Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ATO NORMATIVO - 0003244-58.2023.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 EMENTA

ATO NORMATIVO. Regulamenta a criação de Comissão de SOLUÇÕES FUNDIÁRIAS no âmbito dos Tribunais. institui diretrizes para realização de visitas técnicas em áreas de litígios e de audiências de mediação. ATO APROVADO.  

 

  

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, aprovou a Resolução, nos termos do voto do Relator. Vencidos, em parte, com votos parcialmente díspares em suas extensões, os Conselheiros Richard Pae Kim, João Paulo Schoucair, Marcio Luiz Freitas - em menor extensão -, Marcos Vinicius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Votou a Presidente. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 20 de junho de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Manifestou-se o Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Mansour Elias Karmouche.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: ATO NORMATIVO - 0003244-58.2023.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


1. RELATÓRIO


  

O EXCELENTÍSSIMO MINISTRO VIEIRA DE MELLO FILHO (RELATOR):Trata-se de procedimento de Ato Normativo que visa à criação de Comissão de Soluções Fundiárias no âmbito dos tribunais, com a finalidade de atuar como estruturas de apoio a magistrados e magistradas responsáveis por ações que versam sobre conflitos fundiários coletivos, bem como instituir diretrizes para realização de visitas técnicas em áreas de litígios e audiências de mediação e de conciliação.

É o relatório.

 

 

2. FUNDAMENTAÇÃO

O EXCELENTÍSSIMO MINISTRO VIEIRA DE MELLO FILHO (RELATOR): Diante da determinação proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF n. 828, de instalação imediata pelos Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais de comissões de conflitos fundiários, somada à missão constitucional deste Conselho Nacional de Justiça de promover a gestão e administração judiciária, a presente proposta toma para si a iniciativa de nortear a atuação dos tribunais com base em um modelo capaz de gerar não apenas segurança jurídica, previsibilidade e eficiência, mas também a uniformidade que se almeja no cenário nacional.

A criação de estruturas que visem oferecer tratamento adequado aos conflitos fundiários, buscando soluções possíveis e integrativas, tem como escopo prestar apoio operacional aos(às) magistrados(as) responsáveis por ações que versam sobre conflitos fundiários coletivos e, nesse contexto, promover estratégia de retomada da execução de decisões de reintegração de posse e de despejo coletivos (até então suspensas pela ADPF n. 828), incluindo a realização de inspeções judiciais e audiências de mediação como etapa prévia e necessária às ordens de desocupação coletiva.

O escopo da articulação é sempre a entrega de um resultado concreto, possível e exequível. Para tanto, é necessário que a atuação do Poder Judiciário se desvincule dos elementos que reforçam o conflito. A atividade deve estar direcionada para a construção de soluções adequadas a cada uma das situações que demandam a intervenção da estrutura de apoio. Desta forma, propõe-se como medida executiva a criação das Comissões de Soluções Fundiárias.

Tais medidas exigem condução meticulosa ante a complexidade das demandas e, portanto, o papel do CNJ é criar parâmetros para a instituição de uma Comissão de Soluções Fundiárias que não seja apenas uma estrutura protocolar, mas sim um órgão capaz de conferir atenção adequada aos conflitos possessórios coletivos, instaurando um ambiente processual e negocial próprio para uma intervenção estrutural.

Caminhando nas linhas mais modernas de atuação jurisdicional, a instituição de Comissões de Soluções Fundiárias fortalece o diálogo e a composição de ambiente favorável para o processamento de demandas possessórias ou petitórias complexas, ao mesmo tempo em que promove planejamento estratégico.

Além disso, alinha-se com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, em especial no que tange ao Objetivo 16: Paz, Justiça e Instituições Eficazes. Desse modo, o Poder Judiciário contribuirá, com base em suas atribuições e competências, para uma sociedade mais pacífica e orientada ao desenvolvimento sustentável, com vistas a proporcionar o acesso à justiça para todas as pessoas e fortalecer os órgãos do Judiciário como instituições eficazes, responsáveis e mais inclusivas.

É por meio da Comissão de Soluções Fundiárias, no âmbito de cada tribunal, que serão apresentadas as propostas e possibilidades para a regularização da posse ou a sua reintegração digna, a indicação de dados estatísticos para a promoção de planejamento de atuação e enfrentamento das demandas, a prestação de auxílio aos magistrados e magistradas naturais da causa em atos de cognição e a criação de ambiente de diálogo e respeito às capacidades institucionais dos órgãos públicos e privados envolvidos nas demandas.

A presente resolução, contudo, vai além; não apenas propõe a uniformização do procedimento de criação das Comissões de Soluções Fundiárias nos tribunais, mas também estabelece parâmetros a serem observados para a realização de visita ao local do litígio e de audiências de mediação e conciliação.

Destaca-se, como ponto central da atuação da Comissão de Soluções Fundiárias, a visita ao local do litígio. Além de sua determinação legal e da decisão da Suprema Corte, afere-se sua importância pela efetiva possibilidade de observar, por meio dessa ação, a dimensão real do conflito e as necessidades de cada parte, com a análise in loco das consequências humanas, sociais, ambientais e urbanísticas. Mostra-se também prática necessária para o preparo do ambiente negocial, promovendo contato direto com as pessoas envolvidas no conflito fundiário, seja ele de natureza urbana ou rural.

A realização da visita técnica ao local do litígio, que não se confunde com a inspeção judicial prevista no artigo 440 do Código de Processo Civil, será procedimento obrigatório antes da realização de audiências de mediação ou de conciliação, de forma que o(a) magistrado(a) poderá, inclusive, solicitar a participação do integrante da Comissão de Soluções Fundiárias que conduziu a visita técnica na audiência e delegar a este, se julgar pertinente, a condução do ato.

Vale também frisar que se almeja com essa resolução a participação de todos os atores processuais e órgãos com vocação institucional para o tratamento da matéria, tanto na realização da visita técnica quanto nas audiências de mediação ou conciliação, e, ainda, no cumprimento das ordens de reintegração e despejo, promovendo assim um ambiente de diálogo, com transparência e respeito às partes envolvidas, com base em uma abordagem humanizada.

Dessa forma, a resolução em apreço mostra sua robustez ao estabelecer parâmetros seguros e eficientes para a criação das Comissões de Conflitos Fundiários, por meio de normas mínimas de composição e funcionamento, concomitantemente permitindo aos tribunais a criação de critérios próprios para adequação às necessidades locais.

Em complementação ao voto, após refletir sobre cada uma das divergências suscitadas nos votos dos Conselheiros Pae Kim e Marcos Vinícius Jardim, e por lealdade ao Plenário, faço as seguintes ponderações: 

Item a): “seja excluída a expressão ‘em caráter permanente’ do artigo 1º, §1º, inciso II do texto ou, caso assim não se entenda, seja incluído artigo explicitando que os protocolos e diretrizes fixados nesta resolução são aplicáveis enquanto permanecer inalterado o estabelecido na ADPF n. 828/DF.   

 Dispositivo impugnado: 

Art. 1º. O Conselho Nacional de Justiça instituirá Comissão Nacional de Soluções Fundiárias, composta por 1 (um) Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, que a presidirá, e no mínimo 4 (quatro) magistrados, indicados pela Presidência, para mandato de 2 (dois) anos, com 1 (uma) possível recondução.

§1º Compete à Comissão Nacional de Soluções Fundiárias:

(...)

II - desenvolver, em caráter permanente, iniciativas voltadas a assegurar a todos o direito à solução destes conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade, de modo a evitar a prática de ações violentas ou incompatíveis com a dignidade humana quando do cumprimento de ordens de reintegração e despejo; 

Destaque-se que o dispositivo refere-se ao conjunto de práticas a serem adotadas para o tratamento adequado dos conflitos possessórios coletivos, as quais independem, a rigor, de qualquer determinação oriunda da decisão da ADPF, visto que a busca por soluções que evitem práticas violentas e que se dediquem a preservar a dignidade da pessoa humana deve ser o norte de toda e qualquer atuação do Poder Judiciário.

O dispositivo cuida de ações gerais da Comissão, que não necessariamente estão atreladas às atividades desenvolvidas no âmbito dos processos, mas podem se dar no âmbito administrativo, como explicitados nos demais incisos do referido parágrafo. 

A título de argumentação, destaque-se que a provisoriedade da cautelar da ADPF n. 828/DF é distinta da provisoriedade da tutela provisória do processo comum, o que parece não ter sido considerado pelo voto divergente.

A tutela provisória do processo comum leva em conta, em regra, a versão apresentada por uma das partes e a urgência ou evidência do pedido. Por isso, é possível que seja revertida ao longo da instrução processual, caso aquela urgência ou evidência desapareça ou seja desautorizada.

A cautelar da ADPF n. 828/DF faz parte de técnica de julgamento voltada a evitar ou corrigir, paulatinamente e de acordo com o cenário vigente, estado de coisas inconstitucionais decorrente dos cumprimentos violentos de ordem de reintegração de posse e do deslocamento forçado e não planejado de grande contingente de pessoas em plena crise sanitária e, ainda agora, de crise econômica e social. O direito tutelado pela ADPF, como se infere de seu bojo, é o direito fundamental à moradia e à saúde.

Nunca é demais lembrar que as decisões proferidas em sede de ADPF voltam-se à análise dos preceitos fundamentais, como está expresso na nomenclatura da ação. Assim, o conteúdo decisório não está direcionado a casos concretos, mas leva em consideração valores principiológicos que são sólidos e, portanto, não sujeitos à reversibilidade.

Diante disso, não há qualquer receio de virada de pensamento da Suprema Corte, porque a provisoriedade da cautelar não se refere a elementos de prova ou perigo de que o provimento possa malferir direito de uma ou outra parte.

Por este motivo, NÃO ACOLHO a sugestão para retirar o termo permanente do inciso III do §1º do artigo 1º da proposta de Resolução.  

Item b): exclusão dos incisos VIII do § 1º do artigo 1º e IX do § 4º desse mesmo artigo, que tratam da elaboração dos regimentos internos da Comissão Nacional e Regional   

Dispositivos impugnados:

§1º Compete à Comissão Nacional de Soluções Fundiárias:

(...)

VIII – elaborar seu próprio regimento interno.

(...)

§4º Os tribunais devem constituir Comissão Regional de Soluções Fundiárias, no prazo de 30 dias, para funcionar como estrutura de apoio à solução pacífica das ações possessórias e petitórias coletivas, com as seguintes atribuições, sem prejuízo de outras necessárias ao cumprimento dos seus objetivos:

(...)

IX – elaborar seu próprio regimento interno.

Ainda sob o argumento da transitoriedade da medida, sugere-se ser prescindível a elaboração de regimentos internos pelas Comissões de Conflitos Fundiários, sejam elas nacionais ou regionais. 

Inobstante, entendo não haver prejuízo na manutenção do dispositivo, que serve justamente para que cada Comissão se ajuste às estruturas existentes em cada tribunal, com o estabelecimento de critérios que atendam às suas peculiaridades.

Note-se que, até o momento, cerca de vinte tribunais já criaram suas Comissões de Soluções Fundiárias, tendo criado igualmente seus regimentos internos. Cito como exemplo o TRF 2, que criou a Comissão de Soluções Fundiárias em seu Regimento Interno, aprovado pelo Órgão Especial daquele Tribunal no último dia 15 de junho, medida relevante para estabelecer previsibilidade na forma de funcionamento da Comissão, não só para seus integrantes, mas para os atores envolvidos nas demandas por ela atendidas.

Desta forma, NÃO ACOLHO a sugestão para excluir a previsão de elaboração do Regimento Interno da Resolução, até mesmo porque esta é prática que já vem sendo adotada pelos Tribunais que implementaram suas comissões.

Item c): “sejam excluídos, do artigo 1º, §1º, incisos V, VI, VII e VIII”, para se evitar a sobreposição de competências das Comissões Nacional e Regional  

Dispositivos impugnados:

Art. 1º. O Conselho Nacional de Justiça instituirá Comissão Nacional de Soluções Fundiárias, composta por 1 (um) Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, que a presidirá, e no mínimo 4 (quatro) magistrados, indicados pela Presidência, para mandato de 2 (dois) anos, com 1 (uma) possível recondução.

§1º Compete à Comissão Nacional de Soluções Fundiárias:

(...)

V - atuar na interlocução com o juízo no qual tramita eventual ação judicial, com os Centros Judiciários de Solução de Conflitos – CEJUSC e Centros de Justiça Restaurativa, sobretudo por meio da participação de audiências de mediação e conciliação agendadas no âmbito de processo judicial em trâmite no primeiro ou segundo grau de jurisdição;

VI - realizar visitas técnicas nas áreas objeto de conflitos fundiários coletivos, elaborando o respectivo relatório, enviando-o ao juízo de origem para juntada aos autos;

VII – agendar e conduzir reuniões e audiências entre as partes e demais interessados, elaborando a respectiva ata;

VIII – emitir notas técnicas recomendando a uniformização de fluxos e procedimentos administrativos e jurisdicionais, além de outras orientações, das quais pode se valer o magistrado quando diante de conflitos possessórios de natureza individual;

 

Sustenta-se que, “dadas as especificidades regionais e a realidade própria de cada tribunal”, entende “ser mais adequado que a Comissão Nacional detenha atribuição generalista – até mesmo porque, a priori, o STF incumbiu este Conselho apenas das atividades de consultoria e capacitação, não lhe atribuindo, explicitamente, qualquer papel de coordenação ou centralização das comissões instituídas, nem tampouco de atuação em casos concretos”.

A preocupação é evitar a sobreposição das competências das Comissões nacional e regionais, o que pode gerar dúvida, insegurança jurídica, trabalho em duplicidade e desperdício de tempo e recursos – precisamente o que se deve evitar quando o que está em jogo é a dignidade dos mais vulneráveis.

Não obstante, entendo necessária a manutenção da previsão de atuação da Comissão Nacional, sempre em apoio às Comissões Regionais, na execução de suas atividades típicas. Esta previsão é necessária especialmente nos momentos iniciais de formação e consolidação das práticas, sendo importante instrumento de condução, parceria, observação e difusão das boas práticas. Não há qualquer sobreposição das atividades, pois a Comissão Nacional, como consta expressamente do §2º, não é instância revisora das atividades desenvolvidas pelas Comissões Regionais.

Para dirimir eventual dúvida, ACOLHO a sugestão para propor a alteração da minuta da resolução, de modo a incluir o destaque de que a atuação da Comissão Nacional se dará sempre em apoio às Comissões Regionais, ficando a redação nos seguintes termos:

Art. 1º

§1º Compete à Comissão Nacional de Soluções Fundiárias:

 

(...)

V - realizar visitas técnicas nas áreas objeto de conflitos fundiários coletivos, em apoio às Comissões Regionais, elaborando o respectivo relatório, enviando-o ao juízo de origem para juntada aos autos;

VI – agendar e conduzir reuniões e audiências em apoio às Comissões Regionais, entre as partes e demais interessados, elaborando a respectiva ata;

VII – emitir notas técnicas recomendando a uniformização de fluxos e procedimentos administrativos e jurisdicionais, além de outras orientações, em apoio às Comissões Regionais, das quais pode se valer o magistrado quando diante de conflitos possessórios de natureza individual;

 

Item d): exclusão da expressão “jurisdicionais” contida no inciso VII do § 1º do artigo 1º e do inciso IX do §4º da minuta de resolução, que cria a possibilidade de emissão de notas técnicas pelas Comissões Nacional e Regional para uniformização de fluxos e procedimentos administrativos e jurisdicionais.  

Dispositivos impugnados:

Art. 1º

§1º Compete à Comissão Nacional de Soluções Fundiárias:

(...)

VII – emitir notas técnicas recomendando a uniformização de fluxos e procedimentos administrativos e jurisdicionais, além de outras orientações, das quais pode se valer o magistrado quando diante de conflitos possessórios de natureza individual;

(...)

§4º Os tribunais devem constituir Comissão Regional de Soluções Fundiárias, no prazo de 30 dias, para funcionar como estrutura de apoio à solução pacífica das ações possessórias e petitórias coletivas, com as seguintes atribuições, sem prejuízo de outras necessárias ao cumprimento dos seus objetivos:

(...)

VIII – emitir notas técnicas recomendando a uniformização de fluxos e procedimentos administrativos e jurisdicionais, além de outras orientações, das q        uais pode se valer o magistrado quando diante de conflitos possessórios de natureza individual;

Ante o exposto, ACOLHO a sugestão, para que as redações passem a constar da seguinte forma:

Art. 1º

(...)

§ 1º

(...)                

VII - emitir notas técnicas recomendando a uniformização de fluxos e procedimentos administrativos, além de outras orientações, das quais pode se valer o magistrado quando diante de conflitos possessórios de natureza individual;

(...) 

§4º

VIII - emitir notas técnicas recomendando a uniformização de fluxos e procedimentos administrativos, além de outras orientações, das quais pode se valer o magistrado quando diante de conflitos possessórios de natureza individual;

  

Item e): “seja adotada a seguinte redação para o art. 4º, caput, da proposta de resolução: ‘A atuação da Comissão Regional será determinada a critério do juiz da causa, que fará a remessa dos autos...”

 Dispositivo impugnado:

Art. 4º. A atuação da Comissão Regional será determinada por decisão proferida pelo juiz da causa, que fará a remessa dos autos para a estrutura administrativa de apoio à Comissão.

A divergência revela preocupação com o respeito à independência funcional dos magistrados, destacando que o STF não fixou a obrigatoriedade de os processos envolvendo desocupações e despejos coletivos serem remetidos às Comissões de Conflitos Fundiários.

Argumenta-se que o comando a ADPF 828 “em momento algum fixou a obrigatoriedade de os processos envolvendo desocupações e despejos coletivos serem remetidos àquelas primeiras [comissões]”.

Contudo, a simples leitura integral do dispositivo da Quarta Tutela da ADPF deixa claro o contrário, senão vejamos:

Decisão: O Tribunal, por maioria, referendou a tutela provisória incidental parcialmente deferida, para determinar a adoção de um regime de transição para a retomada da execução de decisões suspensas na presente ação, nos seguintes termos:

(a)    Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais deverão instalar, imediatamente, comissões de conflitos fundiários que possam servir de apoio operacional aos juízes e, principalmente nesse primeiro momento, elaborar a estratégia de retomada da execução de decisões suspensas pela presente ação, de maneira gradual e escalonada;

(b)    Devem ser realizadas inspeções judiciais e audiências de mediação pelas comissões de conflitos fundiários, como etapa prévia e necessária às ordens de desocupação coletiva, inclusive em relação àquelas cujos mandados já tenham sido expedidos. As audiências devem contar com a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública nos locais em que esta estiver estruturada, bem como, quando for o caso, dos órgãos responsáveis pela política agrária e urbana da União, Estados, Distrito Federal e Municípios onde se situe a área do litígio, nos termos do art. 565 do Código de Processo Civil e do art. 2º, § 4º, da Lei nº 14.216/2021;

(c)     As medidas administrativas que possam resultar em remoções coletivas de pessoas vulneráveis devem (i) ser realizadas mediante a ciência prévia e oitiva dos representantes das comunidades afetadas; (ii) ser antecedidas de prazo mínimo razoável para a desocupação pela população envolvida; (iii) garantir o encaminhamento das pessoas em situação de vulnerabilidade social para abrigos públicos (ou local com condições dignas) ou adotar outra medida eficaz para resguardar o direito à moradia, vedando-se, em qualquer caso, a separação de membros de uma mesma família.

Por fim, o Tribunal referendou, ainda, a medida concedida, a fim de que possa haver a imediata retomada do regime legal para desocupação de imóvel urbano em ações de despejo (Lei nº 8.245/1991, art. 59, § 1º, I, II, V, VII, VIII e IX). Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos, parcialmente, os Ministros André Mendonça e Nunes Marques, nos termos de seus votos. Plenário, Sessão Virtual Extraordinária de 01.11.2022 (18h00) a 02.11.2022 (17h59).

Pela leitura sistemática do texto, enquanto o item “a” do dispositivo da ADPF refere-se a órgão de apoio operacional aos juízes, o item imediatamente posterior, o item “b” consigna que “devem ser realizadas inspeções judiciais e audiências de mediação pelas comissões de conflitos fundiários, como etapa prévia e necessária às ordens de desocupação coletiva, inclusive em relação àquelas cujos mandados já tenham sido expedidos”.

O item “c”, da mesma forma, determina a obrigatoriedade de providências que são típicas das Comissões de Soluções Fundiárias, afastando qualquer liberalidade do juiz em remeter ou não ou autos às comissões.

Note-se que a Comissão Regional terá, em essência, papel de mediadora do conflito, no que a visita técnica prévia à audiência se consubstancia no primeiro ato da mediação (ainda que se entenda por ato preparatório à mediação). E, em se tratando de mediação, condicionar sua realização ao deferimento do juiz contraria os princípios basilares da Lei da Mediação e do Código de Processo Civil, notadamente a busca pelo consenso e a autonomia da vontade das partes.

Limitar a atuação da Comissão ao requerimento do magistrado e a ele facultar o indeferimento dessa atuação distorcem o conteúdo decisório da ADPF 828.

Evidentemente que referido dispositivo não fere a independência funcional do magistrado, ao qual, em última análise, não é dado subtrair das partes o direito à abordagem estrutural e sistêmica que poderia vir com a intervenção da comissão, bem como o direito à solução consensual e dialogada dos conflitos fundiários em lugar da decisão adjudicada.

Se uma das partes não quiser participar do processo de mediação, bastará comunicar sua posição à Comissão, que fatalmente encerrará sua intervenção nos autos após a visita técnica, com o retorno dos autos ao juiz.

Se de um lado ninguém é obrigado a mediar, por outro, esta possibilidade deve sempre ser estimulada.

A atuação da Comissão de Soluções Fundiárias não implica deslocamento da competência para a decisão da questão de fundo. Tanto que, sendo infrutífera a solução mediada, o julgamento da questão de fundo cabe ao magistrado originário.

Desta forma, considerando-se que a mediação é a regra no processo civil brasileiro, NÃO ACOLHO a sugestão para alteração do ato, conforme proposta da divergência. 

Como dito, as mediações negativas retornam ao juiz natural, não havendo qualquer deslocamento de competência.

Item f) alteração da redação do art. 14 para tornar facultativas a audiência pública ou reunião preparatória previamente à expedição de mandado de reintegração de posse em ações possessórias coletivas. 

Dispositivo impugnado:  

Art. 14. A expedição de mandado de reintegração de posse em ações possessórias coletivas será precedida por audiência pública ou reunião preparatória, na qual serão elaborados o plano de ação e o cronograma da desocupação, com a presença dos ocupantes e seus advogados, Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos de assistência social, movimentos sociais ou associações de moradores que prestem apoio aos ocupantes e o Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento da ordem, sem prejuízo da convocação de outros interessados.

 

A divergência apresenta receio de invasão da independência funcional do magistrado, e entende que a redação do art. 14 necessita ser alterada para que a realização de audiência pública ou reunião preparatória previamente à expedição de mandado de reintegração de posse em ações possessórias coletivas seja facultativa, a critério do juiz.

A proposta do art. 14 não é inovação do CNJ. Trata-se de reprodução do comando constante dos arts. 15 e 16 da Resolução 10 do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), que reverbera o que sustenta a ONU a respeito da interpretação a ser dada ao Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966, de que o Brasil é signatário, notadamente sobre seu art. 11, que trata do direito à moradia.  Transcrevo os dispositivos citados contidos na Resolução 10 do CNDH:

Art. 15 Nas remoções inevitáveis, deve ser elaborado plano prévio de remoção e reassentamento.

Art. 16 O plano de remoção, de responsabilidade do/a juiz/a da causa, deverá necessariamente observar as seguintes diretrizes:

I - A participação do grupo atingido, através de reuniões presenciais, sempre que possível, no local da ocupação, ou em local de fácil acesso, em que todos e todas devem ter voz assegurada e considerada, sem qualquer tipo de intimidação e com respeito às formas de expressão das comunidades atingidas, nos termos da Convenção 169/OIT;

II - Participação de representantes dos órgãos responsáveis pela política urbana e rural na elaboração e execução do plano, tais como INCRA, Fundação Cultural Palmares, FUNAI, Ouvidorias Agrárias, Ministério Público e Defensoria Pública, por suas subdivisões especializadas, os quais devem aportar ao plano, informações concretas sobre as possibilidades de realocação dos grupos deslocados;

III - É parte essencial do plano, que se oportunize às pessoas afetadas, de forma prévia a qualquer ato de remoção, informar o número de pessoas, grupos e famílias, seu histórico de violações de direitos, além de contemplar todos os traços das populações, como classe, gênero, raça, orientação sexual, identidade de gênero, idade, deficiência, origem étnica, regional, ou nacionalidade;

IV - Verificada a presença de grupos com necessidade de cuidado (como por exemplo, crianças, mulheres, idosos, pessoas com deficiência, população LGBTI e imigrantes), devem ser tomadas medidas de proteção e acompanhamento específico;

V - Devem ser comunicados da remoção, a Defensoria Pública local, ou outro órgão de assistência jurídica, no caso de ausência de instalação da primeira na localidade, a comunidade e seus apoiadores, além de órgãos de assistência social e de direitos humanos;

VI - Será concedido prazo razoável para a desocupação voluntária em assembleia especificamente convocada para essa finalidade, informando às pessoas, grupos e famílias os detalhes sobre o cumprimento da ordem judicial;

VII - Durante a remoção devem estar presentes representantes dos órgãos locais de assistência social (CRAS e CREAS), de proteção à criança e ao adolescente (Conselho Tutelar), de controle de zoonoses e demais órgãos responsáveis justificados pelas peculiaridades da população atingida;

VIII - Deve-se garantir a presença de observadores independentes devidamente identificados, os quais devem estar presentes para monitorar eventuais ilegalidades, tais como, excesso no uso da força, violência ou intimidação;

IX - Na data prevista para cumprimento dos mandados judiciais, o oficial de justiça acompanhará a execução dos termos do plano, procedendo às anotações de todas as intercorrências por meio de certidão.

 

O CNDH tem poder de editar atos normativos, conforme art. 4º, IX, da Lei Federal n. 12986/2014. Sua observância pelos juízes é objeto de Recomendação do CNJ, de nº 90/2021, cujo art. 2º dispõe:

Art. 2º Recomendar aos órgãos do Poder Judiciário que, antes de decidir pela expedição de mandado de desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais, verifiquem se estão atendidas as diretrizes estabelecidas na Resolução nº 10, de 17 de outubro de 2018, do Conselho Nacional de Direitos Humanos.

Por outro lado, a Resolução 10 do CNDH é inspirada no Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966, de que o Brasil é signatário, notadamente sobre seu artigo 11, que trata do direito à moradia.

Como se depreende, há orientação internacional no sentido de se realizar reunião preparatória para a elaboração de plano de ação e cronograma da desocupação, com a presença dos ocupantes e seus advogados, Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos de assistência social, movimentos sociais ou associações de moradores que prestem apoio aos ocupantes e o Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento da ordem, sem prejuízo da convocação de outros interessados.

Ante o exposto, NÃO ACOLHO a sugestão para alteração do dispositivo.

Item g) do voto divergente: seja excluída do art. 16 da minuta a expressão: “ com recomendação para que o início de seu cumprimento não se dê no período noturno, em feriados, datas comemorativas e em dias de muito frio ou chuva”. 

Como dito no item anterior, a proposta do art. 16 tampouco é inovação do CNJ.

Trata-se de ressalva constante no art. 18 da Resolução n. 10 do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que vige desde 2018. Diz o art. 18 da referida Resolução: 

Art. 18 Mesmo nos casos de excepcionalidade acima elencados, é vedada a realização de despejos durante mau tempo, à noite, nos finais de semana, dias festivos, ou em dias litúrgicos próprios da cultura e das divindades da comunidade afetada.

Como também já dito, a Resolução 10 do CNDH reverbera o que sustenta a ONU a respeito da interpretação a ser dada ao Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966, de que o Brasil é signatário, notadamente sobre seu artigo 11, que trata do direito à moradia.

É compreensível que existam peculiaridades regionais, mas parece que nenhuma característica local justifica o cumprimento de ordens de despejo coletivo nas condições acima mencionadas. Trata-se, na verdade, de respeito elementar às regras de direitos humanos. Não se verifica nenhum prejuízo na manutenção do texto, que, como dito, está expresso em outros normativos que tratam do tema. 

Ante o exposto, NÃO ACOLHO a sugestão.

Por fim, é importante informar ao Plenário deste Conselho que, nas experiências em curso ao longo do país, os magistrados têm sido os principais interessados em remeter os autos às Comissões Fundiárias, vislumbrando nelas o apoio necessário para o tratamento do conflito.

Mais de sete meses após a decisão do STF que determinou a instalação das Comissões de Conflitos Fundiários, com as estruturas instaladas em aproximadamente vinte tribunais, não se tem notícia de um único caso em que se discuta conflito de competência entre o juiz do processo e a atuação das comissões.

De outro lado, surgem experiências bastante positivas em diversos tribunais do país, em que se consolidaram resultados animadores de soluções pacíficas para demandas antigas e de grande impacto social.

A equipe sediada no Conselho Nacional de Justiça atende diariamente solicitações de apoio e orientação para o enfrentamento das questões fundiárias, tendo os Tribunais demostrado grande interesse na aplicação dos métodos resolutivos.

Há diversas experiências em curso por todo o país, muitas em estágio avançado. Por isso mesmo, os Tribunais têm demandado a regulamentação da experiência por parte do CNJ, não só para estruturar suas próprias comissões, mas também para legitimar institucionalmente sua atuação.

A Comissão Fundiária do Estado do Paraná, que serviu de paradigma para a ADPF 828, já teve 138 intervenções atendidas, com a realização de 146 visitas técnicas, o que engloba 16.213 famílias. Foram 173 audiências realizadas, com 14 mediações frutíferas, 21 sem acordo e atualmente são 47 processos de mediação em curso.

São mais de três mil famílias beneficiadas pelos acordos, 2 reintegrações de posse cumpridas com auxílio da força pública e 2 desocupações voluntárias.

Interessante reportar que, atualmente, os pedidos de remessa dos processos à Comissão de Conflitos Fundiários do Paraná partem principalmente dos proprietários das áreas ocupadas, que compreenderam o benefício de uma saída mediada para situações em que não havia mais alternativa de retomada de áreas sem o uso indiscriminado de violência.

Para ilustrar, traz-se a notícia que recentemente a Comissão do Paraná foi homenageada na Sociedade Rural de Cascavel, como forma de reconhecimento de trabalho de mediação que resultou da desocupação de parte de uma fazenda cujo processo de reintegração de posse datada de 1999.

Passados seis meses da devolução da área de 185 alqueires, ocupada há 24 anos, já foi feita a primeira colheita na área devolvida, que gerou faturamento de mais de seis milhões de reais para os proprietários. Tudo isso sem que fosse necessária qualquer intervenção policial.

Ressalte-se que o Conselho Nacional de Justiça tem em sua história atos normativos voltados à observação e regulamentação de conflitos possessórios. Basta lembrar da Recomendação n. 22/2009 (RECOMENDAR aos Tribunais e às Varas que: I - priorizem e monitorem constantemente o andamento dos processos judiciais envolvendo conflitos fundiários; II - implementem medidas concretas e efetivas objetivando o controle desses andamentos) e da Portaria 491/2009, que instituiu o Fórum Nacional para monitoramento e resolução dos conflitos fundiários rurais e urbanos.

Assim, o que o CNJ faz, agora, é voltar a tema sobre o qual já dedicou sua atenção, inclusive com atos normativos que sugeriam a proposição de medidas concretas e normativas voltadas à otimização de rotinas processuais, à organização e estruturação das unidades judiciárias com competência sobre ações possessórias (art. 2º, VII da Portaria 481/2009).

E, neste momento, o poder regulatório do CNJ está embasado não apenas no comando da ADPF 828, mas principalmente em resultados mensuráveis que demonstram a eficiência da busca de métodos alternativos no enfrentamento destes conflitos.

A minuta de resolução que ora se propõe, configura ponto de partida para que os benefícios dos métodos estruturais se espalhem como práticas de impacto nos tribunais, contribuindo para o enfrentamento da temática dentro de uma perspectiva de eficiência e resolutividade.

Por fim, acolhendo dúvida suscitada pelo Plenário relativamente à possibilidade de que conflitos individuais estejam incluídos no escopo do presente ato, ACOLHO a sugestão para excluir a expressão “das quais pode se valer o magistrado quando diante de conflitos possessórios de natureza individual” dos seguintes dispositivos: inciso VII do §1º do art. 1º e inciso VIII do §4º do art. 1º.

Com essas considerações, submeto ao Plenário proposta de Resolução, nos exatos termos da minuta de ato normativo anexa, e voto por sua aprovação.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Ministro LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO

Relator 

 

 

 

 

RESOLUÇÃO CNJ N. ___, DE __ DE _______ DE 2023. 

 

Regulamenta a criação, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça e dos Tribunais, respectivamente, da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias e das Comissões Regionais de Soluções Fundiárias, institui diretrizes para a realização de visitas técnicas nas áreas objeto de litígio possessório e estabelece protocolos para o tratamento das ações que envolvam despejos ou reintegrações de posse em imóveis de moradia coletiva ou de área produtiva de populações vulneráveis.

  

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,

 

CONSIDERANDO que cabe ao Conselho Nacional de Justiça a fiscalização e a normatização do Poder Judiciário e dos atos praticados por seus órgãos (art. 103-B, § 4º, I, II e III, da CF);

 

CONSIDERANDO que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF n. 828, determina a instalação imediata pelos Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais de Comissões de Conflitos Fundiários;

 

CONSIDERANDO que a supramencionada decisão remeteu a este Conselho Nacional de Justiça a atividade de consultoria e capacitação para a constituição das Comissões de Conflitos Fundiários;

 

CONSIDERANDO a missão constitucional deste Conselho Nacional de Justiça de promover a gestão e administração judiciária, bem como a necessidade de nortear a atuação dos Tribunais na atividade de constituição das Comissões de Conflitos Fundiários;

 

CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do Conselho Nacional de Justiça no Ato Normativo ___, aprovado na __ Sessão Ordinária, realizada em __ de __ de 2023.

 

RESOLVE: 

CAPÍTULO I 

DISPOSIÇÕES INICIAIS

 

Art. 1º O Conselho Nacional de Justiça instituirá Comissão Nacional de Soluções Fundiárias,  composta por 1 (um) Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, que a presidirá, e no mínimo 4 (quatro) magistrados, indicados pela Presidência do Conselho Nacional de Justiça.

§ 1º Compete à Comissão Nacional de Soluções Fundiárias:

I – estabelecer protocolos para o tratamento das ações que envolvam despejos ou reintegrações de posse em imóveis de moradia coletiva ou de área produtiva de populações vulneráveis, em imóveis urbanos ou rurais, objetivando auxiliar a solução pacífica de conflitos derivados dessas ações;

II – desenvolver, em caráter permanente, iniciativas voltadas a assegurar a todos o direito à solução destes conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade, de modo a evitar a prática de ações violentas ou incompatíveis com a dignidade humana quando do cumprimento de ordens de reintegração e despejo;

III – incentivar o diálogo com a sociedade e com instituições públicas e privadas, e desenvolver parcerias voltadas ao cumprimento dos objetivos desta Resolução;

IV – fomentar estudos e pesquisas sobre causas e consequências dos conflitos coletivos pela posse da terra e pela moradia, bem como o mapeamento e o seu monitoramento, a fim de auxiliar o diagnóstico dos casos e subsidiar a tomada de decisões administrativas e judiciais;

V - realizar visitas técnicas nas áreas objeto de conflitos fundiários coletivos, em apoio às Comissões Regionais, elaborando o respectivo relatório, enviando-o ao juízo de origem para juntada aos autos;

VI – agendar e conduzir reuniões e audiências em apoio às Comissões Regionais, entre as partes e demais interessados, elaborando a respectiva ata;

VII – emitir notas técnicas recomendando a uniformização de fluxos e procedimentos administrativos, além de outras orientações, em apoio às Comissões Regionais;

VIII – elaborar seu próprio regimento interno.

 § 2º A Comissão Nacional de Soluções Fundiárias é competente para fixar normas gerais de atuação da Política Judiciária para Tratamento Adequado dos Conflitos Fundiários de Natureza Coletiva, não tendo qualquer natureza de instância revisora dos procedimentos realizados pelas Comissões Regionais.

§ 3º O Conselho Nacional de Justiça promoverá, anualmente, reunião da Comissão Nacional e das Comissões Regionais, com a participação de outros órgãos públicos e de instituições públicas e privadas ligadas ao tema.

§ 4º Os Tribunais devem constituir Comissão Regional de Soluções Fundiárias, no prazo de 30 (trinta) dias, para funcionar como estrutura de apoio à solução pacífica das ações possessórias e petitórias coletivas, com as seguintes atribuições, sem prejuízo de outras necessárias ao cumprimento dos seus objetivos:

I – estabelecer diretrizes para o cumprimento de mandados de reintegração de posse coletivos;

II – executar outras ações que tenham por finalidade a busca consensual de soluções para os conflitos fundiários coletivos ou, na sua impossibilidade, que auxiliem na garantia dos direitos fundamentais das partes envolvidas em caso de reintegração de posse;

III – mapear os conflitos fundiários de natureza coletiva sob a sua jurisdição;

IV – interagir permanentemente com as Comissões de mesma natureza instituídas no âmbito de outros Poderes, bem como com órgãos e instituições, a exemplo da Ordem do Advogados do Brasil, Ministério Público, Defensoria Pública, União, Governo do Estado, Municípios, Câmara de Vereadores, Assembleias Legislativas, Incra, movimentos sociais, associações de moradores, universidades e outros;

V – atuar na interlocução com o juízo no qual tramita eventual ação judicial, com os Centros Judiciários de Solução de Conflitos (Cejusc) e Centros de Justiça Restaurativa, sobretudo por meio da participação de audiências de mediação e conciliação agendadas no âmbito de processo judicial em trâmite no primeiro ou segundo grau de jurisdição;

VI – realizar visitas técnicas nas áreas objeto de conflitos fundiários coletivos, elaborando o respectivo relatório, enviando-o ao juízo de origem para juntada aos autos;

VII – agendar e conduzir reuniões e audiências entre as partes e demais interessados, elaborando a respectiva ata;

VIII – emitir notas técnicas recomendando a uniformização de fluxos e procedimentos administrativos, além de outras orientações; e

IX – elaborar seu próprio regimento interno.

Art. 2º A Comissão Regional terá, no mínimo, a seguinte composição:

I – 1 (um) desembargador indicado pelo Tribunal respectivo, que a presidirá;

II – 4 (quatro) magistrados escolhidos pelo Tribunal a partir de lista de inscritos aberta a todos os interessados.

§ 1º Será indicado 1 (um) suplente para cada membro da Comissão Regional, a partir da lista mencionada no inciso II.

§ 2º Poderão ser convidados para participar das reuniões e/ou audiências, a critério da Comissão Regional, representantes dos movimentos sociais, sociedade civil e de todos os órgãos e entidades que possam colaborar para a solução pacífica do conflito, nos níveis federal, estadual e municipal.

§ 3º A Comissão Regional poderá contar com equipe multidisciplinar, sendo possível a cooperação interinstitucional com os demais Poderes e a atuação de profissionais do Ministério Público, da Defensoria Pública e das esferas federal, estadual ou municipal.

§ 4º Os Tribunais poderão operar em regime de cooperação para instituir Comissão Regional compartilhada, inclusive mediante a cessão de servidores e recursos materiais.

§ 5º Nos Tribunais em que a Comissão Regional de Soluções Fundiárias já estiver instituída quando da aprovação desta Resolução, faculta-se a sua convalidação mediante ato administrativo da Presidência do Tribunal, desde que respeitada a composição mínima prevista no caput deste artigo, o que será comunicado ao Conselho Nacional de Justiça no prazo previsto no art. 1º, § 3º.

Art. 3º Cada Tribunal regulamentará as atividades da sua Comissão Regional, observando-se, no que couber, o fluxo previsto no Anexo I desta Resolução.

Parágrafo único. Os Tribunais proporcionarão aos seus membros condições adequadas para o desempenho satisfatório das suas atribuições, garantindo-se a designação de equipe de apoio em número proporcional à demanda.

Art. 4º A atuação da Comissão Regional será determinada por decisão proferida pelo juiz da causa, que fará a remessa dos autos para a estrutura administrativa de apoio à Comissão, sem prejuízo da ciência do conflito pelas comissões regionais por mera comunicação de qualquer uma das partes ou eventuais interessados.

§ 1º O pedido da remessa do processo para a Comissão Regional poderá ser realizado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pelas partes envolvidas ou de qualquer interessado em qualquer fase do processo.

§ 2º A qualquer momento do conflito, inclusive antes do ajuizamento da ação judicial e mesmo depois do trânsito em julgado da decisão que determina o despejo ou a reintegração de posse, será possível a atuação da Comissão Regional.

§ 3º Nos casos do art. 565 do Código de Processo Civil, faculta-se que a audiência de mediação conte com a participação da Comissão Regional.

Art. 5º A atuação da Comissão Regional deverá observar os princípios da mediação e conciliação, a exemplo da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da oralidade, da celeridade, da informalidade e da decisão informada.

Parágrafo único. São consideradas boas práticas para mediação e conciliação de conflitos fundiários o cadastramento dos ocupantes, a identificação do perfil socioeconômico das pessoas afetadas e a divulgação, por meio de placas ou cartazes, de que a área em análise é objeto de ação judicial.

Art. 6º A atuação da Comissão Regional deverá observar a razoável duração do processo, envidando-se esforços para obter a resolução pacífica da controvérsia no prazo de 90 (noventa) dias, admitida prorrogação.

Parágrafo único. Enquanto perdurar a atuação da Comissão Regional, os respectivos processos judiciais não serão computados nas metas de nivelamento do Conselho Nacional de Justiça.

Art. 7º Quando necessário, partes, advogados e os representantes dos ocupantes deverão ser cientificados da realização reuniões e/ou audiências da Comissão Regional, por qualquer dos meios admitidos pela lei.

Art. 8º A Comissão Regional participará da mediação e conciliação dos conflitos, devendo realizar visitas técnicas, propor planos de ação para a sua resolução, para o cumprimento pacífico das ordens de desocupação ou medidas alternativas à remoção das famílias.

 

CAPÍTULO II

DA VISITA TÉCNICA NAS ÁREAS OBJETO DE CONFLITOS

 FUNDIÁRIOS COLETIVOS

 

Art. 9º A visita técnica na área objeto de conflito fundiário coletivo, que não se confunde com a inspeção judicial prevista nos arts. 440 e 481 do Código de Processo Civil, é medida que decorre do comando do art. 126, parágrafo único, da Constituição Federal e atende à exigência do art. 2º, § 4º, da Lei Federal nº 14.216/2021, além de se consubstanciar em ato que amplia a cognição da causa pelo Juiz, possibilita melhor tratamento do conflito e favorece a criação de ambiente para conciliação ou mediação.

Art. 10. Solicitada a intervenção da Comissão Regional, será agendada visita técnica na área objeto do litígio, cuja data e horário serão informados aos requerentes, bem como ao magistrado, ao qual incumbe a intimação das partes, terceiros, Ministério Público, Defensoria Pública, Município no qual se localiza a área e eventual movimento social ou associação de moradores que dê suporte aos ocupantes.

§ 1º Antes que a visita se realize, a Comissão Regional estabelecerá contato com a parte autora e com os ocupantes da área, suas lideranças ou com eventuais movimentos sociais que lhes deem suporte, informando-os sobre a finalidade e roteiro, de modo a criar ambiente propício ao diálogo.

§ 2º No dia e horário designados, a Comissão Regional visitará o local, proporcionando que a visita seja acompanhada pelas pessoas e órgãos referidos no caput deste artigo.

Art. 11. O relatório de visita técnica contemplará o conteúdo do modelo que compõe o Anexo II desta Resolução, sem prejuízo do acréscimo de outras informações que a Comissão Regional entender pertinentes.

Art. 12. O relatório de visita técnica será juntado aos autos de processo judicial, sem prejuízo do seu envio a todo e qualquer interessado, preservando-se a imagem e os dados cadastrais de crianças e adolescentes.

 

CAPÍTULO III

DA MEDIAÇÃO E DA CONCILIAÇÃO

Art. 13. As audiências de mediação ou de conciliação serão designadas de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, em qualquer fase do processo.

§ 1º. Nos termos do art. 565 do Código de Processo Civil, as audiências de mediação deverão ser realizadas no litígio coletivo pela posse do imóvel quando o esbulho ou a turbação afirmado no processo houver ocorrido há mais de um ano e um dia, sendo facultada ao juiz da causa sua realização nas demais hipóteses.

§ 2º. Antes da realização da solenidade, o magistrado requisitará a visita técnica de que trata esta Resolução, caso ainda não tenha sido realizada na hipótese, designando a audiência para data posterior à juntada aos autos do respectivo relatório.

§ 2º. Funcionará como conciliador ou mediador, preferencialmente, o magistrado que conduziu a visita técnica; não sendo possível, será chamado a participar do ato outro integrante da Comissão Regional.

§ 3º. Para a audiência de conciliação ou mediação serão intimados a comparecer todas as partes e interessados, representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, preferencialmente, dos respectivos órgãos especializados em conflitos da natureza, procuradorias do Estado e do Município, representantes de movimentos sociais eventualmente envolvidos na ocupação, bem assim representantes de órgãos públicos e privados que atuem nas áreas correlatas ao litígio.

 

CAPÍTULO IV

DO CUMPRIMENTO DAS ORDENS DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE

 

Art. 14. A expedição de mandado de reintegração de posse em ações possessórias coletivas será precedida por audiência pública ou reunião preparatória, na qual serão elaborados o plano de ação e o cronograma da desocupação, com a presença dos ocupantes e seus advogados, Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos de assistência social, movimentos sociais ou associações de moradores que prestem apoio aos ocupantes e o Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento da ordem, sem prejuízo da convocação de outros interessados.

Art. 15. Os planos de ação para cumprimento pacífico das ordens de desocupação ou as medidas alternativas à remoção das famílias deverão considerar as vulnerabilidades sociais das pessoas afetadas e observar as políticas públicas habitacionais de caráter permanente ou provisório à disposição dos ocupantes, assegurando, sempre que possível, a inclusão das famílias removidas nos programas de assistência social.

§ 1º. Para a efetivação do plano de ação, o Município onde se localiza o imóvel será intimado para que proceda ao prévio cadastramento das famílias que ocupam a área a ser reintegrada, bem como para que indique o local para a sua realocação e as encaminhe aos órgãos de assistência social e programas de habitação, observadas a decisão proferida no âmbito da ADPF n. 828 e, no que for possível e pertinente, a Resolução n. 10/2018-CNDH.

§ 2º. Os planos de ação, sempre que cabível, deverão dispor sobre os encargos com transportes e guarda dos bens essenciais que guarnecem as residências, estabelecendo prazos e ações de desocupação que mitiguem os prejuízos para as pessoas afetadas e que sejam compatíveis com a natureza da ocupação.

§ 3º. O plano de ação poderá prever prazo para desocupação assistida do imóvel objeto do litígio, caso em que deverão ser intimados para o seu acompanhamento os órgãos públicos ligados à política de proteção de pessoas vulneráveis, como Conselho Tutelar, CREAS e secretarias de assistência social e de moradia.

Art. 16. Após a concepção e execução do plano de ação, será expedido o mandado de reintegração de posse, com a recomendação para que o início de seu cumprimento não se dê no período noturno, em feriados ou datas comemorativas e em dias de muito frio ou chuva.

 

CAPÍTULO V

DISPOSIÇÕES FINAIS

 

Art. 17. Caberá a todos os Tribunais nacionais, à exceção do Supremo Tribunal Federal, no âmbito das suas respectivas escolas judiciais, promover a inclusão, nos cursos iniciais de formação continuada de magistrados e servidores, de temas de direito agrário, direito urbanístico e regularização fundiária, respeitadas as competências.

Art. 18. Os Tribunais de um mesmo Estado ou Região poderão compartilhar a mesma Comissão Regional, observadas as premissas fixadas na Resolução CNJ n. 350/2020.

Art. 19. A atuação de magistrados na Comissão Nacional e nas Comissões Regionais será considerada acúmulo de função para todos os efeitos e, excepcionalmente, implicará afastamento temporário da jurisdição, preferencialmente do(s) membro(s) incumbido(s) da realização das visitas técnicas.

Art. 20. A capacitação dos magistrados e servidores ficará a cargo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados(ENFAM).

Art. 21. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

Ministra ROSA WEBER

   

ANEXO I

FLUXOGRAMA

ANEXO I

FLUXOGRAMA

 

 

 

ANEXO II

MODELO DE RELATÓRIO DE VISITA TÉCNICA

 

- RELATÓRIO -

VISITA TÉCNICA REALIZADA EM __/__/____

 

 

1. IDENTIFICAÇÃO DO PROCESSO:

1.1. Número dos autos: 

1.2. Classe processual: 

1.3. Fase atual: 

1.4. Comarca: 

1.5. Vara: 

1.6. Autor(es): 

1.7. Réu(s): 

1.8. Terceiro(s): 

1.9. Intervenção do Ministério Público: (  ) sim   (  ) não

1.10. Dados sobre quem acionou a Comissão:

Nome:

Contato (telefone e e-mail):

 

2. IDENTIFICAÇÃO DA ÁREA:

2.1. Nome da ocupação, acampamento ou outro: 

2.2. Endereço (rua, numeral, bairro, CEP e município): 

2.3. Serviços públicos essenciais: 

Água: (  ) sim   (  ) não

Luz: (  ) sim   (  ) não

Esgoto: (  ) sim   (  ) não

Ligações clandestinas: (  ) sim   (  ) não

Se sim, identificar:

Como foram feitas:

Desde quando?

Podem ser usufruídas com segurança?

2.4. Moradias:

Breve descrição das suas condições:

Como foram construídas?

Qual o grau de precariedade e salubridade?

Há gestão do lixo orgânico e dejetos humanos? 

2.5. Informações e imagens constantes no GoogleMaps:

2.6. Há pequenos comércios na região (mercearias, padarias, quitandas etc) e/ou prestadores de serviços (cabeleireiros, manicures, oficinas de veículos etc)?

2.7. Fotos do dia da visita que retratem as condições nas quais os ocupantes vivem (local, moradias, vias de acesso etc): 

 

3. IDENTIFICAÇÃO DOS OCUPANTES DA ÁREA:

3.1. Nomes (se possível):

3.2. Quantidade total de ocupantes:

3.3. Dentre eles, quantos são:

3.3.1. Menores de 18 anos:

3.3.2. Idosos (com 65 anos ou mais):

3.3.3. Pessoas com deficiência: 

3.3.4. Doentes:

3.3.5. Mulheres:

3.3.5.1. Dentre as mulheres, quantas estão grávidas ou puérperas:

3.4. Quantos recebem auxílio dos órgãos de assistência social?

3.5. Quantos trabalham? Em caso positivo, em quais funções?

3.6. Colher informações sobre assistência médica e acesso à educação, sobretudo das crianças e adolescentes:

3.7. Identificar a existência de organização hierarquizada:

3.8. Colher informações sobre a história da ocupação, os motivos, suas origens e eventual destino dos ocupantes em caso de desocupação:

 

4. INFORMAÇÕES ADICIONAIS PARA ÁREAS RURAIS:

4.1. Qual o tamanho da área destinada a cada uma das famílias e quais os critérios de divisão:

4.2. O que é produzido na ocupação e qual o modo de comercialização (identificar, inclusive, a existência de produção de subsistência com venda de excedentes):

4.3. Informações sobre eventual coletivização da ocupação, bem como sobre a forma de distribuição do trabalho e renda:

4.4. Sinalizar se há acesso ao CADPRO (Cadastro do Produtor Rural) e se contam com o apoio das autoridades municiais para sua obtenção:

4.5. Breve descrição sobre a relação da ocupação com a comunidade urbana, notadamente sua importância para o comércio local:

4.6. Indicar qual o movimento social que presta apoio à ocupação:

 

5. RECOMENDAÇÕES:

 

 

 

 

Cidade, __ de ____________ de ____.

 

__________________________________________.

Nome e cargo/função de quem elaborou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VOTO PARCIALMENTE DIVERGENTE

 

Com a devida vênia ao respeitável voto do Excelentíssimo Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho e aos demais membros do Colegiado que eventualmente pensem em sentido diverso, entendo que a proposta de resolução que regulamenta a criação da comissão de soluções fundiárias no âmbito dos tribunais desbordou, em certos pontos.

No que diz respeito à independência funcional dos magistrados e magistradas, é de assinalar que, embora o Supremo Tribunal Federal tenha ordenado a imediata instalação de comissões de conflitos fundiários pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, e momento algum fixou a obrigatoriedade de os processos envolvendo desocupações e despejos coletivos serem remetidos àquelas primeiras.

                    Importa restar claro que tais colegiados, como não poderia deixar de ser, em respeito inclusive à Constituição Federal, atuarão como órgãos de apoio à atuação do juiz ou juíza, que poderá, a seu critério, remeter os autos à comissão.

Note-se, aliás, que em momento algum a Suprema Corte consignou algo distinto: o acórdão do Plenário diz expressamente que as comissões de conflitos fundiário constituem órgãos auxiliares do juiz da causa

Em razão disso, proponho para o art. 4º, caput do ato normativo a seguinte dicção:

 

Art. 4º. A atuação da Comissão Regional será determinada a critério do juiz da causa, que fará a remessa dos autos para a estrutura administrativa de apoio à Comissão, sem prejuízo da ciência do conflito pelas comissões regionais por mera comunicação de qualquer uma das partes ou eventuais interessados.

 

Por esse mesmo receio de invasão da independência funcional do magistrado ou magistrada, entendo que a redação do art. 14 necessita ser alterada para que a realização de audiência pública ou reunião preparatória previamente à expedição de mandado de reintegração de posse em ações possessórias coletivas seja facultativa, a critério do juiz ou juíza.

À parte as garantias constitucionais em jogo, cabe ter em mente que o julgador pode encontrar ou desenvolver outras maneiras tão ou mais eficazes de efetivar as desocupações – sobretudo em tempo tão tecnológico e de mudanças tão rápidas e abruptas como o que vivemos. Considero não ser recomendável engessar-se o processo decisório, seja para criar uma etapa prévia à expedição do mandado de reintegração de posse, seja para definir de forma taxativa de qual forma dar-se-á a interlocução com os envolvidos.

Dessa maneira, sugiro a seguinte redação para o art. 14 da minuta de resolução:

 

Art. 14. A expedição de mandado de reintegração de posse em ações possessórias coletivas poderá, a critério do juiz da causa, ser precedida por audiência pública ou reunião preparatória, na qual serão elaborados o plano de ação e o cronograma da desocupação, com a presença dos ocupantes e seus advogados, Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos de assistência social, movimentos sociais ou associações de moradores que prestem apoio aos ocupantes e o Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento da ordem, sem prejuízo da convocação de outros interessados.

 

Diante do exposto, renovando as minhas mais respeitosas vênias aos que pensam em sentido contrário, voto para que

a) seja adotada a seguinte redação para o art. 4º, caput da proposta de resolução: “A atuação da Comissão Regional será determinada a critério do juiz da causa, que fará a remessa dos autos para a estrutura administrativa de apoio à Comissão, sem prejuízo da ciência do conflito pelas comissões regionais por mera comunicação de qualquer uma das partes ou eventuais interessados”;

b) seja adotada a seguinte redação para o art. 14 do ato normativo: “A expedição de mandado de reintegração de posse em ações possessórias coletivas poderá, a critério do juiz da causa, ser precedida por audiência pública ou reunião preparatória, na qual serão elaborados o plano de ação e o cronograma da desocupação, com a presença dos ocupantes e seus advogados, Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos de assistência social, movimentos sociais ou associações de moradores que prestem apoio aos ocupantes e o Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento da ordem, sem prejuízo da convocação de outros interessados”;

No mais, acompanhando o bem lançando voto do eminente relator.

 

 

                                                           Conselheiro RICHARD PAE KIM