Conselho Nacional de Justiça


Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0004905-43.2021.2.00.0000
Requerente: ARIANA CRISTINA DE FREITAS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE




EMENTA 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ. HIPÓTESE DE CABIMENTO. ARTIGO 83 DO REGIMENTO INTERNO DO CNJ. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE ÀS EVIDÊNCIAS DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. REVDIS UTILIZADA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPROCEDÊNCIA.

1. O entendimento deste CNJ sobre o conhecimento da Revisão Disciplinar é no sentido da necessidade de analisar apenas o prazo constitucional de um ano e a indicação, em tese, feita pela parte, de umas das hipóteses previstas no artigo 83 do Regimento Interno do CNJ.

2. O prazo prescricional para a instauração de PAD para apuração de falta funcional praticada por magistrado, qualquer que seja a punição aplicável, será sempre de 5 (cinco) anos, contado a partir da data em que a autoridade competente tomou conhecimento do fato, salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal. Após a alteração da redação do §1º do art. 110 do Código Penal, não é possível reconhecer a prescrição retroativa pela pena em concreto tendo como termo inicial data anterior à instauração do PAD. Precedentes.

3. Alegação de que o acórdão do Tribunal fundamentou a aplicação da pena de advertência nos arts. 1º, 2º, 14, 15 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, bem como no art. 35, inciso VIII, da LOMAN. Defendeu a magistrada que o art. 35, inciso VIII da LOMAN somente foi mencionado no Acórdão que julgou o PAD, impossibilitando o contraditório e ampla defesa.

4. Ocorre, entretanto, que o investigado se defende dos fatos e não da capitulação, assim como ocorre no processo penal. Tendo os fatos apurados sido devidamente delineados na peça inaugural, inexiste nulidade a ser declarada, tendo em vista a ausência de prejuízo à defesa.

5. A magistrada sustentou que a decisão proferida pelo TJCE contrariou a texto expresso da lei e à evidência dos autos, tendo em vista a inexistência de vedação legal do ato de prestar concurso público durante o gozo de licença médica. No entanto, da leitura da Portaria de Instauração e do acórdão proferido pelo Tribunal, verifica-se que o PAD não buscou analisar ou contestar os relatórios médicos da situação enfermidade da requerente ou seu estado de saúde, tampouco apontar vedações legais no ato de participar de concursos públicos no gozo de licença médica, pois, de fato, não existem proibições.

6. O que se buscou, na verdade, foi averiguar se os atos da magistrada, no gozo da licença médica, violariam os deveres de prudência, ética e moralidade previstos no Código de Ética da Magistratura, ou seja, se a postura da requerente na vida particular provocaria descrença dos jurisdicionados em relação ao Tribunal.

7. O Código de Ética da Magistratura - editado pela Resolução CNJ nº 60/2008 e idealizado a partir dos Princípios de Conduta Judicial de Bangalore, constituídos pelas Nações Unidas - tornou-se instrumento para promover a confiança da sociedade brasileira na autoridade moral dos magistrados como forma de robustecer a legitimidade do Poder Judiciário. Nessa perspectiva, o TJCE entendeu, acertadamente, que o ato da requerente de prestar concurso em outros Estados da Federação enquanto gozava licença para tratamento de saúde afrontou a confiança da sociedade local, infringindo os nos arts. 1º, 2º, 14, 15 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

8. A decisão do Tribunal não merece reparos porquanto observou a proporcionalidade e a razoabilidade para aplicar a pena de advertência à requerente.

9. Pretensão meramente recursal, com o intuito de fazer o CNJ reavaliar o julgamento realizado pelo e. TJCE. Entretanto, a jurisprudência deste Conselho é no sentido de não admitir RevDis como sucedâneo recursal.

 

10. Pedidos julgados improcedentes.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, julgou improcedentes os pedidos, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Conselheiros Marcos Vinicius Jardim Rodrigues e Marcello Terto, que acolhiam a revisão disciplinar para absolver a magistrada e determinavam o arquivamento do feito. Ausentes, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Ministério Público da União e da Câmara dos Deputados. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 17 de outubro de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente: pela Requerente, o Advogado Robson Halley Costa Rodrigues; e, pelo Requerido, o Juiz Auxiliar da Presidência Ricardo Alexandre da Silva Costa. Manifestou-se o Subprocurador-Geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0004905-43.2021.2.00.0000
Requerente: ARIANA CRISTINA DE FREITAS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE


 

RELATÓRIO

 O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator):

 

Trata-se de Revisão Disciplinar (RevDis) instaurada por ARIANA CRISTINA DE FREITAS contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), que, nos autos do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) nº 8500579-96.2018.8.06.0026, aplicou à magistrada a sanção de advertência, diante das infrações aos deveres funcionais dispostos nos arts. 1º, 2º, 15, 16, e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional, bem como no inciso VIII do art. 35, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN).

A requerente informou que foi instaurada, em seu desfavor, a Sindicância nº 8500579-96.2018.8.06.0026, “a fim de apurar os fatos indicados nos processos administrativos nº 8500579-96.2018.8.06.0026 – de origem em inspeção na 3ª Vara da Comarca de Quixadá/CE (de titularidade da magistrada desde 06/01/2016) – e nº 8500978-96.2016.8.06.0026 – de origem em inspeção na Vara Única da Comarca de Paraipaba/CE (onde a magistrada exerceu suas funções entre 14/07/2015 e 06/01/2016, quando ascendeu por merecimento à 3ª Vara da Comarca de Quixadá/CE)”.   

Relatou que, em relação à 3ª Vara da Comarca de Quixadá/CE, foi apontado que a magistrada se encontrava no gozo de licença para tratamento de saúde “desde 02/05/2017 (devido a episódios depressivos graves sem sintomas psicóticos e transtornos ansiosos – CID 10 F32.2 + F41 –, com sintomas de ordem psicológica e mental)”. No entanto, foram encontrados “comprovantes de inscrição da magistrada em diversos concursos pela Região Sudeste, em datas que coincidiriam com períodos nos quais a magistrada esteve afastada”.

Já no que diz respeito à Comarca de Paraipaba/CE, noticiou que a conduta a ser apurada seria o fato de a magistrada ter, “no plantão judiciário do dia 24/12/2015 – determinado que em virtude da sua promoção [para a 3ª Vara da Comarca de Quixadá/CE], fosse providenciada pela Secretaria juntada de cópias de despachos em todos os processos então conclusos’, o que supostamente poderia ter ‘o potencial propósito de promover um questionável impulso oficial e a consequente renovação de conclusão dos autos’”.

Afirmou que a Comissão Sindicante concluiu pela “inexistência de ‘qualquer substrato fático-jurídico para aprofundamento das investigações’” e que o Desembargador Corregedor submeteu a decisão de arquivamento à ratificação do Pleno do TJCE, o qual determinou o arquivamento da acusação ocorrida na Vara Única da Comarca de Paraipaba/CE por ausência de justa causa, mas determinou a instauração do PAD para apurar a questão da realização das provas de concurso enquanto a magistrada estava no gozo de licença médica.

Após a regular tramitação do PAD, apontou que o Tribunal realizou o julgamento no dia 06/05/2021 e resolveu lhe aplicar a penalidade de advertência, contrariando a evidências dos autos, bem como desobedecendo a mandamentos legais expressos. 

Aduziu que, diante dos laudos periciais e relatórios de profissionais de saúde apresentados, que correlacionam a patologia da magistrada com as atividades exercidas sob o comando da 3ª Vara da Comarca de Quixadá/CE, e da inabilidade técnica dos desembargadores de diagnosticarem transtornos de saúde mental ou as causas de agravamento, restaria “inequívoca a inexistência de violação de qualquer dever legal por parte da Revisionante”.

Defendeu a impossibilidade de ser reconhecida violação aos deveres legais, por ausência de norma que prescreva a irregularidade da conduta de participar de certames públicos no gozo de licença médica. Sustentou que “a realização de concursos públicos caracterizava-se como uma estratégia objetiva para incentivar a recuperação e o retorno célere da Revisionante à atividade judicante, buscando uma melhoria em seu quadro clínico.”

Alegou, ainda, que, no tocante ao art. 35, inciso VIII, da LOMAN, somente foi mencionado no Acórdão que julgou o PAD, de modo que “a magistrada teve seu direito ao contraditório e à ampla defesa completamente violado, visto que não lhe foi dada oportunidade para se manifestar acerca do supracitado dispositivo”, em afronta ao art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Diante disso, pugnou pela nulidade da condenação neste ponto.  

Subsidiariamente, a requerente pleiteou a aplicação da Recomendação CNJ nº 21/2015 ao processo, uma vez que, “havendo PAD instaurado contra magistrado em virtude de infração disciplinar de reduzido potencial ofensivo relacionada preponderantemente à esfera privada do envolvido, deve o imbróglio, preferencialmente, ser resolvido pela via consensual”.

Ao final, requereu:

 

“a) Receber a presente Revisão Disciplinar, visto que presentes todos os requisitos de admissibilidade exigíveis;

b) Determinar a intimação do Tribunal requerido para que, no prazo legal, apresente o que entender necessário, bem como para que seja juntada a cópia integral do Processo Administrativo Disciplinar originário, com a mídia contendo o interrogatório da magistrada;

c) Reconhecer os vícios na análise de mérito do processo administrativo disciplinar, visto que em clara violação à evidência dos autos e a ato normativo do CNJ;

d) Como consequência, determinar a absolvição da magistrada, por não ter incorrido em qualquer falha de natureza disciplinar;

e) Subsidiariamente ao pedido “d” acima, determinar a aplicação da Recomendação nº 21/2015 do CNJ, para que seja estabelecido entre as partes simples ajustamento de conduta.”

 

Devidamente intimada para prestar informações, a Presidência do TJCE apresentou manifestação no Id 4448185, defendendo a inadequação da via eleita pela requerente para alterar o entendimento do Tribunal, motivo pelo qual requereu o não conhecimento desta RevDis e seu arquivamento sumário, nos termos do art. 83 do RICNJ.

O Tribunal informou, ainda, que o PAD retratado neste incidente foi analisado pelo CNJ quando da apreciação do Pedido de Providências (PP) nº 0000875-96.2020.2.00.0000, momento em que a Corregedoria Nacional de Justiça entendeu pela manutenção do entendimento do Tribunal de origem, de modo que este Conselho não poderia revisar sua própria decisão.

Ao final, defendeu a improcedência dos pedidos, “considerando a inexistência de quaisquer nulidades na decisão revisanda, assim como a demonstração de higidez e razoabilidade da reprimenda aplicada à magistrada, impondo-se igualmente o arquivamento dos autos, com a manutenção do acórdão prolatado por esta Corte no PAD nº. 8500579-96.2018.8.06.0026”.

Devidamente intimado para apresentar razões finais, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu a improcedência do pedido de revisão disciplinar, em razão de ter sido verificado, no bojo do PAD, que a magistrada afrontou os “atributos da cautela, da prudência e da integridade pessoal, dispostos no Código de Ética da Magistratura Nacional, bem como infringiu o dever de manter conduta irrepreensível na vida privada, prevista no art. 35, inciso VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional”, de modo que “a decisão condenatória, portanto, não merece reforma, eis que se fundamentou nos elementos trazidos aos autos” (Id 4465524).

Em seguida, a requerente apresentou razões finais no Id 4484621, impugnando o parecer do MPF para que fosse desconsiderado. Por fim, reiterou os pedidos dispostos na petição inicial da presente RevDis.

Em razão do término do mandato do Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, os autos foram redistribuídos a este Gabinete.

É, em breve síntese, o relatório.

 


Conselho Nacional de Justiça


Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0004905-43.2021.2.00.0000
Requerente: ARIANA CRISTINA DE FREITAS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE



VOTO

O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator):

 

O conhecimento da Revisão Disciplinar está condicionado ao cumprimento do prazo decadencial de menos de um ano[1]   para sua proposição e da indicação, em tese, feita pela parte, de umas das hipóteses previstas no artigo 83 do Regimento Interno do CNJ (RICNJ).  Neste sentido: 

 

“REVISÃO DISCIPLINAR. TEMPESTIVIDADE. PRETENSÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DA PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. ART. 83, INCISOS I, II E III DO REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO NACIONAL DA JUSTIÇA. HIPÓTESES NÃO DEMONSTRADAS. PROPORCIONALIDADE E ADEQUAÇÃO DA PUNIÇÃO DISCIPLINAR. MANUTENÇÃO DA DECISÃO DO TRIBUNAL CENSOR. REVISÃO CONHECIDA E JULGADA IMPROCEDENTE.

I – O conhecimento de Revisão Disciplinar está condicionado, exclusivamente, ao cumprimento do prazo constitucional para sua proposição e à indicação, em tese, do atendimento de uma ou mais das hipóteses previstas no art. 83 do RICNJ.

II – As hipóteses constantes dos incisos do art. 83 constituem o mérito da ação revisional, razão pela qual, caso não comprovadas, após cognição exauriente, resultará em improcedência do pedido.

III – O Acórdão condenatório não merece ser revisto porque ancorado em provas documentais, testemunhais e em termo de confissão colhidos sob o contraditório e a ampla defesa, observado rigorosamente o rito da Resolução CNJ n. 135/2011.

IV – Inexistência de fato novo capaz de desafiar a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

V – Aplicação de pena disciplinar adequada e proporcional à gravidade dos fatos apurados e expressamente confessos.

VI – Revisão Disciplinar conhecida e, no mérito, julgada improcedente.”

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0010755-83.2018.2.00.0000 - Rel. FLÁVIA PESSOA - 304ª Sessão - j. 18/02/2020). Destaque nosso.

 

No que tange ao prazo decadencial, o e. TJCE julgou o PAD nº 8500579-96.2018.8.06.00260 no dia 06/05/2021 e certificou o trânsito em julgado em 15/06/2021[2]  Por outro lado, este procedimento revisional foi proposto em 24/06/2021. Portanto, o lapso temporal exigido foi devidamente cumprido.

Já no que se refere às hipóteses de admissibilidade da RevDis, o RICNJ dispõe:

 

“Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I – quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II – quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III – quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinarem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.” 

 

Em sua inicial, a requerente propôs a presente Revisão Disciplinar indicando a ocorrência do inciso I do artigo 83 do RICNJ, por entender que a decisão do TJCE foi contrária a texto expresso da lei e à evidência dos autos.

Dessa forma, considerando o entendimento deste Conselho de que basta a indicação, em tese, de uma das hipóteses prevista no artigo 83 do RICNJ para o conhecimento e que a parte atendeu a exigência de proposição no prazo de menos de um ano, conheço da RevDis

 Preliminarmente, analiso a alegação de prescrição feita pelo advogado da requerente em sua sustentação oral. Aduziu o ilustre procurador da tribuna que o prazo prescricional seria de 180 (cento e oitenta) dias a contar da data que o fato se tornou conhecido, nos termos do art. 142, §1º da Lei nº 8.112/1990. Apontou que o Tribunal tomou ciência dos fatos com o Relatório de Inspeção da 3ª Vara da Comarca de Quixadá no dia 04/04/2018 e que o PAD somente foi instaurado no dia 27/09/2020, de modo que já se encontraria prescrita a possiblidade a aplicação da pena de advertência em face da magistrada.

Inicialmente é importante lembrar que este Conselho não exerce, em sede de RevDis, o poder punitivo, mas apenas aprecia se foi regular a forma como foi exercido na origem, de modo que a questão de ordem suscitada na tribuna é, na verdade, uma inovação do objeto da presente Revisão, pois se trata de um novo fundamento para justificar uma nulidade.

Não obstante, a Resolução CNJ nº 135/2011 estabeleceu, no art. 24, que o prazo de prescrição de falta funcional praticada pelo magistrado é de 5 (cinco) anos, contados da data em que a autoridade competente tomou conhecimento do fato, salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal. Ocorre que este Conselho, desde o advento da Lei nº 12.234/2010, que alterou a redação do §1º do art. 110 do Código Penal, vem entendendo que não é possível reconhecer a prescrição retroativa pela pena em concreto tendo como termo inicial data anterior à instauração do PAD, senão vejamos:


PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO. QUÓRUM DE DELIBERAÇÃO. MAIORIA ABSOLUTA. MEMBROS EFETIVOS. PRECEDENTE DO CNJ. PRESCRIÇÃO. PENA ANTECIPADA. DESCABIMENTO. ARQUIVAMENTO. DECISÃO CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. INSTAURAÇÃO DE OFÍCIO DE REVISÃO DISCIPLINAR (ART. 83, I, E 86 DO RICNJ).

1. O quórum de maioria absoluta para decisões de caráter administrativo disciplinar, exigido pelo inciso X do art. 93 da Constituição, apura-se a partir do número total de membros efetivos do órgão colegiado máximo dos Tribunais. Precedente do CNJ.

2. Consoante jurisprudência reiterada desta Casa, não é admissível o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva pela pena em concreto potencial, aplicando-se, na seara administrativa, a Súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça, mormente se adotado como termo inicial fato anterior à instauração do processo administrativo disciplinar, por tratar-se de hipótese de prescrição retroativa suprimida do ordenamento jurídico pátrio, mercê do advento da Lei nº 12.234, de 2010, que alterou a redação do § 1º do artigo 110 do Código Penal.

3.(...)

5. Instauração de ofício da Revisão Disciplinar. (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0004516-44.2010.2.00.0000 - Rel. WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR - 124ª Sessão Ordinária - julgado em 12/04/2011). Destaque nosso.

 

Assim, o prazo para o Tribunal na origem instaurar o PAD, qualquer que seja a pena aplicável, será de sempre de 5 (cinco) anos a partir do conhecimento dos fatos pela Corregedoria e não 180 (cento e oitenta) dias como sustenta a requerente, motivo pelo qual deve ser afastada a alegação de prescrição suscitada da tribuna.

Em seguida, a requerente argumenta que a decisão proferida pelo TJCE fundamentou a aplicação da pena de advertência nos arts. 1º, 2º, 14, 15 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, bem como no art. 35, inciso VIII da LOMAN. Defendeu a magistrada que o art. 35, inciso VIII da LOMAN somente foi mencionado no Acórdão que julgou o PAD, impossibilitando o contraditório e ampla defesa.

Ocorre, entretanto, que o investigado se defende dos fatos e não da capitulação, assim como ocorre no processo penal. Na Portaria[3]   de Instauração do PAD, que delimitou os fatos apurados, constou:

 

Considerando indícios de gozo de licença médica com afastamento integral das funções e concomitante inscrição e realização de concursos públicos em outros Estados da Federação, violando aos deveres de prudência, ética e moralidade, constatados através de Sindicância Administrativa, malferindo os princípios previstos no Código de Ética da Magistratura e na Constituição Federal. 

Considerando decisão, por maioria de votos, do Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em sua sessão datada de 27 de agosto de 2020, proferida nos autos do Procedimento Administrativo nº 8500579-96.2018.8.06.0026.

Resolve, na forma prevista na Resolução nº 135, do Conselho Nacional de Justiça, DETERMINAR a instauração de Processo Administrativo Disciplinar em desfavor da magistrada Ariana Cristina de Freitas, Titular da 3ª Vara da Comarca de Quixadá, que terá curso no Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, com o fim específico de apurar eventual ocorrência de violação aos artigos 1º, 2º, 14, 15, 16 e 37, do Código de Ética da Magistratura.” Destaque nosso. 

  

Percebe-se que os fatos apurados foram devidamente delineados na peça inaugural, de modo que inexiste nulidade a ser declarada, tendo em vista a ausência de prejuízo à defesa. Neste sentido já decidiu o Plenário deste Conselho:

 

“REVISÃO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DE PENA DE CENSURA PELO TRIBUNAL. CONTRARIEDADE COM A EVIDÊNCIA DOS AUTOS. NÃO COMPROVAÇÃO. NULIDADES. NÃO COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. APRESENTAÇÃO DE REVISÃO DISCIPLINAR COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO CNJ. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. O magistrado foi punido com a pena de censura pelo TRT da 2ª Região por ter enviado uma mensagem, endereçada a todos os juízes participantes de um grupo de discussão da AMATRA-SP, referindo-se ao Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho com frases ofensivas, jocosas e de baixo calão.

2. Os elementos contidos nos autos do PAD são robustos em demonstrar a autoria e a materialidade da infração disciplinar cometida pelo magistrado.

3. Conforme demonstrado no acórdão prolatado, não há falar em violação ao princípio constitucional do sigilo de correspondência e das comunicações (art. 5º, XII da CF/88).

4. O acórdão prolatado no julgamento do PAD encontra-se em perfeita harmonia com a evidência dos autos, não configurando hipótese de aplicação do art. 83 do RICNJ.

5. Não foi constatada a ocorrência de irregularidade processual e/ou nulidade no julgamento do PAD, tampouco a comprovação de qualquer prejuízo.

6. O reconhecimento da nulidade exige a comprovação do prejuízo, de acordo com o princípio do pas de nullité sans grief, o que não ocorreu na espécie.

7. O requerente utilizou a excepcional via da revisão disciplinar como sucedâneo de recurso administrativo, o que é incabível de acordo com a jurisprudência pacífica deste Conselho.

8. O Conselho Nacional de Justiça não é instância recursal ordinária dos julgamentos de natureza disciplinar realizados pelos tribunais.

9. Revisão disciplinar julgada improcedente.(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003262-89.2017.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO - 100ª Sessão Virtual - julgado em 25/02/2022 ).”

 

 Preliminar que se rejeita.

Suscita o TJCE, ainda, questão preliminar de impossibilidade de rediscussão de matéria já discutida por este Conselho no PP nº 0000875-96.2020.2.00.0000. Entretanto, o referido procedimento foi instaurado de ofício pela Corregedoria Nacional de Justiça em cumprimento das determinações constantes nos artigos 9º, § 3º; 14, § 4º e § 6º; 20, § 4º; e 28 da Resolução CNJ nº 135, referente à obrigação de que as corregedorias locais comuniquem à corregedoria nacional as ocorrências nos procedimentos administrativos disciplinares. 

Tal comunicação dá azo a um procedimento por parte deste CNJ, que muitas vezes se limita a verificar aspectos formais e manter controle da existência de andamento no procedimento, até em razão do enorme volume de comunicações que aportam à corregedoria nacional todos os dias. Assim, data máxima vênia, uma decisão monocrática proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça em tais procedimentos não impede a propositura de Revisão Disciplinar por outros interessados, já que tal decisão monocrática é apenas um indicando de que aquele Órgão censor não vai propor a instauração de RevDis de ofício ao Plenário do CNJ. Nesses termos, rejeito a preliminar e passo a análise do mérito.

A magistrada sustentou que a decisão proferida pelo TJCE contrariou a texto expresso da lei e à evidência dos autos, tendo em vista a inexistência de vedação legal do ato de prestar concurso público durante o gozo de licença médica. Entretanto, razão não assiste à requerente.

Nos termos do voto condutor do acórdão[4]  , a magistrada requerente se afastou do exercício das suas funções em decorrência de licença para tratamento de saúde, no período de 02/05/2017 até abril de 2018. Imediatamente em seguida, fora afastada novamente em razão da instauração do Procedimento Administrativo de Verificação de Incapacidade, Processo nº 8500236-29.2017.8.06.02555, até outubro de 2019.

Ainda segundo o acórdão local, “a licença médica baseava-se na condição de saúde mental apresentada pela magistrada, com episódios depressivos graves sem sintomas psicóticos e transtorno ansioso não especificado, segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionado com a Saúde (CID) (CID 10: F 32.2 + f 41.9)”.

A decisão do Tribunal noticiou, ainda, que, mesmo sendo julgado improcedente o Procedimento de Verificação de Incapacidade, a magistrada não teria retornado às suas funções. Por ser pertinente, transcrevo a conclusão da perícia médica que entendeu estar a requerente apta ao trabalho citada no acórdão do TJCE:

 

Do ponto de vista psiquiátrico não foi identificada qualquer incompatibilidade da periciada exercer atividades de trabalho por ela vocacionadas: reduzir a sua carga quantitativa, no sentido de poder executar com qualidade as atividades funcionais a ela destinadas”. 

 

Durante o afastamento, o Tribunal apurou, e não foi negado pela requerente, a participação da magistrada nos seguintes concursos públicos: 

 

1) 187º Concurso de provas e títulos para ingresso da magistratura do Estado de São Paulo – Inscrições: 17/04/2017 a 17/05/2017. Prova objetiva: 26/06/2017.

2) Concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva no cargo de Defensor Púbico Federal de Segunda Categoria da Carreira de Defensor Público Federal da Defensoria Pública da União – Inscrições: 30/06/2017 a 25/07/2017. Prova objetiva: 24/09/2017.

3) XIV Concurso público para provimento de cargos de Juiz Federal Substituto da 5ª Região – Inscrições: 28/08/2017 a 26/09/2017. Prova objetiva 19/11/2017.

4) I concurso público nacional unificado para ingresso na carreira da magistratura do trabalho – Inscrições: 04/07/2017 a 02/08/2017. Prova objetiva: 08/10/2017.

5) 92º Concurso de Ingresso na carreira do Ministério Público do Estado de São Paulo – Inscrições: 12/06/2017 a 11/07/2017. Prova objetiva: 29/10/2017.

 

Em decorrência de os afastamentos em virtude da licença médica ter se dado no mesmo período da participação da requerente nos certames, o Pleno do TJCE instaurou PAD para apurar violação aos deveres de prudência, ética e moralidade previstos no Código de Ética da Magistratura, consoante delimitação contida na Portaria de Instauração.

Cabe ressaltar, ainda, que a portaria de instauração do PAD e os fundamentos contidos no acórdão que aplicou a pena de advertência à magistrada, deixam claro que o PAD não buscou analisar ou contestar os relatórios médicos da situação enfermidade da requerente ou seu estado de saúde, tampouco tinha como objeto punir a magistrada por haver participado de concursos públicos enquanto no gozo de licença médica, pois, de fato, não existem proibições.

Na verdade, entretanto, o objeto do PAD era averiguar se os atos da magistrada, no gozo da licença médica, violariam os deveres de prudência, ética e moralidade previstos no Código de Ética da Magistratura, ou seja, se a postura da requerente na vida particular provocaria descrença dos jurisdicionados em relação ao Tribunal, de vez que a licença se fundava na incapacidade psicológica para o desempenho integral de suas funções profissionais na magistratura cearense em virtude de um quadro severo de depressão, ao passo que, durante este período de afastamento, estava a magistrada se submetendo a concursos para a magistratura em outras localidades.

O Código de Ética da Magistratura - editado pela Resolução CNJ nº 60/2008 e idealizado a partir dos Princípios de Conduta Judicial de Bangalore, constituídos pelas Nações Unidas - tornou-se instrumento para promover a confiança da sociedade brasileira na autoridade moral dos magistrados como forma de robustecer a legitimidade do Poder Judiciário. Nesse sentido, o citado ato normativo dispôs:

 

“Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos.

(...)

Art. 14. Cumpre ao magistrado ostentar conduta positiva e de colaboração para com os órgãos de controle e de aferição de seu desempenho profissional. 

Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura. 

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.

(...)

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.” 

 

 

Nessa perspectiva, o TJCE entendeu, acertadamente, que o ato da requerente de prestar concurso em outros Estados da Federação enquanto gozava licença para tratamento de saúde afrontou a confiança da sociedade local, nos termos do voto do Relator do PAD, in verbis 

 

“O juiz deve se esforçar, tanto em sua vida profissional quanto pessoal, para ser um modelo de conduta sem pretensão, por óbvio, de perfeição ou endeusamento. Assim, naquilo em que poderia resistir ao erro, deve ser contra ele cobrada conduta exemplar. Não basta, portanto, que o magistrado seja diligente no exercício da função, mas em todo o seu modo de agir, como deixa clara a legislação citada.

(...)

Acontece que, durante o gozo de licença para tratamento de saúde, o magistrado não pode praticar atos que não se coadunam com a justificativa médica (fls. 622/624) que embasa a sua ausência das funções públicas. É que têm certos comportamentos ou atitudes que, se praticados em circunstâncias tais, como aquelas em que o magistrado se afasta para tratar aspectos de sua saúde mental, e, concomitantemente, inscreve-se e participa de concursos públicos, derruem toda a fundamentação médica que serve de supedâneo para o afastamento.

(...)

Perceba-se que não se trata de aferir a legalidade dos atos praticados pela magistrada, como assinalou a comissão Sindicante previamente instaurada a este PAD, concluindo pela inexistência de proibição legal da realização de provas de concursos públicos em período de afastamento para tratamento de saúde (Fls. 472/482).

Com efeito, não há mesmo ilegalidade em realizar provas de certames públicos em gozo de licença para tratamento de saúde. Por outro lado, é preciso compreender que a ideia de moral tem forte influência na atuação do magistrado, compondo aspectos da sua integridade pessoal (art. 1º, Código de Ética da Magistratura Nacional), pois é a partir da construção de sua autoridade moral que o juiz incrementa a confiança da sociedade (art. 15, do Código de Ética da Magistratura Nacional).

A moralidade administrativa, princípio do Direito Administrativo, foi elevada ao patamar constitucional pela Constituição Federal de 1988 e é considerada por diversos autores um dos pilares da Administração Pública, a exemplo de Wallace Paiva Martins Júnior, in Probidade Administrativa. 3ª ed. São Paulo. Ed. Saraiva. 2006, p. 31, para quem o princípio da moralidade ‘é um superprincípio informador dos demais (ou um princípio dos princípios) não podendo reduzi-lo a um mero integrante do princípio da legalidade’, razão pela qual se constitui como precedente lógico na probidade administrativa e guarda relação com o conceito de interesse público e deve ser utilizado como o parâmetro de orientação de comportamento do agente público.

Por sua vez, a integridade é o atributo da correção e da virtude, sendo ela valor absoluto, e, no Judiciário é verdadeira necessidade, pois se ele próprio (o juiz) condena publicamente o que faz na vida privada, acarretará, no mínimo um contrassenso, que, inevitavelmente, conduzirá a uma perda da confiança da sociedade em relação a ele, transferindo esse reflexo para o Judiciário em geral.

(...)

Em outras palavras, o que quero dizer é que, por mais que a magistrada estivesse a passar por momentos de estresse laboral, com episódios depressivos, como bem assinalam os relatórios médicos, tal circunstância não se mostra compatível com a realização de exames de concursos públicos, em diferentes unidades da federação, a demandar, em tese, intensa atividade mental da magistrada, no mesmo período em que afastada para fins de tratamento de saúde mental.

Não é que seja incompatível, por si só, viajar, ler ou estudar em ocasiões de afastamento para tratamento de saúde, em determinadas condições; é preciso analisar e ponderar cada caso, do ponto de vista ético, considerando-se as circunstâncias do caso. Assim, a vida privada do magistrado exige um sacerdócio constante de condutas exemplares e probas, impondo-lhe o dever de cuidado em manter a aparência dos atos praticados hígida e imaculada de qualquer nódoa de desvio moral, tudo isso com a finalidade de cultivar, no jurisdicionado, a devida confiança da judicatura (art. 15, do Código de Ética da Magistratura Nacional).

(...)

É que a concomitância dos fatos em questão, isto é, da realização de várias provas de concursos públicos em período destinado a licença para tratamento de saúde (mental), denota descompromisso com a carreira da magistratura, a ponto de relegar, também, os princípios da prudência, da diligência e da dedicação, primados do Código de Ética da Magistratura Nacional (arts. 12, 20 e 21).”

 

 

Nos termos da decisão local, a conquista da confiança da sociedade local na judicatura recai justamente no comportamento apresentado pelo magistrado na sua vida privada, razão pela qual o juiz deve observar as restrições e exigências do seu cargo e se afastar de situações duvidosas. Nesse sentido é a lição de Alexandre Henry Alves[5] :

 

 

“É por isso que a LOMAN diz ser dever do juiz manter conduta irrepreensível na vida pública e particular. O Código de Ética da Magistratura editado pelo CNJ vai no mesmo sentido, ao dizer que em seu art. 16 que o magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral. O simples recebimento de um presente, por exemplo, deve ser avaliado com bastante cuidado pelo juiz, pois não se admite que esteja vinculado a qualquer forma de favor relativo á função jurisdicional. Deve o magistrado cuidar para não envolver em confusões, brigas, constrangimento públicos, situações morais duvidosas e qualquer outra relação ou atividade que possa manchar seu nome e sua reputação. Caso contrário, pode ser punido pelo tribunal, de acordo com a gravidade de seus atos." Destaque nosso. 

 

 

Ressalte-se que o TJCE se apoiou no laudo da perícia médica realizada no âmbito do Procedimento de Verificação de Incapacidade que concluiu que a magistrada estava apta ao exercício de suas atividades laborais, sendo recomendável somente a redução da carga de trabalho e, mesmo assim, a requerente não havia retornado ao seu mister por força de sucessivos atestados médicos.

Além disso, não se sustenta o argumento da magistrada de que prestou vários concursos sob orientação da psiquiatra que lhe acompanhava, porquanto o documento juntado no Id 4401277 é datado de 18/11/2020, data muito posterior  ao período analisado (2017). Ainda que assim não fosse, possivelmente a profissional da área de saúde não tinha conhecimento das vedações e deveres inerentes à magistratura, de forma que a requerente deveria informar sua psiquiatra a impossibilidade de prestar novos certames e buscar realizar as outras orientações que lhe foram passadas, como “suporte afetivo da rede de apoio dos familiares e amigos, passeios, a prática de exercício físico, e/ou atividades manuais”, por exemplo.

Por fim, no que se refere ao argumento de que havia necessidade de resolução do procedimento disciplinar pela via consensual, consoante a Recomendação CNJ nº 21/2015, cumpre explicar que as recomendações deste Conselho não são de observância obrigatória pelos tribunais. Ademais, conforme apontado no acórdão de origem, “o grau de lesividade da conduta não é reduzido a ponto de alcançar as benesses de um termo de ajustamento de conduta, sendo mais relevante e eficaz, no caso, a imposição da sanção prevista na legislação, do ponto de vista do consequencialíssimo, isto é, de acordo com o qual as decisões dever ser tomadas a partir de suas consequência práticas, a fim de conferir segurança jurídica à sociedade e fortalecer a instituição censora”.

Assim, a decisão impugnada não merece reparos, uma vez que está demonstrado no julgamento do PAD na origem que a magistrada requerente violou os dispostos artigos 1º, 2º, 14, 15, 16 e 37, do Código de Ética da Magistratura, bem como o art. 35, inciso VIII da LOMAN, bem como observou a proporcionalidade e a razoabilidade para aplicar a pena de advertência à requerente.

 

Conclusão

A partir da análise dos elementos carreados aos autos, tenho que a requerente não conseguiu demonstrar estarem configuradas as hipóteses autorizativas da Revisão Disciplinar, dispostas no artigo 83 do RICNJ.

Sendo assim, a pretensão deduzida aqui é meramente recursal, com o intuito de o CNJ reavaliar o julgamento realizado pelo e. TJCE. No entanto, a jurisprudência deste Conselho é no sentido de não admitir RevDis como sucedâneo recursal:

 

“TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. PROCEDIMENTO DE REVISÃO DISCIPLINAR. LIMITAÇÃO À HIPÓTESE PREVISTA NO ARTIGO 83 DO REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE ÀS EVIDÊNCIAS DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. CONSIDERAÇÃO DE DESPROPORÇÃO NA FIXAÇÃO DA PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. IMPROCEDÊNCIA.

1. A admissão do procedimento de Revisão Disciplinar encontra-se limitada à hipótese prevista no artigo 83 do Regimento Interno deste Conselho Nacional de Justiça, sendo certo que a revisão só é cabível quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ (item I do artigo 83/RICNJ); quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos (item II, idem); e, finalmente, quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem (item III, idem).

2. A prova dos autos dá ampla congruência ao julgamento administrativo disciplinar do tribunal estadual no PAD 127.304/2009, demonstrando a prática reiterada de atividade empresarial, uso do cargo para assuntos particulares e inobservância às Recomendações da Corregedoria-Geral da Justiça.

3. É entendimento pacífico de que a revisão disciplinar, conforme prevista no Regimento Interno do CNJ, não pode ser confundida com um recurso processual ordinário, pois inexistente a possibilidade de devolução de todas as questões fáticas e jurídicas do caso, como se estivesse o Conselho Nacional de Justiça na atuação de uma segunda instância administrativa.

4. Pedido de Revisão Disciplinar julgado improcedente.”

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0001514-27.2014.2.00.0000 - Rel. MARIA TEREZA UILLE GOMES - 61ª Sessão - j. 13/03/2020). Destaque nosso.

 

Diante do exposto, conheço da Revisão Disciplinar, mas, no mérito, julgo improcedente os pedidos.

É como voto.

 

Intimem-se. Em seguida, arquive-se.

 

Conselheiro Marcio Luiz Freitas

Relator

 






[1] Art. 103-B(...)

V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano.

[2] Id 4448193, p.44.

[3] Id 4448190, p.38

[4] Id 4448193

[5] Alves, Alexandre Henry. Regime Jurídico da magistratura. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 359.

 

 

Ementa

REVISÃO DISCIPLINAR. PEDIDO DE REVISÃO DA PENA DE ADVERTÊNCIA. REALIZAÇÃO DE INSCRIÇÃO EM CONCURSOS PÚBLICOS DURANTE LICENÇA MÉDICA. INFRAÇÃO DISCIPLINAR NÃO COMPROVADA. ATESTADOS MÉDICOS REGULARES. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PROCEDÊNCIA DO PAD. ACÓRDÃO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS E A TEXTO EXPRESSO DE LEI. APLICAÇÃO DO ARTIGO 83, I, DO RICNJ. REVISÃO DISCIPLINAR JULGADA PROCEDENTE.

 

O EXMO. SENHOR CONSELHEIRO MARCOS VINÍCIUS JARDIM

 

VOTO DIVERGENTE

Fundamentação

Adoto o relatório apresentado pelo eminente relator, Conselheiro Márcio Luiz Freitas em sua manifestação. 

A despeito do respeitável fundamento jurídico alinhavado no voto do Conselheiro relator, apresento minha respeitosa divergência das conclusões propostas.

No caso, a juíza Ariana Cristina de Freitas apresentou o presente procedimento com o objetivo de revisar a pena de advertência que lhe foi imposta pelo Tribunal de Justiça do Ceará – TJCE, por ocasião do julgamento do Processo Administrativo Disciplinar n. 8500759-96.2018.8.06.0026.

No acórdão, o Plenário do TJCE julgou procedente o PAD por entender que a magistrada cometeu infração disciplinar em razão da realização de inscrição em concursos públicos (Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Tribunal de Justiça de São Paulo, Defensoria Pública da União, Ministério Público de São Paulo, Juiz Federal da 5ª Região - TRF5) durante o período em que se encontrava de licença médica para tratamento de saúde.

O relator do presente procedimento julga improcedente o pedido, uma vez que a requerente não demonstrou a configuração de alguma das hipóteses autorizativas da revisão disciplinar dispostas no art. 83 do RICNJ.

Com todas as vênias ao relator, entendo de modo diverso.

Na minha ótica, o acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará é contrário à evidência dos autos e a texto expresso de lei, nos termos do art. 83, I, do RICNJ, uma vez que se mostra evidente a ausência do cometimento de infração disciplinar pela magistrada no episódio apresentado.

Na hipótese, é importante recordar o princípio da legalidade, que dispõe que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei.

Nada obstante a magistrada estar, à época dos fatos, afastada de suas funções em razão de licença médica comprovada, não havia qualquer impedimento para a realização de inscrição ou prova de concursos públicos.

No caso, existe prova nos autos de que a juíza, ora requerente, encontrava-se acometida por graves problemas de saúde, notadamente sintomas psicóticos e transtornos ansiosos (CID 10 F.32.2+ F41), devidamente comprovados por atestados médicos.  

 Somente seria possível concluir pela prática de infração disciplinar nesta situação, caso ficasse comprovado que a juíza se valeu da sua ausência no trabalho para estudar para os referidos concursos públicos, ou ainda, que os atestados médicos apresentados não condiziam com a real condição de saúde da magistrada. No entanto, não existe nos autos qualquer prova nesse sentido.

Assim, divirjo respeitosamente do voto do relator, para, nos termos do art. 83, I, do Regimento Interno do CNJ, julgar procedente a presente revisão disciplinar e desconstituir a pena de advertência aplicada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, nos autos do Processo Administrativo Disciplinar n. 8500759-96.2018.8.06.0026.

 

Dispositivo

Ante o exposto, voto pela procedência da presente Revisão Disciplinar para, nos termos do art. 83, I, do Regimento Interno do CNJ, para desconstituir a pena de advertência aplicada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, nos autos do Processo Administrativo Disciplinar n. 8500759-96.2018.8.06.0026.

Conselheiro Marcos Vinícius Jardim