Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0005129-10.2023.2.00.0000
Requerente: MARCIA THAISE LIMA CRUZ
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO - TJMA

 


EMENTA: 

 

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. RATIFICAÇÃO DE DECISÃO LIMINAR. CONCURSO PÚBLICO PARA MAGISTRATURA ESTADUAL. FASE ORAL. DISTINTAS AVALIAÇÕES. CANDIDATA GRÁVIDA. TRATAMENTO DIFERENCIADO. POSSIBILIDADE. IGUALDADE MATERIAL E DIGNIDADE HUMANA. LIMINAR DEFERIDA. 

1. Em homenagem aos princípios da igualdade material e da dignidade humana, deve-se garantir tratamento diferenciado para a candidata gestante, assegurando o direito de remarcação da prova oral nas mesmas condições e características conferidas aos demais candidatos.

2. Candidata impedida de realizar a fase oral do concurso por se encontrar na 36ª semana de gestação e sendo esta considerada de alto risco, com início de AVC e suspeita de pré-eclâmpsia.

3. Pedido liminar acolhido diante da presença dos pressupostos do artigo 25, inciso XI, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça. 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, ratificou a liminar, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 17 de novembro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante da Câmara dos Deputados.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0005129-10.2023.2.00.0000
Requerente: MARCIA THAISE LIMA CRUZ
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO - TJMA


RELATÓRIO

 

     

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido de liminar, proposto por Márcia Thaíse Lima Cruz em face do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJMA), no qual questiona a organização do Concurso Público para o Provimento de Vagas e a Formação de Cadastro de Reserva no Cargo de Juiz de Direito Substituto, regido pelo Edital n.º 01/2022.

Como candidata regularmente inscrita, informa que foi aprovada nas etapas iniciais do certame (provas objetiva, escrita e prática), sendo, posteriormente, convocada para a realização da prova oral. De acordo com o Edital n.º 24/2023, relata que o sorteio sobre o ponto e a respectiva arguição foram marcados para ocorrer entre os dias 4.7.2023 e 5.7.2023.

Em razão do avançado estágio da sua gravidez (36 semanas de gestação), assevera que necessitou passar por uma inspeção médica para avaliar a possibilidade de a requerente realizar viagem aérea de Belo Horizonte/MG até São Luís/MA. Relata, contudo, que a médica obstetra responsável pelo seu pré-natal não autorizou a referida viagem, em razão da gravidez caracterizada como de alto risco.

Diante do impeditivo noticiado, a requerente aduz que, apesar de ter solicitado a remarcação da data de sua arguição, a banca examinadora do certame não apresentou qualquer resposta.

No mesmo dia em que encaminhou o requerimento, em 27.6.2023, portanto antes da referida etapa, assevera que precisou se submeter a uma investigação médica em Belo Horizonte/MG, em razão do início de um AVC e suspeita de pré-eclâmpsia, decorrente da alta pressão arterial. Posteriormente, durante toda a semana de realização da prova oral, argumenta que chegou a ser internada e precisou de acompanhamento médico constante, em razão da sua gestação ser considerada de risco, sendo o parto realizado prematuramente no dia 11 de julho de 2023. Sustenta, assim, que “seria impossível que a requerente realizasse a prova oral na data agendada, posto que colocaria em risco a sua vida e a de sua filha”.

Pelos fatos e fundamentos que apresenta, solicita a concessão de medida liminar para que seja remarcada a data da sua prova oral, devendo o referido ato ser realizado por meio de videoconferência e resguardado o prazo de 60 (sessenta) dias após o parto, com possibilidade de prorrogação em caso de eventual intercorrência médica. Não sendo possível a realização da prova oral por videoconferência, pugna, subsidiariamente e ainda em sede de liminar, pela realização da prova oral no prazo de 60 (sessenta) dias após o parto, com possibilidade de prorrogação no caso de eventual intercorrência médica. No mérito, requer a confirmação da decisão liminar, de forma a viabilizar a sua participação na referida prova oral do concurso público em exame.

O TJMA apresentou inicial manifestação de defesa por meio do Ofício n.º 1654/2023 (Id 5253815 e seguintes), pontuando, em síntese, que a solicitação encaminhada pela requerente para remarcação da prova oral foi devidamente apreciada pela Comissão do Concurso no dia 28 de junho de 2023, tendo sido deliberado pelo seu indeferimento.

O Tribunal considerou que “não pode o cronograma de um concurso público dessa magnitude ficar sujeito a mudanças em função da situação específica de cada candidato, sob pena de violação do princípio da isonomia”. Consignou, ainda, que a prova oral foi encerrada no dia 10.7.2023, sendo o resultado final do concurso divulgado no dia 3.8.2023 e posteriormente homologado no dia 16.8.2023.

Na análise dos autos (Id 5260072), em 22.8.2023, foi deferido o pleito liminar, ad referendum do Plenário do CNJ, para determinar a suspensão imediata do Concurso Público para o Provimento de Vagas e a Formação de Cadastro de Reserva no Cargo de Juiz de Direito Substituto do TJMA, e a consequente remarcação da prova oral pela candidata ora requerente. 

Ato contínuo, foi deferida a habilitação da Associação dos Magistrados do Maranhão (AMMA) como terceira interessada (Id 5270030).

Posteriormente, o Tribunal apresentou nova manifestação junto ao Id 5266502 e ao Id 5277402, na qual informa que adotou todas as providências necessárias para a remarcação da prova oral da candidata ora requerente, cujo ato foi designado para o dia 24.9.2023. A par disso, pugnou pela reconsideração parcial da medida liminar requerida “para autorizar a imediata nomeação e posse dos candidatos aprovados dentro do número de vagas disponibilizadas no Edital”.

Diante das ponderações apresentadas pelo TJMA, que noticiou a adoção das providências necessárias para realização da prova oral pela candidata gestante, a decisão cautelar foi parcialmente reconsiderada (Id 5279115). Foi autorizado o prosseguimento das demais fases do certame, nos termos solicitados pelo Tribunal.

Nesse contexto, remanesce na decisão liminar tão somente a decisão que assegura a participação da candidata gestante na fase oral do concurso.

É o Relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0005129-10.2023.2.00.0000
Requerente: MARCIA THAISE LIMA CRUZ
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO - TJMA

VOTO

Em cumprimento ao disposto no art. 25, XI, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), submeto à apreciação do Plenário a decisão liminar proferida nos presentes autos (Id 5260072), cujas razões foram assim apresentadas:

DECISÃO 

(...)

De acordo o disposto no art. 25, XI[1], do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ), o deferimento de providências urgentes possui natureza excepcional e está condicionado à presença da plausibilidade do direito invocado e à demonstração da necessidade de provimento acautelatório imediato ante o risco de perecimento do direito invocado (periculum in mora). 

Firme nas premissas acima delineadas, reputo caracterizados os requisitos autorizadores da concessão parcial da pretensão cautelar, nos seguintes termos. 

Convém registrar, assim, que, apesar do argumento de natureza individual do caso em apreço, compreendo presente a necessária repercussão geral justificadora da atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Para além da conformação da temática em apreço aos direitos e garantias fundamentais, vez que amparada nos princípios da igualdade material e da dignidade humana, é relevante a avaliação da particularidade do caso, como forma de orientação e reconhecimento da situação jurídica para todas aquelas candidatas que se encontram em semelhante estado gestacional, sem que essa importante fase da vida possa importar em restrição ao amplo direito de concorrer aos mais variados cargos públicos.

Ressalte-se que a proteção à maternidade, à família e ao planejamento familiar são preceitos de amplo espectro, pois direcionados para todas as mulheres e famílias, bem como a própria sociedade. A natureza ora assinalada foi enfaticamente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na definição do Tema n.º 973. Aviste-se: 

Tema 973 - Possibilidade de remarcação do teste de aptidão física de candidata grávida à época de sua realização, independentemente de haver previsão expressa nesse sentido no edital do concurso público.

Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 5º, caput, 6º, 37 e 226, § 7º, da Constituição da República a possibilidade de candidata grávida ser submetida ao teste de aptidão física em época diversa daquela prevista no edital do concurso público[2]. 

A consolidação da referida tese decorreu da reconhecida repercussão geral assinalada pelo STF no julgamento da temática envolvida nos respectivos autos (RE 1058333), direcionada para a proteção da mulher, da família e da sociedade familiar, sem impeditivos ou barreiras discriminatórias que possam afrontar o princípio da igualdade material consagrado na norma constitucional.

Sobreleve-se, ademais, que a proteção à maternidade constitui objetivo de caráter social que transcende a simples perspectiva de proteção dos direitos da candidata ora requerente e da vida privada da gestante (direito transindividual), encartando verdadeiro fator de renovação das gerações, tema de interesse e importância universal.

Afasto, assim, o suscitado argumento de natureza individual.

No caso dos autos, como candidata regularmente inscrita no Concurso Público para o Provimento de Vagas e a Formação de Cadastro de Reserva no Cargo de Juiz Substituto do TJMA, regido pelo Edital n.º 1/2022, a requerente logrou aprovação nas fases iniciais do certame e foi, posteriormente, convocada para a realização da prova oral. O sorteio do ponto de arguição foi designado para ocorrer no dia 4.7.2023 e a respectiva avaliação no dia 5.7.2023.

Ocorre que, por se encontrar na 36ª semana de gestação e sendo esta considerada de alto risco, dadas as fortes intercorrências assinaladas no decorrer do período gestacional, pontue-se, por essencial com início de AVC e suspeita de pré-eclâmpsia decorrente da alta pressão arterial, a candidata se encontrou impedida de viajar até a cidade de São Luís/MA para realização da tratada fase do certame.

Apesar da requerente solicitar remarcação da prova, a banca examinadora indeferiu sua pretensão por reputar incabível o tratamento diferenciado.

A despeito do argumento apresentado pelo Tribunal requerido e da própria omissão do edital, o caso posto no presente procedimento administrativo demanda interpretação em consonância com os princípios e normais constitucionais. Revela questão sensível, diretamente relacionada ao direito da igualdade material e à dignidade humana, que devem ser interpretados em coerência com os direitos da mulher, de forma a resguardar o interesse social manifestado no direito ao planejamento familiar, no direito à saúde e nos princípios da administração pública aplicados ao concurso público.

A Constituição Federal de 1988 assinala, como garantia fundamental do Estado, a promoção do bem de todos, sem preconceito de sexo, como forma de reduzir as desigualdades sociais e garantir o desenvolvimento nacional (art. 3º)[3]. De forma mais enfática, o art. 7º, XXX, proíbe qualquer tipo de diferença nas relações laborais, inclusive perante a Administração Pública, por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Reconhece, assim, o estabelecimento de condições diferenciadas de tratamento que devem ser sopesadas para afirmação do princípio da igualdade material.

Na ordem jurídica internacional, destaque-se que a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em 1993 em Viena, debruçou-se sobre a importante temática de desenvolvimento de ações e planos estratégicos de fomento à maior participação e plena garantia dos direitos da mulher. Prevendo a necessidade de integração e plena participação das mulheres, não apenas como agentes, mas também como destinatárias do processo de desenvolvimento, plenificados estão os objetivos estabelecidos sobre a ação global a favor das mulheres para um desenvolvimento sustentável e equitativo.

A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, promulgada internamente por meio do Decreto n.º 4.377/2002, impõe aos Estados-Partes a necessidade de desenvolvimento de medidas concretas destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher. Reconhece, expressamente, o dever dos respectivos países signatários de adotar medidas de proteção da maternidade, cuja abordagem diferenciada não implica em tratamento discriminatório. Cite-se:

Artigo 4º

1. A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como consequência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.

2. A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais, inclusive as contidas na presente Convenção, destinadas a proteger a maternidade, não se considerará discriminatória. 

Firme nesse entendimento, denota-se, em consonância com o princípio da igualdade material, o desenvolvimento de ações que reconheçam as diferenças e particularidades de cada gênero humano, de sorte a evitar medidas discriminatórias que possam obstar a efetiva participação das mulheres em todos os campos da atividade laboral.

Nas lições de Marçal Justen Filho, o conteúdo essencial do princípio da igualdade “reside em impedir que algum sujeito receba tratamento mais vantajoso ou prejudicial do que o reservado para o conjunto da população”[4], sendo certo que a impessoalidade não afasta a exigência de tratamento igualitário para os iguais e diferenciado para os não iguais.

A mesma compreensão é pontuada em recente julgado publicado pelo STF. No julgamento do Recurso Extraordinário n.º 1058333/PR, de Relatoria do e. Ministro Luiz Fux, o Plenário da Corte assentou o entendimento segundo o qual deve ser reconhecido à candidata gestante o direito subjetivo ao tratamento especial na organização dos concursos públicos, sendo a liberdade reprodutiva encartada como ideário na norma constitucional. Confira-se:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA GRÁVIDA À ÉPOCA DA REALIZAÇÃO DO TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. POSSIBILIDADE DE REMARCAÇÃO INDEPENDENTE DE PREVISÃO EDITALÍCIA. DIREITO À IGUALDADE, DIGNIDADE HUMANA E LIBERDADE REPRODUTIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. 1) O teste de aptidão física para a candidata gestante pode ser remarcado, posto direito subjetivo que promove a igualdade de gênero, a busca pela felicidade, a liberdade reprodutiva e outros valores encartados pelo constituinte como ideário da nação brasileira. 2) A remarcação do teste de aptidão física, como único meio possível de viabilizar que a candidata gestante à época do teste continue participando do certame, estende-lhe oportunidades de vida que se descortinam para outros, oportunizando o acesso mais isonômico a cargos públicos. 3) O princípio da isonomia se resguarda, ainda, por a candidata ter de, superado o estado gravídico, comprovar que possui a mesma aptidão física exigida para os demais candidatos, obtendo a performance mínima. 4) A família, mercê de ser a base da sociedade, tem especial proteção do Estado (artigo 226 da CRFB), sendo certo que a Constituição de República se posicionou expressamente a favor da proteção à maternidade (artigo 6º) e assegurou direito ao planejamento familiar (artigo 226, § 7º), além de encontrar especial tutela no direito de previdência social (artigo 201, II) e no direito de assistência social (artigo 203, I). 5) O direito à saúde, tutelado expressamente no artigo 6º, requer uma especial proteção no presente caso, vez que a prática de esforços físicos incompatíveis com a fase gestacional pode por em risco a saúde da gestante ou mesmo do bebê. 6) O constituinte expressamente vedou qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas que obstaculize o planejamento familiar (art. 226, §7º), assim como assegurou o acesso às informações e meios para sua efetivação e impôs o dever de propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito. 7) A ampla acessibilidade a cargos, empregos e funções públicas é assegurada expressamente em nosso sistema constitucional (art. 37, I), como corolário do princípio da isonomia, da participação política e o da eficiência administrativa. 8) A remarcação do teste de aptidão física realiza com efetividade os postulados constitucionais, atingindo os melhores resultados com recursos mínimos, vez que o certame prossegue quanto aos demais candidatos, sem descuidar do cânone da impessoalidade. 9) A continuidade do concurso em geral, com reserva de vagas em quantidade correspondente ao número de candidatas gestantes, permite que Administração Pública gerencial desde logo supra sua deficiência de contingente profissional, escopo último do concurso, assim como permite que os candidatos aprovados possam ser desde logo nomeados e empossados, respeitada a ordem de classificação. 10) O adiamento fundamentado na condição gestatória se estende pelo período necessário para superação da condição, cujas condições e prazos devem ser determinados pela Administração Pública, preferencialmente em edital, resguardada a discricionariedade do administrador público e o princípio da vinculação às cláusulas editalícias. 11) A inexistência de previsão em edital do direito à remarcação, como no presente caso, não afasta o direito da candidata gestante, vez que fundado em valores constitucionais maiores cuja juridicidade se irradia por todo o ordenamento jurídico. Por essa mesma razão, ainda que houvesse previsão expressa em sentido contrário, assegurado estaria o direito à remarcação do teste de aptidão para a candidata gestante. 12) A mera previsão em edital do requisito criado pelo administrador público não exsurge o reconhecimento automático de sua juridicidade. 13) A gravidez não se insere na categoria de “problema temporário de saúde” de que trata o Tema 335 de Repercussão Geral. É que a condição de gestante goza de proteção constitucional reforçada, por ter o constituinte estabelecido expressamente a proteção à maternidade, à família e ao planejamento familiar. 14) Nego provimento ao recurso, para fixar a tese de que “É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata aprovada nas provas escritas que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público”[5]. (Grifo nosso)

Por certo, o referido precedente jurisprudencial envolveu a realização do teste de aptidão física. Contudo, não obstante as especificidades de cada fase do certame, compreende-se que igual orientação pode ser aplicada para a organização da prova oral, por constituir fase igualmente realizada de forma individualizada por candidato. Assim, em razão da natureza cindível do ato, compreende-se possível a pretendida remarcação.

É sabido que o Supremo, no julgamento do RE n.º 630733, também fixou a tese de que “inexiste direito dos candidatos em concurso público à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física, salvo contrária disposição editalícia, em razão de circunstâncias pessoais” (Tema n.º 335). Contudo, o próprio STF já explicitou a existência de distinguishing para o caso de gravidez, que não se equipara a problema temporário de saúde.

Nesse diapasão, imprescindível é a exortação das ponderações da r. Ministra Rosa Weber, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n.º 820.065:

(...) Ressalto, inaplicável ao caso a orientação firmada no julgamento do RE 630.733, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado sob a sistemática da repercussão geral, no qual decidiu-se pela impossibilidade de remarcação de teste físico em razão de problema temporário de saúde quando presente vedação expressa no edital. Com efeito, a hipótese presente versa situação fática distinta, conforme consignado pela Corte de origem, porquanto ‘(...) não há previsão no edital no sentido de que a candidata será eliminada em virtude de gravidez (...)’, tampouco constitui estado de gravidez ‘problema temporário de saúde’.[6]

Anota-se, nessa quadra, que, no julgamento do Procedimento de Controle Administrativo n.º 0006779-97.2020.2.00.0000, de relatoria da então Cons. Maria Tereza Uille Gomes, o Plenário deste Conselho reconheceu, por iguais fundamentos, a necessidade de tratamento diferenciado para a candidata gestante, assegurando o direito de remarcação da prova oral nas mesmas condições e características conferidas aos demais candidatos, de forma presencial.

Na oportunidade, pontuou-se que a eventual realização de prova oral por videoconferência pode envolver ambiente não controlado e incerteza quanto a idoneidade do ato, além constituir tratamento desigual entre os candidatos. Poste-se:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA. CONCURSO DA MAGISTRATURA. PROVA ORAL. VIDEOCONFERÊNCIA. CANDIDATAS GESTANTES. AMBIENTE NÃO CONTROLADO. INCERTEZA QUANTO À SEGURANÇA E À IDONEIDADE DO ATO. FALTA DE ISONOMIA COM OS DEMAIS CANDIDATOS QUE FORAM ARGUIDOS PRESENCIALMENTE. PERDA PARCIAL DO OBJETO DA PROVA ORAL, QUE TAMBÉM TEM O PROPÓSITO DE AFERIR O ESTADO DE ESPÍRITO E A SERENIDADE DO CANDIDATO EM SITUAÇÕES DE STRESS NO CONFRONTO PRESENCIAL DE IDEIAS QUE É COMUM NA ATIVIDADE JUDICANTE. IMPOSSIBILIDADE DE PROVA ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA. REMARCAÇÃO DA DATA DO ATO. REALIZAÇÃO NO ÂMBITO DO TRIBUNAL. OPÇÃO QUE MELHOR SE COADUNA AO PRECEDENTE DO STF INVOCADO E NÃO COLOCA EM RISCO A SAÚDE DA MULHER E DO FETO PELA SUJEIÇÃO À SITUAÇÃO DE STRESS EMOCIONAL. RATIFICAÇÃO PARCIAL DA LIMINAR[7]. (Grifo nosso)

Apesar da supramencionada decisão ter sido proferida em sede de liminar, o direito à remarcação da prova oral para a candidata gestante restou posteriormente assegurado quando da homologação de acordo firmado entre as partes.

Por derradeiro, enfatize-se que igual compreensão é apresentada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em sua Recomendação n.º 83, de 10 de agosto de 2021. Para o CNMP, a igualdade de gênero constitui expressão da cidadania e da dignidade humana, as quais são princípios fundamentais da República Federativa do Brasil e bases do Estado Democrático de Direito, nos termos dos incisos II e II do art. 1º da Constituição Federal, devendo-se, assim, assegurar condições diferenciadas para gestantes e lactantes na realização de concurso público. Observe-se:

Art. 1º Esta Recomendação dispõe sobre condições diferenciadas a gestantes e lactantes na realização de concurso público, em curso de vitaliciamento, no estágio probatório e durante o exercício das funções institucionais.

Art. 2º Fica garantida a realização de prova oral, por meio virtual, para o ingresso nas carreiras iniciais de membras do Ministério Público, quando o deslocamento para o local do exame venha a requerer a necessária utilização de transporte aéreo, terrestre ou aquático:

I - às candidatas grávidas a partir da 28ª (vigésima oitava) semana de gestação;

II - às candidatas gestantes em casos de gravidez de risco, independentemente da fase de gestação, desde que o deslocamento em questão não seja recomendado pelo(a) médico(a) que a acompanha;

III - às candidatas em fase puerperal; e

IV – às candidatas lactantes. (Grifo nosso)

Postais tais considerações, reputo presentes os requisitos necessários para o deferimento da medida de urgência, ante a caracterizada plausibilidade e do perigo de dano do direito alegado.

Ressalto que, em razão do avançado desenvolvimento do concurso público em análise, cujo resultado final já foi homologado pelo Tribunal de Justiça requerido em 16.8.2023, compreendo necessário o realinhamento do certame aos ditames constitucionais, de sorte a propiciar a sua escorreita organização ao contexto acima explicitado.

Ante o exposto, em exame de cognição sumária e nos termos do art. 25, XI, do Regimento Interno do CNJ, CONCEDO a medida liminar para determinar:

(i) a imediata suspensão do Concurso Público para o Provimento de Vagas e a Formação de Cadastro de Reserva no Cargo de Juiz de Direito Substituto do TJMA, regido pelo Edital n.º 01/2022, devendo o Tribunal se abster de realizar qualquer ato de nomeação, posse e exercício dos candidatos aprovados, até ulterior determinação deste Conselho;

(ii) que o Tribunal de Justiça requerido propicie a remarcação da prova oral pela candidata ora requerente, de forma presencial e nos mesmos termos proporcionados aos demais candidatos, observada a antecedência mínima de 15 (quinze) dias entre a convocação e a data de realização da prova, nos termos do art. 50 da Resolução CNJ n.º 75/2009, e por considerar que o parto já ocorreu há mais de 30 (trinta) dias.

Determino que o TJMA e a respectiva instituição organizadora publiquem novo edital para cientificar os demais candidatos acerca da presente decisão.

Inclua-se o feito em pauta, na primeira oportunidade, para submissão da presente decisão ao referendo do Plenário do Conselho Nacional de Justiça, na forma regimental.

Intime-se o TJMA para ciência e imediato cumprimento da presente decisão


À Secretaria Processual para as providências cabíveis, com a urgência que o caso requer.

Brasília/DF, data registrada no sistema. 

Conselheiro João Paulo Schoucair

Relator

 

A despeito dos termos da decisão liminar acima mencionada, relevante destacar que, atendendo requerimento posteriormente apresentado pelo TJMA (Id 5266502 e ao Id 5277402), que noticiou a adoção das providências necessárias para a remarcação da prova oral da requerente e cujo ato foi designado para o dia 24.9.2023, a decisão liminar foi parcialmente reconsiderada.

Acolhendo os fundamentos apresentados, foi afastada a decisão de suspensão do certame para “autorizar a imediata nomeação e posse dos candidatos aprovados dentro do número de vagas disponibilizadas no Edital” (Decisão – Id 5279115).

Assim, remanesce a necessidade de confirmação da decisão cautelar tão somente no tocante à decisão que assegurou a remarcação da prova oral para a candidata que, nas datas inicialmente agendadas pelo Tribunal, se encontrava impedida de participar da referida fase por se encontrar na 36ª semana de gestação e sendo esta considerada de alto risco, com início de AVC e suspeita de pré-eclâmpsia decorrente da alta pressão arterial.

Por todo exposto, reitero os fundamentos acima transcritos para propor a ratificação da liminar apresentada.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.  

 

Conselheiro João Paulo Schoucair 

Relator 



[1] Art. 25 (...) XI - deferir medidas urgentes e acauteladoras, motivadamente, quando haja fundado receio de prejuízo, dano irreparável ou risco de perecimento do direito invocado, determinando a inclusão em pauta, na sessão seguinte, para submissão ao referendo do Plenário.

[2] STF. Leading Case: RE 1058333. Rel. Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual. Trânsito em julgado em 22/08/2020.

[3] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[4] FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo. 13 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 105.

[5] STF, Tribunal Pleno, RE 1058333, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 27/07/2020.

[6] STF, 1ª T., ARE 820.065-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 17/12/2015.

[7] CNJ - ML – Medida Liminar em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0006779-97.2020.2.00.0000 - Rel. Maria Tereza Uille Gomes - 63ª Sessão Virtual Extraordinária - julgado em 21/09/2020.