Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002953-92.2022.2.00.0000
Requerente: FABIANO AFONSO
Requerido: KILDARE GONÇALVES CARVALHO

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVA. RECURSO ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. APOSIÇÃO DE SIGILO AO FEITO PELO REQUERENTE. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS. PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS COMO REGRA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM DESFAVOR DE MAGISTRADO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE OU TERATOLOGIA. IMPOSSIBILIDADE DE INTERFERÊNCIA DO CNJ.

1. Nos termos do art. 5º, LX, CRFB, restrições à publicidade dos atos processuais somente se justificam, mediante lei, “quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

2. O art. 54, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), segundo o qual “o processo e o julgamento das representações e reclamações serão sigilosos, para resguardar a dignidade do magistrado (...)”, encerra disposição anacrônica, evidentemente não recepcionada pela atual ordem constitucional, que consagra a publicidade como princípio basilar da Administração Pública (art. 37, caput) e do Poder Judiciário (art. 93, IX e X). Matéria enfrentada nos autos do Mandado de Segurança n. 28390, de Relatoria Ministro Dias Toffoli.

3. Nos procedimentos em curso nesta Casa, compete ao CNJ avaliar, em cada caso, a necessidade de tramitação sigilosa, considerado o conteúdo específico das postulações e dos documentos acostados aos autos.

4. Conforme reiterada jurisprudência, não cabe ao Conselho Nacional de Justiça conhecer de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) para interferir na condução de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em curso, salvo nos casos de flagrante ilegalidade ou teratologia.

5. Entendimento contrário equivaleria a converter o PCA em espécie de agravo de instrumento de ampla e irrestrita cognoscibilidade, transformando o CNJ em instância superior revisora de todo e qualquer aspecto do processo disciplinar em curso na origem, o que sequer é admitido na esfera jurisdicional.

6. Não é manifestamente ilegal decisão que, em interpretação coerente e razoável do ordenamento jurídico, rejeita liminarmente exceção de suspeição nos casos de improcedência manifesta. Precedentes do STJ.

7. Recurso conhecido e desprovido.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade: I - determinou o levantamento do sigilo dos PCAs n. 0002953-92.2022.2.00.0000, n. 0002539-94.2022.2.00.0000, n. 0002081-77.2022.2.00.0000, n. 0009803-36.2020.2.00.0000 e n. 0004171-58.2022.2.00.0000; II - negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 1º de setembro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Mário Goulart Maia. Não votaram o Excelentíssimo Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello e, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002953-92.2022.2.00.0000
Requerente: FABIANO AFONSO
Requerido: KILDARE GONÇALVES CARVALHO



 

RELATÓRIO

 

Trata-se de recurso administrativo, em sede de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), interposto por FABIANO AFONSO contra decisão monocrática que não conheceu do pedido por ele formulado em desfavor de KILDARE GONÇALVES CARVALHO, Desembargador do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (TJMG).

Em sua petição inicial, o requerente questiona decisão do referido Desembargador que, no âmbito de PAD instaurado em seu desfavor (n. 1.0000.17.009012-0/019), indeferiu liminarmente exceção de suspeição (n. 1.0000.17.009012-0/042), mesmo após ter admitido sua relevância e ter determinado a sua instrução.

Alega que o indeferimento se deu tão somente para viabilizar a continuidade dos abusos contra ele praticados e permitir o julgamento do processo na sessão do dia 27/4/2022, que acabou não se realizando.

Aponta violação aos princípios do devido processo legal e do contraditório, pois o indeferimento se deu sem a oitiva do exceptos, que poderiam se dar por suspeitos, conforme prevê o art. 146, § 1º, do CPC, ou apresentar os seus argumentos.

Sustenta que, ao indeferir liminarmente o pedido, o relator acabou por substituir o querer íntimo e subjetivo do excepto pelo seu, o que não é possível no ordenamento jurídico. Ao final, formula o seguinte pedido:

 

a-) a Distribuição por prevenção/conexão ao PCA nº: 0002081.77.2022.2.00.0000, de relatoria da Conselheira SALISE MONTEIRO SANCHOTENE;

b-) a CONCESSÃO DE LIMINAR, “INAUDITA ALTERA PARS”, na forma do art. 6º, XXVI e art. 25, XI, do Regimento Interno deste Conselho Nacional de Justiça para DETERMINAR QUE A EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO SEJA INSTRUÍDA COM A OITIVA DOS EXCEPTOS E DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS;

c-) a manutenção da SUSPENÇÃO do PAD nº: 1.0000.17.009.012- 0/019 e seus conexos, conforme já determinado pelo Corregedor-Geral de Justiça, até o julgamento da Exceção PELO COLEGIADO.

d-) seja julgado procedente o presente PCA ratificando as limares e seus fundamentos.

 

Na decisão de Id 4781191, não conheci do pedido, considerada a jurisprudência do CNJ no sentido da inviabilidade de interferência na condução dos processos administrativos disciplinares em tramitação nos Tribunais de Justiça, exceto nos casos de flagrante ilegalidade ou teratologia.

Na mesma decisão, por antever a possibilidade de levantamento do sigilo deste feito e dos demais sob minha relatoria propostos pelo mesmo magistrado[1], uma vez que, aparentemente, a matéria tratada não se enquadra dentre aquelas protegidas pelo art. 93, IX e X, da CRFB/1988 e pelo art. 189, do CPC, concedi ao requerente o prazo de 15 (quinze) dias para que, querendo, justificasse a necessidade de tramitação sigilosa.

Em seguida, o magistrado interpôs recurso administrativo (Id 4811771), no qual insiste que a situação narrada constitui flagrante ilegalidade.

Em suas palavras, a decisão recorrida é de “ilegalidade sem precedentes”, pois simplesmente reproduziu o texto legal, tal qual o relator a quo, no sentido de que é possível ao relator indeferir liminarmente a exceção, ignorando que tal possibilidade, segundo afirma, somente se dá após a oitiva dos exceptos e a instalação da contraditório.

Quanto à necessidade de manutenção do sigilo dos procedimentos, afirma o que se segue:

(...) 4. No que tange o sigilo dos autos, o recorrente informa, que ao contrário da ilação lançada na decisão, a intimar a parte a se manifestar sobre o sigilo, NOTIFICA-SE A E. RELATORA, que a questão sub judice está com SIGILO JUDICIAL decretado não só no PAD Origem, na forma do art. 54 da LOMAN, mas também e acima de tudo, em várias decisões judiciais não recorridas sobre a mesma causa, conforme já informado nos mandados de segurança conexos, que foram mencionados pela própria relatora e pelo TJMG nos PCA’s nº: n. 0002081-77.2022.2.00.0000, n. 0009803- 36.2020.2.00.0000 e 0004171-58.2022.2.00.0000.

5. Desse modo, ainda que a questão posta a julgamento neste PCA seja apenas um recorte da tramitação nos autos a quo, aquele está com sigilo decretado em mais de uma plêiade de decisões, sendo o levantamento do sigilo para facilitar o acesso da Assessoria, como sabido, se incorrerá no delito do art. 325, do Código Penal, confira:

Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:

§ 2 o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

6. Além de que, em se tratando de ERRO CRASSO do Conselheiro, é passível de PERDAS E DANOS (art. 28, Dec. 4.657/42), assim definidos, na forma do art. 12, § 1º, do Dec. 9.830/19. (...)

 

O recorrido apresentou contrarrazões (Id 5014023).

 

É o Relatório.

 

 



[1] PCAs n. 0002539-94.2022.2.00.0000, n. 0002081-77.2022.2.00.0000, n. 0009803-36.2020.2.00.0000 e n. 0004171-58.2022.2.00.0000.

 


Conselho Nacional de Justiça


Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002953-92.2022.2.00.0000
Requerente: FABIANO AFONSO
Requerido: KILDARE GONÇALVES CARVALHO



VOTO


 

Conheço do recurso, por ser próprio e tempestivo.

Antes de adentrar ao mérito recursal, é necessário analisar a justificativa para a tramitação sigilosa deste PCA, bem como dos PCAs n. 0002539-94.2022.2.00.0000, n. 0002081-77.2022.2.00.0000, n. 0009803-36.2020.2.00.0000 e n. 0004171-58.2022.2.00.0000. Todos estão sob minha relatoria e foram propostos pelo magistrado Fabiano Afonso visando questionar aspectos estritamente procedimentais de processo disciplinar instaurado em seu desfavor no TJMG (PAD n. 1.0000.17.009012-0/019).

Conforme relatado, o magistrado sustenta a necessidade de tramitação sigilosa pelo fato de haver sigilo judicial em mandados de segurança por ele impetrados, nos quais igualmente questiona aspectos do referido PAD, bem como porque o processo disciplinar, na origem, tramita sob sigilo na forma do art. 54, da LOMAN, segundo o qual “o processo e o julgamento das representações e reclamações serão sigilosos, para resguardar a dignidade do magistrado, sem prejuízo de poder o relator delegar a instrução a Juiz de posição funcional igual ou superior à do indiciado”.

Razão não lhe assiste.

A Lei Maior, refletindo os princípios nucleares de um Estado Democrático de Direito, no qual a transparência e o acesso à informação são vitais para a participação cidadã e o escrutínio público, consagrou a publicidade dos atos processuais como regra. Excepcionalmente, pode-se restringir tal publicidade por meio de lei, mas apenas “quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (CRFB, art. 5º, LX).

Diferente não é o contido na lei adjetiva civil, que assim prevê sobre as hipóteses passíveis de trâmite em segredo de justiça:


Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:

I - em que o exija o interesse público ou social;

II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes;

III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade;

IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.


O regramento do Conselho Nacional de Justiça para a atuação disciplinar no Poder Judiciário, que se encontra plenamente em vigor, igualmente consagra a publicidade como regra:


Art. 20. O julgamento do processo administrativo disciplinar será realizado em sessão pública e serão fundamentadas todas as decisões, inclusive as interlocutórias. (Resolução n. CNJ 135/2011)

 

Não menos importante, tem-se a Resolução CNJ n. 215/2015. Esta, em conformidade com a orientação disposta na Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/2011), estabelece como diretriz para todo o Poder Judiciário a "observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção" (art. 3°, I).

Uma vez assentadas essas premissas, é importante esclarecer que o sigilo de um processo judicial ou de um processo administrativo disciplinar não se estende automaticamente a outros processos em instâncias ou jurisdições diferentes, mesmo que tratem de questões congêneres.  

Nos procedimentos em curso nesta Casa, compete ao próprio CNJ avaliar, em cada caso, a necessidade de tramitação sigilosa, considerados os preceitos constitucionais e legais pertinentes e o conteúdo específico das postulações e dos documentos acostados aos autos. Nesse sentido, destaco trecho decisão da Ministra Cámen Lúcia, cujos fundamentos, mutatis mutandis, reputo plenamente aplicáveis à espécie (MS 38229/DF. MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA Julgamento: 23/2/2022. Publicação: 3/3/2022):

(...)

2. O impetrante informa que “o processo original (Procedimento Administrativo Disciplinar/CNJ nº 0008118-28.2019.2.00.0000) se encontra sob SIGILO, (…) assim, uma vez que reconhecida a necessidade de atribuição de sigilo nos autos do processo disciplinar no qual foi proferido o ato ilegal, deve este Mandado de Segurança seguir a mesma sorte“ (fl. 2, e-doc. 1).

(...)

9. Inicialmente, é de se indeferir o requerimento de decretação de segredo de justiça.

Não constam dos autos as razões pelas quais o Conselho Nacional de Justiça instituiu a tramitação sigilosa do processo disciplinar. Não há determinação legal para a imposição correlata e automática daquela condição em ações judiciais correlatas. A publicidade é não apenas princípio, mas dever constitucional e legal imposto aos processos judiciais com as exceções juridicamente admitidas (art. 189 do Código de Processo Civil).

Mesmo nos processos com sigilo constitucional necessário, o que não se demonstra aplicável ao presente caso, apenas os documentos protegidos têm consulta restrita às partes e respectivos patronos.

A decretação de segredo há de ocorrer em casos nos quais haja informações ou bens jurídicos especificados constantes das provas ou decorrentes dos fatos demonstrados, que devem ser preservados, nos termos da Resolução n. 338/2007 deste Supremo Tribunal.

Não constam deste mandado de segurança documentos “cujo conhecimento irrestrito ou divulgação possa acarretar risco à segurança da sociedade e do Estado” ou “necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas” (art. 2º da Resolução/STF n. 338/2007).

Em apuração disciplinar, não há informações sobre medidas invasivas ou constritivas a direitos fundamentais, que, nos termos do § 2º do art. 230-C do Regimento Interno deste Supremo Tribunal, “serão processados e apreciados, em autos apartados e sob sigilo, pelo Relator”.

Anote-se não haver comprovação ou argumentação da defesa sobre eventual exposição extraordinária da intimidade do impetrante a justificar a restrição do acesso público aos autos.

(...)

 

Acrescente-se a isso que o art. 54 da LOMAN, invocado pelo requerente, encerra disposição anacrônica, evidentemente não recepcionada pela atual ordem constitucional, que consagra a publicidade como princípio basilar da Administração Pública (art. 37, caput) e do Poder Judiciário (art. 93, IX e X).

Sobre esse aspecto, peço licença para transcrever elucidativa e percuciente decisão do Exmo. Ministro Dias Toffoli, que tratou de maneira aprofundada sobre o tema, com relevantes referências doutrinárias e à jurisprudência da Suprema Corte (STF - MS: 28390 DF, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 29/08/2013, Data de Publicação: DJe-173 DIVULG 03/09/2013 PUBLIC 04/09/2013):

(...) Devem ser confirmados os fundamentos proferidos quando do indeferimento da liminar:

“(...) C) A QUESTÃO DO SIGILO CONSTITUCIONAL DOS JULGAMENTOS ADMINISTRATIVOS

A Constituição de 1988 inaugurou uma nova era no tratamento da publicidade dos atos administrativos e judiciais. A regra tornou-se a divulgação irrestrita desses juízos, em nome de princípios fundantes do Estado Democrático de Direito e da República. Sendo todos iguais perante a lei, independentemente de classe, etnia, sexo, profissão ou opções político-ideológicas, a lógica constitucional é que se divulguem fatos e fundamentos de deliberações proferidas por órgãos ou juízos. A norma do art. 93, CF/1988, é por demais eloquente na afirmação desses primados:

‘Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

...........................................................................................

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

X as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)’

Na verdade, pode-se falar em um autêntico sistema constitucional de defesa da publicidade dos atos decisórios, sejam administrativos (art. 37, caput, CF/1988), sejam judiciais (art. 5º, inciso LX, CF/1988). Essa opção do constituinte fez surgir um direito fundamental de acesso aos dados processuais, como bem afirma Jónatas E. M. Machado (Liberdade de expressão: Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 564-565):

‘Pelo menos nos casos em que estejam envolvidos titulares de cargos públicos de natureza política, ou figuras ligadas à dinamização dos diversos subsistemas de acção social, e tratando-se de crimes realizados no exercício das suas funções, ou outros crimes considerados graves, o segredo de justiça deve limitar-se ao necessário para assegurar a realização e a eficácia do inquérito. Igualmente importante, é a remoção do segredo quando haja suspeitas de abusos ou desvios de poder por parte das autoridades policiais e judiciárias. (...) As autoridades policiais e judiciárias devem permanecer expostas às críticas sérias e fundadas de parcialidade, corrupção, injustiça, incompetência, negligência grosseira ou qualquer forma de desvio de poder.’

Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 487-488) ensinam que a Constituição adotou a regra da ‘publicidade plena ou popular’ (citando Antonio Scarance Fernandes, in Processo penal constitucional. 4 ed. São Paulo: RT, 2005. p. 72), com as necessárias exceções ligadas à intimidade dos envolvidos. Pelo que aduzem os autores:

‘Observe-se, oportunamente, que a Constituição de 1988 institui uma ordem democrática fundada no valor da publicidade (Öffentlichkeit), substrato axiológico de toda a atividade do Poder Público. No Estado Democrático de Direito, a publicidade é a regra; o sigilo, a exceção, que apenas se faz presente, como impõe a própria Constituição, quando seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIIII) e quando não prejudique o interesse público à informação (art. 93, IX).’

As normas da LOMAN, consideradas em si, são representativas de outros tempos. A sociedade mudou e o Poder Judiciário, que é tão assertivo na defesa das liberdades comunicativas, não pode, em favor de seus membros, agir em contradição aos valores constitucionais fundantes do Estado Democrático de Direito. Essa postura, além de censurável tecnicamente, criaria para a judicatura um status diferenciado em relação aos demais súditos da República, o que é, para se dizer o menos, inconstitucional.

Os casos apresentados na inicial devem ser compreendidos, por um aspecto, como o extravasamento de décadas (e porque não dizer séculos) de temor reverencial pela autoridade do magistrado. Os juízes hão de ser respeitados, acatados e preservados, mas não por temores ou receios e sim porque são agentes da República, apóstolos da Democracia, guardiães do Direito e, portanto, assentam sua legitimidade na própria soberania popular. Não se pode usar do ideal de proteção à dignidade da magistratura como biombo para ocultar desvios e mazelas de um Poder do Estado, os quais servem apenas para solapar e enfraquecer o Judiciário, que só tem por si mesmo a credibilidade de suas decisões e a independência moral de seus membros. A Função Jurisdicional, como já afirmou Alexander Hamilton, nos Artigos Federalistas, não tem a espada nem a bolsa (o Tesouro) para lhe amparar. Sua auctoritas é fundamentalmente moral e não se lhe reservará espaço de proteção para ocultar o inocultável, esconder o inescondível, disfarçar o indisfarçável. O povo, que aprendeu a ser livre, não suportará essa forma discriminatória de encarar a magistratura.

(…)

Logo, a pretensão da impetrante, ao menos no juízo prelibatório da liminar, esbarra em dois sérios óbices:

a) há previsão constitucional que, prima facie, clausulou os procedimentos administrativos e judiciais com a regra da ampla publicidade;

b) as pretendidas ressalvas à divulgação, que se apresentam na inicial como casos ligados ao direito fundamental à intimidade, não podem ser deferidas. Sob pena de se subverter o espírito constitucional, elas não podem ser objeto normatização judicial de caráter geral, abstrato e futuro, mormente em um mandado de segurança coletivo, destinado a pura e simplesmente impedir a publicação de decisões envolvendo sindicâncias e procedimentos disciplinares, além de audiências públicas, sobre magistrados.

Dito de outro modo, a ofensa ao direito individual, ao menos nos casos descritos na vestibular e sob o enfoque perfunctório deste exame, podem até existir, mas a concessão de uma ordem genérica de contenção da liberdade comunicativa, em nome desses direitos fundamentais, é o mesmo que negar vigência ao art. 93, incisos IX e X, CF/88. A pretensão da impetrante é uma carta franca de cerceamento da informação destinada ao CNJ. Como já se salientou, ao menos nesta fase do processo, essa opção é impossível.

Essa dificuldade, que se liga a problemas de técnica da tutela coletiva, dado que, no caso concreto, a divulgação poderá afetar a honra de um indivíduo, mas, em outros tantos, haverá nítido interesse público na divulgação, ocorre uma nítida propensão decisória em favor do direito fundamental ao acesso aos dados do processo.

De qualquer sorte, a ação tem o mérito de expor um problema cuja solução mais efetiva dar-se-ia no plano da normatização administrativa. A persistência de abusos em face da esfera privada poderá gerar um contencioso indesejável e a responsabilização administrativa das autoridades envolvidas, o que não é conveniente para o c. CNJ, cujas funções institucionais encontram-se em saudável processo de amadurecimento. Se, por um lado, não interessa ao povo brasileiro converter o CNJ em um órgão anódino, também não é lícito deixar de censurar os excessos praticados em nome da moralidade administrativa no Poder Judiciário. (fls. 87 a 93)”

Nessa conformidade, tenho que devem prevalecer os preceitos e princípios consagrados pela Constituição Federal de 1988 face aos dispositivos contidos na Lei Orgânica da Magistratura, que é de 1979. A regra é a publicidade dos atos, tanto para a Administração Pública quanto para o Poder Judiciário, incluindo-se os julgamento de processos administrativos que envolvam seus membros.

Na fundamentação deste mandamus, ajuizado em 2009, o impetrante cita o art. 23 da Resolução nº 30 do CNJ, o qual dispunha que, em determinadas circunstâncias, quando a preservação do direito a intimidade do interessado no sigilo não prejudicar o interesse público pode haver a limitação da publicidade dos atos processuais ao acusado e a seus advogados. Referida Resolução foi revogada pelo CNJ e substituída pela Resolução nº 135/2011, que assim dispõe em seu art. 20:

“Art. 20. O julgamento do processo administrativo disciplinar será realizado em sessão pública e serão fundamentadas todas as decisões, inclusive as interlocutórias.

§ 1º Em determinados atos processuais e de julgamento, poderá, no entanto, ser limitada a presença às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, desde que a preservação da intimidade não prejudique o interesse público.”

Ressalte-se, inclusive, que o caput do art. 20 da Resolução nº 135/2011 é objeto de questionamento na ADI nº 4.638/DF, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, tendo como requerente a Associação dos Magistrados Brasileiros. Indeferida, em 19/12/11, a liminar, que pugnava pela suspensão do dispositivo, foi a questão submetida a referendo pelo Plenário. Esta Corte debruçou-se sobre o tema no início de fevereiro de 2012, ocasião em que referendou a decisão de indeferimento da liminar em relação ao art. 20, caput, da Resolução nº 135/2011. Vide notícia no informativo nº 653/STF, de 1º a 3 de fevereiro de 2012:

“No que diz respeito ao art. 20 (‘O julgamento do processo administrativo disciplinar será realizado em sessão pública e serão fundamentadas todas as decisões, inclusive as interlocutórias’), o qual estaria estreitamente ligado ao art. 4º, referendou-se o indeferimento da cautelar. Ressaltou-se que o respeito ao Poder Judiciário não poderia ser obtido por meio de blindagem destinada a proteger do escrutínio público os juízes e o órgão sancionador, o que seria incompatível com a liberdade de informação e com a ideia de democracia. Ademais, o sigilo imposto com o objetivo de proteger a honra dos magistrados contribuiria para um ambiente de suspeição e não para a credibilidade da magistratura, pois nada mais conducente à aquisição de confiança do povo do que a transparência e a força do melhor argumento. Nesse sentido, assentou-se que a Loman, ao determinar a imposição de penas em caráter sigiloso, ficara suplantada pela Constituição. Asseverou-se que a modificação trazida no art. 93, IX e X, da CF pela EC 45/2004 assegurara a observância do princípio da publicidade no exercício da atividade judiciária, inclusive nos processos disciplinares instaurados contra juízes, permitindo-se, entretanto, a realização de sessões reservadas em casos de garantia ao direito à intimidade, mediante fundamentação específica. Por fim, explicitou-se que, ante o novo contexto, a resolução do CNJ, ao prever a publicidade das sanções disciplinares e da sessão de julgamento não extrapolara os limites normativos nem ofendera garantia da magistratura, visto que, a rigor, essas normas decorreriam diretamente da Constituição, sobretudo, posteriormente à edição da EC 45/2004.”

Em juízo de ampla cognição, entendo que não há ilegalidade na atuação da Corregedoria Nacional de Justiça e do c. CNJ, ora questionada.

O Supremo Tribunal Federal tem posição sedimentada acerca da prevalência dos princípios constitucionais frente às prerrogativas defendidas pela LOMAN.

Situações de excepcionalidade, que requeiram a classificação de processos como sigilosos, devem ser analisados em cada caso concreto.

Como bem anotado pela Procuradoria-Geral da República, cujo parecer acrescento aos fundamentos dessa decisão:

“10. (...) após a incorporação do princípio da publicidade como norteador da conduta da Administração Pública e também como regra para os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, não há falar em garantia do sigilo de qualquer investigação a priori.

11. O sigilo poderá ser determinado diante de situação concreta, se verificadas as exceções contidas na Constituição, quais sejam, ‘em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação’.

12. Não se pode afirmar, a princípio, que todos os procedimentos disciplinares contra todo e qualquer magistrado trazem ínsitos em seu bojo a prevalência do direito do interessado em não ver o caso divulgado. A regra é a publicidade, o direito à intimidade será exceção frente à informação e, assim, será regulado de forma singular diante das situações concretas.

(…)

14. No tocante aos procedimentos disciplinares, o ‘mandado de otimização’ constitui-se na transparência dos julgamentos e no pleno acesso ao andamento dos feitos administrativos.

15. Desta maneira, o sigilo somente poderá ser determinado diante de um caso concreto, não de forma generalizada como pretende a Impetrante, consoante anotado pelo eminente Relator. (fls. 179/180)”

Consigno, por fim, que o ato praticado pelo c. CNJ, ora impugnado, está amparado no art. 103-B, § 4º, da CF/88 - que prescreve sua atuação como órgão de controle do cumprimento dos deveres funcionais dos membros do Poder Judiciário.

(...)

 

Portanto, a tramitação dos procedimentos de forma sigilosa neste Conselho somente se justifica quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.

No caso, os PCAs formulados pelo requerente, como dito, tratam exclusivamente de aspectos procedimentais do PAD n. 1.0000.17.009012-0/019, instaurado em seu desfavor, a exemplo das alegações de ausência de quórum para a sua instauração, de suspeição de julgadores e de vício na composição do órgão julgador.

Evidentemente, tais postulações não se alinham à ideia de um interesse social que justifique uma tramitação em sigilo.

Também não se identificam nos autos quaisquer informações relacionadas à intimidade do magistrado recorrente, tais como seus dados pessoais sensíveis, informações sobre sua vida privada, detalhes de seus relacionamentos familiares, registros financeiros ou fiscais, ou quaisquer outros aspectos que possam revelar detalhes íntimos ou confidenciais de sua vida.

O próprio magistrado, ao ser instado a se manifestar, não indicou em que medida sua intimidade ficaria comprometida com a publicidade dos autos, limitando-se a mencionar a existência de sigilo em feitos correlatos.

Adicionalmente, destaco que há inúmeros procedimentos julgados neste Conselho que trataram de situações fáticas semelhantes àquelas apuradas no PAD instaurado em desfavor do magistrado (suposta violação ao dever de urbanidade), para os quais sequer se cogitou a tramitação sigilosa. Destaco, exemplificativamente, os seguintes procedimentos: RevDis n. 0003884-95.2022.2.00.0000, RD n. 0000557-16.2020.2.00.0000, PP n. 0005178-90.2019.2.00.0000, RD n. 0006010-89.2020.2.00.0000, PAD n. 0000970-63.2019.2.00.0000.

Assim, o levantamento do sigilo deste PCA e dos PCAs n. 0002539-94.2022.2.00.0000, n. 0002081-77.2022.2.00.0000, n. 0009803-36.2020.2.00.0000 e n. 0004171-58.2022.2.00.0000 é medida que se impõe.

No mérito, não se verificam nas razões recursais novos argumentos com aptidão para afastar a decisão recorrida. 

Com efeito, é reiterada a jurisprudência do CNJ no sentido da inviabilidade de sua interferência na condução dos processos administrativos disciplinares em tramitação nos Tribunais de Justiça, exceto no caso de flagrante ilegalidade ou teratologiaO CNJ não é instância recursal para revisar toda e qualquer decisão proferida pelos tribunais nos autos de processos disciplinares. Nesse sentido:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ. TRANCAMENTO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO EM DESFAVOR DE MAGISTRADO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE OU TERATOLOGIA. IMPOSSIBILIDADE DE INTERFERÊNCIA DO CNJ.

(...)

3. Não cabe ao CNJ interferir na condução dos Processos Administrativos Disciplinares em curso nos Tribunais de Justiça, salvo nos casos de flagrante ilegalidade ou teratologia. Precedentes.

4. Recurso administrativo conhecido e improvido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0008464-42.2020.2.00.0000 - Rel. RUBENS CANUTO - 82ª Sessão Virtual - julgado em 19/03/2021).

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NÃO CONHECEU DO PEDIDO. IMPROVIMENTO DO RECURSO.

1. A orientação deste Conselho é no sentido de não interferir na condução de procedimentos disciplinares em tramitação nos Tribunais, salvo quando estivem presentes vícios insanáveis.

(...) (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001510-29.2010.2.00.0000 - Rel. Leomar Amorim - 105ª Sessão - j. 18/05/2010)

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. INGERÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA EM PROCEDIMENTO DISCIPLINAR REGULARMENTE INSTAURADO NO TRIBUNAL DE ORIGEM. EXCEPCIONALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DESCONSTITUIÇÃO DE DELIBERAÇÃO PROFERIDA NO BOJO DE CONTECIOSO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. É pacífico o entendimento deste Conselho de que, salvo em situações excepcionalíssimas, como a presença de vícios insanáveis ou diante de provas inequívocas da inexistência de justa causa, não deve interferir na condução de procedimentos administrativos disciplinares, regularmente instaurados nos Tribunais.

2. Não cabe ao Conselho Nacional de Justiça suspender ou desconstituir deliberações proferidas no bojo de contencioso judicial.” (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005963-04.2009.2.00.0000 - Rel. Milton Augusto de Brito Nobre - 97ª Sessão - j. 26/01/2010)

 

RECURSO ADMINISTRATIVO NO PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. AFASTAMENTO DO MAGISTRADO. PRORROGAÇÃO. INTERFERÊNCIA EM PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES INSTAURADOS NOS TRIBUNAIS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. É firme a orientação deste Conselho no sentido da não interferência na condução de procedimentos disciplinares regulamente instaurados nos Tribunais, salvo quando presentes vícios insanáveis.

2. Na via do PCA, a apreciação do mérito das imputações contra magistrados apenas é possível em situações de excepcionalidade, quando evidente a ausência de justa causa para o processo disciplinar.

(...) (PCA n. 0001856-43.2011.2.00.0000, Rel. Cons. Felipe Locke Cavalcanti. P, j. 21-06-2011)

 

 

No caso dos autos, o requerente trouxe cópia de decisão do Desembargador Kildare Gonçalves Carvalho (Id 4714278), na qual arguição de suspeição foi rejeitada liminarmente sob os seguintes fundamentos: (i) o excipiente não indicou qualquer das hipóteses legais de suspeição previstas no art. 145, do CPC; (ii) o acórdão que o condenou à pena de advertência – motivo principal apontado como fundamento para a apresentação da exceção de suspeição –, comporta interposição de recurso, não se mostrando, por essa razão, suficiente para configurar qualquer das hipóteses descritas no art. 145, do CPC e (iii) conforme já decidiu o STJ, o simples inconformismo da parte acerca da decisão que lhe foi desfavorável não rende ensejo à oposição de exceção de suspeição.

Os fundamentos utilizados pelo referido Desembargador decorrem de interpretação coerente e razoável do ordenamento jurídico, não sendo possível sustentar a existência de ilegalidade manifesta ou de teratologia na referida decisão.

De fato, o que se extrai da peça que veiculou a exceção de suspeição (Id 4713961) é que o requerente a fundamentou sobretudo no fato de o Desembargador Agostinho Gomes de Azevedo, acompanhado pelos demais exceptos, ter se afastado das provas dos autos ao levar em consideração procedimentos anteriormente arquivados como fundamento para a condenação.

Sem maiores esforços, percebe-se que se trata de alegação de suposto erro de julgamento (error in judicando), que não se confunde com as hipóteses taxativas de suspeição. Os erros de julgamento devem ser questionados pelas vias recursais apropriadas e, em último caso, em mediante Revisão Disciplinar (RevDis).

Destaco que o próprio STJ tem admitido a rejeição liminar de exceções de suspeição nos casos de improcedência manifesta. Confira-se:

 

AGRAVO REGIMENTAL. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. REJEIÇÃO LIMINAR.

I - A exceção de suspeição pode ser rejeitada liminarmente nos casos de improcedência manifesta (RISTJ, art. 277, § 1º).

II - Situação em que o excipiente não indicou, sequer minimamente, em qual das hipóteses de impedimento e suspeição taxativamente previstas nos arts. 252 e 254 do Código de Processo Penal a ministra relatora teria incorrido.

 III - Razões da exceção que, longe de apontar circunstância indicativa de suspeição, revelam mero inconformismo com o resultado do julgamento de recurso interposto pelo excipiente. Agravo regimental improvido.

(STJ - AgRg na ExSusp: 153 DF 2015/0298709-3, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 04/05/2016, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 20/05/2016)

 

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. USURA (ART. 4.º, ALÍNEA A DA LEI N.º 1.521/51). PLEITO PELO RECONHECIMENTO DE NULIDADE DECORRENTE DA PRETENSA SUSPEIÇÃO DO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL QUE ATUOU NO FEITO. INVERSÃO DO JULGADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUSPEIÇÃO. MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. REJEIÇÃO LIMINAR. POSSIBILIDADE. DECLARAÇÃO DE SUSPEIÇÃO DA MAGISTRADA. PEDIDO DE ANULAÇÃO DOS ATOS ANTERIORMENTE PRATICADOS. INSUBSISTENTE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

(...)

2. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem está em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, no sentido de que "dispõe o art. 100, § 2º, do Código de Processo Penal, que se a exceção de suspeição for de manifesta improcedência, o juiz ou relator a rejeitará liminarmente." (HC 183.122/ES, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe 06/03/2013).

3. A declaração de suspeição havida em consequência de motivos supervenientes, tal como ocorreu na hipótese dos autos, não acarreta a anulação dos atos antes praticados.

4. Agravo regimental desprovido.

(STJ - AgRg nos EDcl no AREsp: 1843389 PR 2021/0054512-8, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 10/08/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/08/2021)

 

Por fim, destaco que, diversamente do que argumenta o recorrente, o indeferimento liminar da exceção de suspeição, exatamente por dar-se de forma liminar, não exige a prévia oitiva dos exceptos.

É justamente esse o sentido da expressão “liminarmente”, constante do art. 100, § 2º, do Código de Processo Penal, o qual, em sua clareza, quer indicar que a decisão pode ser proferida de forma imediata, sem a necessidade de oitiva dos exceptos ou produção de provas. Confira-se:

 

Art. 100.  Não aceitando a suspeição, o juiz mandará autuar em apartado a petição, dará sua resposta dentro em três dias, podendo instruí-la e oferecer testemunhas, e, em seguida, determinará sejam os autos da exceção remetidos, dentro em 24 vinte e quatro horas, ao juiz ou tribunal a quem competir o julgamento.

(...)

§ 2o  Se a suspeição for de manifesta improcedência, o juiz ou relator a rejeitará liminarmente.

 

DIANTE DO EXPOSTO:

(i) determino o levantamento do sigilo deste PCA e dos PCAs n. 0002539-94.2022.2.00.0000, n. 0002081-77.2022.2.00.0000, n. 0009803-36.2020.2.00.0000 e n. 0004171-58.2022.2.00.0000;

(ii) nego provimento ao recurso administrativo.

 

É como voto.

Publique-se. Intimem-se. Após, arquivem-se os autos.

 

Brasília, 1º de setembro de 2023.

 

Conselheira Salise Sanchotene

Relatora