Conselho Nacional de Justiça


Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003266-53.2022.2.00.0000
Requerente: ALEX FERNANDES DA SILVA
Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL - CGJMS



 

EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO. PODER REGULAMENTAR. AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. JUDICIALIZAÇÃO PREDATÓRIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1 – Recurso contra decisão que julgou improcedente pedido de suspensão da eficácia do Provimento nº. 263 editado pela Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, na parte que dispõe sobre o levantamento de valores.

2 - A norma impugnada prevê que a regra geral é a expedição da guia de levantamento em nome do próprio advogado que detenha poderes especiais, apenas admitindo, excepcionalmente, que o juiz possa determinar a expedição da guia em nome das partes quando presente algumas situações específicas, que indiquem se tratar de demanda predatória e de massa, aliada à vulnerabilidade das partes envolvidas (dispõe textualmente a norma: "como, por exemplo, aposentado com baixa renda, indígena, pessoas com deficiência, mutuário de pequenos empréstimos, o hipossuficiente, entre outros"e desde que tenha o caso sido identificado pelo Centro de Inteligência como ação de massa. 

3 – O Tribunal editou o ato impugnado diante do abrupto aumento de distribuição de ações no Estado do Mato Grosso do Sul, tendo o Centro de Inteligência do TJMS apurado, em 2021, a existência de mais de 137.000 demandas predatórias ajuizadas por apenas quatro advogados.

4 - Além disso, nota-se que o Tribunal tomou as cautelas necessárias para não prejudicar a advocacia, ao ressalvar que os honorários advocatícios contratuais continuarão a ser expedidos em nome dos causídicos.

5 - Tratando-se de medida excepcional, que tem condições específicas e restrita para ocorrer e que expressamente preserva o direito do advogado de levantar, em nome próprio, os honorários contratuais, não há que se falar em ilegalidade, especialmente quando a norma está em linha com a Resolução 127/2021 deste Conselho, que conclama os tribunais à "adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória" (art. 1º), compreendida como "o ajuizamento em massa em território nacional de ações com pedido e causa de pedir semelhantes em face de uma pessoa ou de um grupo específico de pessoas" (art. 2º). 

6 – Recurso conhecido e, no mérito, não provido.

 

 

 ACÓRDÃO

Após os votos dos Conselheiros Mário Goulart Maia e Marcos Vinícius Jardim Rodrigues (Vistores), o Conselho, por maioria, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Conselheiros Marcello Terto, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e Luiz Fernando Bandeira de Mello, que votavam pela suspensão do PCA pelo prazo de 60 dias ou até que o CNJ fixasse balizas para atuação dos magistrados e magistradas nos casos de pedidos de levantamento de valores por advogados e de expedição de alvará judicial. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 15 de setembro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003266-53.2022.2.00.0000
Requerente: ALEX FERNANDES DA SILVA
Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL - CGJMS


RELATÓRIO


                        O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator):

 

Trata-se de Recurso Administrativo (Id 4768122) interposto por Alex Fernandes da Silva contra a Decisão (Id 4754529) que determinou o arquivamento do feito com fundamento no art. 25, X e XII, do Regimento Interno do CNJ (RICNJ).

Para melhor compreensão do objeto do presente Procedimento de Controle Administrativo (PCA), transcrevo o relatório da decisão recorrida:

 

 

“Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto por ALEX FERNANDES DA SILVA contra o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (TJMS), no qual requer, liminarmente, que seja suspensa “a eficácia do Provimento nº. 263 editado pela Corregedoria Geral de Justiça, determinando-se, outrossim, que até o final do julgamento, no que concerne ao recebimento de alvarás, torne a vigorar os ditames do art. 105 do Código de Processo Civil, para que o advogado com poderes possa receber os valores em nome dos beneficiários, a fim de se restabelecer o pleno exercício da profissão”.

O requerente informa que, por meio do Provimento nº 263, de 07 de dezembro de 2021, do TJMS, foi facultado aos magistrados, a depender da condição socioeconômica do autor e de a pretensão ser de contencioso de massa, a expedição de alvará judicial de forma individualizada, em nome do autor da ação. Dentro dessa sistemática, os valores destinados ao pagamento de honorários contratuais e de sucumbência seriam deduzidos do valor do alvará, em favor do patrono da causa, somente após a juntada do contrato de prestação de serviços pelo causídico.

Sustenta que o referido provimento viola prerrogativas da advocacia, gera morosidade processual, contesta a lisura da atuação profissional do advogado e afronta a intimidade e a imunidade da relação privada estabelecida entre o advogado e o cliente. Alega, ainda, violação aos arts. 5º, XIII, 133, e 37 da CF, bem como o art. 105, § 4º, do CPC.

Ao final, requer:

a) Seja recebido a presente petição, juntamente com os documentos inclusos, requerendo o seu normal processamento, com a citação da parte contrária, autoridade coatora, para que apresente suas razões no prazo legal;

b) Seja concedida medida de urgência para suspender a eficácia do Provimento nº. 263 editado pela Corregedoria Geral de Justiça, determinando-se, outrossim, que até o final do julgamento, no que concerne ao recebimento de alvarás, torne a vigorar os ditames do art. 105 do Código de Processo Civil, para que o advogado com poderes possa receber os valores em nome dos beneficiários, a fim de se restabelecer o pleno exercício da profissão;

c) No mérito, requer seja declarado nulo o §1º e §2º do Provimento nº. 263, que alterou o artigo 409 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça, mais precisamente os termos lançados: “Faculta-se o juiz expedir a guia de levantamento de valores diretamente em nome do credor ou do autor da ação” e “antes da expedição da guia de levantamento diretamente em nome do credor ou do autor da ação, há de se deduzir o valor dos honorários contratuais, ante a exibição formal do ato contratual”;

d) No pedido alternativo, requer seja alterado o § 1º com a seguinte redação: “Seja concedido o direito do levantamento total dos valores em juízo ao advogado mediante requisitos contidos no artigo 105 NCPC, bem como a desobrigação de apresentação de contrato de honorários para levantamento de honorários contratuais e sucumbenciais, nao sendo o entedimento de Vossa Excelência, é o que nao se espera, pleteia no final, que seja acrescentado ao Provimento nº. 263 a seguinte redação: Seja liberado o alvará judicial integralmente ao advogado, desde que cumprido os requisitos do artigo 105 NCPC, mediante comprovação do repasse do valor ao cliente nos autos;

e) Por derradeiro, requer a intimação da Procuradoria Nacional de Defesa das Prerrogativas dos Advogados para integrar na presente demanda como amicus curiae, eis que o tema envolve a violação das prerrogativas dos advogados, no endereço: SAUS Quadra 5 – Lote 1 – Bloco M – Brasília – DF, CEP: 700070-939

Devidamente intimada, a Presidência do TJMS prestou informações, por meio das quais defendeu que a edição do Provimento nº 263, de 07 de dezembro de 2021, teve como objetivo coibir fraudes e demandas predatórias no Tribunal sul-matogrossense, que geraram danos ao erário, e ressaltou a inexistência de prejuízo aos advogados, porquanto a preocupação da Corregedoria-Geral de Justiça é com o exercício da advocacia pautado na lealdade processual e na boa-fé, de modo a não subsistir a ilegalidade apontada pelo requerente (Id 4751390).

É, em breve síntese, o relatório. Decido”

 

 

A decisão atacada julgou improcedentes os pedidos, pois o ato impugnado atendeu à Recomendação CNJ nº 127/22, emitida como forma de enfrentamento à judicialização predatória, e adotou as cautelas necessárias a preservar a autonomia dos magistrados e da advocacia.

Inconformado, o requerente, ora recorrente, interpôs o presente Recurso Administrativo, no qual reforçou a fundamentação apresentada na petição inicial quanto à validade da procuração ad judicia.

Por fim, requereu:

 

“a) O recebimento do presente Recurso juntamente com os documentos inclusos;

b) Seja julgado TOTALMENTE PROCEDENTE o pedido de Instauração de Controle Administrativo com Pedido Liminar, concedendo de imediato a suspensão do Provimento nº. 263, 07 de dezembro de 2021, que alterou o artigo 409 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça nos moldes apresentados na peça inaugural, devendo ser analisado minuciosamente cada documento apresentado (procuração por instrumento público – art. 105 CPC), decidindo desta forma, certamente este competente Órgão estará aplicando a pura letra da Lei.

 

Devidamente intimado (Id 4811170), a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul (TJMS) prestou informações em que defende o ato atacado (Id 4827578).



É o relatório. 

 



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Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003266-53.2022.2.00.0000
Requerente: ALEX FERNANDES DA SILVA
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VOTO


                          O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator):

 

Recebo o recurso administrativo por ser tempestivo e próprio, nos termos do art. 115 do RICNJ.

Da análise dos autos, não vislumbro elementos hábeis a justificar a alteração do entendimento adotado na Decisão (Id  4754529), in verbis:

 

“O TJMS editou o Provimento CGJ nº 263/21 que alterou o art. 409 do Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça no intuito de evitar demandas predatórias no Estado de Mato Grosso do Sul. Por ser pertinente, transcrevo a nova redação do citado artigo:

“Art. 409. Os advogados, desde que habilitados por meio de procuração ad judicia com poderes especiais para receber e dar quitação, poderão, em havendo solicitação expressa no processo, receber a quantia constante da guia de levantamento de valores.

§ 1º Faculta-se ao juiz expedir a guia de levantamento de valores diretamente em nome do credor ou do autor da ação quando se tratar de demandas que tenham por objeto proteger pessoas em estado de vulnerabilidade socioeconômica (como, por exemplo, aposentado com baixa renda, indígena, pessoas com deficiência, mutuário de pequenos empréstimos, o hipossuficiente, entre outros), desde que sejam aquelas identificadas como de massa pelo Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. (Acrescentado pelo Provimento n.º 263, de 7.12.2021 – DJMS n.º 4860, de 8.12.2021.)

§ 2º Antes da expedição da guia de levantamento diretamente em nome do credor ou do autor da ação, há de se deduzir o valor dos honorários contratuais, ante a exibição formal do ato contratual, se assim for requerido, para que o patrono possa receber seus honorários, dentro dos percentuais razoáveis de contratação, segundo os princípios da lei civil processual. (Acrescentado pelo Provimento n.º 263, de 7.12.2021 – DJMS n.º 4860, de 8.12.2021.)

§ 3º O advogado será beneficiário quando se tratar de honorários sucumbenciais e ou contratuais de sua titularidade e, sacador, quando for representante de seu mandante. (Renumerado pelo Provimento n.º 263, de 7.12.2021 – DJMS n.º 4860, de 8.12.2021.)”

De outro lado, o Conselho Nacional de Justiça editou - visando coibir judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento de defesa, bem como a limitação da liberdade de expressão – a Recomendação CNJ nº 127/22. Constou nos fundamentos do voto condutor do ato normativo deste Conselho, que a finalidade da citada Recomendação era evitar “o uso desvirtuado de instrumentos próprios do Estado, entre os quais as ações judiciais, para, indiretamente, restringir o exercício de direitos fundamentais. Por conseguinte, é imperioso que o Poder Judiciário adote cautelas para mitigar os danos decorrentes da judicialização predatória até a definição questão seja definida ulteriormente pelo Poder Legislativo”.

Com efeito, percebe-se que o ato impugnado vai ao encontro da Recomendação do CNJ, uma vez que o intuito do TJMS foi justamente apresentar uma alternativa, sem caráter cogente, aos magistrados do Tribunal no sentido de auxiliá-los no enfrentamento da judicialização predatória.

Nesse sentido, vê-se que o ato expedido pelo TJMS não afeta a independência nem a autonomia dos seus magistrados, mas apenas os faculta expedir a guia de levantamento de valores diretamente em nome do credor ou do autor da ação quando se tratar de demandas que tenham por objeto proteger pessoas em estado de vulnerabilidade socioeconômica.

Nas informações prestadas pelo Tribunal, restou esclarecido que o ato foi editado justamente pelo abrupto aumento de distribuição de ações no Estado do Mato Grosso do Sul, oportunidade em que o Centrou de Inteligência do TJMS apurou, em 2021, a existência de amis de 137.000 demandas predatórias ajuizadas por quatro advogados. Para contextualizar, transcrevo as informações prestadas pela Presidência do Tribunal:

“Exemplo no nosso estado: a) a comarca de Iguatemi (população de 16.273 habitantes), vara única: de 3.861 processos em novembro/2013, saltou para 6.080 em outubro/2015, aumento de 2.219 demandas; b) a comarca de Itaquiraí (população de 21.604 habitantes), vara única: de 3.658 processos em setembro/2017, saltou para 6.952 em março/2019, aumento de 3.294; c) a comarca de Sete Quedas (população de 10.751 habitantes), vara única: de 2.762 processos em outubro/2015, saltou para 4.1622 em março/2018, aumento de 1.400 demandas em curto espaço de tempo. E assim as demandas foram crescendo, em número assustador, tanto é que o Centro de Inteligência do TJMS, em 2021, apurou a existência de mais de 137.000 demandas de massa, ditas predatórias, ajuizadas por 4 advogados.

São petições iniciais quase que todas iguais, mudando-se o nome das partes e às vezes o número da contratação, em todas elas o(a) autor(a) declara não ter interesse em audiência de conciliação. Não raro o autor não junta seu extrato bancário, mas junta o extrado do INSS; quando o agente financeiro, em resposta à ação, junta a prova da contratação e a prova do depósito em nome do mutuário, referido autor DESISTE da demanda. Em muitos casos o juiz não consegue o endereço do autor. Já apurou-se demandas com procurações falsas; demandas cujo autor já era falecido... E por aí vai. São ações em que o advogado perde totalmente o controle da demanda...”

Além disso, nota-se que o Tribunal tomou as cautelas necessárias para não prejudicar a advocacia em seu ato ao ressalvar que os honorários advocatícios contratuais ficam à disposição dos causídicos, consoante o § 2º que dispõe:

“§ 2º - Antes da expedição da guia de levantamento diretamente em nome do credor ou do autor da ação, há de se deduzir o valor dos honorários contratuais, ante a exibição formal do ato contratual, se assim for requerido, para que o patrono possa receber seus honorários, dentro dos percentuais razoáveis de contratação, segundo os princípios da lei civil processual”.

Desse modo, verifica-se que o Tribunal agiu dentro de sua autonomia administrativa, de forma que se apresenta descabida qualquer intervenção por parte deste CNJ. Nesse sentido:

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. RESOLUÇÃO N. 5/2019 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE. REORGANIZAÇÃO DAS UNIDADES JUDICIÁRIAS. PEDIDO DE ANULAÇÃO POR SUPOSTA AUSÊNCIA DE DEBATE. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUTONOMIA DO TRIBUNAL. ART. 96, I, “A” E “B” DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE FATO NOVO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I – Recurso contra decisão que determinou o arquivamento liminar do Pedido de Providências, a teor do art. 25, X, do Regimento Interno. II – O art.96, I, “a” e “b”, da Constituição Federal de 1988 estabelece que compete aos Tribunais dispor sobre o funcionamento de seus respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos. III – A reorganização das unidades judiciárias do TJCE, nos termos da Resolução n. 5/2019, foi precedida por estudo técnico que revelou um elevado número de comarcas com quadro de servidores deficitário e sem juiz titular. IV – Conforme precedentes, não é dado ao Conselho revisar atos decorrentes da administração dos Tribunais, sobretudo quando tais atos se fundamentarem em discricionariedade conferida por texto constitucional ou legal, caso em que sua atuação se restringe à verificação da legalidade e regularidade jurídica dos atos da administração judiciária. V – As razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os fundamentos da decisão combatida. VI – Recurso conhecido e não provido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0007100-35.2020.2.00.0000 - Rel. FLÁVIA PESSOA - 86ª Sessão Virtual - julgado em 14/05/2021). Destaque nosso.

Assim, considerando a autonomia administrativa do Tribunal, não se verifica, sob qualquer perspectiva, ilegalidades nos atos administrativos impugnados que permitam a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

Diante do exposto, com fundamento no artigo 25, X e XII, do Regimento Interno do CNJ1, julgo improcedentes os pedidos formulados e determino o arquivamento do feito.

(...)”

 

Ademais, é de se ver que a regra geral prevista na norma impugnada é a expedição da guia de levantamento em nome do próprio advogado que detenha poderes especiais, nos termos do disposto no art. 409 do Código de Normas da Corregedoria-Geral do TJMS, apenas admitindo-se, excepcionalmente, que o juiz expeça a guia em nome das partes quando presente algumas situações específicas, que indiquem se tratar de demanda predatória e de massa, aliada à vulnerabilidade das partes envolvidas (dispõe textualmente a norma: "como, por exemplo, aposentado com baixa renda, indígena, pessoas com deficiência, mutuário de pequenos empréstimos, o hipossuficiente, entre outros"e desde que tenha o caso sido identificado pelo Centro de Inteligência como ação de massa.  Trata-se, portanto, de medida excepcional, que tem condições específicas e restrita para ocorrer e que se alinha à recomendação 127/2021 deste Conselho, que conclama os tribunais à "adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória" (art. 1º), compreendida como "o ajuizamento em massa em território nacional de ações com pedido e causa de pedir semelhantes em face de uma pessoa ou de um grupo específico de pessoas" (art. 2º). 

Ora, tendo o ato atacado sido editado como forma de se buscar a concretização da Recomendação CNJ nº 127/22 e estando sujeito à apreciação a ser feita caso a caso pelo juiz da causa, não há que se falar em ilegalidade ou violação a prerrogativa de prerrogativas profissionais dos advogados, tanto mais quando se nota que os honorário contratuais continuarão, por determinação expressa da norma, a ser expedidos em nome dos advogados. Ademais, a norma não possui caráter cogente e adota as cautelas necessárias a preservar a autonomia dos magistrados e da advocacia, atuando dentro dos limites da  autonomia constitucional dos tribunais (art. 96, I, “a” e “b”, da Constituição Federal – CF).

Assim, apesar do esforço argumentativo apresentado com vistas a pugnar a atuação deste Conselho, o poder regulamentar decorre da autonomia dos Tribunais, conforme precedentes:

 

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – CFOAB. EDIÇÃO DE ATO NORMATIVO QUE DETERMINE ASSENTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL EM TODOS OS ÓRGÃOS DELIBERATIVOS DOS TRIBUNAIS DO PAÍS. VIOLAÇÃO DA AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA DOS TRIBUNAIS. SEPARAÇÃO DOS PODERES. PARTICIPAÇÃO DA OAB NO PODER JUDICIÁRIO JÁ DELINEADA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. LIMITES DO PODER REGULAMENTAR DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. 

I – Objetiva-se edição de ato normativo determinando que a OAB tenha assento em todos os órgãos deliberativos dos tribunais do País, com direito a voz, nas sessões de caráter administrativo, notadamente naquelas relacionadas à análise, definição e aprovação orçamentária e financeira das Cortes brasileiras, bem como nas que definem as metas do Poder Judiciário em cada unidade da federação. 

II – Alega-se que a participação da advocacia nas deliberações administrativas dos tribunais pátrios constitui medida democrática em consonância com os arts. 37 e 133 da Constituição Federal de 1988, bem como com as Resoluções CNJ n. 198/2014 e 221/2016. 

III – O pedido viola a separação dos Poderes (art. 60, §4º, III, da CF/88), a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário (arts. 66 e 69 da CF/88), e extrapola a competência regulamentar do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, §4º, da CF/88). 

IV – “Ao Conselho Nacional de Justiça não compete intervir em aspectos privativos da atuação dos Tribunais, exceto no caso de evidente ilegalidade na prática de ato administrativo. O CNJ não substitui o Tribunal de Justiça e nem pode ofender sua autonomia administrativa e financeira, mas apenas controlar os atos que desbordem os limites da legalidade ou quando presente omissão por parte da Corte.” (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0005832-58.2011.2.00.0000 - Rel. JOSÉ LUCIO MUNHOZ - 141ª Sessão Ordináriaª Sessão - j. 14/02/2012). 

V – Participação da OAB no Poder Judiciário encontra-se delineada na Constituição Federal de 1988: quinto constitucional (art. 94); composição do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B) e comissões de concurso público para ingresso na magistratura (art. 93, I). 

VI – Possibilidade de participação da OAB sujeita à discricionariedade de cada tribunal, considerando a autonomia orgânico-administrativa prevista no art. 96 da CF/88, em consonância com o art. 4º da Resolução CNJ n. 221/2016. 

VII – Pedido de Providências julgado improcedente.


(CNJ – Pedido de Providências PP – 0003492-68.2016.2.00.0000 – Rel. VALTÉRCIO DE OLIVEIRA– 57ª Sessão Virtual – julgado em 29.11.2019). Destaque nosso.

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. RESOLUÇÃO N. 5/2019 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE. REORGANIZAÇÃO DAS UNIDADES JUDICIÁRIAS. PEDIDO DE ANULAÇÃO POR SUPOSTA AUSÊNCIA DE DEBATE. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUTONOMIA DO TRIBUNAL. ART. 96, I, “A” E “B” DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE FATO NOVO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

 I – Recurso contra decisão que determinou o arquivamento liminar do Pedido de Providências, a teor do art. 25, X, do Regimento Interno.

II – O art.96, I, “a” e “b”, da Constituição Federal de 1988 estabelece que compete aos Tribunais dispor sobre o funcionamento de seus respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.

III – A reorganização das unidades judiciárias do TJCE, nos termos da Resolução n. 5/2019, foi precedida por estudo técnico que revelou um elevado número de comarcas com quadro de servidores deficitário e sem juiz titular.

IV – Conforme precedentes, não é dado ao Conselho revisar atos decorrentes da administração dos Tribunais, sobretudo quando tais atos se fundamentarem em discricionariedade conferida por texto constitucional ou legal, caso em que sua atuação se restringe à verificação da legalidade e regularidade jurídica dos atos da administração judiciária.

V – As razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os fundamentos da decisão combatida.

VI – Recurso conhecido e não provido.”

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0007100-35.2020.2.00.0000 - Rel. FLÁVIA PESSOA - 86ª Sessão Virtual - julgado em 14/05/2021). Destaque nosso.

 

Diante do exposto, e não havendo irregularidade na Decisão impugnada, conheço do recurso interposto e, no mérito, nego-lhe provimento.

 

É como voto.

 

 

Após as comunicações de praxe, arquive-se.

 

 

 

Conselheiro Marcio Luiz Freitas

Relator 

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 0003266-53.2022.2.00.0000

Requerente: ALEX FERNANDES DA SILVA

Requerido: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL - CGJMS

 

 

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

Adoto, na íntegra, o bem lançado relatório firmado pelo e. Relator, Conselheira Márcio Luiz Coelho de Freitas, que sintetizou as razões de decidir da seguinte maneira:

EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO. PODER REGULAMENTAR. AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. JUDICIALIZAÇÃO PREDATÓRIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1 – Recurso contra decisão que julgou improcedente pedido de suspensão da eficácia do Provimento nº. 263 editado pela Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, na parte que dispõe sobre o levantamento de valores.

2 - A norma impugnada prevê que a regra geral é a expedição da guia de levantamento em nome do próprio advogado que detenha poderes especiais, apenas admitindo, excepcionalmente, que o juiz possa determinar a expedição da guia em nome das partes quando presente algumas situações específicas, que indiquem se tratar de demanda predatória e de massa, aliada à vulnerabilidade das partes envolvidas (dispõe textualmente a norma: "como, por exemplo, aposentado com baixa renda, indígena, pessoas com deficiência, mutuário de pequenos empréstimos, o hipossuficiente, entre outros") e desde que tenha o caso sido identificado pelo Centro de Inteligência como ação de massa.

3 – O Tribunal editou o ato impugnado diante do abrupto aumento de distribuição de ações no Estado do Mato Grosso do Sul, tendo o Centro de Inteligência do TJMS apurado, em 2021, a existência de mais de 137.000 demandas predatórias ajuizadas por apenas quatro advogados.

4 - Além disso, nota-se que o Tribunal tomou as cautelas necessárias para não prejudicar a advocacia, ao ressalvar que os honorários advocatícios contratuais continuarão a ser expedidos em nome dos causídicos.

5 - Tratando-se de medida excepcional, que tem condições específicas e restrita para ocorrer e que expressamente preserva o direito do advogado de levantar, em nome próprio, os honorários contratuais, não há que se falar em ilegalidade, especialmente quando a norma está em linha com a Resolução 127/2021 deste Conselho, que conclama os tribunais à "adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória" (art. 1º), compreendida como "o ajuizamento em massa em território nacional de ações com pedido e causa de pedir semelhantes em face de uma pessoa ou de um grupo específico de pessoas" (art. 2º).

6 – Recurso conhecido e, no mérito, não provido.

Peço, porém, respeitosas vênias a Sua Excelência, para apresentar divergência quanto ao encaminhamento do feito, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.

Segundo o e. Relator, “a norma impugnada prevê que a regra geral é a expedição da guia de levantamento em nome do próprio advogado que detenha poderes especiais, apenas admitindo, excepcionalmente, que o juiz possa determinar a expedição da guia em nome das partes quando presente algumas situações específicas, que indiquem se tratar de demanda predatória e de massa, aliada à vulnerabilidade das partes envolvidas (dispõe textualmente a norma: "como, por exemplo, aposentado com baixa renda, indígena, pessoas com deficiência, mutuário de pequenos empréstimos, o hipossuficiente, entre outros") e desde que tenha o caso sido identificado pelo Centro de Inteligência como ação de massa”.

Ao que tudo indica, o normativo do TJMS faz clara confusão entre demandas repetitivas ou de massa e demandas predatórias, que envolvem fraude na postulação de direitos perante o Poder Judiciário.

Em 28 de março de 2023, durante a 4ª Sessão Ordinária, o Plenário deste CNJ  apreciou recurso administrativo interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Estado de Mato Grosso contra decisão monocrática, que julgou improcedente o Pedido de Providência n. 000174255.2021.2.00.0000, em que se pretendia fosse determinado ao Juiz de Direito do Juizado Especial Cível e Criminal de Novo São Joaquim, que se abstivesse de ”exigir dos advogados poderes em procuração que não estão em lei, sem a necessidade de reconhecimento de firma do subscritor, como condicionante para o saque de valores ou recebimento de alvará em nome de cliente”.

O e. Conselheiro Relator, Márcio Luiz Coelho de Freitas negou provimento ao recurso administrativo, por entender que não havia possibilidade de intervenção do Conselho Nacional de Justiça em matéria eminentemente jurisdicional.

Inaugurando divergência, também naquela ocasião, pelas mesmas razões e equívocos identificados no enfrentamento da litigância predatória pelo Poder Judiciário, apresentei voto, originalmente, no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso administrativo interposto pela requerente, com a consequente procedência do pedido de providências (PP), para recomendar que só se criassem barreiras para o saque e recebimento de alvarás judiciais pelos postulantes, em nome dos respectivos clientes, quando existissem, no caso concreto, elementos justificadores do uso do poder geral de cautela, ainda que dos autos judiciais constasse instrumento de mandato com poderes para dar e receber quitação descritos no artigo 105 do CPC.

Todavia, o e. Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luís Felipe Salomão, no seu voto vista, registrando a importância do papel deste Conselho na fiscalização do respeito inabalável às prerrogativas da classe dos advogados e por considerar que a legítima reclamação da OAB/MT é medida de política judiciária, apresentou proposta de criação de Grupo de Trabalho a ser instituído pela Presidência do CNJ para realização de estudos, a fim de que sejam fixadas balizas para a atuação dos magistrados em casos específicos de levantamentos constantes de valores por advogados e de pedidos de expedição de alvará judicial:

RECURSO ADMINISTRATIVO. RECONHECIMENTO DE FIRMA. PROCURAÇÃO. LIBERAÇÃO DE VALORES. MATÉRIA JURISDICIONAL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. Exigência de procuração com firma reconhecida para liberação de valores. Matéria jurisdicional. Impossibilidade de atuação.

2. Inexistência de fatos novos.

3. Criação de Grupo de Trabalho a ser instituído pela Presidência do CNJ e a realização de estudos, a fim de que sejam fixadas balizas para atuação dos magistrados em casos específicos de levantamentos constantes de valores por advogados e de pedidos de expedição de alvará judicial.

4. Recurso conhecido e, no mérito, não provido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0001742-55.2021.2.00.0000 - Rel.  MARCIO LUIZ FREITAS - 4ª Sessão Ordinária de 2023 - julgado em 28/03/2023).

Por meio da Portaria n 37, de 2023, cumprindo delegação da e. Presidente do CNJ, a Corregedoria Nacional de Justiça instituiu Grupo de Trabalho (GT) para analisar e instituir balizas para atuação dos magistrados e magistradas nos casos de pedidos de levantamento de valores por advogados e de expedição de alvará judicial, cujo relatório final será apresentado em 31 de agosto de 2023.

Considerando a relevância da matéria que será tratada pelo referido Grupo de Trabalho, cujas conclusões poderão influenciar no julgamento do presente feito, voto pela SUSPENSÃO deste PCA, pelo prazo de 60 (sessenta) dias, ou, até que o CNJ fixe as balizas para atuação dos magistrados e magistradas nos casos de pedidos de levantamento de valores por advogados e de expedição de alvará judicial.

É como voto.                                                      

 

Conselheiro Marcello Terto