Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0002468-92.2022.2.00.0000
Requerente: BENEDITO MUTRAN NETO
Requerido: FABIO PENEZI POVOA

 


 

EMENTA 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA ESTRITAMENTE JURISDICIONAL. FATOS QUE NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO DISCIPLINAR. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Não há nos autos indícios que demonstrem a prática de qualquer infração disciplinar ou falta funcional que possam ensejar a instauração de processo administrativo disciplinar.

2. Os argumentos desenvolvidos pelo reclamante demonstram insatisfação com o conteúdo de decisão proferida nos autos judiciais.

3. O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

4. Mesmo invocações de error in judicando e error in procedendo não se prestam a desencadear a atividade censória, salvo exceções pontualíssimas das quais se deduza, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica na espécie 

5. Recurso administrativo a que se nega provimento.

 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 12 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0002468-92.2022.2.00.0000
Requerente: BENEDITO MUTRAN NETO
Requerido: FABIO PENEZI POVOA


 

RELATÓRIO  

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA:  

Trata-se de recurso administrativo interposto por BENEDITO MUTRAN NETO contra a decisão que determinou o arquivamento da presente Reclamação Disciplinar formulada em desfavor do Magistrado FÁBIO PENEZI POVOA, Juiz de Direito da Vara de Cartas Precatórias Cíveis da Comarca de Belém/PA. 

O reclamante, ora recorrente, narrou que é sócio de uma empresa contra a qual o Banco Daycoval S.A. ajuizou uma ação de busca e apreensão de um veículo que havia sido alienado fiduciariamente ao banco como garantia de um empréstimo empresarial.

Nesse sentido, expôs que a busca e apreensão foi determinada nos autos do Processo nº 1113272-48.2020.8.26.0100, em trâmite perante a 8ª Vara Cível da Comarca de São Paulo. Assim, considerando que o requerente reside no município de Belém, foi expedida carta precatória para cumprimento da medida, sendo esta, por sua vez, distribuída à Vara de Cartas Precatórias Cíveis da Comarca de Belém/PA, sob o nº 0822374-14.2022.8.14.0301. 

Alegou que, nos autos da precatória, o magistrado teria proferido “ordem de arrombamento e autorizou o uso de força policial na diligência de busca e apreensão, como se a diligência fosse ser cumprida na residência de um meliante” (sic).

Aduziu que, “além de extrapolar os limites de sua atuação, a determinação do Juízo deprecado se deu sem que existissem elementos concretos que justificassem a violenta e excepcional medida”, uma vez que, no dia 25 de março de 2022, em tese, o “oficial de justiça encarregado da diligência, acompanhado por prepostos do banco e por policiais armados com metralhadoras, compareceram por volta das 7:30h da manhã [...] para dar cumprimento à busca e apreensão” (ID 4694490, p.3).

Por fim, reforçou que “a ordem de arrombamento e a autorização de força policial no caso concreto consistem em verdadeiro excesso, em medida abusiva e danosa à pessoa do jurisdicionado” e que teria impactado negativamente o ora reclamado e sua família (ID 4694490, p.6).

Requereu a apuração dos fatos narrados, a instauração do competente processo administrativo disciplinar para aplicação da penalidade cabível.

Foi determinado o arquivamento do presente expediente, com fundamento no art. 8º, I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (ID 4695742).

Inconformado, o reclamante interpôs recurso administrativo contra a decisão de arquivamento. Nas razões recursais, reforçou as alegações constantes da peça inicial, no sentido de que o magistrado teria violado o que dispõe o art. 35, I, da LOMAN, ao deferir a renovação da diligência de busca e apreensão do veículo, o uso de força policial e a ordem de arrombamento (ID 4721654). 

É o relatório.

Z12



 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0002468-92.2022.2.00.0000
Requerente: BENEDITO MUTRAN NETO
Requerido: FABIO PENEZI POVOA

 

 

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA: 

O recurso administrativo não merece provimento.

O recorrente insurge-se contra decisão de arquivamento, reafirma as teses expostas na inicial, afirmando que o magistrado 

[...] determinou, de forma desnecessária, constrangedora e intimidatória, o emprego de força policial, submetendo o Recorrente a uma situação vexatória e humilhante perante meus vizinhos, os funcionários do prédio onde resido e minha família. [...] A medida determinada pelo Recorrido, ademais, além de desnecessária, extrapolou os limites da decisão do MM. Juízo deprecante, confirmando seu matiz de arbitrariedade (ID 4721654, p.2). 

No entanto, em que pese o seu inconformismo, razão não assiste ao recorrente.

 A irresignação do reclamante encontra-se no uso de "força excessiva" durante o cumprimento de busca e apreensão de veículo que se encontrava no estacionamento do local onde reside com sua família, uma vez que, em tese, o magistrado teria proferido “ordem de arrombamento e autorizou o uso de força policial na diligência de busca e apreensão, como se a diligência fosse ser cumprida na residência de um meliante” (sic).

No entanto, da detida análise dos autos da Carta Precatória nº 0822374-14.2022.8.14.0301 acostada aos autos pelo próprio recorrente, extrai-se, num primeiro momento, a seguinte certidão subscrita por oficial de justiça, em 11 de março de 2022 (ID 4694494, p.15): 

Certifico que, em cumprimento ao respeitável Mandado extraído dos autos do Processo 0822374-14.2022.8.14.0301, diligenciei no (a) Rua Municipalidade, nº 1031, apto. 2000, Bairro Umarizal, nesta Capital e lá chegando, no dia 9/3/2022 às 15h11min, fui informado que o requerido Benedito Mutran Neto não estaria em casa. Em seguida diligenciei na Avenida Bernardo Sayão, nº4800, Bairro Guamá, besta Capital e lá chegando, às 16h17min, fui informado pela funcionária Josi que o requerido e sua secretária Marlene haviam saído para uma reunião e não mais retornavam naquele dia. Nesta ocasião deixei meu número para contato. No dia seguinte, 10/3/2022, o requerido manteve contato, informou que não estaria na cidade, entretanto poderia ser encontrado no endereço comercial do Guamá no dia seguinte. Assim, diligenciei novamente na presente data na sede da empresa BM Importação de Castanhas LTDA, também requerida, às 11h12min, ocasião em que procedi à citação pessoal do requerido Benedito Mutran Neto dos termos da ação proposta, bem como para pagar o débito no prazo de cinco dias e ainda para contestar a ação no prazo de quinze dias, tendo o mesmo recebido a contrafé e exarado o seu ciente no mandado. A respeito do veículo Volvo XC90 T6, 2018/2019, placas BMN 1231, o requerido declarou apenas que o mesmo não estaria em Belém. Certifico que tentei consultar os autos eletronicamente no PJE, para obter informações e contato do depositário, entretanto obtive a mensagem de que não havia permissão para acessar a página, possivelmente por tramitar em segredo de justiça. Por todo exposto, considerando que não localizei o veículo nos endereços indicados nem em qualquer via pública, devolvo o mandado para as providências necessárias ao seu fiel cumprimento. 

Assim, diante do teor da certidão acima mencionada, sobreveio decisão judicial do reclamado que limitou-se a deferir a “renovação da diligência de busca e apreensão do veículo”, “o uso de força policial” e a “ordem de arrombamento” (ID 4694494, p.21).

Neste ponto, importante consignar que, não cabe à Corregedoria Nacional regular a atuação jurisdicional de magistrados, ao passo que se verifica, in casu, que o magistrado agiu no legítimo exercício de sua função.

                      Não se ignora que, travestido de ato jurisdicional, poderia haver abuso de poder, desvio de finalidade ou busca/proteção de interesses escusos. Contudo, no caso em presença, não há indícios que sinalizem a prática de alguma dessas condutas indevidas.

Com efeito, o Conselho Nacional de Justiça, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das hipóteses presentes no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. Nesse sentido, vide o seguinte julgado:

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. 1. A análise dos fatos narrados neste expediente refere-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça. 2. Com efeito, a correção do alegado equívoco jurídico do magistrado, na condução do processo, deve ser requerida pela via jurisdicional. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. Arquivamento da reclamação disciplinar. (CNJ. Reclamação disciplinar nº 0005027-90.2020.2.00.0000, 77ª Sessão Virtual – Plenário. Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, j. 20/11/2020, v.u.). 

Mesmo invocações de error in judicando e error in procedendo não se prestam a desencadear a atividade censória, salvo exceções pontualíssimas das quais se deduza, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica na espécie.

Aliás, eventual divergência na interpretação ou aplicação da lei não torna o ato judicial, por si só, teratológico, muito menos justifica a intervenção correcional. À propósito:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. DESVIO DE CONDUTA. INEXISTENTE. ABUSO E TERATOLOGIA DAS DECISÕES JUDICIAIS. INSUFICIENTE. ERROR IN PROCEDENDO. JURISDICIONAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O liame objetivo entre ato jurisdicional e desvio funcional foi traçado tão somente em relação ao conteúdo de decisões judiciais e na subjetiva convicção de que são abusivas e teratológicas. 2. É necessário que se demonstre concretamente o ato abusivo do magistrado, ou seja uma falha de postura do julgador que se coadune a uma das infrações disciplinares tipificadas no Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN. 3. As invocações de erro de procedimento (error in procedendo) e erro de julgamento (error in judicando) impedem a atuação correcional, pois carregadas de conteúdo jurisdicional. 4. Recurso não provido (CNJ. Reclamação disciplinar nº 0000784-74.2018.2.00.0000, 275ª Sessão Ordinária – Plenário. Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, j. 07/08/2018, v.u.).

Dessa forma, deve ser mantida a decisão monocrática de arquivamento, considerando que não há elementos mínimos que demonstrem ter o magistrado descumprido seus deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.   

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

É como voto.

 

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Corregedora Nacional de Justiça 

Z12