Conselho Nacional de Justiça

Presidência

 

Autos: ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO E DE IMPEDIMENTO - 0003257-57.2023.2.00.0000
Requerente: SIRO DARLAN DE OLIVEIRA
Requerido: LUIS FELIPE SALOMAO

 

PROCEDIMENTO DE ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO E DE IMPEDIMENTO. CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE AMIZADE ÍNTIMA E PROXIMIDADE FAMILIAR (SUSPEIÇÃO). AUSÊNCIA DE ATO CONCRETO. PEDIDO EXTRAMAMENTE GENÉRICO. ALEGAÇÃO DE ATUAÇÃO EM AÇÃO PENAL NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (IMPEDIMENTO). INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO EM DECORRÊNCIA DE ATUAÇÃO EM PROCESSO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, II, DO CPC. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DAS NORMAS ATINENTES ÀS CAUSAS DE IMPEDIMENTO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. Cinge-se a lide administrativa a eventual suspeição/impedimento do Corregedor Nacional de Justiça para atuar em processos administrativos do CNJ envolvendo o recorrente, sob a alegação de suposta amizade íntima e proximidade familiar, e de atuação do magistrado em processo judicial no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

2. O arguente não traz ao conhecimento do CNJ qualquer ato concreto que denote sua amizade íntima ou inimizade capital com o arguido, razão pela qual não há falar em declaração de suspeição, de forma ampla e geral, para o Corregedor Nacional de Justiça atuar perante o Conselho Nacional de Justiça, seja como relator ou não, nos processos relacionados àquele.

3. O pedido de reconhecimento da suspeição é extremamente genérico, o que inviabiliza o processamento da causa, bem como o direito de defesa da parte, a implicar o reconhecimento da inépcia da petição inicial, conforme orientação jurisprudencial remansosa do Supremo Tribunal Federal.

4. A previsão do art. 144, II, do CPC, impossibilita os magistrados de atuarem no mesmo processo em diferentes graus de jurisdição. Assim, não se verifica impedimento quando se está diante de um processo administrativo, em um Conselho da República, e outro judicial no âmbito de um Tribunal Superior, em razão do tipo de cognição realizada e dos princípios procedimentais e decisórios que norteiam cada um deles. Precedentes do STF e do STJ.

5. As hipóteses de impedimento, tanto do Código de Processo Civil (art. 144) quanto do Código de Processo Penal (art. 252), não admitem interpretação extensiva, diante de sua enumeração taxativa, consoante pacífico entendimento do Supremo Tribunal Federal.

6. Mediante interpretação teleológica das funções constitucionais do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal de 1988), é certo que inconfundíveis e de diferente natureza as atribuições do Corregedor Nacional de Justiça, no contexto administrativo do CNJ, e as dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, exercidas no plano jurisdicional. Entendimento diverso resultaria inclusive na corrosão da norma máxima, pois uma interpretação extensiva da legislação processual civil (isto é, infraconstitucional) restringiria o programa normativo da previsão constitucional sobre esta Corte Administrativa, no que tange às atribuições do Corregedor Nacional de Justiça, naturalmente oriundo do Superior Tribunal de Justiça.

 

7. Recurso Administrativo conhecido e não provido.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Declarou impedimento o Conselheiro Luis Felipe Salomão. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 15 de setembro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram o Excelentíssimo Conselheiro Luís Felipe Salomão (impedimento declarado) e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

RELATÓRIO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA:

Trata-se de Recurso Administrativo contra decisão monocrática que não conheceu do pedido veiculado na Arguição de Suspeição e Impedimento (ASI) proposta por Siro Darlan de Oliveira contra o Ministro Luis Felipe Salomão, atual Corregedor Nacional de Justiça.

Em sua petição inicial, o arguente alegou possuir, com o arguido, relação de proximidade profissional, uma vez que ambos tomaram posse no cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na mesma data (04.10.2011), além de terem atuado juntos em campanha para a Presidência da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro. Sustentou deter proximidade familiar com o arguido, porquanto “se frequentavam familiarmente”. Por fim, alegou que era amigo de um dos melhores amigos do irmão do arguido, Desembargador Paulo Cesar Salomão.

Dadas essas proximidades, aduziu que esperava que o arguido declarasse seu impedimento para atuar na Ação Penal 951-DF, em trâmite no STJ, o que não ocorreu.

Relatou que, no bojo dessa ação, o arguido determinou o uso de tornozeleira eletrônica pelo filho do arguente, Dr. Renato Darlan, além de outras medidas cautelares, como retenção de bens e valores.

Aludiu que, pelas razões acima expostas, o atual Corregedor Nacional de Justiça estaria impedido de participar do julgamento do PAD 0006926-94.2018.2.00.0000, sob a relatoria da Conselheira Salise Sanchotene, em que o Plenário do CNJ, na 3ª Sessão Ordinária (14.04.2023), por unanimidade, julgou procedentes as imputações para lhe aplicar pena de aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

Sem mencionar o processo, relatou que arguiu a suspeição do Corregedor, que se teria limitado a decidir com os seguintes argumentos: “Preliminarmente, anoto que, alem de não vislumbrar a suspeição aventada pelo ora requerido, a argumentação trazida no bojo das informações prestadas não se subsume aos requisitos do artigo 146 do CPC, motivo pelo qual deixo de determinar a sua autuação em apartado.

Por fim, requereu, com fulcro no art. 146 do CPC e arts. 102 e 103 do CPP e dos artigos pertinentes do Regimento Interno do CNJ, o reconhecimento da suspeição do Corregedor Nacional de Justiça, “com a consequente abstenção de participação nos julgamentos relacionados com esse magistrado” (id 5148747).

Em 30.6.23, não conheci do pedido, sob o fundamento de que não restou configurada qualquer hipótese de suspeição do Ministro Luis Felipe Salomão para atuar como relator de procedimentos, em trâmite no Conselho Nacional de Justiça, envolvendo o arguente (id 5159712).

Em sede recursal, o argumento reitera essencialmente as mesmas razões expostas na petição inicial. Aventa, contudo, que esta Presidente “não enfrentou em sua decisão o fato de que a lei expressamente veda a participação do Eminente Corregedor quando o mesmo já foi Relator na Ação Penal nº 951-DF, onde se posicionou como julgador, e existem determinadas situações que impossibilitam a atuação do juiz no curso de uma ação”, razão pela qual incidiria o impedimento constante no art. 144, inc. II, do CPC[1].

Por fim, requer o provimento do recurso administrativo, com a consequente declaração de impedimento do Ministro Luis Felipe Salomão nos processos em que figura o arguente, seja os em trâmite, seja os futuramente instaurados no Conselho Nacional de Justiça (id 5207867).

Em suas contrarrazões, o Corregedor Nacional de Justiça ressalta não possuir relação de amizade íntima ou inimizade com o recorrente ou com seus advogados, bem como que a sua atuação como relator da Ação Penal 951-DF não implica impedimento/suspeição na esfera administrativa, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (id 5250826).

É o relatório.

 



[1] Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

(...)

II – de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão

VOTO

A EXCELENTÍSSIMA MINISTRA ROSA WEBER, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA:

O Recurso Administrativo id 5207867 deve ser conhecido, porquanto, tempestivo, além de preencher os demais requisitos do art. 115 do RICNJ.

Quanto ao mérito, o Recurso não comporta provimento, uma vez que a decisão recorrida não merece reparo e deve ser mantida por seus próprios fundamentos, in verbis:

 

A arguição de suspeição e impedimento, neste Conselho, tem por objeto avaliar situações fáticas/jurídicas que possam constituir obstáculo para o livre conhecimento da matéria. Distribuída à Presidência, nos termos do art. 47, I, do Regimento Interno do CNJ, é utilizada para exame de eventual parcialidade dos Conselheiros deste Órgão.

RICNJ

“Art. 47. Serão distribuídas:

I – ao Presidente as arguições de suspeição ou impedimento em relação aos demais Conselheiros”;

 

O Código de Processo Civil, aqui aplicado subsidiariamente (CNJ - ASI nº 1, Rel. Pres. Nelson Jobim, DJU 09.02.2006), define as hipóteses legais de suspeição do magistrado em seu artigo 145, com apresentação das causas indicativas para a caracterização do instituto em análise. Cite-se:

Art. 145. Há suspeição do juiz:

I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;

II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;

III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;

IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.

§ 1º Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões.

§ 2º Será ilegítima a alegação de suspeição quando:

I - houver sido provocada por quem a alega;

II - a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido..

 

Por sua vez, o Código de Processo Penal, também aplicado subsidiariamente, elenca as suas situações legais de suspeição do magistrado.

Art. 254.  O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:

I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;

II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;

III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;

IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;

V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;

Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

 

Semelhante tratamento é observado na Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. O art. 20 da referida norma reconhece a suspeição do servidor ou da autoridade, nos seguintes termos: “Pode ser argüida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau”.

Compulsando estes autos, verifico que o autor não traz ao conhecimento do CNJ qualquer conduta perpetrada pelo Corregedor que possa ser enquadrada em hipótese de suspeição, quer nos procedimentos finalizados quer naqueles em andamento neste Conselho Nacional de Justiça.

Com efeito, o fato de que o arguente e o arguido terem tomado posse no cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Janeiro na mesma data e a simples alegação de proximidade familiar não adentram no âmbito normativo da legislação acima citada, não constituindo, portanto, supostamente relação de amizade íntima, hipótese suficiente e necessária para a declaração de suspeição do Corregedor Nacional de Justiça.

Nesse sentido, faz-se imperioso registrar que as hipóteses de suspeição, tanto do Código de Processo Civil (art. 145), quanto do Código de Processo Penal (art. 254) não admitem interpretação extensiva, diante de sua enumeração taxativa, consoante pacífico entendimento do Supremo Tribunal Federal, a saber:

“Penal e processual penal. Agravo regimental em recurso ordinário em habeas corpus. Alegação de impedimento. Art. 252, II, do CPP. Rol taxativo. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Fatos e provas. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que “as hipóteses de impedimento elencadas no art. 252 do Código de Processo Penal constituem um numerus clausus (HC n. 92.893, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ 12.12.2008), não se ajustando a espécie a nenhum dos casos previstos em lei de suspeição ou de impedimento do julgador, cujo rol é taxativo” (RHC 170.540, Relª. Minª. Cármen Lúcia). 2. Para dissentir do entendimento perfilhado nas instâncias de origem, é imprescindível o revolvimento de fatos e provas, o que não é possível na via processualmente restrita do habeas corpus (HC 146.286, Rel. Min. Alexandre de Moraes; e RHC 116.947, Rel. Min. Teori Zavascki). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RHC 195982 AgR, Relator: ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 08/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 08-04-2021 PUBLIC 09-04-2021)

 

“AGRAVO INTERNO NA AÇÃO ORIGINÁRIA. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA CONHECER E JULGAR PROCESSOS EM QUE MAIS DA METADE DOS MEMBROS DE TRIBUNAL DE ORIGEM SE DECLAREM SUSPEITOS OU IMPEDIDOS. ART. 102, I, N, DA CRFB/88. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO. INEXISTÊNCIA DE PROVAS CAPAZES DE COMPROVAR AS CONDUTAS ATRIBUÍDAS AOS EXCEPTOS. SUSPEIÇÃO OU IMPEDIMENTO NÃO CARACTERIZADOS. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. As causas de impedimento e suspeição do juiz (arts. 144 e 145 do Código de Processo Civil de 2015) não admitem alargamento pela via interpretativa, já que se trata de situações de excepcionalidade. 2. A causa de suspeição atinente à inimizade capital em relação a uma das partes não se perfaz com mera alegação de animosidade, exigindo-se indicação da plausibilidade de que o agente atua movido por razões de ódio, rancor ou vingança. Precedente: Arguição de Suspeição 89, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 4/9/2017. 3. In casu, as alegação atribuídas aos exceptos não restaram demonstradas, notadamente em razão de revelarem suposições e conjecturas criadas pelo próprio excipiente, sem embasamento fático a justificar a alegada inimizade capital entre as partes. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (AO 2347 AgR, Relator: LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 17/08/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-179  DIVULG 29-08-2018  PUBLIC 30-08-2018)

 

Como se não bastasse, conforme magistério jurisprudencial pacífico deste Conselho, a simples decisão contrária aos interesses da parte não imputa qualquer nódoa de suspeição na atuação do Conselheiro, in verbis:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO E DE IMPEDIMENTO. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO REGIMENTAL.

1. O artigo 115, § 1º, do Regimento Interno do CNJ prevê que apenas são recorríveis "as decisões monocráticas terminativas de que manifestamente resultar ou puder resultar restrição de direito ou prerrogativa, determinação de conduta ou anulação de ato ou decisão, nos casos de processo disciplinar, reclamação disciplinar, representação por excesso de prazo, procedimento de controle administrativo ou pedido de providências”.

2. “Não há previsão regimental que viabilize interposição de recurso em arguição de suspeição e impedimento” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em ASI - Arguição de Suspeição e de Impedimento - 0006913-32.2017.2.00.0000 - Rel. DIAS TOFFOLI - 43ª Sessão Virtual - julgado em 01/03/2019).

3. A simples decisão contrária aos interesses da parte, por si só, não imputa qualquer nódoa de suspeição ou impedimento na atuação do membro do Conselho Nacional de Justiça.

4. Recurso administrativo não conhecido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em ASI - Arguição de Suspeição e de Impedimento - 0002837-23.2021.2.00.0000 - Rel. LUIZ FUX - 99ª Sessão Virtual - julgado em 11/02/2022 ).

 

Em conclusão, a partir das premissas fáticas e jurídicas acima expostas, não se observa no caso em análise qualquer hipótese de suspeição do Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luis Felipe Salomão.

Ante o exposto, nos termos do art. 47, inc. I, c/c art. 25, inc. X, do Regimento Interno do Conselheiro Nacional de Justiça, decido pelo NÃO CONHECIMENTO do pedido.

Brasília, data registrada no sistema.

Ministra Rosa Weber

Presidente

 

As razões recursais em nada abalam a decisão recorrida.

Em reforço aos fundamentos já expostos, entendo que o fato de arguente e arguido terem tomado posse no cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Janeiro na mesma data, ou de terem atuado juntos em campanha para a Presidência da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, bem como a simples alegação de proximidade familiar - sob o argumento de frequência recíproca familiar e amizade íntima com o irmão do arguido -, não configuram hipóteses aptas a justificar a incidência do âmbito normativo da legislação aplicável à suspeição, não constituindo, portanto, a hipótese da amizade íntima, suficiente e necessária para a declaração de suspeição do Corregedor Nacional de Justiça.

Nada obstante, é importante assentar que o PAD 0006926-94.2018.2.00.0000, da relatoria da Conselheira Salise Sanchotene, foi definitivamente julgado na 3ª Sessão Ordinária (14.04.2023), oportunidade em que o Plenário do CNJ, por unanimidade, julgou procedentes as imputações para aplicar ao Desembargador arguente a pena de aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

A toda evidência, constatando-se o julgamento definitivo da questão administrativa posta sob a análise do Plenário, e de forma unânime, forçoso, em qualquer hipótese, reconhecer operada a preclusão temporal quanto a eventual medida.

Agravo interno em arguição de suspeição. Negativa de seguimento. Inq 4.781, Inq 4.874 e Pet 9.844. Arguição intempestiva. Momento para oposição: quinquídio regimental (causas preexistentes) ou primeira oportunidade de se pronunciar nos autos (causas supervenientes). Transcurso in albis do prazo preclusivo. Suspeição provocada. Injúrias praticadas pelo próprio arguente não justificam o afastamento do magistrado ofendido. 1. As causas de suspeição do Relator (CPP, art. 254), quando preexistentes, devem ser arguidas até cinco (05) dias após a distribuição do feito (RISTF, art. 279) ou, quando supervenientes, suscitadas na primeira oportunidade de manifestação nos autos, sob pena de preclusão. Precedentes. 2. A preclusão temporal, no tocante às causas de suspeição, atende os postulados da boa-fé objetiva e da lealdade processual, cujo conteúdo faz recair sobre o interessado o ônus de formular sua alegação imediatamente, na primeira oportunidade, descabendo premiar o comportamento daqueles que, agindo com má-fé, mantêm-se inertes, aguardando o momento processualmente mais oportuno ou conveniente para fazê-lo. 3. Não cabe ao arguente, por motivos de mera conveniência processual, apontar atos ou fatos ocorridos recentemente como marco temporal a ser considerado (causa formal ou aparente), quando, na realidade, todos os fundamentos de sua arguição dizem respeito a eventos anteriores (causa efetiva), em relação aos quais já se acha consumada a preclusão temporal. 4. A prática de injuria contra o Juiz processante caracteriza situação de suspeição provocada (CPP, art. 246), cuja ocorrência não conduz ao afastamento do magistrado ofendido. 5. Agravo conhecido e não provido. (AS 121 AgR, Relatora ROSA WEBER (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 16-02-2023  PUBLIC 17-02-2023) (grifei)

 

Ademais, o arguente não traz ao conhecimento do CNJ qualquer ato concreto que denote amizade íntima ou inimizade capital passível de, por si só, diante da negativa do arguido, ensejar enquadramento em hipótese de suspeição, atual ou futura, do Corregedor Nacional, ao feitio legal para atuar, perante o Conselho Nacional de Justiça, atuar - como relator ou não -, nos processos relacionados àquele.

Nesse ponto, ainda em reforço de argumento, aduzo que o pedido tem conteúdo genérico, o que, neste aspecto, inviabiliza seu conhecimento inclusive por inviabilizar o direito de defesa. Tal pretensão é repelida por remansosa do Supremo Tribunal Federal:

AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. INSCRIÇÃO DE ESTADO-MEMBRO NO SIAFI/CAUC/CADIN. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO SUFICIENTE DOS FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO. CAUSA DE PEDIR. REQUISITO PARA O CONHECIMENTO DA AÇÃO. INÉPCIA. PEDIDO GENÉRICO. INVIABILIDADE. AÇÃO EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A descrição suficiente dos fatos e dos fundamentos jurídicos compõe a causa de pedir e sua deficiência, sob pena de inviabilizar a defesa, leva ao indeferimento da petição inicial por inépcia na forma prevista no Código de Processo Civil. 2. O pedido deve ser formulado de forma certa e determinada, não se admitindo sua formulação em termos genéricos, salvo as exceções expressamente previstas (nenhuma delas aplicável ao presente caso). Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (ACO 2968 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 04/11/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-268  DIVULG 09-11-2020  PUBLIC 10-11-2020) (grifei)

“AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. INSCRIÇÃO DE ESTADO-MEMBRO NO SIAFI/CAUC. PEDIDO GENÉRICO. INVIABILIDADE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I. O pedido deve ser formulado de forma certa e determinada, não se admitindo sua formulação em termos genéricos, salvo as exceções expressamente previstas (nenhuma delas aplicável ao presente caso). II. Agravo regimental a que se nega provimento, com majoração de honorários advocatícios, nos termos do art. 85, § 11º, do CPC.” (ACO 1449 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 07.6.2017) (grifei)

 

Não obstante o Código de Processo Civil (art. 324, § 1º, I, II e III, CPC/2015), aplicado subsidiariamente (CNJ - ASI nº 1, Rel. Pres. Nelson Jobim, DJU 09.02.2006), preveja exceções em que possível a formulação de pedido genérico, não restou evidenciado tratar-se de quaisquer daquelas hipóteses.

Por fim, sobre a alegação de impedimento, melhor sorte não ampara o recorrente.

Isso porque o previsto no art. 144, II, do CPC, impossibilita os magistrados de atuarem no mesmo processo em diferentes graus de jurisdição. Daí despontam duas conclusões: 1) a atuação deve se dar no mesmo processo, mas em graus diversos de jurisdição; 2) os processos em questão devem tramitar na mesma esfera. É dizer, não se verifica impedimento quando se está diante de um processo administrativo, no âmbito de um Conselho da República, e de outro judicial, em trâmite em um Tribunal, em razão do tipo de cognição realizada e dos princípios procedimentais e decisórios que norteiam cada um deles.

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

(...)

II – de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão;

 

Sob essa orientação, é pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça o posicionamento de que a atuação do magistrado em processo judicial não impede a sua atuação em processo administrativo, em que as partes dos processos relacionados são coincidentes.

 

Embargos de declaração em mandado de segurança. Suscitada nulidade do julgamento do mandamus. Impedimento de ministro integrante da turma julgadora. Não ocorrência. O Código de Processo Civil elenca rol taxativo de hipóteses de impedimento. Precedentes. Questões devidamente apreciadas no acórdão embargado. Não há omissão, contradição, obscuridade ou erro material a serem sanados. Pretensão de rediscussão da causa. Embargos declaratórios rejeitados. 1. Alegação de que ministro integrante da turma julgadora estaria impedido de participar do julgamento realizado. Impedimento não verificado. A causa de impedimento prevista no art. 144, inciso II, do CPC somente se aplica aos casos em que o magistrado tenha exercido função jurisdicional no mesmo processo, em outro grau de jurisdição. Rol taxativo de hipóteses legais de impedimento. Precedentes. 2. No julgamento do mandamus, as questões postas pelo impetrante foram adequadamente enfrentadas. Inexistência dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil atual. 3. Intuito de reapreciação da causa. Impossibilidade. Precedentes. 4. Embargos de declaração rejeitados.” (MS 27542 ED, Relator: DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 10/10/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-247 DIVULG 26-10-2017 PUBLIC 27-10-2017)

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PERDA DE DELEGAÇÃO CARTORÁRIA. INDEFERIMENTO DA INICIAL PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO JUDICIAL POR IMPEDIMENTO. IMPROCEDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR IMPEDIMENTO NA FASE ADMINISTRATIVA. INOVAÇÃO RECURSAL E AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL DE CONTAGEM. PUBLICAÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDO. I. Trata-se, na origem, de impugnação, pela via mandamental, de decisão do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, confirmada pelo Tribunal Pleno, que, em processo administrativo disciplinar, aplicou ao recorrente a pena de perda de delegação do Registro Civil das Pessoas Naturais, Pessoas Jurídicas, Títulos e Documentos e do Registro de Imóveis da comarca de Itapema/SC. II. Segundo orientação consolidada no STJ, "a regra de impedimento prevista no art. 134, III, do CPC, somente se aplica a casos em que o magistrado tenha atuado, jurisdicionalmente, no mesmo processo em outro grau de jurisdição, não, porém, quando a sua participação anterior tenha ocorrido na esfera administrativa" (STJ, RMS 20.776/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJU de 04/10/2007). (...)” (AgInt no RMS n. 33.525/SC, Relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 22/8/2022, DJe de 29/8/2022.)

 

Como se não bastasse, imperioso registrar que as hipóteses de impedimento, tanto do Código de Processo Civil (art. 144), quanto do Código de Processo Penal (art. 252), não admitem interpretação extensiva, diante de sua enumeração taxativa, consoante magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal:

Penal e processual penal. Agravo regimental em recurso ordinário em habeas corpus. Alegação de impedimento. Art. 252, II, do CPP. Rol taxativo. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Fatos e provas. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que “as hipóteses de impedimento elencadas no art. 252 do Código de Processo Penal constituem um numerus clausus (HC n. 92.893, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ 12.12.2008), não se ajustando a espécie a nenhum dos casos previstos em lei de suspeição ou de impedimento do julgador, cujo rol é taxativo” (RHC 170.540, Relª. Minª. Cármen Lúcia). 2. Para dissentir do entendimento perfilhado nas instâncias de origem, é imprescindível o revolvimento de fatos e provas, o que não é possível na via processualmente restrita do habeas corpus (HC 146.286, Rel. Min. Alexandre de Moraes; e RHC 116.947, Rel. Min. Teori Zavascki). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RHC 195982 AgR, Relator: ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 08/03/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 08-04-2021 PUBLIC 09-04-2021)

 

AGRAVO INTERNO NA AÇÃO ORIGINÁRIA. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA CONHECER E JULGAR PROCESSOS EM QUE MAIS DA METADE DOS MEMBROS DE TRIBUNAL DE ORIGEM SE DECLAREM SUSPEITOS OU IMPEDIDOS. ART. 102, I, N, DA CRFB/88. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO. INEXISTÊNCIA DE PROVAS CAPAZES DE COMPROVAR AS CONDUTAS ATRIBUÍDAS AOS EXCEPTOS. SUSPEIÇÃO OU IMPEDIMENTO NÃO CARACTERIZADOS. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. As causas de impedimento e suspeição do juiz (arts. 144 e 145 do Código de Processo Civil de 2015) não admitem alargamento pela via interpretativa, já que se trata de situações de excepcionalidade. 2. A causa de suspeição atinente à inimizade capital em relação a uma das partes não se perfaz com mera alegação de animosidade, exigindo-se indicação da plausibilidade de que o agente atua movido por razões de ódio, rancor ou vingança. Precedente: Arguição de Suspeição 89, rel. Min. Edson Fachin, DJe de 4/9/2017. 3. In casu, as alegação atribuídas aos exceptos não restaram demonstradas, notadamente em razão de revelarem suposições e conjecturas criadas pelo próprio excipiente, sem embasamento fático a justificar a alegada inimizade capital entre as partes. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (AO 2347 AgR, Relator: LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 17/08/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-179  DIVULG 29-08-2018  PUBLIC 30-08-2018)

 

Considerado todo esse cabedal normativo e jurisprudencial, o fato de o Ministro Luis Felipe Salomão ter sido o relator da Ação Penal 951-DF, em que o Superior Tribunal de Justiça recebeu denúncia contra o ora recorrente sob a suspeita de prática de crimes de corrupção e associação criminosa/organização criminosa, por meio de venda de decisões judiciais durante plantões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro[1], não implica, por si só, seu impedimento para atuar em processos administrativos do Conselho Nacional de Justiça, nos quais o recorrente é parte.

Mediante interpretação teleológica das funções constitucionais do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal de 1988), órgão administrativo, é certo que as atribuições do Corregedor Nacional de Justiça, no contexto do CNJ, não se confundem com a atividade dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, no plano jurisdicional.

Entendimento diverso, inclusive, resultaria na corrosão da norma máxima, pois uma interpretação extensiva da legislação processual civil (isto é, infraconstitucional) restringiria o programa normativo da previsão constitucional sobre esta Corte Administrativa, no que tange às atribuições do Corregedor Nacional de Justiça, naturalmente oriundo do Superior Tribunal de Justiça.

Ante o exposto, voto pelo não provimento do Recurso Administrativo 5207867, com a manutenção integral da Decisão id 5159712.

É o voto.

Intimem-se.

Após, arquivem-se.

Data registrada no sistema.

 

Ministra ROSA WEBER

Presidente

 



[1] É importante mencionar que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 200.197, relator Ministro Edson Fachin, concedeu a ordem para trancar a aludida ação penal, em razão do reconhecimento da ineficácia do acordo de colaboração premiada utilizada pelo STJ como fundamento para o recebimento da inicial acusatória.