Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003649-31.2022.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: GILSON SOARES LEMES

 

 

 

EMENTA 

  

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. POSSÍVEL INFRAÇÃO DISCIPLINAR PRATICADA POR DESEMBARGADOR, NA CONDIÇÃO DE PRESIDENTE DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIO DE REPRESENTAÇÃO EM BRASÍLIA COM RECURSOS DO TRIBUNAL, SEM A COMPROVAÇÃO DE OBSERVÂNCIA DOS DITAMES LEGAIS. APARENTE VIOLAÇÃO DE DEVERES ESTABELECIDOS NA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL E NO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, SEM AFASTAMENTO DO MAGISTRADO.   

1. Conduta do Desembargador consistente possível irregularidade na contratação de locação de escritório de representação do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) em Brasília, com recursos do Tribunal, em inobservância aos deveres do cargo e aos dispositivos legais que regem a modalidade de contratação eleita;

2. As ações narradas revelam indícios da prática de infrações disciplinares pelo Magistrado, consistentes na violação do dever de cumprir e de fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício, podendo ter afrontado o disposto no artigo 35, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN) e inobservado as regras de prudência, previstas nos artigos 24 e 25, ambos do Código de Ética da Magistratura.

3. Instauração de Processo Administrativo Disciplinar, sem afastamento do magistrado.  

 

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu, por maioria, pela instauração de processo administrativo disciplinar, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Conselheiros Richard Pae Kim, Vieira de Mello Filho, Giovanni Olsson, Mário Goulart Maia, Luiz Fernando Bandeira de Mello e João Paulo Schoucair, que julgavam improcedente o pedido. Votou a Presidente. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 22 de agosto de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003649-31.2022.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: GILSON SOARES LEMES

 

 

RELATÓRIO

          

O EXCELENTÍSSIMO MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (RELATOR):   

 

Trata-se de procedimento administrativo, instaurado de ofício pela Corregedoria Nacional de Justiça, ao tomar ciência da instalação de escritório de representação do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) em Brasília, para o qual foi firmado contrato de locação de R$ 607 mil e realizado jantar de confraternização, em Brasília, promovido por aquela Corte e pela Associação dos Magistrados Mineiros (AMAGIS).

Por conseguinte, houve a autuação de reclamação disciplinar, constando no polo ativo a Corregedoria Nacional de Justiça e, no polo passivo, o Desembargador GILSON SOARES LEMES, Presidente do TJMG, bem como a expedição de CARTA DE ORDEM, com prazo de 48 (quarenta e oito) horas para cumprimento, a Primeira Vice-presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, para que promova a intimação pessoal do Desembargador GILSON SOARES LEMES para que, no prazo de 15 (quinze) dias, apresente defesa prévia, nos termos do que dispõe o art. 14, caput, da Resolução CNJ n. 135, de 13 de julho de 2011, e o art. 70 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça.

Ato contínuo, a Presidência do TJMG, por meio do id 1313335, remeteu cópia integral do processo administrativo que fundamentou a decisão de instalação da representação em Brasília, bem como dos processos administrativos relativos as contratações de locação e manutenção oriundas da referida decisão e de realização da confraternização, inclusive das despesas de deslocamento de magistrados e servidores eventualmente custeadas por esse Tribunal (id. 1261091).

Em sequência, o Desembargador GILSON SOARES LEMES apresentou defesa prévia, por meio do Oficio n. 29158/2022 (Ids. 4771293 a 4771527) .

Incluído o feito em pauta, peticionou o atual Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, solicitando, além da retirada do feito da pauta do dia 14/02/2023, o apensamento do presente feito à RD 0000602- 15.2023.2.0000, a fim de se evitarem decisões contraditórias, bem como a concessão do prazo de 60 dias para que o TJ/MG possa ultimar as ações adotadas para o efetivo encerramento do escritório de representação do Tribunal na capital federal, informando, por fim, que o desembargador reclamado já retornou para ao exercício de suas atividades jurisdicionais.

 

 

É o relatório.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003649-31.2022.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: GILSON SOARES LEMES

 

 

 

VOTO 

          

 

O EXCELENTÍSSIMO MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (RELATOR):   

 

2. O TJMG realizou, com dispensa de licitação, contrato de locação de imóvel com a finalidade de instalar “Representação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em Brasília – DF”. 

O contrato firmado adveio de um parecer elaborado pela Assessoria Jurídica do Órgão, concluindo que estariam presentes os pressupostos necessários à efetivação da contração por meio de dispensa de licitação. 

Ao compulsar os autos e a defesa apresentada, ao menos, até aqui, observo que não houve demonstração da necessidade de o Tribunal possuir uma representação em Brasília, com todas as despesas daí decorrentes, para além da locação, manutenção e funcionamento, inclusive com o exercício de servidores, magistrados e colaboradores em suas instalações, além de possível danos ao erário também com reflexos indiretos nas atividades do próprio TJMG. 

Não há indicativo de nenhum resultado efetivo que poderia ser alcançado pelo Tribunal mineiro a partir da instalação desse escritório de representação, sendo esta iniciativa totalmente isolada, porquanto nenhum outro Tribunal da federação possui algo similar. 

Embora o esforço argumentativo do reclamado, no sentido de que servirá de apoio logístico a magistrado e servidores, as diversas funções praticadas pelos funcionários do judiciário podem ser realizadas por meio de acesso à rede mundial de computadores, sobretudo quando se está cogitando de atuação em outro estado totalmente diferente de onde, naturalmente, todos devem exercer suas funções. Não haveria, portanto, a efetiva necessidade de implantação de escritório em lugar diverso do Estado. 

Consoante já assinalado, não há notícia de qualquer Tribunal da federação que conte com escritórios de "apoio", mormente com despesas mensais de alto vulto como se vê no presente caso, em que somente o valor do contrato firmado com a Confederação Nacional do Comércio toma o valor expressivo total de R$ 607.680,00 ( seiscentos e sete mil e seiscentos e oitenta reais), com previsão de 60 meses e gastos mensais de mais de dez mil reais, reajustados a cada 12 meses ( cláusula sétima do documento de Id. 5022725), sem que qualquer contrapartida vantajosa de economia ao erário público tenha sido comprovada. Os servidores do Poder Judiciário Mineiro certamente não necessitam de atuações presenciais no âmbito das Corte Superior, o que poderiam levar a justificativa de um “ponto de apoio”.  

3. Com relação a desnecessidade de instauração do projeto básico e estudos técnicos, o art. 7º Lei de Licitação e Contratos prevê a necessidade de sua apresentação e execução para obras e prestação de serviços, conforme o seguinte excerto: 

"Art. 7º As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte sequência: 

I - projeto básico; 

Segundo justificou-se o representado, a implantação da representação do Tribunal Mineiro fundamentou-se na prestação de serviço de apoio para os seus servidores e juízes.

Assim, o argumento colide com os fatos, pois não haveria razões para a omissão quanto a elaboração dos estudos técnicos para verificar a possibilidade da implantação do escritório de representação. 

Destaco, outrossim, que conforme estabelece o art. 6º, IX, da Lei nº 8.666/93, as contratações públicas devem ser precedidas de estudos preliminares, bem como, nos termos do art. 7º, § 9º, da Lei nº 8.666/93 o seu desrespeito pode implicar a nulidade dos atos ou contratos realizados e a responsabilidade de quem lhes tenha dado causa.

Soma-se a isso a possível contrariedade ao artigo 24, X, da Lei nº 8.666/93, porquanto não foram comprovadas as reais necessidades do espaço, condizentes com as “finalidades precípuas da Administração”.

4. Não restou comprovado tampouco que “as necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha”.  No ponto, anoto que foi indicada como tal necessidade o suposto gasto com diárias dos magistrados, porém não foram inseridos nas finalidades do espaço quaisquer objetivos hábeis à comprovação de que houve efetiva economia com tais gastos pela Administração.

Com efeito, quanto às despesas de deslocamento de magistrados, servidores e colaboradores, “o TJMG custeou exclusivamente aquelas sob esta rubrica relativas aos servidores e colaboradores mobilizados para apoiar a inauguração do escritório, bem como dos juízes auxiliares e desembargadores integrantes das Superintendências Administrativas desta Casa, representantes de Câmaras Isoladas e do Órgão Especial”, a indicar que a questão envolveu ainda mais gastos do que aqueles aparentemente incluídos no contrato firmado. Ante o tempo decorrido desde a sua assinatura, estima-se que, ao menos, mais de R$ 100.000,00 (cem mil reais) já tenham sido gastos com a contratação procedida.  

Em relação às viagens, não houve a indicação de diminuição dos gastos, além de corroborar a desnecessidade de deslocamento para questões que, desde a pandemia, podem ser dirimidas à distância, considerando-se que o retorno ao trabalho presencial não abarca, como já dito, a necessidade de deslocamento de servidores e magistrados de quaisquer estados da federação para atividades ordinárias de maneira presencial nas Cortes superiores. De se ressaltar, ainda, que o momento da contratação firmada, ainda se observavam os efeitos da pandemia do COVID-19, momento em que a desmobilização dos Tribunais com a realização de atividades de maneira remota se fazia premente, e indicava economia de gastos decorrente das necessidades sanitárias, à época.

De fato, ainda em relação às despesas fruto da contratação realizada, é essencial ressaltar que, além de não comprovada a economia alegada como justificativa ao ato administrativo praticado sob a gestão e responsabilidade do reclamado, então presidente do TJ/MG, sequer se poderia ter, para previsão orçamentária necessária, a certeza do custo real decorrente do ato praticado. Isso porque o próprio contrato de aluguel trazido aos autos estabelece cláusulas que indicam abertura para que despesas potenciais e não definidas ocorressem, tal como se verifica do trecho a seguir, transcrito a partir do documento adunado por meio do Id. 5022725, em relação a adaptações que ainda seriam realizadas no imóvel: 

4.5. O valor dos investimentos para adaptações do imóvel para uso do LOCATÁRIO deverá ser comprovado por meio da apresentação de notas fiscais de materiais e mão de obra ou documentação pertinente no prazo máximo de 30 (trinta) dias, após a emissão do laudo de vistoria inicial.

4.5.1. O valor dos investimentos apurado para ressarcimento à LOCADORA, nos termos do subitem 12.1. da Cláusula Décima Segunda deste Contrato, será atualizado pelo índice INCC até a data da rescisão, caso esta ocorra antes do prazo de 60 meses.

Tal constatação contraria o parecer da própria Diretoria Executiva do Tribunal, segundo os requisitos que entende necessários à aprovação da contratação:

Por conseguinte, conforme doutrina especializada, realizadas as análises prévias, servirá o projeto básico/termo de referência, em um contexto de contratação direta, para:

 1. Demonstrar as necessidades da Administração;

2. Especificar o objeto, conforme definições usuais no mercado;

3. Avaliar o custo financeiro da contratação;

4. Orientar a formulação da proposta; ( Id. 4771294- pág 4) 

5. Por fim, em relação à petição adunada por meio do Id. 5022725, remete a providência de desmobilização do escritório que ainda não se efetivou de fato.

É importante ressaltar que eventual fechamento ou desmobilização do escritório não afasta, em linha de princípio, a necessidade de apuração acerca de possível falta funcional já praticada, e a qual já produziu efeitos.

Por outro lado, em relação à RD 0000602- 15.2023.2.0000, sua instauração, por si só, não traz qualquer impedimento à análise do presente expediente. Eventuais providências tomadas pela atual gestão, se for o caso, terão repercussão própria na análise de ulteriores determinações requeridas no bojo do referido expediente, cujo objeto, como já dito, não se restringe à contratação do escritório de representação por autorização do requerido.

Portanto, da análise dos elementos constantes nos presentes autos em sede de apuração prévia, verificou-se a existência de elementos indiciários que apontam a suposta prática de infrações disciplinares por parte do Presidente do TJMG, Desembargador GILSON SOARES LEMES, os quais caracterizam afronta, em tese, ao art. 35, inciso I, da Lei Complementar n. 35/1979[3] – LOMAN, com base no art. 82, caput, da Lei n. 8.666/1993.Verifico, ainda, potencial violação às regras de prudência, previstas nos arts. 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura, cuja observância ganha mais relevo quando se verifica que as consequências da decisão eleita provocam repercussões que abarcam a esfera administrativa, orçamentária e institucional do Tribunal, em decorrência do alto cargo de gestão ocupado.

Repiso que a jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça é no sentido de que a Reclamação Disciplinar é instrumento preparatório, limitado à verificação de indícios de irregularidades eventualmente praticadas e que, existindo, serão integralmente apreciados no Procedimento Administrativo a ser instaurado.

Nesse sentido, veja-se, na fração de interesse, a ementa dos seguintes julgados:

“RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. INSTRUMENTO PREPARATÓRIO. DENÚNCIAS TRAZIDAS PELOS RECLAMANTES SOMADAS A OUTROS FATOS COLIGIDOS PELA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. INDEPENDÊNCIA JUDICIAL - EXCESSOS POR PARTE DO MAGISTRADO NO EXERCÍCIO DESTA PRERROGATIVA. INDICATIVO DE VIOLAÇÕES DOS DEVERES FUNCIONAIS. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PARA APROFUNDAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES. DESNECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PRÉVIA SINDICÂNCIA. DECRETAÇÃO DE AFASTAMENTO PREVENTIVO. 

I - Os fatos trazidos a conhecimento deste Conselho somente poderão ser integralmente apreciados no processo administrativo a ser instaurado, sendo certo que o atual procedimento, por sua natureza de mero instrumento preparatório, limita-se à verificação da existência de indícios de irregularidades eventualmente praticadas. 

II - Compete a este Conselho instaurar o processo administrativo disciplinar exatamente para apurar os fatos, garantindo ao Reclamado a mais ampla defesa e contraditório [...]." (VOTO DA MIN. ELIANA CALMON, CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0002489-20.2012.2.00.0000 – Rel. FRANCISCO FALCÃO – 175ª Sessão – 23/9/2013) 

------------------------------------------------------------------------------------------------  

“RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. DISPENSA DE SINDICÂNCIA. LEGITIMAÇÃO ORDINÁRIA CONCORRENTE. APURAÇÃO EXCLUSIVA PERANTE O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.  INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. SINDICÂNCIA. INSTRUMENTO PREPARATÓRIO. DESNECESSIDADE DE OBSERVAÇÃO DE FORMALIDADES. INDICATIVOS DE VIOLAÇÕES AOS DEVERES FUNCIONAIS. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. 

[...] 

VI – Os fatos trazidos a conhecimento deste Conselho somente poderão ser integralmente apreciados no processo administrativo a ser instaurado, sendo certo que o atual procedimento, por sua natureza de mero instrumento preparatório, limita-se à verificação da existência de indícios de irregularidades eventualmente praticadas. 

VII - Não há como se afastar, nesta fase, as afirmações postas na reclamação disciplinar, sendo certo que as provas terão análise definitiva no processo disciplinar. [...] 

XI – A averiguação de fatos que não são objeto do presente expediente deve ser realizada por meio de instrumentos próprios, não servindo para afastar a instauração de processo administrativo disciplinar. 

[...] 

XIII - Havendo indicativos de graves violações aos deveres funcionais praticadas por Desembargadores e Magistrados do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, com a adoção de postura incompatível com o exercício da magistratura, consubstanciando, em tese, violação à Lei Complementar nº 35/79 – LOMAN, mostra-se necessária a instauração de processo administrativo disciplinar, a fim de que sejam esclarecidos os fatos e aplicadas as penalidades eventualmente cabíveis.” (CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0000795-55.2008.2.00.0000 – Rel. Gilson Dipp – 78ª Sessão – j. 10/2/2009)

 

6. Com relação, por sua vez, ao evento de confraternização para inauguração do espaço, a solenidade, que “contou com a presença de dezenas de autoridades dos três Poderes, tendo sido transmitida pelo canal oficial do TJMG no YouTube”, foi integralmente custeado pela Associação dos Magistrados Mineiros, AMAGIS, “mediante aprovação (autorização) do Presidente da entidade, o MM. Juiz Luiz Carlos Rezende e Santos”, razão pela qual não mereceria, somente nesse ponto, maior aprofundamento em apuração.

7. Nesse contexto, verifico que há nos autos dessa Reclamação Disciplinar indícios de violação do dever de cumprir e de fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão as disposições legais, bem como de atuar com prudência, impondo-se a instauração do respectivo Processo Administrativo Disciplinar em desfavor do reclamado, Gilson Soares Leme, então Presidente  do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Os elementos probatórios constantes nesta análise de conteúdo preliminar ensejam o aprofundamento da apuração em regular Processo Administrativo Disciplinar, visto que há indícios de que o magistrado reclamado pode ter atuado em contrariedade aos deveres impostos na Lei Orgânica da Magistratura, ao negligenciar o dever de cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício, podendo ter afrontando o disposto no art. 35, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), e inobservado as regras de prudência na prática de atos sob sua responsabilidade, previstas nos artigos 24 e 25, todos do Código de Ética da Magistratura, que devem nortear a conduta de todos os magistrados, fatos que deverão ser objeto de melhor apuração no Processo Administrativo Disciplinar.

Considerando que a situação fática narrada nos autos do procedimento se refere a situação episódica, circunscrevendo-se a um ato praticado pelo Magistrado enquanto administrador, não vislumbro, no momento, a necessidade do afastamento do magistrado de suas funções judicantes, razão pela qual deixo de propor essa medida cautelar.

Pelo exposto, conclui a Corregedoria Nacional de Justiça que a Reclamação Disciplinar ora submetida a este órgão colegiado apresenta elementos que autorizam a presente proposta de instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) para que o CNJ possa aprofundar a investigação, com a produção de novas provas, objetivando analisar a concreta violação dos deveres funcionais por parte do Magistrado GILSON SOARES LEME, observando-se o devido contraditório.

É como voto.

Realizadas as intimações, arquivem-se.


 Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

   Corregedor Nacional de Justiça

  

 


CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

 

 

PORTARIA N.    DE                    DE 2022.

 

Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de magistrado.

 

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos arts. 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal, e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra Magistrados independentemente da atuação das Corregedorias e Tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI n. 4.638/DF;

CONSIDERANDO o disposto no § 5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135, de 13 de julho de 2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e do Regimento Interno do CNJ;

CONSIDERANDO que o reclamado, GILSON SOARES LEME, enquanto Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, realizou contratação de locação de escritório de representação do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) em Brasília, com recursos do Tribunal, em inobservância aos deveres do cargo e aos dispositivos legais que regem a modalidade de contratação eleita;

CONSIDERANDO a evidência de possível infração disciplinares cometidas por GILSON SOARES LEME, Juiz do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por violação do dever de cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições e os atos de ofício, afrontando o disposto no art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), bem como da não observância das regras de prudência, previstas nos arts. 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura, que devem nortear a conduta de todos os magistrados;

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, no julgamento da Reclamação Disciplinar 0003649-31.2022.2.00.0000, durante a_________ Sessão, realizada no dia__________________________.

RESOLVE:

Art. 1º Instaurar Processo Administrativo Disciplinar em desfavor de GILSON SOARES LEME, Juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, para apurar eventual violação, em tese, do art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), bem como a não observância das regras de prudência previstas nos arts. 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura, ante a fundada suspeita de que houve irregularidade na contratação de locação de escritório de representação do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) em Brasília, com recursos do Tribunal, em inobservância aos deveres do cargo e aos dispositivos legais que regem a modalidade de contratação eleita;

Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de Processo Administrativo Disciplinar objeto desta portaria.

Art. 3º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros nos termos do art. 74 do RICNJ.

Ministra ROSA WEBER

Presidente do Conselho Nacional de Justiça


 

 

 

 

 

VOTO DIVERGENTE

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR CONSELHEIRO RICHARD PAE KIM:

Adoto o relatório lançado pelo eminente Corregedor Nacional de Justiça, pedindo vênia, todavia, para manifestar respeitosa divergência, por entender que inexiste no presente caso justa causa para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar contra o magistrado reclamado.

Cuida-se de Reclamação Disciplinar instaurada de ofício pela Corregedoria Nacional de Justiça, ao tomar ciência da implantação de escritório de representação do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em Brasília.

Neste procedimento analisa-se, em síntese, a conduta do Desembargador Gilson Soares Lemes, o qual, na condição de Presidente do TJMG celebrou, com dispensa de licitação, contrato de locação de imóvel com a finalidade de instalar representação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em Brasília, deixando de providenciar, também, o projeto básico e os estudos técnicos exigidos pela legislação aplicável.

Questionam-se, ademais, os custos com a realização de solenidade de inauguração, com as passagens e diárias pagas a fim de que magistrados e servidores do tribunal pudessem comparecer a Brasília para o coquetel e, ainda, com outros gastos não aferidos de imediato.

O Corregedor Nacional de Justiça votou pela abertura de PAD por entender:  i) que não houve demonstração da necessidade de o tribunal possuir uma representação na capital da República, bem como de todas as despesas daí decorrentes; ii) pela ausência de resultado efetivo que poderia ser alcançado pelo TJMG a partir da instalação desse escritório de representação; iii) e pela inobservância, no processo de locação do imóvel, dos arts. 6º, inciso IX, 7º, § 9º e 24, inciso X da Lei n. 8.666/93 (ausência de projeto básico, de estudos técnicos e dispensa indevida de licitação).

Imputa-se ao reclamado o possível descumprimento do art. 35, inciso I da LOMAN, do art. 82, caput, da Lei nº 8.666/1993 e ainda, das regras de prudência dos arts. 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura.

Esse o teor dos artigos supramencionados, respectivamente:

 

Art. 35 - São deveres do magistrado:  

 

 I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

 

Art. 82.  Os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos desta Lei ou visando a frustrar os objetivos da licitação sujeitam-se às sanções previstas nesta Lei e nos regulamentos próprios, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar.

 

Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.

 

Art. 25. Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às conseqüências que pode provocar.

 

                        Eminentes pares, com o máximo respeito ao voto do eminente Corregedor, não vislumbro, nestes autos, indícios de afronta aos dispositivos destacados.

De proêmio importa relembrar que, constitucionalmente, compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, mas sempre em consonância com as peculiaridades do Judiciário local, que tem sua autonomia para organizar o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos assegurada pelo art. 96 da Carta da República.

Na mesma direção, o art. 99 da Carta Magna, que confere ao Poder Judiciário autonomias administrativa e financeira, assegurando sua autogestão, sobretudo quando a matéria envolver organização administrativa e destinação orçamentária.

Por sua vez o § 4º, inciso I do art. 103-B do diploma constitucional reafirma que ao CNJ compete “zelar pela autonomia do Poder Judiciário”.

Disso tudo conclui-se que o CNJ não deve interferir quando o ato administrativo ou a decisão for razoável e não demonstrar ilegalidade patente. A compreensão, aliás, via de regra, é de que o tribunal que praticou o ato tinha autoridade e conhecimento para escolher aquilo que era mais adequado e que melhor lhe convinha.

Ressalto que este Conselho tem firmado o entendimento segundo o qual não pode substituir a administração dos tribunais, incursionando sobre o campo da autonomia administrativa e financeira destes últimos para, circunstancialmente, avaliar as suas escolhas, com base nos critérios de necessidade e oportunidade.

In verbis:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. REGIMENTO INTERNO DO TJPR. ACESSO ÀS VAGAS DE JUIZ DE DIREITO PARA COMPOR O TRE/PR. MAGISTRADOS DE PRIMEIRO GRAU EM EXERCÍCIO NA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. PECULIARIDADES DO JUDICIÁRIO LOCAL. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA DOS TRIBUNAIS GARANTIDA NO ARTS. 96 E 99 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE ARGUMENTO JURÍDICO OU ELEMENTO FÁTICO NOVO A ENSEJAR A REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA. RECURSO CONHECIDO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1.Cuida-se de Recurso Administrativo contra decisão monocrática que julgou improcedente Pedido de Providências  em face de norma e de atos administrativos do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná relativos ao procedimento de escolha de magistrados para compor o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná nas vagas destinadas ao TJPR.

2.Por força dos arts. 96 e 99 da CF, os tribunais possuem autonomia para organizar o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos, sendo-lhes assegurada também a autogestão, sobretudo quando a matéria envolver organização administrativa e destinação orçamentária, não sendo dado a este órgão de controle substituir a administração das cortes locais nessas searas. Precedentes do CNJ.

3.O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná é quem está apto a avaliar a forma de escolha dos magistrados que irão compor o Tribunal Regional Eleitoral, com base nos critérios de necessidade e oportunidade, visto que a ele é dado conhecer as carências e demandas do Judiciário local.

4. Não se encontra no escopo deste PP avaliar a veracidade e a aplicabilidade dos argumentos da (i) distância da sede do TRE/PR, (ii) das dificuldades logísticas e de custos e (iii) da ausência de previsão orçamentária. Independente de qualquer comprovação fática e concreta, tais fatores reconhecida e inexoravelmente são relevantes para a tomada de decisão de qualquer tribunal, pelo que não se afigura desarrazoado que sejam considerados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná ao definir, no já mencionado exercício de sua prerrogativa de autogestão, os critérios para acesso às vagas na Corte Eleitoral daquele Estado.

5.O impacto real desses pontos e o peso a ser conferido a cada um deles no processo decisório devem ser avaliados pelo tribunal, no âmbito de sua autonomia, não cabendo ao CNJ imiscuir-se nesse assunto, nem tampouco exigir da Corte local que preste contas da sua deliberação a este órgão de controle.

4.A peça recursal não apresentou argumento jurídico ou elemento fático novo idôneo a ensejar rediscussão da matéria, destaca-se, já analisada.

5.Recurso conhecido a que se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0003711-08.2021.2.00.0000 - Rel. RICHARD PAE KIM - 115ª Sessão virtual - julgado em 18.11.2022) (grifei)

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ESPECIALIZAÇÃO DA JUSTIÇA. CRIAÇÃO DE VARAS, CÂMARAS E TURMAS COM COMPETÊNCIA EXCLUSIVA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL. AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS. IMPROCEDENTE.

I – O pedido formulado embora possua o condão de especializar a Justiça e, com isso, facilicitar o julgamento de demandas caras para a sociedade brasileira, esbarra na limitação Constitucional estabelecida no art. 96, no que se refere à autonomia dos Tribunais para definição da Organização Judiciária respectiva, que resguarda a competência para a organização e o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos.

II – Ao Conselho Nacional de Justiça não compete intervir em aspectos privativos da atução dos Tribunais, exceto no caso de evidente ilegalidade na prática de ato administrativo. O CNJ não substitui o Tribunal de Justiça e nem pode ofender sua autonomia administrativa e financeira, mas apenas controlar os atos que desbordem os limites da legalidade ou quando presente omissão por parte da Corte.

III – Pedido julgado improcedente. Remessa da sugestão ao CJF, Tribunais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados.

(CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0005832-58.2011.2.00.0000 - Rel. JOSÉ LUCIO MUNHOZ - 141ª Sessão Ordinária - julgado em 14.2.2012) (grifei)

 

 

No caso dos autos, e consoante consignado pelo magistrado reclamado, a administração do TJMG decidiu pela instalação do escritório de representação em Brasília/DF visando unicamente o interesse público e por entender que tal modelo proporcionaria a inovação, o aperfeiçoamento e a dinamização do desenvolvimento da atividade jurisdicional do Tribunal.

Nesse diapasão, entendo que a administração estadual da Corte é quem está apta a avaliar a necessidade de instalação ou não de um escritório de representação na Capital Federal, com base nos critérios de necessidade e oportunidade, visto que a ela é dado conhecer as necessidades e demandas do Judiciário local.

Portanto, se há impedimento para a revisão desses atos, em respeito à autonomia administrativa dos tribunais, com muito mais razão há que se concluir não existir justa causa para a abertura de processo administrativo disciplinar contra o então presidente da Corte de Justiça do Estado de Minas Gerais.

E ainda que não se pudesse acolher esta tese, também na análise da suposta violação aos limites da discricionariedade e da legalidade apresentados exordial deste processo, também não me convenci, concessa maxima venia, da existência de fundamentos para a abertura do processo disciplinar contra o reclamado. Vejamos.

Atribui-se ao magistrado a inobservância à Lei de Licitações e Contratos no processo de dispensa de licitação referente à locação do imóvel situado em Brasília, notadamente pela ausência de projeto básico e estudos técnicos (art. 7º, inciso I e § 9º da Lei n. 8666/93) e pelo não atendimento às finalidades precípuas da Administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha (art. 24, inciso X da Lei 8.666/1993).

Conforme reconhece a própria assessoria do tribunal, o processo administrativo sob exame não se fez acompanhar da documentação para a formalização da locação; a ausência da juntada desses documentos ou a sua produção sob outra nomenclatura, por si só, entretanto, não autoriza a inferir ter havido a prática de qualquer infração disciplinar.

Isto porque, embora não haja nos autos cópia do projeto básico e estudos preliminares, os elementos necessários à dispensa de licitação constaram do processo, na medida em que, consoante demonstrou o reclamado, as tratativas entabuladas no âmbito da Administração superior do tribunal e, posteriormente, entre esta e as unidades técnicas, somente não desaguaram na formalização de estudo técnico preliminar porque, no âmbito do Estado de Minas Gerais, o ETP nunca foi considerado elemento obrigatório dos contratos administrativos, conforme se depreende das normas e regulamentos da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão do Estado de Minas Gerais.

A Resolução nº 115/2021 daquele órgão, que dispõe sobre a elaboração de Estudos Técnicos Preliminares para a aquisição de bens e a contratação de serviços de qualquer natureza e, no que couber, para contratação de Obras, no âmbito da Administração Pública Estadual direta, autárquica e fundacional do Estado de Minas Gerais somente passou a exigir o ETP a partir de 30.3.2022 (posteriormente, portanto, à celebração do contrato de locação) e, mesmo hodiernamente, tal requisito permanece facultativo para a maioria das hipóteses de contratação direta. Para a certeza das coisas, seguem os textos normativos:

 

Art. 4º - As licitações e procedimentos auxiliares para aquisições de bens e contratação de prestação de serviços, e no que couber, para contratação de obras, deverão ser precedidos de estudo técnico preliminar.

§1º - É facultada a elaboração do ETP, mediante justificativa aprovada pela autoridade competente, nas hipóteses de:

I – dispensa e inexigibilidade de licitação, exceto nos casos dispostos nos incisos III e IV do § 2º;

(...)

§ 2º - É dispensável a elaboração do ETP:

(...)

III – nos casos de guerra, estado de defesa, estado de sítio, intervenção federal ou grave perturbação da ordem;

IV – nas situações de emergência ou calamidade pública.


De toda forma, é possível dizer que o processo administrativo conta com documento que indica a realização de estudos prévios, qual seja, o ofício do Gabinete da Presidência em que solicitou-se às áreas técnicas a adoção das providências necessárias ao início das tratativas de locação de imóvel para a representação do TJMG em Brasília.

A par disso, os elementos necessários à dispensa de licitação constaram do processo administrativo específico.

A demonstração da necessidade da Administração foi expressamente indicada no Ofício n. 43549/2021-PRESIDÊNCIA/SUP-ADM/DENGEP/COGEP (Id 4748210, fls. 17 a 20), que indicou a instalação da representação do TJMG em Brasília como finalidade da contratação.

Ainda que se possa discordar da efetiva necessidade, o fato é que a  mesma foi definida de maneira clara, qual seja, a disponibilização de espaço físico que possibilitasse, quando da necessidade do desempenho de atividades em Brasília, condições de segurança, conforto e organização aos servidores e magistrados (Nota Jurídica ASCONT 390 – Id 4748211, fls. 49 a 51).

Também as especificações do objeto conforme definições usuais no mercado encontram-se presentes (Ofício n. 43549/2021-PRESIDÊNCIA/SUP-ADM-DENGEP-COGEP, fls. 17 a 20 e Comunicação Interna n. 3597/2022-PRESIDÊNCIA/SUP-ADM/DENGEP/COGEP – Id 4748210, fls. 9 e 10).

Houve pesquisa prévia para levantamento de imóveis que pudessem atender à demanda apresentada e somente após essa análise definiu-se as opções que poderiam ser satisfatórias, culminando-se na solicitação de propostas àqueles passíveis de contratação.

A especificação do imóvel foi, portanto, fruto de pesquisa de mercado que apontou as unidades disponíveis aptas ao atendimento das pretensões do tribunal.

Não bastasse isso, o custo financeiro da contratação foi devidamente avaliado, conforme demonstra o Ofício n. 43459/2021-PRESIDÊNCIA/SUP-ADM/DENGEP/COGEP (Id 4749210, fls. 17 a 20).  Os dados referentes ao preço de mercado constam de laudo técnico elaborado por empresa especializada e consideraram especificamente a demanda do tribunal, com todos os seus contornos, optando-se, ao final, pela proposta de menor custo.

Por fim, encontra-se presente a orientação da formulação da proposta. Realizada a pesquisa de mercado e levantados os imóveis aptos, foram solicitadas propostas comerciais aos potenciais interessados (CI n. 3597/2022-PRESIDÊNCIA/SUP-ADM/DENGEP/COGEP – Id 4748210, fls. 9 e 10).

Das propostas comerciais enviadas (Id 4748210, fls. 21 a 59) é possível extrair as características técnicas dos imóveis ofertados, a estrutura dos edifícios em que se localizam, os serviços incluídos nas taxas de condomínio e demais custos indiretos.

Podem ser encontradas nos autos, portanto, as informações essenciais de um projeto básico que sirva de instrução para um processo de dispensa de licitação, conforme dispõe o art. 6º, inciso IX da Lei de Licitações e Contratos Administrativos em vigor, a saber:

 

IX - Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:

a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza;

b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem;

c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;

f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados;


De fato, constata-se que não houve, formalmente, o registro das informações com a nomenclatura “Projeto Básico” ou “Termo de Referência”. No entanto, as informações essenciais ao processamento da contratação, tipicamente colacionadas nesses documentos, estão todas inseridas em diversas manifestações que instruem o procedimento, em especial o Ofício nº 43549/2021 - PRESIDÊNCIA/SUP-ADM/DENGEP/COGEP e a Comunicação Interna - CI nº 23058/2021 - PRESIDÊNCIA/SUP-ADM/DENGEP/COGEP.

Desse modo, embora a instrução da contratação de fato pudesse ter sido melhor especificada, com a inclusão dos demais documentos preliminares que culminaram na decisão pela formalização do contrato, é fato que as informações essenciais constaram do processo de dispensa de licitação e, como a indicação dessas informações, por si só, pressupõe a realização de estudos técnicos prévios para o seu estabelecimento, fica evidente, também, o cumprimento desta etapa sob o ponto de vista da legalidade do procedimento.

O fato é que os requisitos legais necessários encontram-se presentes, ainda que não reunidos em um único documento com uma denominação específica, o que permite a convalidação dos atos administrativos praticados. Nesse sentido:

 

TRIBUTÁRIO. TERMO DE INFRAÇÃO NO TRÂNSITO. INCOMPETÊNCIA DO AGENTE. VÍCIO SANÁVEL DO AUTO DE INFRAÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. ANÁLISE DE DIREITO LOCAL. SÚMULA Nº 280 DO STF. JUROS DE MORA. APRECIAÇÃO PREJUDICADA.

(...)

II - A doutrina moderna do direito administrativo tem admitido, mutatis mutandis, a aplicação das regras sobre nulidade dos atos jurídicos do direito privado nas relações de direito público, definindo os atos inválidos em nulos e anuláveis, a depender do grau de irregularidade. No caso da primeira espécie (nulos), o ato é insanável, não permitindo convalidação, podendo o vício ser reconhecido de ofício pelo Juiz. Quanto aos atos anuláveis, admite-se a convalidação, sendo possível o reconhecimento da invalidade apenas por provocação do interessado.

III - Na hipótese dos autos, de ato expedido por sujeito incompetente, a doutrina classifica como ato anulável, permitindo sua convalidação, que é o suprimento da invalidade do ato com efeitos retroativos, de sorte que o Tribunal de origem não poderia ter reconhecido de ofício a sua invalidade.

IV - Segundo o magistério de José dos Santos Carvalho Filho: "Nem todos os vícios do ato permitem seja este convalidado. Os vícios insanáveis impedem o aproveitamento do ato, ao passo que os vícios sanáveis possibilitam a convalidação. São convalidáveis os atos que tenham vício de competência e de forma, nesta incluindo-se os aspectos formais dos procedimentos administrativos"

(...)

VII - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.

(REsp 850.270/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 8.5.2007, DJ 31.5.2007, p. 378)

 

 

Não sendo possível falar em ilegalidade flagrante, com muito menos razão há de presumir-se a má-fé do reclamado na condução do processo de locação do imóvel.

A presunção da boa-fé administrativa cuida-se de regra, sob o ponto de vista de qualquer atuação dos agentes públicos, cujos atos gozam de presunção de legitimidade, veracidade e legalidade.

Inexistindo, na hipótese, ilegalidade manifesta, e por não haver qualquer elemento indiciário a autorizar ter havido, na espécie, má-fé do gestor daquele egrégio Tribunal a ensejar, em última instância, a abertura de processo administrativo disciplinar, o arquivamento do presente se mostra de rigor.

Ressalto que o reclamado não procedeu à contratação com dispensa de licitação de forma arbitrária ou ao seu total alvedrio.

Observe-se que o ato administrativo atacado foi praticado com arrimo nas respostas positivas da Assessoria Jurídica (Id 4778211, fls. 48-51), da Diretoria Executiva da Gestão de Bens e Patrimônio (Id 4778211, fl. 53) e do parecer da respeitável Juíza Auxiliar da Presidência (Id 4778211, fl. 55).

Como se vê, o então Presidente autorizou a locação do imóvel após a confirmação por 3 (três) diferentes órgãos técnicos do tribunal, inclusive de que havia as condições necessárias e legais à dispensa de licitação para a locação do imóvel. 

A existência desses pareceres técnicos embasando a decisão de locação do imóvel para o escritório de representação reforça, a meu ver, a impossibilidade de persecução disciplinar na hipótese. Esta conclusão decorre não apenas dos motivos já apontados, mas também do fato de que a consulta ao corpo técnico do tribunal evidencia que o magistrado comportou-se, sim, com o cuidado esperado para o seu cargo.

Com a máxima vênia, entendo, adicionalmente, não ser admissível a instauração de processo administrativo disciplinar com base nas alegações de que (i) o reclamado não demonstrou a necessidade da representação em Brasília, com todas as despesas daí decorrentes, (ii) não foram comprovadas as necessidades reais do espaço e de que (iii) não é possível ter certeza do custo real praticado.

A meu ver, tal análise, demasiadamente subjetiva, encontra-se inserta no juízo de conveniência e oportunidade dos tribunais, enquanto emanação da autonomia administrativa a eles constitucionalmente assegurada.

Poderá o CNJ, sempre que discordar dos motivos adotados pelos tribunais para tomar esta ou aquela decisão discricionária, intervir para cassar o ato administrativo? Ou o que seria ainda mais gravoso, pretender penalizar (ou penalizar efetivamente) o gestor por que se entende que as razões que o moveram a adotar esta ou aquela escolha administrativa não são fortes o suficiente ou não se justificam?

Rememoro que as colendas Cortes Superiores são unânimes em compreender que o controle externo do ato administrativo somente é cabível em casos de ilegalidade ou de inobservância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade:

 

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSIÇÃO EM 29.10.2018. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS DO ART. 19 DO ADCT. NULIDADE DO ATO DE DEMISSÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 279 DO STF. ILEGALIDADE. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES.

1. Nos termos da orientação firmada no STF, o controle jurisdicional do ato administrativo considerado ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos Poderes, sendo permitido, inclusive, ao Judiciário sindicar os aspectos relacionados à proporcionalidade e à razoabilidade.

2. Para se chegar a conclusão diversa daquela a que chegou o Tribunal de origem, quanto à falta de razoabilidade, proporcionalidade na aplicação da penalidade e de motivação da decisão que a aplicou, bem assim, da observância da ampla defesa, seria necessário o reexame de fatos e provas constantes dos autos, o que inviabiliza o processamento do apelo extremo, tendo em vista a vedação contida na Súmula 279 do STF.

3. Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. Incabível majoração de honorários, tendo em vista não houve fixação de honorários na instância de origem.

(RE 1147283 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 5.11.2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-261  DIVULG 28-11-2019  PUBLIC 29-11-2019)

 

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Tribunal de Contas. Redução de multa decorrente de processo de tomada de contas especial. Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa. Fatos e provas. Reexame. Impossibilidade. Controle da legalidade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Possibilidade. Precedentes. 1. O tribunal a quo, com fundamento na legislação infraconstitucional e no conjunto-fático probatório da causa, determinou a redução da multa imposta ao ora agravado como penalidade decorrente de processo de tomada de contas especial, por considerá-la exorbitante. Incidência das Súmulas nºs 636 e 279/STF. 2. A jurisprudência da Corte é no sentido da possibilidade de controle pelo Poder Judiciário de ato administrativo eivado de ilegalidade ou abusividade, podendo ele atuar, inclusive, em questões atinentes à proporcionalidade e à razoabilidade do ato. 3. Agravo regimental não provido. 4. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC, pois o agravado não apresentou contrarrazões.

(ARE 947843 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 14.6.2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-163  DIVULG 03-08-2016  PUBLIC 04-08-2016)

 

 

Entendo que o debate sobre a instalação ou não de escritório de representação de tribunal de justiça na Capital Federal e da conveniência ou não dos gastos decorrentes da medida consubstancia-se em matéria típica de gestão, corolário da autonomia administrativa e financeira dos tribunais garantida no art. 96, inciso I da Constituição Federal, sobre a qual não pode incursionar o Conselho Nacional de Justiça, sobretudo pela via extremamente gravosa – e inadequada - do processo disciplinar.

Veja-se que, in casu, a instauração do PAD acaba sendo uma forma de, por via transversa e no meus respeitável entender, inadequada, controlar os atos administrativos praticados – finalidade para a qual o instrumento mais correto é o procedimento de controle administrativo (PCA).

A par disso, o manejo de processo disciplinar em hipóteses como a dos autos acaba por tolher o espaço de discricionariedade na prática de atos de gestão e submete a autonomia dos tribunais ao Conselho Nacional de Justiça, o qual, ao final, acabaria por ter sempre a última palavra – ainda que a matéria não seja da sua competência -, dada a ameaça de instauração de persecução disciplinar toda vez que verificada divergência de visões quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.

Nesse ponto, este órgão de controle já definiu, em oportunidade anterior, que a autonomia administrativa conferida aos tribunais deve ser preservada, só devendo ser relativizada em caso de violação aos princípios constitucionais ínsitos à Administração Pública (Recurso Administrativo em PCA n. 0001523-23.2013.2.00.0000, Relator Conselheiro Gilberto Martins, j. 10.9.2013), o que não é, data maxima venia, o caso destes autos.

Registre-se, a par disso, que os motivos elencados pelo reclamado para justificar a criação do escritório de representação e as despesas daí decorrentes não se afiguram despropositados, ainda que, segundo um juízo pessoal, não se vislumbre nos mesmos relevância suficiente para justificar as despesas feitas:

 

i)                       o elevado número de demandas de interesse do TJMG que tramitam tanto nos tribunais superiores, quanto no próprio Conselho Nacional de Justiça;

ii)                     a importância de constituir-se um ponto de apoio físico para magistrados e servidores, de modo que os representantes do Poder Judiciário mineiro pudessem ter uma melhor interlocução com o Congresso Nacional e outras instituições públicas, para tratar de assuntos de interesse do tribunal;

iii)                   equiparação ao Governo do Estado de Minas Gerais, à Advocacia-Geral do Estado, ao Ministério Público e à Defensoria Pública de Minas Gerais, os quais também contam com escritório em Brasília.

 

Com efeito, ainda que nenhum outro tribunal do país tenha empreendido iniciativa semelhante, observa-se que o Governo do Estado de Minas Gerais, a Advocacia-Geral daquela unidade federativa e, ainda, o Ministério Público e a Defensoria Pública de Minas Gerais contam, todos eles, com escritórios de representação em Brasília, pelo que não me parece absurda ou absolutamente desarrazoada a decisão de, com base em um pensamento natural de equiparação, também o Poder Judiciário Mineiro enveredar pelo mesmo caminho.

Isso posto, entendo inexistirem indícios mínimos da prática das condutas reprimidas nos art. 35, inciso I da LOMAN, art. 82, caput, da Lei nº 8.666/1993 e arts. 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura.

As decisões questionadas são legítimas dentro da esfera de discricionariedade do Presidente de um tribunal; os motivos nos quais as mesmas se ancoraram são razoáveis; o tribunal goza de autonomia para as deliberações que tomou; os vícios formais apontados no processo administrativo além de não importarem em efetivas ilicitudes, seriam atos ainda convalidáveis; o reclamado, não agiu a seu bel-prazer, mas sim ancorou-se nos pareceres favoráveis de três unidades técnicas distintas para proceder à contratação com dispensa de licitação; não há flagrante ilegalidade ou elementos mínimos a indicarem má-fé por parte do gestor.

Por derradeiro, anoto que consoante reiterada jurisprudência deste Conselho, é inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando ausentes indícios que demonstrem o descumprimento dos deveres funcionais ou a desobediência às normas éticas da magistratura. Acentuo alguns dos respeitáveis julgados:

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. USO DE INSÍGNIAS E EMBLEMA DO TRIBUNAL. USO DE MALOTE DIGITAL DO TRIBUNAL. TRANSMISSÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR. ENCAMINHAMENTO DE DOCUMENTOS EM RAZÃO DO CARGO DE MAGISTRADO. IRREGULARIDADE NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO COMPROVADO O APROVEITAMENTO DO CARGO PARA BENEFÍCIO PRÓPRIO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA INSTAURAÇÃO DO PAD. IMPROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO DO PROCEDIMENTO.
1. Reclamação Disciplinar instaurada de ofício pela Corregedoria Nacional de Justiça contra desembargador para apurar suposto uso das insígnias e do emblema do tribunal, bem como o uso do malote digital, para transmissão de documentos particulares e do envio de missiva, em papel timbrado, ao Embaixador da República Gabonesa contendo denúncias contra Cônsul honorário daquele país.
2. Conduta que, por si só, não caracteriza má-fé ou aproveitamento do seu cargo para benefício próprio.
3. Não se extrai dos autos qualquer elemento que pudesse indicar ao receptor qualquer tom de ameaça. Pelo contrário, o magistrado levou ao conhecimento da autoridade responsável pelas relações diplomáticas com o Brasil a conduta praticada por seu cônsul honorário, responsável por diversas denúncias vãs e vazias de provas, verificáveis em diversos sistemas eletrônicos de consulta processual.
4. Ausência de justa causa para a instauração de processo administrativo disciplinar.

5. Reclamação Disciplinar julgada improcedente.

(Reclamação Disciplinar nº 0000466-86.2021.2.00.0000- Rel. p/acórdão LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO, 346ª Sessão Ordinária - julgado em 8.3.2022). grifei

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO. ALEGAÇÃO DE FALTA DE CORTESIA E URBANIDADE POR PARTE DO MAGISTRADO EM RELAÇÃO À PARTE E SUA ADVOGADA. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO POR PARTE DO MAGISTRADO QUANTO À FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO DOS SERVIDORES A ELE SUBORDINADOS. SINDICÂNCIA LEVADA A EFEITO PELA CORREGEDORIA LOCAL. OITIVA DE TESTEMUNHAS DURANTE SINDICÂNCIA. NÃO CONSTATAÇÃO DE FALTA DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

1. Assentadas as premissas expostas, mister ressaltar que, do exame dos fatos alinhados na reclamação em comento, assim como dos elementos probatórios coligidos ao feito, não emergem quaisquer indícios da ocorrência dos fatos apontados como infração funcional.
2. Na ausência de elementos aptos que deem suporte à instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado, impõe-se a manutenção da decisão de arquivamento.
Recurso administrativo não provido.

(RA em Reclamação Disciplinar nº 0001376-21.2018.2.00.0000, Rel. HUMBERTO MARTINS, 67ª Sessão Virtual, julgado em 19.6.2020) (grifei)

 

 

A instauração de procedimento disciplinar deve ser precedida de rigoroso exame de admissibilidade, processando-se somente aqueles casos em que se evidencie desvio de conduta ou falta funcional cometida por má-fé, dolo ou fraude, o que não restou demonstrado no caso dos autos.

Encontram-se ausentes, portanto, a toda evidência, os elementos objeto e subjetivo necessários para imputar ao magistrado conduta violadora dos deveres de prudência, de cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício (art. 35, inciso I, da LOMAN c/c arts. 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura).

Os procedimentos disciplinares não podem e nem devem ser manejados no intuito de, por via oblíqua, examinar a regularidade, conveniência e oportunidade de atos de gestão ou, ainda, para punir gestor de cujas decisões tomadas de forma legítima e com amparo em prerrogativa constitucional se discorde, posto não ser esta a sua finalidade precípua.

Ausente a justa causa para deflagração de procedimento administrativo disciplinar em face do desembargador Gilson Soares Lemes, voto pela IMPROCEDÊNCIA da presente reclamação disciplinar e o consequente arquivamento dos autos.

 

 

Conselheiro RICHARD PAE KIM

Autos: 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003649-31.2022.2.00.0000 

Requerente:

CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA

Requerido:

GILSON SOARES LEMES

 

 

VOTO DIVERGENTE

O CONSELHEIRO VIEIRA DE MELLO FILHO (VISTOR):

Trata-se de reclamação disciplinar instaurada de ofício pelo Corregedor Nacional de Justiça em face do Desembargador GILSON SOARES LEMES, então Presidente do TJMG, após tomar ciência da instalação de escritório de representação do Tribunal em Brasília, por meio de contrato de locação com dispensa de licitação.

O Relator do feito constatou a existência de indícios de violação de dever funcionais por parte do Desembargador reclamado, propondo a instauração de Processo Administrativo Disciplinar pelas seguintes razões: a) o contrato de locação teria sido celebrado pelo Tribunal com dispensa de licitação, embora com supedâneo em parecer da Assessoria Jurídica do Órgão, que verificou a presença dos pressupostos necessários à sua efetivação; b) o contrato tampouco atendeu às finalidades precípuas da Administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha; c) não restou demonstrada a necessidade de o Tribunal manter representação em Brasília, em especial considerando as altas despesas decorrentes, como a locação, manutenção e funcionamento do imóvel, o exercício de servidores, magistrados e colaboradores em suas instalações, sem que houvesse contrapartida econômica; d) a iniciativa resulta em possível dano ao erário sem contrapartida econômica para o Tribunal; e) a iniciativa é isolada entre os tribunais; f)  houve violação do art. 7º da Lei de Licitação e Contratos, que exige a apresentação de projeto básico e estudos técnicos para obras e prestação de serviços.

Noutro giro, o Conselheiro Richard Pae Kim apresentou bem elaborado voto divergente, manifestando-se pela improcedência do pedido, sob os seguintes fundamentos: i) a decisão está contida no âmbito da autonomia administrativa do Tribunal, pois foi adotada a partir de critérios de conveniência e discricionariedade (arts. 96 e 99 da Constituição Federal), sendo infenso a este Conselho exercer controle sobre o ato, que lhe parece legal e razoável; ii) o reclamado aduziu que a instalação do escritório de representação em Brasília/DF visaria o interesse público e proporcionaria inovação, aperfeiçoamento e dinamização do desenvolvimento da atividade jurisdicional do Tribunal; iii) no âmbito do Estado de Minas Gerais, o Estudo Técnico Preliminar nunca foi considerado elemento obrigatório dos contratos administrativos até a data de 30.3.2022; iv) inobstante, consta do processo administrativo o ofício do Gabinete da Presidência que solicita às áreas técnicas a adoção das providências necessárias ao início das tratativas de locação de imóvel para a representação do TJMG em Brasília; v) a demonstração da necessidade da Administração foi expressamente indicada no Ofício n. 43549/2021-PRESIDÊNCIA/SUP-ADM/DENGEP/COGEP (Id 4748210, fls. 17 a 20), que indicou a instalação da representação do TJMG em Brasília como finalidade da contratação; vi) Igualmente, as especificações do objeto conforme definições usuais no mercado encontram-se presentes nos autos por meio do Ofício n. 43549/2021-PRESIDÊNCIA/SUP-ADM-DENGEP-COGEP e a Comunicação Interna n. 3597/2022-PRESIDÊNCIA/SUP-ADM/DENGEP/COGEP; vii) procedeu-se a pesquisa prévia de mercado para levantamento de imóveis que pudessem atender à demanda apresentada e somente após essa análise definiu-se as opções que poderiam ser satisfatórias; viii) o custo financeiro da contratação foi avaliado, conforme Ofício n. 43459/2021-PRESIDÊNCIA/SUP-ADM/DENGEP/COGEP (Id 4749210, fls. 17 a 20), tendo-se optado, ao final, pela proposta de menor custo; ix) ainda que não formalizado com tal nomenclatura, há nos autos informações essenciais de um projeto básico apto a instruir um processo de dispensa de licitação, conforme dispõe o art. 6º, inciso IX da Lei de Licitações e Contratos Administrativos; x) não se divisa ilegalidade flagrante no procedimento, não sendo admissível presumir má-fé do reclamado; xi) ausentes os elementos subjetivo e objetivo para a instauração de PAD.

Após refletir detidamente sobre os elementos contidos nos autos, vejo-me na contingência de acompanhar o bem elaborado voto divergente do Conselheiro Richard Pae Kim, sem qualquer ressalva.

Entendo que os documentos coligidos aos autos oferecem suficiente lastro probatório para afastar a ilegalidade do procedimento adotado pelo Requerido para efetuar a contratação do imóvel que acolheu o escritório de representação do TJMG em Brasília, o que afasta, por consequência, eventual violação aos princípios da legalidade, eficiência e moralidade, que regem a Administração Pública.

Ante o exposto, julgo improcedente a presente reclamação disciplinar, acompanhando integralmente a divergência lançada pelo Conselheiro Richard Pae Kim.

É como voto.

 

Ministro LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO

Conselheiro Vistor

 

GMLPVMF/1

 

VOTO DIVERGENTE

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA: Trata-se de Reclamação Disciplinar (RD) instaurada de ofício pela Corregedoria Nacional de Justiça, em face do Desembargador Gilson Soares Lemes, então Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG).

A RD objetiva avaliar possível desvio de conduta do magistrado, consubstanciado em “instalação de escritório de representação do [TJMG] em Brasília, para o qual foi firmado contrato de locação de R$ 607 mil e realizado jantar de confraternização, em Brasília, promovido por aquela Corte e pela Associação dos Magistrados Mineiros (AMAGIS)” (Id 5237689).

O douto Corregedor propõe ao Plenário do CNJ a “instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) para que o CNJ possa aprofundar a investigação, com a produção de novas provas, objetivando analisar a concreta violação dos deveres funcionais por parte do Magistrado”, sem o afastamento das funções.

Compreende, em apertada síntese, que:

i) não houve demonstração da necessidade de o Tribunal possuir uma representação em Brasília, com todas as despesas daí decorrentes, para além da locação, manutenção e funcionamento, inclusive com o exercício de servidores, magistrados e colaboradores em suas instalações, além de possível danos ao erário também com reflexos indiretos nas atividades do próprio TJMG;

ii) não há indicativo de nenhum resultado efetivo que poderia ser alcançado pelo Tribunal mineiro a partir da instalação desse escritório de representação, sendo esta iniciativa totalmente isolada; e

iii) não haveria razões para a omissão quanto a elaboração dos estudos técnicos para verificar a possibilidade da implantação do escritório de representação” (ausência de projeto básico e estudos técnicos).

O eminente Conselheiro Richard Pae Kim, todavia, apresenta voto divergente pelo arquivamento da Reclamação Disciplinar, por entender que “as decisões questionadas são legítimas dentro da esfera de discricionariedade do Presidente de um tribunal; os motivos nos quais as mesmas se ancoraram são razoáveis; o tribunal goza de autonomia para as deliberações que tomou; os vícios formais apontados no processo administrativo além de não importarem em efetivas ilicitudes, seriam atos ainda convalidáveis; o reclamado, não agiu a seu bel-prazer, mas sim ancorou-se nos pareceres favoráveis de três unidades técnicas distintas para proceder à contratação com dispensa de licitação; não há flagrante ilegalidade ou elementos mínimos a indicarem má-fé por parte do gestor”.

Após exame detido dos autos, peço vênia ao i. Relator, para acompanhar a divergência, por entender que, de fato, não há nos autos elementos capazes de ratificar a compreensão de que o Desembargador Gilson Soares Lemes procedeu à contratação de forma arbitrária ou ao seu total alvedrio.

Preambularmente, chamo atenção dos nobres colegas para três circunstâncias que, a meu sentir, podem repercutir na compreensão dos fatos.

A primeira, diz respeito à desmobilização do escritório de representação do TJMG em Brasília/DF, em maio de 2023. É dizer, a discussão quanto à continuidade do contrato não mais subsiste.

A segunda, refere-se ao valor da avença propriamente dito. O expressivo montante de R$ 607.680,00 (seiscentos e sete mil e seiscentos e oitenta reais), com efeito impressiona prima facie. Todavia, se levado em consideração o total de meses da locação do imóvel (60 meses), ver-se-á que os gastos mensais são da ordem de R$ 10 (dez mil reais), compatíveis, a meu ver, com os preços de mercado praticados na cidade de Brasília/DF, para o fim pretendido (localização do imóvel x área útil x características das instalações).

A terceira, tem a ver com os preceitos do artigo 24, X, da Lei 8.666/1993, que prevê, expressamente, a possibilidade de dispensa de licitação para a locação de imóvel pela administração:

 

Art. 24.  É dispensável a licitação:

[...]

X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;

Ainda que este Plenário tenha ressalvas quanto ao juízo de conveniência e oportunidade realizado pelo TJMG, certo é que a deliberação é afeta à autonomia administrativa dos tribunais, conferida pelo texto constitucional e consagrada pela jurisprudência desta Casa. Não cabe ao CNJ fazê-la em substituição ao Tribunal.

RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MINAS GERAIS. PORTARIA QUE REGULAMENTA O PLANO DE EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS NÃO PRESTADOS PELOS SERVIDORES DAQUELA UNIDADE POR MOTIVO DE GREVE DA CATEGORIA DEFLAGRADA NO ANO DE 2015. IMPOSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DO CNJ NO MÉRITO ADMINISTRATIVO DE ATO PRATICADO. AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

[...]

3. Consoante entendimento pacífico deste Conselho, não é dado ao CNJ a tarefa de estabelecer ou revisar atos decorrentes da administração dos Tribunais, sobretudo quando tais atos se fundamentarem em discricionariedade conferida por texto constitucional ou legal, caso em que sua atuação se restringe à verificação da legalidade e regularidade jurídica dos atos da administração judiciária.

[...]

6. Recurso Administrativo conhecido e não provido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0003136-39.2017.2.00.0000 - Rel. BRUNO RONCHETTI - 28ª Sessão Virtual - j. 11/10/2017, grifo nosso).

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TJMG. LICITAÇÃO. ATO DE HABILITAÇÃO DE EMPRESA. INTERESSE MERAMENTE INDIVIDUAL. INEXISTÊNCIA DE FATOS NOVOS A ENSEJAR A REFORMULAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA RECORRIDA.  RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 

1. Insurgência contra decisão terminativa que não conheceu do pedido por veicular interesse meramente individual, além de estar caracterizado o viés recursal da demanda.

2. É pretensão meramente individual a demanda que, nos termos do edital de regência, intenta perquirir sobre a legalidade de ato da comissão de licitação que atesta a habilitação de determinada licitante.

3. É pacífico o entendimento deste Órgão de que questões desprovidas de repercussão geral ou sem relevância coletiva para o Poder Judiciário não podem ser conhecidas pelo CNJ sob pena de desvirtuamento de sua função constitucional de órgão central de planejamento e cúpula no que se refere ao controle da atividade administrativa e financeira do Poder Judiciário. Precedentes do CNJ.

4. O Conselho Nacional de Justiça não é mera instância recursal para análise de todo e qualquer ato administrativo dos tribunais. Entendimento contrário macularia a sua atribuição constitucional prevista no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. Precedentes.

5. Recurso administrativo conhecido e não provido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002507-65.2017.2.00.000 - Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA - 272ª Sessão Ordinária - julgado em 22/05/2018, grifo nosso).

Logo, se refoge ao CNJ estabelecer ou revisar atos decorrentes da administração dos Tribunais, mais ainda me parece inadequado, com a devida vênia aos que possam compreender de modo diverso, avançar sobre a seara disciplinar.

A meu sentir, há de se ter indícios de descumprimento de deveres funcionais ou a desobediência às normas éticas da magistratura, o que não se identifica no presente caso.

Ao revés, o exame dos documentos denota que a contratação fora precedida de análise da Assessoria Jurídica do TJMG (Id 4748211, fls. 48/51), da Diretoria Executiva da Gestão de Bens e Patrimônio (Id 4748211, fl. 53) e do parecer de Juíza Auxiliar da Presidência (Id 4748211, fl. 55).

Como salientado pelo Conselheiro Richard Pae Kim, “os procedimentos disciplinares não podem e nem devem ser manejados no intuito de, por via oblíqua, examinar a regularidade, conveniência e oportunidade de atos de gestão ou, ainda, para punir gestor de cujas decisões tomadas de forma legítima e com amparo em prerrogativa constitucional se discorde, posto não ser esta a sua finalidade precípua”.

Assim, não vejo como se determinar a instauração de PAD em face do Desembargador requerido, mormente se considerado o fato de que o Governo do Estado de Minas Gerais, a Advocacia-Geral e, ainda, o Ministério Público e a Defensoria Pública de Minas Gerais contam, todos eles, com escritórios de representação em Brasília/DF (Id 4771308).

Como salientado pela divergência, não seria natural o Poder Judiciário mineiro enveredar pelo mesmo caminho?

De mais a mais, conquanto não ventilado nestes autos, relembro que o CNJ à época da contratação entabula mediação para uma repactuação entre os envolvidos nos casos dos rompimentos das barragens localizadas em Brumadinho e Mariana/MG, cuja atuação depende da frequente participação de representantes do TJMG, pelo que não me parece absolutamente desarrazoada a decisão.

Nesse contexto, inexistindo indícios de cometimento de infração disciplinar pelo Desembargador Gilson Soares Lemes, o arquivamento da RD é medida que se impõe.

Por essas singelas razões, e rogando vênia uma vez mais ao i. Relator, voto pelo arquivamento da RD.

 

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro

VOTO DIVERGENTE

 

Trata-se de Reclamação Disciplinar (RD) instaurada de ofício pela Corregedoria Nacional de Justiça em face do Desembargador GILSON SOARES LEMES, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), visando a apuração de fatos ocorridos enquanto Presidente da referida Corte de Justiça (Biênio 2020-2022).

Adoto, na íntegra, o relatório bem lançado pelo Excelentíssimo Corregedor Nacional de Justiça, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, porém, a despeito da clareza e juridicidade do seu voto, peço vênia para apresentar entendimento diverso, nos termos da divergência já posta nos autos.

 

1.    Do contexto fático

 

Em apertada síntese, a presente RD foi instaurada visando apuração de conduta do magistrado requerido, enquanto Presidente do TJMG, relativa à celebração de contrato de locação de imóvel, com dispensa de licitação, com a finalidade de instalar base de representação da administração do Tribunal mineiro na cidade de Brasília/DF, sem realização de prévio projeto básico e de estudos técnicos exigidos normativamente.

É direcionada, ainda, para verificação dos custos da contratação e daqueles decorrentes da solenidade de inauguração do referido imóvel, que ocorreu em 16.2.2022.

Após instrução do feito, o Excelentíssimo Relator, por considerar necessário um maior aprofundamento da investigação acerca dos fatos noticiados, bem ainda, em razão da “não demonstração da necessidade de o Tribunal possuir uma representação em Brasília, com todas as despesas daí decorrentes”, propõe a instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em desfavor Desembargador requerido, para apuração de uma eventual infração funcional.

 

2.    Das razões de decidir

 

Inicialmente, cumpre salientar que a autonomia dos Tribunais para a organização de suas unidades judiciais e administrativas constitui princípio fundamental do sistema de Justiça brasileiro (art. 96, inciso I, da Constituição Federal[1]).

A garantia estabelecida na norma constitucional reconhece a capacidade de os Tribunais realizarem a gestão de suas atividades internas e administrativas de forma independente, garantindo eficiência, agilidade e eficácia na prestação dos serviços de processamento dos feitos de sua competência. A tratada autonomia confere capacidade para gerenciamento de seus próprios recursos orçamentários e de pessoal, como forma de atender suas diversas estruturas administrativas de acordo com as necessidades específicas da administração da justiça em sua jurisdição.

Nesse contexto, pela perspectiva da organização interna, os Tribunais têm liberdade para definir sua estrutura organizacional, criando e ajustando as unidades administrativas e jurisdicionais conforme as necessidades e demandas locais. Decorre, assim, que a referida competência inclui a criação de diferentes departamentos, secretarias, gabinetes de juízes, divisões especializadas, entre outros.

Portanto, no desenvolvimento das funções de autogestão da administração judiciária, cabe ao Tribunal programar e estabelecer suas estratégias para gerenciamento e desenvolvimento das atribuições de sua competência, com foco na melhoria dos seus serviços e na prestação jurisdicional célere.

Precedentes do Plenário nesse sentido:

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – CRIAÇÃO DE ÓRGÃOS AUXILIARES DO PODER JUDICIÁRIO – QUESTÃO INTERNA DOS TRIBUNAIS – AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA

1. Toda e qualquer proposição de criação de novas unidades jurisdicionais ou de órgãos auxiliares dos Tribunais, por envolver modificação em estrutura de organização judiciária, alocação de recursos financeiros, planejamento administrativo e iniciativa de lei traduz incumbência privativa da Administração do Poder Judiciário local que obedece a juízo de conveniência e oportunidade, orientado por critérios técnicos e de prioridades administrativas. Exegese conjugada dos arts. 96, I, “b” e “d”, II, “b” e “d”, 99, §§ 1º e 2º, II, da Constituição.

2. Pedido de providências não conhecido[2]. (Grifo nosso)

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – ZONAS ELEITORAIS – CRIAÇÃO E DESMEMBRAMENTO – AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS – RESOLUÇÃO 19.994-97/TSE – LEGITIMIDADE RECONHECIDA PELO TSE.

I. Compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, bem como do cumprimento dos deveres funcionais de juízes e servidores.

II. Contudo, nos termos da própria Constituição Federal, à luz do princípio da autonomia do Poder Judiciário, resguardado pelo art. 103-B, § 4º, I, bem como das atribuições expressamente referidas no art. 96, I, “b” e “d”, não está o CNJ autorizado a interferir na disciplina eleita pelos Tribunais para organizarem suas secretarias e serviços auxiliares ou, mesmo para a propositura de criação de novas unidades judiciárias.

III. O controle realizado por este Conselho deve alinhar-se ao princípio de preservação da autonomia dos Tribunais.

IV. Precedentes do TSE reconhecendo a legalidade da Resolução 19.994-97/TSE (Proc. 346. Rel. José Augusto Delgado, DJ 7/2/2008; Proc. 342. Rel. Carlos Eduardo Caputo Bastos, DJ 1/2/2008).

V. Recurso administrativo a que se nega provimento[3]. (Grifo nosso)

 

Pelo prisma ora assinalado, apesar de ser compreensível a apresentação de eventual questionamento acerca da efetividade/necessidade da instalação de unidade administrativa de representação do Tribunal em Brasília/DF, objeto central do presente questionado, verifica-se que, a princípio, referido ato está circunscrito nos limites do juízo de conveniência e oportunidade da administração para organização das suas várias unidades, podendo ser assim interpretado.

Não se extrai dos autos, até o momento, elementos indiciários suficientes que possam conduzir para eventual desvirtuação do ato administrativo ou de que o mesmo foi voltado para benefício próprio ou de terceiros, como forma de consecução de vantagem indevida.

 

Sobreleve-se, por relevante, que é atribuído ao magistrado a não observância da Lei de Licitações e Contratos quanto ao acolhimento do processo de dispensa de licitação, da ausência de projeto básico e de estudos técnicos (art. 7º, inciso I e § 9º, da Lei n.º 8.666/93[4]).

Por sua vez, conforme coerente observação lançada pelo e. Conselheiro Richard Pae Kim em sua inicial divergência, a administração do Tribunal realizou várias tratativas (4748210 e seguintes), com participação direta das suas unidades técnicas, para aprovação do referido ato.

Mas não é só. Malgrado haja normativo estadual (Resolução n.º 115/2021 da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão) que preconiza a desnecessidade da estrita formalização do estudo técnico preliminar (ETP) para os contratos administrativos, restou demonstrada, frise-se, por essencial, a existência de documento formal com indicação da realização de estudos prévios, estampado no ofício do Gabinete da Presidência (Ofício n.º 43549/2021), solicitando às áreas técnicas do Tribunal a adoção de providências necessárias ao início das tratativas de locação do imóvel.

Consta, ainda, a formalização de pesquisa prévia realizada pela administração, com levantamento de imóveis que pudessem atender à demanda apresentada, acompanhada das características técnicas e orçamentárias. O custo da contratação, por seu turno, foi objeto de prévio levantamento, com avaliação dos preços de mercado por meio de laudo técnico elaborado por empresa especializada.

Repise-se, por imprescindível, que a contratação fustigada foi chancelada pela Assessoria Jurídica, pela Diretoria Executiva da Gestão de Bens e Patrimônio da Corte e por parecer da magistrada auxiliar da Presidência do TJMG, contando, também, com a defesa da sua legalidade pela Procuradoria do Estado de Minas Gerais perante esse Conselho.

Consigne-se, ainda, que, de acordo com José dos Santos Carvalho Filho, nem todos os vícios constituem obstáculo para a concretização e eficácia do ato administrativo, pois este pode ser convalidado quando o imputado vício admitir orientação por outra forma legítima, conforme se observa no caso em apreço, senão vejamos:

 

Nem todos os vícios do ato permitem seja este convalidado. Os vícios insanáveis impedem o aproveitamento do ato, ao passo que os vícios sanáveis possibilitam a convalidação. São convalidáveis os atos que tenham vício de competência e de forma, nesta incluindo-se os aspectos formais dos procedimentos administrativos.Também é possível convalidar atos com vício no objeto, ou conteúdo, mas apenas quando se tratar de conteúdo plúrimo, ou seja, quando a vontade administrativa se preordenar a mais de uma providência administrativa no mesmo ato: aqui será viável suprimir ou alterar alguma providência e aproveitar o ato quanto às demais providências, não atingidas por qualquer vício[5].

 

Por outro lado, não se pode olvidar que a ideia de responsabilidade não apresenta um sentido unívoco, podendo variar de acordo com o contexto em que inserido e com observação das particularidades de cada caso concreto, sendo certo, como preleciona Othon de Azevedo Lopes, que a responsabilidade decorre do cometimento de um ato ilícito, que é, em essência, um procedimento em desacordo com o ordenamento jurídico, ofensivo às leis e aos princípios jurídicos estabelecidos em uma sociedade, que existem justamente para permitir a boa ordem social.[6]

De igual modo, valiosas são as lições de Rui Stoco sobre a temática:

 

Ocorre, porém, que o referido art. 73 do RICNJ preceitua que “o processo administrativo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidades de magistrados e de titulares de serviços notariais e de registro por infração disciplinar praticada no exercício de suas atribuições”

Todavia, não será apenas a improbidade administrativa, ou seja, o comportamento irregular no exercício do cargo que empenhará a punição do magistrado.

Infração disciplinar, in genere, é o comportamento irregular ou inadequado do agente público, seja no exercício do cargo, seja na vida privada, com repercussão na sociedade e em prejuízo do exercício adequado do seu múnus.

O Estatuto da Advocacia, ad exemplum, enumera algumas dessas condutas, como: a) prática retirada de jogo de azar, não autorizado por lei; b) incontinência pública e escandalosa; c) embriaguez ou toxicomania habituais (art. 34 da Lei 8.906/1994).

Mas também poderá ser considerada infração disciplinar a venalidade, o favorecimento ou perseguição de uma das partes no processo ou seu defensor, a aceitação de valores em troca de favores, a indolência que implica em grande atraso no desempenho da função de julgar, causando prejuízos aos jurisdicionados, a vida provada e irregular desregrada etc.[7]

 

Postas tais considerações, tem-se, concessa máxima vênia, que essa condição de ofensividade ao ordenamento jurídico ou aos princípios constitucionais não se plenifica nos elementos até agora colacionados nos autos.

Entrementes, apesar da administração do Tribunal não seguir a estrita formalização dos termos técnicos elencados na legislação de regência, depreende-se dos autos que os atos administrativos praticados atenderam aos requisitos legais, sendo pautados na discricionariedade e conveniência da administração para definição das estratégias de organização dos atos de sua competência, inexistindo a imputada ilegalidade flagrante.

Assim, na esteira do entendimento assentado na inicial divergência, a realização do ato administrativo ora questionado encarta, a princípio, típico ato de gestão administrativa, afetado pela autonomia e conveniência da administração, nos termos do art. 96, inciso I, da Constituição Federal.

Pontue-se que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), é assegurado aos Tribunais autonomia administrativa para estabelecer sua organização e definir as atribuições de seus órgãos. Aviste-se:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DISPOSITIVOS DA LEI COMPLEMENTAR N. 339/2006, DE SANTA CATARINA. PEDIDO DE ADITAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DO ART. 17 DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 339/2006. PEDIDO PREJUDICADO EM PARTE. DIVISÃO E ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIAS EM SANTA CATARINA. ATUAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NA DEFINIÇÃO DE UNIDADES DE DIVISÃO JUDICIÁRIA, DE SUBSEÇÕES, REGIÕES E CIRCUNSCRIÇÕES JUDICIÁRIAS E NA INSTALAÇÃO DE COMARCAS. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DO PODER JUDICIÁRIO. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À AL. D DO INC. I E À AL. D DO INC. II DO ART. 96 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO DIRETA PREJUDICADA QUANTO AO ART. 17 DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 339/2006 E IMPROCEDENTE QUANTO AOS DEMAIS DISPOSITIVOS.”[8] (Grifo nosso)

 

Por todo o contexto acima assinalado, não se vislumbra a presença de elementos indiciários suficientes para imputação de eventual infração disciplinar pelo magistrado requerido, devendo ser presumida a boa-fé. Ausentes elementos suficientes que justifiquem a instauração de procedimento disciplinar para avaliação de eventual descumprimento das obrigações e normas éticas aplicadas à magistratura.

 

3.    Conclusão

 

Diante do exposto, peço vênia ao e. Relator para divergir do entendimento apresentado por Sua Excelência e votar pela improcedência da presente Reclamação Disciplinar, acompanhando a divergência já inaugurada nos autos.

É como voto.

Brasília/DF, data registrada no sistema.

 

Conselheiro João Paulo Schoucair

Vistor

 



[1] Art. 96. Compete privativamente: I - aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos; b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correcional respectiva; (...) d) a alteração da organização e da divisão judiciárias.

[2] CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0002745-65.2009.2.00.0000 - Rel. WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR - 88ª Sessão Ordinária - julgado em 18/08/2009.

[3] CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001658-74.2009.2.00.0000 - Rel. Mairan Gonçalves Maia Júnior - 86ª Sessão Ordinária - julgado em 09/06/2009.

[4] Art. 7º  As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte sequência: I - projeto básico; (...) § 9º  O disposto neste artigo aplica-se também, no que couber, aos casos de dispensa e de inexigibilidade de licitação.

[5] STOCO, Rui. Processo Administrativo Disciplinar: processo administrativo disciplinar na administração pública, no Conselho Nacional de Justiça e nos tribunais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

[6] LOPES, Othon de Azevedo. Responsabilidade Jurídica, Horizontes, Teoria e Linguagem. São Paulo, Editora Quartier Latin, 2019.

[7] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 31.ª ed. ver., atual., e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.

[8] STF, Tribunal Pleno, ADI 4159, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 13/08/2020.