente por um tweet de 09 de janeiro de 2019, em que disse o seguinte: “Se Renan for presidente do Senado, dificilmente veremos reforma contra corrupção aprovada. Tem contra si várias investigações por corrupção e lavagem de dinheiro. Muitos senadores podem votar nele escondido, mas não terão coragem de votar na luz do dia”. 5. A manifestação, se viesse de um cidadão não investido de autoridade pública ou do titular de um cargo eletivo, seria absolutamente compatível com a liberdade de expressão. Seria a opinião política do emissor, independentemente da procedência ou não do que afirmado. 6. Quando, porém, essa manifestação parte de uma autoridade que tem certas garantias e vedações constitucionais justamente para manter-se fora da arena política, então há um problema. O autor não emitiu uma opinião geral sobre a política, ou sobre a inconveniência do voto secreto no parlamento, ou sobre a persistência, na política, de pessoas contra as quais existem investigações criminais. Não. Ele emitiu opinião muito bem determinada, a respeito de uma eleição específica e contra um candidato claramente identificado. E fez isso numa rede social de amplo alcance, virtualmente acessível por qualquer pessoa. 7. A liberdade de expressão é um direito fundamental que, todavia, precisa ser compatibilizado com outros direitos e deveres estabelecidos na Constituição. No caso específico dos membros do Ministério Público, há uma cláusula constitucional que os remete ao regime jurídico da Magistratura (CF, art. 129, § 4º). Esse é o modelo brasileiro de Ministério Público, um órgão cujos membros têm os mesmos direitos, garantias e vedações da Magistratura. Portanto, a sua liberdade de expressão precisa ser ponderada com os deveres funcionais respectivos, de modo a não envolver indevidamente a instituição em debates políticos. 8. Qualquer manifestação na internet, especialmente em redes sociais abertas, tem potencial para atingir o mundo todo e permanecer disponível para acesso, em tese, por tempo indeterminado. Assim, objetivando evitar danos a outros direitos, deve ser considerada essa circunstância no que se refere à extensão da livre manifestação do pensamento, quando aplicada à realidade da internet. A garantia da liberdade de expressão foi pensada na era pré-internet e, mesmo àquela época, já se considerava que os magistrados precisariam ter prudência em suas manifestações. 9. Não cabe ao Judiciário revisar a fundo todo o contexto, as provas e o grau da sanção, quando ela não apresenta evidente desproporcionalidade com a situação de fato devidamente comprovada nos autos do processo administrativo disciplinar. 10. Pedidos julgados improcedentes.” (Pet 9068, Segunda Turma, Relator  Min. NUNES MARQUES, Julgamento: 08/04/2021, Publicação: 20/04/2021)

 

 

Caminha no mesmo sentido, a jurisprudência deste Conselho nacional de Justiça:

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO DE 1º GRAU VINCULADO AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 01ª REGIÃO. NULIDADE DO ACÓRDÃO DE DEFLAGRAÇÃO DO PAD POR SUPOSTOS VÍCIOS NA INSTAURAÇÃO E NA AVOCAÇÃO DO PROCEDIMENTO PRÉVIO DE APURAÇÃO QUE TRAMITAVA NO ÓRGÃO CENSOR REGIONAL. JULGAMENTO PRESENCIAL DA MEDIDA PREPARATÓRIA. DESVIO DE FINALIDADE. DENÚNCIA ANÔNIMA. IMPEDIMENTO DA ANTERIOR CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA. SUBVERSÃO DO RITO PROCEDIMENTAL. PREMATURO ENCERRAMENTO DA FASE INSTRUTÓRIA. VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. PRELIMINARES AFASTADAS. PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO NÃO CONSUMADA. REDES SOCIAIS. MANIFESTAÇÕES DE ÍNDOLE POLÍTICA DIRECIONADAS A DIVERSAS AUTORIDADES. CARÁTER OFENSIVO E DEPRECIATIVO. VIOLAÇÃO DOS DEVERES INSCULPIDOS NOS ARTS. 35, I E VIII, E 36, III, DA LOMAN, NOS ARTS. 4º, 12, II, 15, 16, 22 E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL E NO ARTS. 2º, 3º E 4º DO PROVIMENTO CNJ Nº 71/2018 CARACTERIZADA. PROCEDÊNCIA DAS IMPUTAÇÕES. PENA DE CENSURA (ART. 42, II, DA LOMAN)

1. Diante da morosidade e das dificuldades verificadas no TRF-1, o Órgão Censor Nacional determinou, de modo absolutamente fundamentado, o prosseguimento da apuração apenas no âmbito deste Conselho Nacional de Justiça, o que atende com rigor o comando extraído do art. 93, IX, da Lei Maior, e guarda plena consonância com as diretrizes que emanam do art. 103-B, § 4º, III, da CF/88, dos artigos 79 e 80, do RICNJ, e dos artigos 12, parágrafo único, e 13, da Resolução CNJ nº 135/2011. A avocação de quaisquer procedimentos – prévios ou não – evidencia a denominada competência concorrente do CNJ para condução do regime disciplinar da magistratura, a qual não se reveste de índole condicionada e/ou subsidiária. Precedentes do STF. Por outro vértice, a decisão proferida em sede de mandado de segurança pelo TRF-1 assegurava ao requerido o julgamento presencial perante a Corte Especial Administrativa Local, o que não ocorreu, diante do encerramento da apuração na esfera do Órgão Censor Regional, levando à conclusão de que o provimento liminar, específico quanto àquele expediente prévio que tramitava na Corte Local, esvaiu-se em seu objeto. Ademais, ciente da inclusão da medida preparatória na pauta virtual deste CNJ, o requerido não se valeu da faculdade prevista pelos artigos 118-A, § 5º, incisos V e VI, e 125, do RICNJ, deixando de suscitar, naquela ocasião, qualquer nulidade, o que fez incidir a preclusão. Preliminares rejeitadas.

2. A regularidade no processamento da medida apuratória perante a Corregedoria Nacional de Justiça foi há muito referendada, por unanimidade, consoante deliberação plenária desta Conselho na 104ª Sessão Virtual, no julgamento do Pedido de Providências nº 0005178-90.2019.2.00.0000, do qual resultou a instauração do presente PAD. Nesse passo, os questionamentos relacionados à suposta ilicitude da apuração prévia motivada por denúncia anônima e à arguição de impedimento da anterior Corregedora Nacional de Justiça refletem temas totalmente superados, não se concebendo qualquer rediscussão no bojo do presente procedimento, ante o óbice insculpido nos artigos 4º, § 1º e 115, §§ 1º e 6º, do RICNJ, dos quais exsurge nítida a conclusão de que as deliberações plenárias desta Casa são insuscetíveis de recurso administrativo. Nulidades afastadas.

3. Os pedidos e as demais questões prejudiciais suscitadas pelo requerido foram oportuna e devidamente apreciadas, indeferindo-se os requerimentos tidos por impertinentes, à luz das normas de regência (incisos I, IV e VIII, do art. 25, do Regimento Interno deste CNJ e Resolução CNJ nº 135/2011) e, portanto, inexistiu qualquer pendência alusiva à fase probatória. Ademais, ultrapassadas as fases dos artigos 16 e 17, da referia Resolução, designou-se o interrogatório do processado (art. 18 do ato normativo em referência), sendo certo que esse último, embora regularmente intimado, deixou de comparecer sem apresentar qualquer justificativa até o início do ato, comunicando a concessão de licença médica quando transcorridos mais de 30 (trinta) dias, ou seja, já em fase de alegações finais (art. 19, do ato normativo em referência), sem oferecer qualquer evidência probatória de que estivesse absolutamente impossibilitado de fazê-lo ao tempo da audiência. Logo, inexistiu subversão do rito processual de qualquer ordem, remanescendo incólumes o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, o que justificou plenamente a regular continuidade na tramitação do presente processo administrativo disciplinar, nos exatos termos estabelecidos pela Resolução CNJ nº 135/2011. Nulidades repelidas.

4. Na forma do art. 24, caput, da Resolução CNJ nº 135/2011 e do artigo 142, inciso I, parágrafo 1º, da Lei 8.112/90, aplicável subsidiariamente, não configurando ilícito penal, o cálculo da prescrição em abstrato envolvendo a falta funcional praticada pelo magistrado deve observar o prazo de 05 (cinco) anos contados da data em que os fatos caracterizadores da infração disciplinar tornaram-se conhecidos pela primeira das autoridades competentes para atuar na respectiva apuração – no caso, a própria Corregedoria Nacional de Justiça -. Não havendo transcorrido 05 (cinco) anos entre a data em que o Órgão Censor desta Casa foi cientificado dos fatos (a partir no início de 2019) – desaguando na autuação de procedimento prévio de apuração perante o TRF-1 - e a instauração do procedimento administrativo disciplinar pelo Plenário deste Conselho (abril/2022), não restou consumada a prescrição sob o ângulo abstrato. Prejudicial não caracterizada.

5. A liberdade de manifestação, consagrada no Texto Constitucional (art. 5º, incisos IV e IX, da Carta Magna), não ostenta conotação absoluta, nem tampouco ilimitada, porquanto passível de submissão a certas restrições, compatíveis com os pilares do Estado Democrático de Direito, implicando deveres e responsabilidades que visam resguardar, no caso dos magistrados, a necessária afirmação dos postulados e demais princípios norteadores da magistratura. Precedentes do STF.
6. Na hipótese, as manifestações do requerido nas redes sociais, para além de refletirem a busca da autopromoção e o notório engajamento político, incitando inclusive a instauração do procedimento de “impeachment” em desfavor de um dos integrantes da mais alta Corte desta Nação, ostentaram cunho ofensivo e também depreciativo quanto à condução de julgamento por órgão judicial diverso, acabando por lançar dúvidas quanto à própria lisura e à dignidade de outros membros da judicatura, ou seja, ultrapassaram os limites inerentes ao exercício do livre direito de expressão de pensamento.

7. Os atos praticados pelo processado, distanciando-se da prudência e da cautela que deveriam nortear as suas manifestações, ainda que de índole privada, na relevante condição de integrante do Poder Judiciário, consubstanciaram falta funcional, a receber a reprovação por parte deste CNJ, pois violadores dos deveres insculpidos nos arts. 35, I e VIII, e 36, III, da LOMAN, nos arts. 4º, 12, II, 15, 16, 22 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional e nos arts. 2º, 3º e 4º do Provimento CNJ nº 71/2018.

8. Sopesados o grau de reprovabilidade da conduta, os resultados e prejuízos daí advindos, a carga coativa da pena, o caráter pedagógico e a eficácia da medida punitiva, bem assim os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, revela-se pertinente a aplicação da penalidade de censura, na forma do art. 42, inciso II, da Lei Orgânica da Magistratura, e do art. 3º, inciso II, c.c art. 4º, segunda parte, da Resolução CNJ nº 135/2011.

9. Processo Administrativo Disciplinar que se julga procedente para aplicar a sanção de censura ao magistrado requerido. (PAD 0003280-37.2022.2.00.0000, Relatora Conselheira Jane Granzoto, 5ª Sessão ordinária de 2023, Data de Julgamento 11/04/23) 

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. INFRAÇÃO DISCIPLINAR IMPUTADA A JUÍZA DE DIREITO.  DIVERSAS PUBLICAÇÕES NAS REDES SOCIAIS DO FACEBOOK COM CONTEÚDO POLÍTICO-PARTIDÁRIO. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 95, PARÁGRAFO ÚNICO, III da CF E NOS ARTS. 35, VIII, E 36, III, DA LOMAN E 1º, 2º, 4º, 7º, 12, II, 13, 15, 16 E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL, BEM COMO DE DISPOSITIVOS DO PROVIMENTO 135/2022 DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA E DA RESOLUÇÃO 305/2019 DO CNJ. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, SEM AFASTAMENTO DA MAGISTRADA.   1. A liberdade de expressão não constitui direito absoluto, e, no caso dos magistrados, deve se coadunar com o necessário à afirmação dos princípios da magistratura.  2. Publicações feitas por magistrados em redes sociais, mesmo que privadas, devem observar o disposto no Provimento n. 135/2022 e na Resolução n. 305/2019, na medida em que seus deveres éticos não se esvaem com o fim do expediente forense.  3. Configura infração disciplinar a conduta consistente em publicar diversas mensagens nas redes sociais do Facebook que manifestam conteúdo incontestavelmente político, em circunstância agravada pelo potencial de influência que as mídias sociais ostentam atualmente. 4. Existência de elementos indiciários apontando afronta ao artigo 95, parágrafo único, III, da CF/88, ao art. 35, VIII, 36, III, da LC 35/79 (LOMAN), aos arts. 1°, 2°, 4º, 7°, 12, II, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, ao art. 2º, §§ 1º, 2º e 3º e aos arts. 2º, IV, 3º, I, do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como aos arts. 3º, II, “b” e “e”, 4º, II, da Resolução n. 305 do CNJ.  5. Os elementos indiciários autorizam a instauração de procedimento administrativo disciplinar (PAD) para que o Conselho Nacional de Justiça possa aprofundar as investigações, se necessário com a produção de novas provas, com vistas a analisar a concreta violação dos deveres funcionais por parte do magistrado, com respeito ao contraditório e ao devido processo legal, aplicando a sanção disciplinar cabível, se for o caso, sem o afastamento cautelar do magistrado.(CNJ - RD - Reclamação Disciplinar - 0007593-41.2022.2.00.0000 - Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO - 3ª Sessão Virtual de 2023 - julgado em 10/03/2023).

 

É forçoso concluir que a liberdade de expressão não é absoluta e não pode ser invocada para excluir a possibilidade de responsabilização disciplinar dos membros da Magistratura que se portem de modo a violar os deveres do cargo, através de manifestações feitas em absoluta inadequação aos princípios e aos parâmetros éticos e jurídicos que regem a atuação dos seus membros. 

4.            Considerando a competência originária deste Conselho Nacional de Justiça, ex vi do art.103-B, 4º, III, da Constituição Federal, bem como o disposto no art. 15, caput, da Resolução 135/2011 do CNJ, entendo pertinente e necessária a apreciação, também nesta oportunidade, do afastamento do Juiz Marlos Augusto Melek do exercício da judicatura.

A conduta do reclamado, embora já praticada, possui o condão de gerar mácula na imagem do Poder Judiciário e na confiança do jurisdicionado face a tal Poder (“manter a idoneidade do exercício do poder que é a jurisdição” - ADI n. 4709, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2022, DJe 09-06-2022), caso seja constatado por esses mesmos jurisdicionados que o reclamado permanece com a sua vida funcional inalterada. 

Por fim, a verificação acerca do efetivo prejuízo de sua conduta, caso o magistrado permaneça no exercício das funções, também autoriza o afastamento, na esteira do que prevê o art. 15, caput, da Resolução 135/2011.

Como dito, o caso em julgamento se refere a  atos incompatíveis com as funções judicantes, violadores das normas constitucionais e regulamentares que regem a magistratura brasileira, como exaustivamente fundamentado.

Ademais, as garantias inerentes à magistratura devem se compatibilizar com os direitos fundamentais dos cidadãos, em especial, o direito de ser julgado perante um magistrado prudente e que respeite a dignidade do cargo e da Justiça.

Em suma, há elementos que conduzem para a existência de indícios do possível cometimento de infrações disciplinares pelo magistrado, e resta evidenciada a necessidade de avançar nas investigações e na obtenção de outros dados e informações para o melhor esclarecimento dos fatos.

5.            Ante o exposto, proponho a imediata abertura de processo administrativo disciplinar em desfavor de MARLOS AUGUSTO MELEK, pela prática de atos em descumprimento aos deveres do cargo, com ofensa ao disposto no art. 35, VIII, da LOMAN; nos arts. 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, a ser distribuído a um dos eminentes conselheiros relator, a quem competirá ordenar e dirigir a instrução respectiva, e, de forma excepcional e preventiva, proponho o AFASTAMENTO IMEDIATO do reclamado do EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES JURISDICIONAIS.

 

Após, se acolhida a proposição, a expedição de CARTA DE ORDEM à Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, para que promova o afastamento imediato do reclamado MARLOS AUGUSTO MELEK. 

É como voto.

Após as comunicações e intimações, arquivem-se os autos.

 

 

 

 

 

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

 

PORTARIA N.    DE                    DE 2023.

 

Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de magistrado.

 

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos arts. 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI n. 4.638/DF;

CONSIDERANDO o disposto no § 5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135, de 13 de julho de 2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e do Regimento Interno do CNJ;

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento da Reclamação Disciplinar n. 0005195-24.2022.2.00.0000, durante a ------ª Sessão Ordinária, realizada em --------- de --------------- de 2023, na qual reconhecida a existência de indícios suficientes de que o reclamado, MARLOS AUGUSTO MELEK, ao integrar e se manifestar em grupo de Whatsapp denominado “Empresários & Política” agiu em desacordo com os valores éticos da magistratura;

CONSIDERANDO que o Plenário reconheceu a evidência de possíveis infrações disciplinares cometidas por MARLOS AUGUSTO MELEK, por atuar de forma incompatível com a dignidade, honra e decoro do cargo, em violação do art. 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – a versar sobre o dever do juiz de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular – e dos arts. 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, alusivos às regras de integridade e ética a nortear a conduta de todos os magistrados;

RESOLVE:

Art. 1º Instaurar Processo Administrativo Disciplinar em desfavor de MARLOS AUGUSTO MELEK, juiz do trabalho do TRT 9ª Região, com afastamento de suas funções – ante a fundada suspeita de ter o magistrado maculado a imagem do Poder Judiciário –  para apurar eventual atuação incompatível com a dignidade, honra e decoro do cargo, por violação, em tese, do art. 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, bem como de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular; e, dos arts. 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, alusivos ao dever de integridade e ética a nortear a conduta de todos os magistrados;

Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região acerca da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de Processo Administrativo Disciplinar objeto desta portaria.

Art. 3º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros, nos termos do art. 74 do RICNJ.

 

Ministra ROSA WEBER

Presidente do Conselho Nacional de Justiça