Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002907-74.2020.2.00.0000
Requerente: MARLON VINICIUS DE SOUZA BARCELLOS e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA ELETRÔNICO DE EXECUÇÃO UNIFICADO – SEEU. MIGRAÇÃO DO ACERVO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS. ATO NORMATIVO N. 10/2020. NECESSIDADE DE REAPRESENTAÇÃO DE PEDIDOS FORMULADOS FÍSICA E ELETRONICAMENTE NO REGIME DIFERENCIADO DE ATENDIMENTO DE URGÊNCIA – RDAU E NO PLANTÃO EXTRAORDINÁRIO ANTES DA IMPLANTAÇÃO EFETIVA DO SEEU. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE PETIÇÃO, VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO E DO IMPULSO OFICIAL E DESCONSIDERAÇÃO DO ATO JURÍDICO PERFEITO. NULIDADE.

I – A Resolução CNJ n. 280 dispôs que todos os processos de execução penal nos tribunais brasileiros deverão tramitar pelo Sistema Eletrônico de Execução Unificado – SEEU. 

II – No Estado do Rio de Janeiro, a adoção do SEEU, como sistema único, se deu a partir de 13 de abril de 2020, a teor do disposto no Ato Normativo n. 10/2020. 

III – Ao estabelecer a necessidade de reapresentação de pedidos formulados física e eletronicamente no Regime Diferenciado de Atendimento de Urgência – RDAU e no Plantão Extraordinário antes da implantação efetiva do SEEU, ocorrida no dia 13 de abril de 2020, o Ato Normativo n. 10/2020 impôs indevidas restrições ao exercício do direito de petição das pessoas privadas de liberdade no Estado do Rio de Janeiro.

IV – O arcabouço normativo preestabelecido, que disciplinou e embasou toda a atividade processual relacionada à execução penal no Estado do Rio de Janeiro desde o início do processo de transição do PROJUDI para o SEEU (período de 21.1.20 a 13.4.20), não poderia ser simplesmente desconsiderado.

V – Os atos processuais praticados em consonância com o arcabouço normativo vigente são atos jurídicos perfeitos, que, obrigatoriamente, deveriam ser apreciados.

VI – Os dispositivos impugnados restringem o direito de petição, violam os princípios da inafastabilidade da jurisdição e do impulso oficial e desconsideram o ato jurídico perfeito, devendo ser extirpados do mundo jurídico.

VII – Declaração de nulidade dos arts. 1º, § 2º, e 10, caput, ambos do Ato Normativo TJ n. 10/2020.

VIII – O pedido para que se determine a apreciação de todos os atos processuais de postulação de direitos de liberdade dirigidos à VEP/RJ, física ou eletronicamente, por meio do PROJUDI, RDAU e/ou Plantão Extraordinário não comporta conhecimento pelo Conselho Nacional de Justiça, haja vista sua natureza jurisdicional.

IX – Conhecimento parcial do pedido e, na parte conhecida, julgado procedente.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, conheceu parcialmente do pedido e, na parte conhecida, julgou procedente para declarar a nulidade dos arts. 1º, § 2º, e 10, caput, do Ato Normativo TJ n. 10/2020, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 30 de junho de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Marcio Luiz Freitas.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002907-74.2020.2.00.0000
Requerente: MARLON VINICIUS DE SOUZA BARCELLOS e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ


 

RELATÓRIO

 

Trata-se de PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO, com pedido liminar, formulado pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – TJRJ, por meio do qual impugna dispositivos insertos no Ato Normativo TJ n. 10/2020, o qual estabeleceu a plataforma Sistema Eletrônico de Execução Unificado – SEEU como único sistema de processamento de informações e da prática de atos processuais relativos à Execução Penal na Vara de Execuções Penais (VEP).

A Requerente alega, em síntese, que:

“(...)

De acordo com os § 2º, do art. 1º, e art. 10 e §§, do referenciado ato normativo, estabeleceu-se que os pedidos já efetivados no sistema antigo - PROJUDI - somente serão objeto de decisão judicial se REITERADOS, bem como TORNOU INEXISTENTES TODOS OS ATOS PROCESSUAIS PRATICADOS DURANTE O PERÍODO DE SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES DO JUÍZO DAS EXECUÇÕES QUE NÃO FORAM OBJETO DE ANÁLISE JUDICIAL POR MEIO FÍSICO OU POR MEIO ELETRÔNICO, REALIZADOS DURANTE O RDAU E O PLANTÃO EXTRAORDINÁRIO (...).

(...)

Portanto, numa penada monocrática e unilateral, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro despreza toda a atividade processual realizada pelas partes – Defensoria Pública, Advocacia e Ministério Público - durante o período o 78 dias, isto é, desde o início do processo de transição do PROJUDI para o SEEU – dia 21.01.20 – até o início de funcionamento da nova plataforma eletrônica (13.04.20), como se o desforço realizado fosse tido como fora do mundo dos fatos. A juízo do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, se os atos postulatórios não obtiveram decisão judicial, inexistentes são, como as ações procedimentais das partes somente tivessem validade se acarretassem em atos decisórios.

(...)

Assim, o ‘ATO NORMATIVO n.º 10/2020’, de responsabilidade exclusiva do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, simplesmente ignora todos os atos processuais e postulação já praticados e que estão, atualmente, juridicamente depositados perante o juízo da execução penal. Dito de outra forma: a validade jurídica das postulações regularmente apresentadas sob a vigência dos atos normativos anteriores, seja por meio físico, seja por meio eletrônico, restou sumariamente aniquilada pelo ‘ATO NORMATIVO n.º 10/2020’ caso não tenham obtido decisão judicial até o tardio e extemporâneo funcionamento da plataforma eletrônica SEEU.” (grifos no original) 

 

Assevera que o ato normativo impugnado agride, frontalmente, os princípios constitucionais da INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO, o DIREITO DE PETIÇÃO, o ATO JURÍDICO PERFEITO, A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO, além de afrontar os artigos 2º e 188 do CPC e 195 da LEP (grifos no original). 

Diante disso, requer a concessão de medida liminar para SUSTAR A VIGÊNCIA NORMATIVA do art. 1º, § 2º, e art. 10, caput, ambos do Ato Normativo TJ nº 10/2020” (...) com a correlata determinação de que todos os atos processuais de postulação de direitos de liberdade dirigidos à VEP/RJ através do PROJUDI, RDAU e/ou Plantão Extraordinário, física ou eletronicamente, sejam devidamente decididos, independentemente de estarem ou não hospedados no SEEU (grifos no original).

No mérito, pugna pela procedência do pedido formulado com a declaração de nulidade do ato contestado.

O procedimento foi, inicialmente distribuído à, então, Conselheira Flávia Pessoa, minha antecessora, e, em 14/4/2020, encaminhado à Presidência deste Conselho para análise de eventual prevenção (ID n. 3937771), em face da Certidão juntada pela Secretaria Processual (ID n. 3937846).

Sobreveio, em 20/5/2020, Decisão constante do ID n. 3966529 no sentido do não acolhimento da prevenção.

Dada a peculiaridade do tema e diante de todas as informações que instruem o presente procedimento, foi necessária oitiva prévia do Tribunal Requerido.

O TJRJ requereu o arquivamento liminar do feito seja: i) pela judicialização da matéria, haja vista a impetração, no Superior Tribunal de Justiça, do Habeas Corpus Coletivo n. 573.064/RJ, com idêntica demanda, no bojo do qual foi, inclusive, deferida medida liminar; ii) em razão da perda de objeto, uma vez que, “tendo sido completado o processo de migração dos requerimentos formulados durante o RDAU e o Plantão Extraordinário, é de se concluir que a situação fática que delineou a pretensão deduzida pela d. Defensoria Pública não mais subsiste, razão pela qual é de se julgar esvaziado o objeto deste Pedido de Providências (ID n. 3998722 – grifei).

Por conseguinte, determinou-se a intimação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro para que se manifestasse quanto ao interesse no prosseguimento do feito (ID n. 4001180). 

Em resposta, a Requerente esclareceu (ID n. 4013053):

i) neste procedimento “pretende obter provimento que declare a nulidade dos art. 1º, § 2º, e art. 10, caput, ambos do Ato Normativo TJ nº 10/2020, tendo sido formulado – embora ainda não apreciado – pedido de sustação provisória destes dispositivos. Já no bojo do HC nº 573064, ainda em curso perante o Superior Tribunal de Justiça, a pretensão formulada é totalmente diversa e foca-se na imposição de ordem mandamental de análise dos pedidos formulados antes da implantação do SEEU”;

ii) “não obstante o denominador comum esteja centrado nos mesmos dispositivos do Ato Normativo nº 01/10 e, eventualmente, a causa de pedir seja idêntica, os pedidos formulados neste procedimento e no HC nº 573064 são absolutamente díspares entre si – e, de resto, diferente não poderia ser em virtude dos limites de cognição do Conselho Nacional de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça –, denotando que são causas juridicamente distintas;

iii) o “Ato Normativo nº 10/20, expedido pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, decreta a inexistência jurídica de incontáveis pedidos os pedidos (sic) deduzidos fisicamente e de forma eletrônica no RDAU e Plantão Extraordinário” e, em razão disso, “pediu, além da sustação e declaração de nulidade do ato impugnado, que seja imposta a análise judicial de todos os atos processuais de postulação de direitos de liberdades dirigidos à VEP/RJ no período pretérito ao SEEU, independentemente de estarem ou não hospedados nesta plataforma”;

iv) “a afirmação que teria sido ‘completado o processo de migração dos requerimentos formulados durante o RDAU e o Plantão Extraordinário’, embora não contenda, sequer diretamente, com o objeto deste procedimento, não retrata fielmente a realidade”;

v) “diante da persistência da vigência normativa dos dispositivos do Ato Normativo nº 10/2020, não há que se falar em arquivamento liminar deste procedimento, seja porque não há identidade absoluta com o HC nº 573064, aforado no Superior Tribunal de Justiça, seja porque o ato impugnando continua produzindo efeitos negativos em desfavor das pessoas privadas de liberdade alojadas no parque prisional fluminense”.

Em 9 de julho de 2020, o pedido liminar foi indeferido por entender a, então, Relatora que os judiciosos argumentos apresentados pela Requerente denotavam a existência de plausibilidade jurídica da tese aventada, mas não havia real iminência de prejuízo, dano irreparável ou risco de perecimento do direito invocado, haja vista que o pedido liminar apresentado neste feito foi satisfeito pela decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça no bojo do HC n. 573.064/RJ (ID n. 4042351).

Na ocasião, determinou-se a intimação das partes para ciência e concedeu-se ao TJRJ prazo regimental para apresentar informações complementares, oportunidade em que deveria esclarecer se o Ato Normativo TJ n. 10/2020 ainda vigia e, em caso de alteração ou revogação, apresentar o ato modificador/revogador.

Em resposta, o Tribunal requerido informou:

“(...) não houve a revogação ou alteração formal do Ato Normativo n. 10/2020 após a liminar deferida no HC n. 573.064, que determinou a apreciação de todos os requerimentos de execução penal anteriores ao implemento da plataforma SEEU, ocorrida em 13 de abril de 2020.

No entanto, após cumprimento do mandamento pelo TJRJ, o artigo 1º, § 2º e o artigo 10 do Ato Normativo 10/2020 se tornaram completamente ineficazes, tendo em vista a natureza satisfativa da decisão judicial.

Isso porque os referidos dispositivos são atos normativos de efeitos concretos, que atingiam um número certo e determinado de requerimentos processuais, que são os pleitos formulados antes da implementação do SEEU e pendentes de apreciação.

Uma vez cumprida a determinação judicial, conforme procedimento informado anteriormente, trasladaram-se todos os requerimentos para a nova plataforma, independentemente de reiteração e, por conseguinte, restaram privados de todo e qualquer efeito os dispositivos impugnados.

A alegação da Defensoria Pública de que os processos judicial e administrativo tratam de questões díspares é correta, mas insuficiente para prolongamento deste feito porque temos, em verdade, questões diversas que guardam relação de prejudicialidade entre si.

Assim, é cediço que no Habeas Corpus tutela-se a liberdade do indivíduo, e que, neste, busca-se a anulação do ato administrativo, mas o ponto que merece enfoque é que, apesar de o Ato Normativo 10/2020 ter previsto inicialmente que os requerimentos anteriores ao SEEU deveriam ser reiterados, todos eles foram transferidos para a nova plataforma em cumprimento à ordem judicial. Mediatamente, portanto, a ordem concedida invalidou os atos administrativos.

Desse modo, se os requerimentos anteriores ao SEEU foram migrados, os formulados após o advento do SEEU são nativos da nova plataforma, é inócuo o provimento pretendido pela Requerente, pelo que se conclui no sentido da perda superveniente do objeto.

(...).” (ID n. 4072188 – grifos no original)

 

É o relatório.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0002907-74.2020.2.00.0000
Requerente: MARLON VINICIUS DE SOUZA BARCELLOS e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 

 

VOTO 

 

I – DA NULIDADE DOS ARTS. 1º, §2º, e 10, CAPUT, DO ATO NORMATIVO TJ N. 10/2020

Conforme relatado, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro acorre ao CNJ para ver anulados os arts. 1º, § 2º, e 10, caput, ambos do Ato Normativo TJ n. 10/2020, que dispõe sobre a implantação e utilização do Sistema Eletrônico de Execução Unificado – SEEU no Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro.

Busca, ainda, determinação para que todos os atos processuais de postulação de direitos de liberdade dirigidos à VEP/RJ através do PROJUDI, RDAU e/ou Plantão Extraordinário, física ou eletronicamente, sejam devidamente decididos, independentemente de estarem ou não hospedados no SEEU.

Para tanto, aduz que os dispositivos impugnados violam o princípio da inafastabilidade da jurisdição, o direito de petição e outros princípios constitucionais que estabelecem garantias processuais aos jurisdicionados, bem assim os arts. 2º e 188 do Código de Processo Civil, o art. 195 da Lei de Execução Penal – LEP e a Recomendação CNJ n. 62.

Em princípio, vale transcrever os dispositivos impugnados:

ATO NORMATIVO TJ n. 10/2020

Art. 1º. A partir de 13 de abril de 2020 o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) será o único sistema de processamento de informações e da prática de atos processuais relativos à Execução Penal na Vara de Execuções Penais (VEP) e Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Comarca da Capital, no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, respeitadas as diretrizes e requisitos da Lei nº. 11.419/2006.

(...)

§ 2º. Todas as manifestações processuais realizadas antes da data prevista no caput que não tenham sido objeto de decisão, deverão ser obrigatoriamente reiteradas no sistema SEEU.

(...)

Art. 10. Todos os requerimentos e incidentes de execução pendentes de decisão judicial até a data da publicação deste Ato deverão ser novamente formalizados no SEEU, ficando desconsiderados os realizados por meio físico, através do Regime Diferenciado de Atendimento de Urgência - RDAU, Plantão Extraordinário ou Ordinário.

(...).” (grifou-se)

 

Pois bem.

A Resolução CNJ n. 280, que estabelece diretrizes e parâmetros para o processamento da execução penal nos tribunais brasileiros por intermédio do Sistema Eletrônico de Execução Unificado – SEEU e dispõe sobre sua governança, fixou em seu art. 3º:

“Art. 3o A partir de 30 de junho de 2020, todos os processos de execução penal nos tribunais brasileiros deverão tramitar pelo SEEU. (Alterado pela Resolução nº 304, de 17.12.2019)” (grifei) 

 

Como se viu, no Estado do Rio de Janeiro, a adoção do SEEU, como sistema único, se deu a partir de 13 de abril de 2020.

Não obstante, em virtude da necessidade de migração dos feitos que estavam em curso, bem assim visando regulamentar o acesso à justiça e o direito de petição durante o período de vigência das medidas de restrição de circulação social em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus, o TJRJ editou inúmeros atos anteriores ao Ato Normativo n. 10/2020.

Nessa linha, destacam-se os Atos Normativos n. 1, 4 e 8; os Atos Normativos Conjuntos n. 5 e 6; e o Provimento CGJ n. 21, todos do ano de 2020.

O Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ n. 5/2020 disciplinou o denominado “Regime Diferenciado de Atendimento de Urgência – RDAU” e suspendeu os prazos processuais de processos físicos e eletrônicos no período compreendido entre os dias 17 e 31 de março, bem como suspendeu o atendimento presencial ao público no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro.

O Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ n. 6/2020 regulamentou o RDAU, disciplinando as medidas de urgência que seriam examinadas e a forma de peticionamento exclusivamente por meio eletrônico, admitindo-se a apresentação de petições físicas apenas em 3 (três) hipóteses.

Por sua vez, o Provimento CGJ n. 21/2020 estabeleceu que a Vara de Execuções Penais manteria atendimento, exclusivamente por e-mail, vedado o peticionamento, que se daria somente pelo RDAU ou Plantão Ordinário.

Em razão do deferimento de liminar no HC n. 568.851/RJ, em trâmite no Superior Tribunal de Justiça, que determinou ao TJRJ a inclusão, no RDAU, das matérias urgentes relacionadas à execução penal, implementando o sistema de recepção de petições eletrônicas para a Vara de Execuções Penais do Estado do Rio de Janeiro, o Tribunal requerido editou o Ato Normativo n. 8/2020.

O destacado Ato estabeleceu o Plantão Extraordinário no período de 1º a 30 de abril de 2020, delimitou quais requerimentos seriam considerados urgentes e, assim, passíveis de apreciação, e passou a admitir o peticionamento eletrônico à VEP/RJ.

Nesse contexto, é de se ver que havia um arcabouço normativo preestabelecido, que disciplinou e embasou toda a atividade processual relacionada à execução penal no Estado do Rio de Janeiro desde o início do processo de transição do PROJUDI para o SEEU (período de 21.1.20 a 13.4.20), e que não poderia ser simplesmente desconsiderado.

Com efeito, ao estabelecer a necessidade de reapresentação de pedidos formulados física e eletronicamente no RDAU e no Plantão Extraordinário antes da implantação efetiva do SEEU, ocorrida no dia 13 de abril de 2020, o Ato Normativo n. 10/2020 impôs indevidas restrições ao exercício do direito de petição das pessoas privadas de liberdade no Estado do Rio de Janeiro.

Os atos processuais praticados em consonância com o arcabouço normativo vigente – regular e legitimamente ajuizados no período de 78 (setenta e oito) dias – são atos jurídicos perfeitos, que, obrigatoriamente, deveriam ser apreciados.

A própria Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro revelou preocupação com a efetividade da prestação jurisdicional com a edição do Ato Normativo n. 10/2020:

“(...)

Em que pese caber exclusivamente à Presidência prestar a informação solicitada neste procedimento, diante da gravidade dos fatos noticiados, a hipótese é dar ciência à egrégia Presidência, para que sem prejuízo de prestar as informações que entender pertinentes, analise a possibilidade de adoção de providências urgentes para sanar os graves problemas de informática noticiados.

O fato é que por força dos Atos Normativos Presidenciais n. 01, 04 e 10 de 2020, que suspenderam o expediente na Vara de Execução Penal e que implantaram o SEEU, a instauração de processos de execução de sentença no Estado do Rio de Janeiro está suspensa desde 13 de janeiro de 2020, o que vem gerando um elevado número de reclamações, pela impossibilidade de processar os pedidos de benefícios e providências que, na forma da lei, devem tramitar perante a Vara de Execuções Penais.

Embora a gestão da tecnologia no Tribunal de Justiça seja de competência exclusiva da Presidência do Tribunal, que editou os referidos atos, diante dos efeitos no funcionamento da serventia de primeiro grau e de comunicações como a que deu origem a este processo, a hipótese é de opinar pelo encaminhamento deste processo à Presidência. Cabe reforçar a necessidade de providências de informática que permitam a imediata retomada de instauração de processos de execução penal, a partir das Cartas de Execução de Sentença extraídas e enviadas pelas diversas varas criminais de todo o Estado.

Cumpre salientar que apesar da notícia de que o sistema SEEU estaria operante na Vara de Execuções Penais, consta do Ato Normativo TJ nº 10/2020 que todas as medidas apresentadas anteriormente à implementação do SEEU, tanto pelo sistema PROJUD quanto pelo sistema DCP – milhares de pedidos – deveriam ser reapresentados pelas partes, advogados e defensores públicos (art.1º, §2º). Isso significa que os pedidos regularmente formulados pelas normas vigentes ao tempo poderão não ser apreciados com fundamento no Ato Presidencial, o que gera justa preocupação quanto à efetividade da prestação jurisdicional.

Ademais, especificamente com relação à instauração de procedimentos de execução penal unificados a partir das cartas de execução de sentença expedidas e enviadas pelas varas criminais, afigura-se urgente a integração e/ou serviço de migração para o SEEU.

A questão tem pertinência especialmente porque as varas criminais estão enviando a Carta de Execução de Sentença (CES) através do e-mail institucional, nos termos do art. 3º do Ato Normativo Presidencial n. 10/2020, todavia, a Vara de Execução Penal vem respondendo às serventias que não instaurará processo de execução penal com fundamento no art. 4º do mesmo Ato Normativo Presidencial n. 10/2020, pois ‘ainda não estaria liberado o envio de CES’ pelo sistema.

Considerando que a matéria é estritamente relacionada com o sistema de informática do Tribunal de Justiça e a atuação da Vara de Execução Penal depende diretamente do sistema informatizado, OPINO seja este processo encaminhado com urgência ao exame da Excelsa Presidência.” (ID n. 3938038, fl. 13/15 – grifei)

 

O reconhecimento da obrigatoriedade de apreciação dos atos processuais foi levado a efeito no HC n. 573.064/RJ, em trâmite do Superior Tribunal de Justiça, no bojo do qual foi deferida medida liminar para determinar ao TJRJ que fossem “analisadas, independentemente de reapresentação, as petições protocolizadas por meio do Regime Diferenciado de Atendimento de Urgência (RDAU) referentes aos incidentes em execução penal, as postulações eletrônicas realizadas no PROJUDI, Plantão Extraordinário, bem como as petições físicas anteriores ao implemento da nova plataforma SEEU, que se deu em 13/4/2020” (ID n. 3998723/3998724). 

Nesse cenário, assiste razão à Requerente.

Os dispositivos impugnados restringem o direito de petição, violam o princípio da inafastabilidade da jurisdição e desconsideram o ato jurídico perfeito, consagrados na Constituição da República:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

(...)

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”

 

Ofendem, ademais, o princípio do impulso oficial dos processos judiciais, a teor do Código de Processo Civil e da Lei de Execução Penal:

Código de Processo Civil

Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.

(...)

Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.”

 

Lei de Execução Penal

Art. 195. O procedimento judicial iniciar-se-á de ofício, a requerimento do Ministério Público, do interessado, de quem o represente, de seu cônjuge, parente ou descendente, mediante proposta do Conselho Penitenciário, ou, ainda, da autoridade administrativa.”

 

Ignoram, por fim, a Recomendação CNJ n. 62, que orienta os Tribunais e magistrados a adotar medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo e tem como uma de suas finalidades específicas a garantia da continuidade da prestação jurisdicional, observando-se os direitos e garantias individuais e o devido processo legal” (art. 1º, parágrafo único, III).

Nesse contexto, sem desprestigiar a presunção de legitimidade de que goza o Tribunal requerido, o qual afirma ter cumprido a decisão judicial proferida no HC n. 573.064/RJ, que determinou a apreciação de todos os requerimentos de execução penal anteriores ao implemento da plataforma SEEU, impõe-se concluir que os dispositivos impugnados são ilegais e devem ser extirpados do mundo jurídico.

Não basta o reconhecimento de ineficácia do Ato Normativo n. 10/2020 como pretende o TJRJ, haja vista que sua vigência pode conferir indevido amparo a eventuais situações ilegais que possam vir a ser constatadas.

Diante do exposto, declaro nulos os arts. 1º, § 2º, e 10, caput, ambos do Ato Normativo TJ n. 10/2020. 

 

II – DA NATUREZA JURISDICIONAL DO PEDIDO PARA APRECIAÇÃO DE TODOS OS ATOS PROCESSUAIS DE POSTULAÇÃO DE DIREITOS DE LIBERDADE DIRIGIDOS À VEP/RJ

A apreciação de todos os atos processuais de postulação de direitos de liberdade dirigidos à VEP/RJ, física ou eletronicamente, por meio do PROJUDI, RDAU e/ou Plantão Extraordinário não pode ser determinada no âmbito do Conselho Nacional de Justiça.

Note-se que a questão administrativa que decorre e gravita em torno da migração de acervo para o SEEU se insere na possibilidade de controle por este Conselho. Todavia, determinação que exorbite dessa atuação administrativa e invada esfera jurisdicional escapa às atribuições desta Casa Constitucional de Controle Administrativo do Poder Judiciário.

Não por outro motivo, idêntico pedido foi apresentado ao Superior Tribunal de Justiça por meio do HC n. 573.064/RJ, no bojo do qual, como visto, restou deferida medida liminar de natureza satisfativa.

Com esses registros, concluiu-se que, tratando-se de matéria de cunho jurisdicional, não cabe ao CNJ dela conhecer.

Ao Conselho compete, precipuamente, “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes", a teor do § 4º do Art. 103-B da Constituição Federal.

Com efeito, a competência fixada para este Conselho é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, pelo que não pode intervir no andamento de processo judicial, seja para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, seja para inibir o exercício regular dos órgãos investidos de jurisdição. Para reverter eventuais provimentos que considera incorretos, ilegais ou desfavoráveis aos seus interesses, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados.

Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente:

RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. AUSÊNCIA DE FATOS NOVOS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Na qualidade de órgão superior para controle da atividade administrativa do Poder Judiciário, não cabe a este Conselho se imiscuir em matéria jurisdicional, uma vez que ao CNJ foi atribuída a tarefa de realizar o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário.

2. Eventual pretensão de natureza disciplinar em face de membros do Poder Judiciário deve ser direcionada aos órgãos correcionais competentes, inclusive no próprio tribunal de origem.

3. Recurso que se conhece e nega provimento. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0008496-81.2019.2.00.0000 - Rel. ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO - 83ª Sessão Virtual - julgado em 30/03/2021)

 

Diante do exposto, não conheço do pedido.

 

III – CONCLUSÃO 

Ante o exposto, voto no sentido de conhecer apenas em parte do pedido e, na parte conhecida, julgá-lo procedente para declarar a nulidade dos arts. 1º, § 2º, e 10, caput, do Ato Normativo TJ n. 10/2020.

Intimem-se.

Após as providências de praxe, arquivem-se.

À Secretaria Processual para providências.

Brasília, data registrada no sistema.

 

 

GIOVANNI OLSSON

Conselheiro