Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003031-86.2022.2.00.0000
Requerente: ALEIXO DE MATOS SILVA JUNIOR e outros
Requerido: CRISTIANE KAWANAKA DE PONTES e outros

 


EMENTA

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. PRETENSÃO DE REVISÃO DE ATO JURISDICIONAL. ART. 103-B, § 4º, DA CF. NÃO CABIMENTO. INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DAS MAGISTRADAS QUE REVERBERA EM GARANTIA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL IMPARCIAL EM FAVOR DA SOCIEDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. O que se alega contra as requeridas acerca da sua atuação na condução do processo judicial circunscreve-se a aspectos eminentemente jurisdicionais. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça. 

2. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão exclusivamente jurisdicional, para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma daquelas atribuições previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. 

3. A independência funcional das magistradas reverbera em garantia de prestação jurisdicional imparcial em favor da sociedade, expressamente prevista no art. 41 da LOMAN, somente podendo ser questionada administrativamente quando demonstrado que, no caso concreto, o órgão judicial atuou com parcialidade decorrente de má-fé, o que não se verifica no caso. 

4. Ausentes indícios de má-fé na atuação das magistradas, eventual impugnação deve ser buscada pelos mecanismos jurisdicionais presentes no ordenamento jurídico. 

5. Recurso administrativo a que se nega provimento.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 12 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003031-86.2022.2.00.0000
Requerente: ALEIXO DE MATOS SILVA JUNIOR e outros
Requerido: CRISTIANE KAWANAKA DE PONTES e outros


RELATÓRIO

          

 A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):  

Cuida-se de recurso administrativo interposto ALEIXO DE MATOS SILVA JUNIOR, ALEIXO DE MATOS SILVA e DOAL PLASTIC INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. contra decisão da Corregedoria Nacional de Justiça que arquivou a reclamação disciplinar formulada em desfavor de CRISTIANE KAWANAKA DE PONTES, Juíza da Vara do Trabalho de Santa Bárbara D’Oeste, SP, e de ANA PAULA ALVARENGA MARTINS, Juíza do Trabalho, Coordenadora da Divisão de Execução de Piracicaba, SP (Id 4724813).

Na inicial, os reclamantes alegaram que as magistradas teriam agido com parcialidade e abuso de autoridade na condução da Reclamação Trabalhista n. 0011602-57.2015.5.15.0086.

Argumentaram terem sido incluídos no polo passivo da referida execução trabalhista e determinada a indisponibilidade imediata de todos os seus bens para ulterior penhora (utilizando-se da “raiz” do CNPJ), a fim de preservar patrimônio para futura constrição, no caso de não haver pagamento espontâneo da dívida (Decisão de fls. ID. 91a02be - Pág. 1/17 da RT), sem a devida citação e a necessária observância do devido processo legal.

Assinalaram que, do teor da petição de ID. cce665e – fls. 1 a 21 dos autos nº 0011602.57.2015.5.15.0086 da Vara de Trabalho de Santa Bárbara D’Oeste/SP, verifica-se que “as condutas foram praticadas no exato momento em que deixaram de corrigir as incontroversas arbitrariedades praticadas pelos Juízos ou respectivos Serviços Auxiliares, mesmo após terem sido alertados através da petição de fls. ID. 4a6382d – Págs. 1 e 2 (doc. 6)” (Id 4717294).

Destacaram que “ao agirem deste modo, as MM. Magistradas do Trabalho afrontaram a Constituição Federal (art. 125), violaram os deveres da magistratura estabelecidos no art. 35, inciso I e VIII da Lei Complementar 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN), na medida em as condutas praticadas tiveram o condão de causar danos irreparáveis a terceiros, porquanto, indevidamente incluídos no polo passivo da execução trabalhista, fato que ocasionou a paralisação por completo das atividades lícitas desenvolvidas pela DOAL PLASTIC INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA., em frontal ofensa ao art. 1º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 13.874/2019” (Id 4717294).

Pontuaram que “por ter sido determinada às fls. ID. 91a02be - Pág. 1/17 da RT a restrição da visibilidade da decisão até concretização da medida constritiva portanto, diante da ausência dos documentos a serem impugnados, os Executados estão impossibilitados de se utilizarem dos recursos cabíveis, tais como: Agravo de Petição, Embargos do Devedor ou Embargos de Terceiro, ou seja, inexiste neste exato momento, defesa processual, configurando verdadeiro Juízo de Exceção” (Id 4717294, p. 6).

Aduziram que se trata de abuso de autoridade “configurado diante da indevida e ilegal penhora de ativos financeiros e patrimoniais, acima de R$ 10.000.000,00, suplantando o próprio capital social de R$ 2.000.000,00 (doc. 7) da empresa DOAL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. Vale frisar, ademais, que a indisponibilidade determinada recaiu sobre a empresa DOAL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. que nem parte do processo executivo é, já que não figurou como parte na fase de conhecimento, na forma do § 5º, do art. 513, do NCPC e entendimento exarado no RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Nº 1.160.363/SP, Rel. Ministro GILMAR MENDES, DJe 14/09/2021, transitado em julgado em 06/10/2021” (Id 4717294, p. 7).

Argumentaram que “os fatos narrados revelam que não se trata de mero erro judiciário ou mero erro de interpretação das normas vigentes, mas de uma conduta deliberada que visa, apenas, beneficiar os Exequentes, demonstrando intolerável parcialidade e abuso de poder”, sendo que o que corrobora a parcialidade é a determinação de restrição da visibilidade da decisão judicial até que a medida constritiva fosse integralmente cumprida.

Requereram, liminarmente, a imediata sustação dos efeitos das ordens de bloqueio on-line decorrentes da decisão de fls. ID. 91a02be – Pág. 1/17 (ibidem doc. 8) proferida na ATOrd nº 0011602-57.2015.5.15.0086. Ademais, pretendem a apuração dos fatos narrados e instauração do processo administrativo disciplinar, bem como seja representado o Ministério Público do Trabalho.

A Corregedoria Nacional de Justiça arquivou o procedimento, porquanto sua competência é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial para corrigir eventual vicio de ilegalidade ou nulidade. 

Os reclamantes interpuseram recurso administrativo, no qual reiteram os argumentos contidos na petição inicial, bem como afirmam a competência do CNJ para apreciar a matéria.

No Id 4740951 e seguintes, os reclamantes apresentam petição, a fim de noticiar “a existência de decisão altamente teratológica e injurídica, de fls. 2778/2793 – ID. 1fab3ae – Págs. 1/16 (doc. 1) prolatada nos autos da ATOrd nº 0011602-57.2015.5.15.0083 da Vara do Trabalho de Santa Bárbara D’oeste, em 29/05/2022, domingo”.

As requeridas não apresentaram contrarrazões.

É o relatório.

A07/Z09

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003031-86.2022.2.00.0000
Requerente: ALEIXO DE MATOS SILVA JUNIOR e outros
Requerido: CRISTIANE KAWANAKA DE PONTES e outros

 


VOTO          

 

                      A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):  

O recurso administrativo não merece provimento.

Conforme consignado no decisum recorrido, a via correcional se restringe "ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes", nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. 

Na espécie, toda a irresignação dos requerentes acerca da atuação das magistradas, ora requeridas, no que diz respeito à condução da Reclamação Trabalhista n. 0011602-57.2015.5.15.0086, tendo em vista a prolação de decisões por eles consideradas teratológicas, circunscreve-se a aspectos eminentemente jurisdicionais do processo indicado, e não guarda relação com a esfera correcional.

As decisões proferidas no exercício regular da função do julgador não dão ensejo a reclamação perante esta Corregedoria e o simples fato de o juiz decidir em desacordo com o entendimento da parte não o torna passível de punição. A função do juiz não é decidir do modo como os reclamantes entendem adequado, mas sim decidir de acordo com o que resulta da sua livre convicção. Se, eventualmente, essa convicção está dissociada dos ditames legais, compete às demais instâncias jurisdicionais procederem aos ajustes devidos desde que provocadas mediante recurso.

Nesses casos, em que os atos impugnados têm natureza exclusivamente jurisdicional, a parte deve valer-se dos meios de impugnação previstos na legislação processual, não cabendo a intervenção da Corregedoria Nacional de Justiça.  

O Conselho Nacional de Justiça possui competência restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la, uma vez que pretendida revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

Nesse sentido: 

 

II. As atribuições deste Conselho são restritas ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não possuindo competência para intervir em ato de cunho jurisdicional. (CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 0002001-21.2019.2.00.0000 –Rel. IRACEMA DO VALE – 50ª Sessão – j. 16/8/2019). 2. Não cabe ao CNJ se imiscuir em atos praticados no curso de processos judiciais para examinar o acerto ou desacerto, ou suspender os efeitos dos atos neles praticados, tampouco interferir no poder de direção desses processos. Precedentes. (CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 0010429-26.2018.2.00.0000 – Rel. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES – 46ª Sessão – j. 3/5/2019). 

 

Ademais, a independência funcional do magistrado reverbera em garantia de prestação jurisdicional imparcial em favor da sociedade, expressamente prevista no art. 41 da LOMAN, somente podendo ser questionada administrativamente quando demonstrado que, no caso concreto, o órgão judicial atuou com parcialidade decorrente de má-fé, o que não se verificou no caso.

Por fim, as questões relativas à eventual parcialidade de magistrado possuem via própria e prevista na legislação processual, devendo ser sanadas por meio das exceções de suspeição ou impedimento, não se destinando a via administrativa a tal desiderato.

Nesse sentido:

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. PARCIALIDADE E IRREGULARIDADES NÃO DEMONSTRADAS. INCONFORMISMO COM ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. INCOMPETÊNCIA DOS ÓRGÃOS CORRECIONAIS.

1. Os argumentos desenvolvidos pelo reclamante têm natureza estritamente jurisdicional por demonstrarem insatisfação com a manifestação emanada pela desembargadora relatora no seu ofício judicante, o que afasta, a priori, a atuação das corregedorias.

2. O caráter jurisdicional fica mais evidenciado quando se observa que a pretensão do reclamante é promover o CNJ à instância revisora de todo o acervo probatório dos autos, de modo a substituir os órgãos julgadores e declarar, de pronto, a falsidade dos documentos carreados nos autos da ação possessória, o que deve ser exercido por meio dos instrumentos processuais próprios, não servindo o CNJ para tal desiderato.

3. Do mesmo modo, as questões quanto a uma suposta parcialidade de magistrado desafiam meio processual próprio (exceção de suspeição ou impedimento), tornando a via administrativa inadequada para tal fim.

4. Outrossim, verifica-se que, salvo suas impressões pessoais, o requerente não apresenta nenhum elemento concreto indicativo de comportamento ilícito por parte de membro do Poder Judiciário. Não há, portanto, elementos mínimos de prova que deem justa causa ao prosseguimento do expediente. Pedido de providências arquivado.

 (CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0003400-51.2020.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 70ª Sessão Virtual - julgado em 31/07/2020)

 

Assim, entendo que a decisão que determinou o arquivamento do procedimento deve permanecer íntegra.  

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo. 

É como voto.

 

A07/Z09