Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0002134-87.2024.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - CGJRS
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


CONSULTA. CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. DESNECESSIDADE NAS HIPÓTESES DE LIBERAÇÃO PRÉVIA IMEDIATA.  

1.  Dúvida da Corregedoria sobre a necessidade de realização de audiência de custódia nos casos em que houver a liberação antecedente do custodiado em razão das hipóteses previstas no ordenamento jurídico.

2.  A audiência de custódia deve ser designada em todas as situações em que a pessoa permaneça sob a custódia estatal, porquanto visa aferir o controle de legalidade da prisão e o resguardo da integridade física e moral dos presos, buscando, assim, coibir a prática de torturas ou de tratamento desumano ou degradante. Precedente do E. STF.

3.  A realização da audiência de custódia deve ser dispensada quando, entre a sua designação e sua ocorrência, ocorrer uma das hipóteses nas quais o ordenamento jurídico autorize a imediata liberação do autuado.

4. A imediata liberação do autuado, em tais situações, não impede o controle da atividade policial, uma vez que há formas complementares para se verificar a ocorrência de eventual excesso no momento da prisão.

5.   Consulta respondida.   

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, respondeu a consulta no sentido de que as audiências de custódia devem ser realizadas em todas as modalidades de prisão, dispensando, no entanto, sua realização, nas hipóteses em que o ordenamento jurídico autorize a imediata liberação do autuado, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 21 de junho de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Guilherme Feliciano, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair e Daiane Nogueira de Lira. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fernando Bandeira de Mello e, em razão das vacâncias dos cargos, os Conselheiros representantes da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0002134-87.2024.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - CGJRS
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


RELATÓRIO


Trata-se de consulta proposta pela CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, na qual questiona “a necessidade de realização de audiência de custódia, no âmbito deste Tribunal de Justiça, nos casos em que houver a liberação antecedente do custodiado em razão das hipóteses previstas no ordenamento jurídico.”


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0002134-87.2024.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - CGJRS
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


2. VOTO 

O SENHOR CONSELHEIRO ALEXANDRE TEIXEIRA (RELATOR)

       

 

Trata-se de consulta proposta pela CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, na qual questiona “a necessidade de realização de audiência de custódia, no âmbito deste Tribunal de Justiça, nos casos em que houver a liberação antecedente do custodiado em razão das hipóteses previstas no ordenamento jurídico.”

Preliminarmente, no tocante à certidão de ID 5530892, constato que a matéria tratada no procedimento 0005409-15.2022.2.00.0000 (audiência de custódia nos casos em que a prisão ocorre em local diverso do juízo que a decretou) é diversa da proposta nesta Consulta, razão pela qual não há que se falar em prevenção.

No mérito, considero que a decisão proferida nos autos do Procedimento de Controle Administrativo 0000675-21.2022.2.00.0000 deve ser reproduzida neste feito, a fim de orientar todos os tribunais que eventualmente possuam as mesmas indagações.

Naquele PCA, concluiu-se que, de maneira distinta ao que ocorre quando o autuado permanece preso, nas hipóteses em que o ordenamento jurídico autorize a imediata liberação do autuado, não se mostra possível exigir a presença coercitiva perante a autoridade judicial daquele que não se encontra sob a custódia do Estado.

Registrou-se que a liberação imediata do autuado antes mesmo da realização da audiência de custódia não impedirá o controle da atividade policial, uma vez que haveria formas complementares para se verificar a ocorrência de eventual excesso no momento da prisão pela autoridade judicial:

(...) Além disso, ainda que haja hipótese de dificultar a fiscalização da possível violência policial em todos esses casos em que a pessoa é solta antes da apresentação à autoridade judicial, existem formas complementares de controle da atividade policial que não necessitam perpassar a entrevista da pessoa do custodiado, tais como: a análise do APF, do laudo cautelar e/ou de exame de corpo de delito com atenção aos pontos que configuram como indícios nos termos previstos pelo Protocolo II da Res. CNJ 213/2015 e da Res. CNJ n. 414/2021, ou até mesmo em outros momentos do processo, como na audiência de instrução. (...) (Id.4671040)

Esclareceu-se, também, que eventuais abusos ocorridos no momento da prisão, ou durante o período em que se esteve custodiado, sempre podem ser noticiados às autoridades competentes após a soltura.

Transcrevo as razões do acórdão plenário do PCA 675-21/2022, que se valem de parecer do DMF sobre a matéria e servem igualmente para fundamentar o presente voto, cujos termos são os seguintes:

É certo que, caso ocorra uma das hipóteses nas quais o ordenamento jurídico permite a liberação imediata do autuado (fiança arbitrada pela autoridade policial e paga durante a lavratura do auto de prisão em flagrante, pagamento imediato do débito alimentar previsto no mandado no caso de prisões civis, relaxamento de prisão manifestamente ilegal e fiança não paga, no contexto do HC Coletivo n. 568.693/ES), a pessoa deve ser imediatamente liberada, sob pena de ofensa às garantias constitucionais (artigo 5º, LXV e LXVI, da Constituição da República e artigo 304, § 1º, do Código de Processo Penal (CPP)).

Neste sentido, é a manifestação do DMF nos presentes autos:

(..) Nesse contexto, portanto, importa pontuar que o pagamento da fiança arbitrada pela autoridade policial e o pagamento de débito em caso de prisão civil por dívida alimentar, uma vez comprovados antes da ocorrência da audiência de custódia, são motivos suficientes para a liberação imediata da pessoa presa, mesmo que não tenha sido, ainda, realizada a audiência de custódia, tampouco a análise da legalidade da prisão por autoridade judicial. Isso porque a necessidade de verificação da ocorrência ou não da prática de tortura ou maus tratos não pode ser motivo para a manutenção indevida da privação da liberdade. Não pode a tutela da integridade física e psicológica da pessoa presa acarretar a constrição indevida de sua liberdade. Em sendo um direito, deve ser exercido imediatamente, pois manter alguém sob custódia para verificar tortura quando a custódia é, em si, um risco, gera a possibilidade de perpetrar os atos de maus tratos e tortura até a realização da audiência de custódia. (...) Assim, é fato que a realização da audiência de custódia é obrigatória em todas as modalidades de prisão, entretanto, nos casos acima citados, é também fato que a determinação de recolhimento à prisão para sua realização é ilegalidade que não pode ser admitida, por isso, a necessidade de liberação da pessoa presa e de designação a posterior de audiência por parte do Magistrado, para que, então, se cumpra outro dos objetivos da audiência de custódia, quais sejam eles: verificar a necessidade e legalidade da prisão e das práticas policiais por meio das condições dispensadas de detenção... (g.n)(Id.4671040) Não se mostra admissível a manutenção da custódia de pessoas após a ocorrência de situações nas quais o ordenamento jurídico autorize a sua imediata liberação até a realização de um ato processual que, entre outros objetivos, visa evitar o encarceramento desnecessário. No tocante à realização da audiência de custódia após a ocorrência das hipóteses descritas pela Requerente, opinou o DMF no sentido que o referido ato deve ser concretizado mesmo após a liberação do autuado, ainda que não esteja presente, ressaltando não ser possível, em tais casos, a sua condução coercitiva, senão vejamos: (...)Também se destaca o fato de que a liberação em razão do pagamento da fiança arbitrada deve ocorrer em paralelo à manifestação judicial na audiência de custódia acerca da legalidade da prisão, a qual deve ocorrer como fruto do papel de garantidor da autoridade judicial, mesmo ausente a pessoa custodiada por ter sido liberada anteriormente. Por outro lado, ressalte-se que nada obsta que a pessoa então liberada seja apresentada em momento posterior, para a audiência de custódia, para, especificamente, verificar a possível prática de tortura e até a redução da fiança. No entanto, ressalte-se, sem maiores ônus à pessoa custodiada, além de dever ser voluntária e sem a sua condução coercitiva. (g.n) 2 Conselho Nacional de Justiça Ao que pese tal entendimento, ocorrendo uma das hipóteses descritas pela Requerente, não me parece razoável que a realização da audiência de custódia seja mantida, mesmo após a liberação do autuado e independentemente da sua presença. Explico. Conforme já mencionado, a audiência de custódia deve ser realizada para que haja a apresentação da pessoa presa à autoridade judicial, a fim de verificar a legalidade da prisão, assim como a ocorrência, ou não, da prática de tortura ou maus tratos. Insta salientar que o artigo 310 do Código de Processo Penal (CPP), ao dispor sobre a audiência de custódia, prevê que o referido ato deve ser realizado com a presença da pessoa presa: Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) I - relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Segundo o E.STF, a presença da pessoa encarcerada na audiência de custódia, como direito público subjetivo, é obrigatória, senão vejamos:

E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO) NÃO REALIZADA – A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO) COMO DIREITO SUBJETIVO DA PESSOA SUBMETIDA A PRISÃO CAUTELAR – DIREITO FUNDAMENTAL ASSEGURADO PELA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (Artigo 7, n. 5) E PELO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS (Artigo 9, n. 3) – RECONHECIMENTO JURISDICIONAL, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 347-MC/DF, REL. MIN. MARCO AURÉLIO), DA IMPRESCINDIBILIDADE DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO) COMO EXPRESSÃO DO DEVER DO ESTADO BRASILEIRO DE CUMPRIR, FIELMENTE , OS COMPROMISSOS ASSUMIDOS NA ORDEM INTERNACIONAL – “PACTA SUNT SERVANDA”: CLÁUSULA GERAL DE OBSERVÂNCIA E EXECUÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS (CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS, Artigo 26) – PREVISÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO) NO ORDENAMENTO POSITIVO DOMÉSTICO (LEI Nº 13.964/2019 E RESOLUÇÃO CNJ Nº 213/2015) – INADMISSIBILIDADE DA NÃO REALIZAÇÃO DESSE ATO, RESSALVADA MOTIVAÇÃO IDÔNEA , SOB PENA DE TRÍPLICE RESPONSABILIDADE DO MAGISTRADO QUE DEIXAR DE PROMOVÊ-LO (CPP, art. 310, § 3º, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 13.964/2019) – “HABEAS CORPUS” CONCEDIDO DE OFÍCIO . – Toda pessoa que sofra prisão em flagrante – qualquer que tenha sido a motivação ou a natureza do ato criminoso, mesmo que se trate de delito hediondo – deve ser obrigatoriamente conduzida, 3 Conselho Nacional de Justiça “sem demora”, à presença da autoridade judiciária competente, para que esta, ouvindo o custodiado “sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão” e examinando, ainda, os aspectos de legalidade formal e material do auto de prisão em flagrante, possa ( a) relaxar a prisão, se constatar a ilegalidade do flagrante (CPP, art. 310, I), ( b) conceder liberdade provisória, se estiverem ausentes as situações referidas no art. 312 do Código de Processo Penal ou se incidirem, na espécie, quaisquer das excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal (CPP, art. 310, III), ou, ainda, (c) converter o flagrante em prisão preventiva, se presentes os requisitos dos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal (CPP, art. 310, II). – A audiência de custódia (ou de apresentação) – que deve ser obrigatoriamente realizada com a presença do custodiado, de seu Advogado constituído (ou membro da Defensoria Pública, se for o caso) e do representante do Ministério Público – constitui direito público subjetivo, de caráter fundamental, assegurado por convenções internacionais de direitos humanos a que o Estado brasileiro aderiu (Convenção Americana de Direitos Humanos, Artigo 7, n. 5, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos , Artigo 9, n. 3) e que já se acham incorporadas ao plano do direito positivo interno de nosso País (Decreto nº 678/92 e Decreto nº 592/92, respectivamente), não se revelando lícito ao Poder Público transgredir essa essencial prerrogativa instituída em favor daqueles que venham a sofrer privação cautelar de sua liberdade individual (...) (HC 188888, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 06/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-292 DIVULG 14-12-2020 PUBLIC 15-12-2020). (g.n)

 

Portanto, o plenário do CNJ já tem entendimento a respeito da questão proposta, cabendo a esta relatoria propor, simplesmente, a ampliação daquela decisão para todos os tribunais, a fim de padronizar os procedimentos adotados em relação às audiências de custódia.

Diante do exposto, respondo à consulta, esclarecendo que as audiências de custódia devem ser realizadas em todas as modalidades de prisão, dispensando, no entanto, sua realização, nas hipóteses em que o ordenamento jurídico autorize a imediata liberação do autuado.

É como voto.

Intimem-se os tribunais relacionados no art. 92, incisos II, III, V, VI e VII da CF/88.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro ALEXANDRE TEIXEIRA

Relator

 

 

GCAT/2