Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001859-75.2023.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: GIOVANNI ALFREDO DE OLIVEIRA JATUBA e outros

 


EMENTA

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TJAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCPLINAR. JUIZ DE DIREITO. INDICAÇÃO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA NO QUAL SABIA TRABALHAR O PRÓPRIO FILHO COMO ADVOGADO. CONCESSÃO DE LIMINAR EM PROVEITO DA PARTE A QUEM INDICOU O ADVOGADO. INOBSERVÂNCIA CLARA DA REGRA DE IMPEDIMENTO (CPC, ART. 144, III E § 3º). PENA DE ADVERTÊNCIA. INADEQUAÇÃO. HIPÓTESE DE DECISÃO CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS E AOS PARÂMETROS NORMATIVOS VIGENTES. GRADAÇÃO CORRETA DA SANÇÃO. CONHECIMENTO E PROCEDÊNCIA DO PEDIDO REVISIONAL. APLICAÇÃO DA PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA.

1. A Revisão Disciplinar (RevDis) admite conhecimento sempre que cumprido o prazo constitucional para sua propositura e indicada, em tese, uma das hipóteses previstas no art. 83 do RICNJ.

2. No julgamento de RevDis, deve-se deliberar sob o enfoque das estritas hipóteses de cabimento.

3. Pedido revisional fundado no art. 83, I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ), uma vez que a decisão objeto da revisão foi proferida em flagrante dissociação da evidência dos autos e da legislação de regência.

4. Acórdão do TJAL que aplicou pena de advertência a magistrado que comparecera a um encontro “a sós”’ com pessoa interessada na prolação de decisão judicial em seu favor, para em seguida atuar no processo judicial em que deveria ter se dado por manifestamente impedido e conceder liminar em proveito da sociedade empresária autora, a quem indicou o escritório que tinha no seu quadro de advogados o próprio filho.

5. artigo 144, inciso III e § 3º, do Código de Processo Civil, cuja higidez e compatibilidde com a Constituição Federal estão preservadas, apesar da ADI 5953/DF, prescreve, com rara clareza, o impedimento do magistrado em processos em que postula como advogado seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo quando o mandadto é conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente uma dessas condições e não intervenha diretamente no processo, fato agravado, no caso concreto, pela indicação consciente do escritório que o magistrado sabia ter o próprio filho no quadro de advogados

6. Manifestação do Ministério Público Federal pela procedência da RevDis com aplicação da pena de aposentadoria compulsória ao magistrado.

7. Revisão Disciplinar conhecida e julgada procedente. Aplicação da pena de aposentadoria compulsória.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, determinou a modificação da pena fixada pelo TJAL, aplicando a sanção de aposentadoria compulsória ao magistrado, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Conselheiro Luis Felipe Salomão. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 2 de abril de 2024. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran Machado Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentou oralmente o Subprocurador-Geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001859-75.2023.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: GIOVANNI ALFREDO DE OLIVEIRA JATUBA e outros


RELATÓRIO

 

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, de ofício, instaurou Revisão Disciplinar (RevDis), oriunda do Pedido de Providências (PP) n. 0002712-55.2021.2.00.0000 (Id 5070673), instaurado de acordo com a Portaria CNJ n. 34 de 13.9.2016, a fim de cumprir o disposto nos artigos 9º, § 3º; 14, §§ 4º e 6º; 20, § 4º; e 28 da Resolução CNJ n. 135, de 13.7.2011, devido à comunicação da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Alagoas à Corregedoria Nacional de Justiça sobre o Processo Administrativo Disciplinar n. 0000140-80.2020.8.02.0073, instaurado contra o juiz de direito GIOVANNI ALFREDO DE OLIVEIRA JATUBÁ.

Em síntese, o procedimento se originou do envio de documentação pelo Ministério Público Estadual, decorrente da menção do nome do magistrado, por dois investigadores, na operação “Senhor do Sol” - investigação deflagrada para apuração de crimes de sonegação tributária e fraudes fiscais, em que seriam apuradas supostas irregularidades praticadas especialmente na condução do Processo n. 0705490-24.2018.8.02.0058.

O Corregedor-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (TJAL) entendeu pela necessidade de instauração de procedimento administrativo disciplinar (PADMag), com afastamento cautelar, em desfavor do magistrado, devido à aparente violação às disposições contidas nos artigos 1º, 8º, 12, 24 e 37 da Resolução nº 60/2008 do Conselho Nacional de Justiça e no artigo 35, incisos I e VIII, da LOMAN, para fins de apuração de prática de infração funcional por violação ao princípio da moralidade administrativa, da imparcialidade, da transparência, da prudência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e decoro, acarretando o provável descumprimento de seus deveres funcionais na condução do Processo Judicial nº 0705490-24.2018.8.02.0058 (Id 5070685).

A composição plenária do TJAL acolheu a proposta e determinou a instauração do PADMag, com afastamento preventivo do magistrado, por meio da Portaria PAD nº 4, de 1º de junho de 2021, publicada no Dje no dia 7 de junho de 2021, delimitando o teor da acusação à aparente violação às disposições contidas nos artigos 1º, 8º, 24 e 37 da Resolução nº 60/2008 do CNJ e artigo 35, incisos I e VIII, da LOMAN (Id 5070652).

Ao final da apuração, não obstante o voto do Relator Desembargador Orlando Rocha Filho pela improcedência (Id 5070626) e o voto divergente do Desembargador Fábio José Bittencourt Araújo pela aplicação da pena de censura (Id 5070627); o TJAL apenou o magistrado, por maioria, com advertência, nos termos do voto do Desembargador José Carlos Malta Marques, em acórdão prolatado, em 14.6.2022, com a seguinte ementa (Id 5070629):

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO COM A FINALIDADE DE APURAR FALTA FUNCIONAL COMETIDA POR MAGISTRADO. ALEGAÇÃO DE QUE O JULGADOR INDICOU ESCRITÓRIO JURÍDICO DO QUAL FAZ PARTE SEU DESCENDENTE IMEDIATO (FILHO) PARA ASSUMIR CAUSA A SER JULGADA PELO PRÓPRIO JUIZ. PRESENÇA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS SUFICIENTES PARA CONFIRMAR O FATO INICIALMENTE REPORTADO A ESTA CORTE DE JUSTIÇA. CONSTATADA A QUEBRA DE IMPARCIALIDADE DO JULGADOR. OFENSA AO ART. 35, INCISO VIII, DA LC 35/79, ART. 1º, CAPUT, DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL E ART. 144, INCISO III E § 3º, DO CPC/15. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA DIANTE DA AUSÊNCIA DE PUNIÇÃO ANTERIOR DE ADVERTÊNCIA POR CONTA DE NEGLIGÊNCIA FUNCIONAL. IMPOSTA A PENA DE ADVERTÊNCIA, NA FORMA DO ART. 43 DA LEI COMPLEMENTAR 35/79 (LOMAN). PROCEDÊNCIA. 

Em 17.8.2022, a então Ministra Corregedora Maria Thereza Rocha de Assis Moura, considerando a possibilidade de instauração da revisão de ofício, determinou a notificação da Presidência do TJAL para promover a intimação pessoal do Juiz GIOVANNI ALFREDO DE OLIVEIRA JATUBÁ, a fim de apresentar defesa prévia no prazo de 15 (quinze) dias (Id 5070619).

Intimado (Id 5070616), o magistrado apresentou a sua defesa salientando, em síntese, que: a) não há prova dos fatos ilícitos narrados no acórdão da corregedoria local; b) houve diversas contradições entre as testemunhas ouvidas no PAD; c) não ficou demonstrado que o requerido tenha proferido decisões liminares em troca de vantagem pecuniária; d) a decisão que exarou no processo 0705490-24.2018.8.02.0058 está devidamente fundamentada, baseada em seu livre convencimento motivado; e, e) alternativamente, deve-se manter a sanção de advertência, já aplicada na origem (Id 5070460).

Em 16/3/2023, no julgamento do Pedido de Providências (PP) n. 0002712-55.2021.2.00.0000, a Corregedoria Nacional de Justiça propôs ao Plenário a instauração da presente Revisão Disciplinar, o que foi acolhido, por unanimidade, em acórdão que recebeu a seguinte ementa (Id 5070453):

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 28 DA RESOLUÇÃO 135/CNJ. REVISÃO DE PROCESSO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO DE OFÍCIO, SEM AFASTAMENTO CAUTELAR DO MAGISTRADO. JUIZ DE DIREITO. INDICAÇÃO DE ADVOGADO QUE ATUAVA NO ESCRITÓRIO DO PRÓPRIO FILHO. CONDUÇÃO DE POSTERIOR PROCESSO E DECISÃO EM FAVOR DA PARTE A QUEM SE INDICOU ADVOGADO. VIOLAÇÃO A IMPEDIMENTO LEGAL. PENA DE ADVERTÊNCIA. APLICAÇÃO INADEQUADA. BUSCA PELA ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DA PENALIDADE APLICADA. REVISÃO DISCIPLINAR INSTAURADA DE OFÍCIO.

1. A jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça admite a instauração de revisão de processo disciplinar, quando, da análise das informações prestadas pelo órgão correcional local, constata-se que a sanção aplicada é inadequada ao contexto fático-probatório ventilado nos autos.

2. A pena de advertência deverá ser aplicada reservadamente, por escrito, no caso de negligência no cumprimento dos deveres do cargo.

3. A aplicação da pena de advertência é aparentemente insuficiente e desproporcional em relação à gravidade do fato apurado nos autos, em que o requerido indicou advogado pertencente ao escritório jurídico do qual fazia parte seu filho, despachou no processo e deferiu pedido de liminar à sociedade empresária autora, quando manifestamente impedido.

4. Quando a conduta do magistrado indicar o descumprimento de deveres intransponíveis impostos aos magistrados e um indevido favoritismo na sua decisão, a gerar uma repercussão extremamente negativa à imagem do Poder Judiciário e uma inegável perda da confiança dos jurisdicionados na sua atuação, deve-se verificar a adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao caso.

5. Conclusão pela necessidade de instauração, de ofício, da revisão de processo disciplinar, sem afastamento cautelar do magistrado, fundada no art. 83, inciso I, do RICNJ, para verificação da adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao juiz requerido, nos termos dos arts. 82 e 86 do RICNJ.

(CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0002712-55.2021.2.00.0000 - Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO - 3ª Sessão Virtual de 2023 - julgado em 10/03/2023).

Os autos vieram a este gabinete por livre distribuição (Id 5071091).

O Ministério Público Federal – MPF e o magistrado foram intimados para apresentarem razões finais, tendo em vista não haver necessidade de novas diligências, tendo sido instruído os autos com cópia integral do PAD nº 0000140-80.2020.8.02.0073, conforme previsto no artigo 85, §§ 1º e 2º do RICNJ (Id 5072195).

No Id 5098191, o MPF apresenta razões finais em que pugna pela procedência do pedido de revisão disciplinar para aplicação da sanção de aposentadoria compulsória, porquanto as condutas praticadas pelo magistrado “não correspondem a uma mera omissão ou a uma negligência pontual no cumprimento de suas atribuições funcionais, a desafiar a imposição da pena de advertência. Ao revés, restou demonstrada a manifesta violação dos seus deveres funcionais, na medida em que o magistrado indicou à empresa R.I. Comércio de Alimentos LTDA. advogado pertencente ao escritório jurídico do qual fazia parte o seu filho, para atuação nos autos da Ação Ordinária nº 0705490-24.2018.8.02.0058 e, posteriormente, despachou nos mesmos autos, bem como deferiu pedido de liminar à sociedade empresária autora, no sentido de anular os efeitos do ato administrativo que classificou sua inscrição junto à CACEAL INATIVO, determinando, por conseguinte, a imediata liberação de mercadoria apreendida”.

O magistrado, por sua vez, nas suas razões finais (Id 5113297), sustenta que: a) os fatos contra si imputados não teriam sido comprovados, senão pela oitiva de testemunhas que figuraram como rés em processos criminais; b) a narrativa construída a partir dos testemunhos supostamente contraditórios teriam se mostrado inverossímil; c) o testemunho do Promotor de Justiça Kleber Valadares somente teria comprovado que as investigações do GAESF não produziram qualquer prova contra o magistrado; d) o MP/AL não teria comprovado a existência da propriedade de uma fazenda no Estado de Pernambuco; e) o testemunho de Daniela Rose Ferreira Oliveira teria sido contraditório em relação ao relatório fornecido inicialmente pelo MP/AL; f) o MP/AL não teria apresentado as gravações das oitivas realizadas pelo GAESF; g) segundo o testemunho de Ivanildo de Almeida Rodrigues a empresa beneficiada com a decisão pagaria uma propina equivalente a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), valor exorbitante com relação ao proveito da carga de mercadorias liberada com a liminar; h) o objeto do PAD seria a apuração da prolação de liminares pelo magistrado em troca de vantagem pecuniária, o que não teria sido comprovado; e i) a decisão liminar concedida pelo magistrado foi devidamente fundamentada, conforme seu livre convencimento.

Por fim, pugna pela improcedência do procedimento revisional, para que seja mantido o acórdão prolatado pelo TJAL.

 É o relatório, passo ao voto.


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001859-75.2023.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: GIOVANNI ALFREDO DE OLIVEIRA JATUBA e outros

 


VOTO

 

A presente Revisão Disciplinar – RevDis foi proposta, de ofício, pelo e. Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luís Felipe Salomão , diante da comunicação da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Alagoas acerca do resultado do Processo Administrativo Disciplinar n. 0000140-80.2020.8.02.0073, que impôs pena de advertência contra o Juiz de Direito GIOVANNI ALFREDO DE OLIVEIRA JATUBÁ (decisão de Id 5070454 - artigo 103-B, § 4º, inciso V, da CRFB).

Dada a gravidade dos fatos apurados na origem e a possível desproporcionalidade da pena imposta, a proposta foi acolhida, por unanimidade, pelo Plenário do CNJ, para verificação da necessidade de modificar a penalidade aplicada ao magistrado, relativamente à conduta consistente em indicar advogado pertencente ao escritório jurídico do qual fazia parte o filho, e, posteriormente, despachar nos mesmos autos e deferir pedido de liminar à sociedade empresária autora, para quem havia indicado escritório de advocacia para patrocinar essa mesma causa.

Em 14.6.2022, ocorreu o julgamento pela procedência do referido PAD no TJAL, com aplicação da pena de advertência. 

Considerando a proposição desta Revisão Disciplinar, em 17.8.2022, aprovada na Sessão Plenária do CNJ realizada em 16.3.2023 (Id. 5070453), foi atendido o requisito temporal trazido no artigo 103-B, § 4°, V, da CF c/c artigo 82, RICNJ[1].

Ademais, a Corregedoria Nacional de Justiça demonstra estar configurada a hipótese prevista no artigo 83, I, do RICNJ, quanto à contrariedade à evidência dos autos, os textos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e do Código de Ética da Magistratura Nacional com a sanção aplicada ao magistrado pelo TJAL.

Desse modo, verificado o cumprimento do prazo constitucional para a proposição da RevDis e à indicação, em tese, do atendimento de uma ou mais hipóteses de admissibilidade previstas no artigo 83 do RICNJ, conheço da presente Revisão Disciplinar 

O Plenário do CNJ delimitou o âmbito de apreciação da revisão em comento à desproporcionaidade da sanção imposta, tida por insuficiente diante do contexto fático-probatório apresentado, nos seguintes termos:

 

(...)

3. A aplicação da pena de advertência é aparentemente insuficiente e desproporcional em relação à gravidade do fato apurado nos autos, em que o requerido indicou advogado pertencente ao escritório jurídico do qual fazia parte seu filho, despachou no processo e deferiu pedido de liminar à sociedade empresária autora, quando manifestamente impedido.

4. Quando a conduta do magistrado indicar o descumprimento de deveres intransponíveis impostos aos magistrados e um indevido favoritismo na sua decisão, a gerar uma repercussão extremamente negativa à imagem do Poder Judiciário e uma inegável perda da confiança dos jurisdicionados na sua atuação, deve-se verificar a adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao caso.

5. Conclusão pela necessidade de instauração, de ofício, da revisão de processo disciplinar, sem afastamento cautelar do magistrado, fundada no art. 83, inciso I, do RICNJ, para verificação da adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao juiz requerido, nos termos dos arts. 82 e 86 do RICNJ.

 

Nesse contexto, a pena de advertência, entendida pelo TJAL como suficiente e adequada para punir a conduta do magistrado, revelou-se demasiadamente branda, porque o juiz, manifestamente impedido, nos termos do artigo 144, inc. III e § 3º, do Código de Processo Civil, indicou advogado pertencente ao escritório de advocacia do qual fazia parte o seu filho e, posteriormente, rececebeu o processo e deferiu o pedido de liminar de interesse da sociedade empresária patrocinada pelo causídico por ele próprio indicado.

Neste caso, as condutas ensejadoras da condenação disciplinar devem, pois, ser apreciadas sob a perspectiva, unicamente, da potencialidade de agravamento da pena imposta.

Essa pretensão punitiva encontra respaldo no ordenamento jurídico, assim como reconhecido pela jurisprudência do e. Supremo Tribunal Federal (STF):

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. REVISÃO DISCIPLINAR INSTAURADA POR REPRESENTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EXAME DA GRAVIDADE DA CONDUTA. AGRAVAMENTO DA PENA. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TEMPESTIVIDADE DA INICIATIVA. PRESENÇA DOS REQUISITOS REGIMENTAIS DE CABIMENTO DA REVISÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. UTILIZAÇÃO DE PROVA EMPRESTADA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA INCIDENTE SOBRE TERCEIRO INVESTIGADO. NOTÍCIA DE IRREGULARIDADE NA CONDUTA DE AUTORIDADE PÚBLICA. ADMISSIBILIDADE. DECISÃO IMPUGNADA LASTREADA NO EXAME PORMENORIZADO DOS FATOS E DAS PROVAS, CUJO REEXAME NÃO PODE SE DAR NA VIA DO MANDADO DE SEGURANÇA. ORDEM DE SEGURANÇA DENEGADA.

(MS 30364, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 17/03/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 16-04-2020 PUBLIC 17-04-2020) 

A inadequação e a desproporcionalidade da pena de advertência aplicada ao magistrado processado pelas condutas consideradas como temerárias e incompatíveis com os valores da magistratura deve ser aferida em face dos seguintes fato incontroversos apurados na origem:

i) O processado se encontrou, em um “shake” (loja da Herbalife), com o senhor Ivanildo de Almeida Rodrigues e com Verlei Fernandes, sócio da sociedade empresária R. I. Comércio de Alimentos Ltda. e, na ocasião, indicou advogado, para atuar no Processo nº 0705490-24.2018.8.02.0058, que tramitou perante o Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Arapiraca/Fazenda Pública então de sua titularidade ;

ii) O escritório jurídico a que pertencia o advogado indicado contava sabidamente, no quadro de advogados, com o filho do magistrado Antônio Alfredo Vilela Jatubá;

iii) O processado, ainda assim, não só assumiu o feito como deferiu liminar em proveito da referida empresa; e

iv) Houve celeridade na prolação da decisão concessiva de liminar (menos de 24h), que, posteriormente, em sede de sentença, em 1º/12/2019, foi revogada pelo magistrado Carlos Bruno de Oliveira Ramos, que reconheceu a ilegitimidade passiva do Estado de Alagoas em relação ao procedimento de liberação da mercadoria, bem assim julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade do ato administrativo que culminou no cancelamento da inscrição da empresa no cadastro de contribuintes do ICMS do Estado (Id 5070627)[2]. 

 Eis a transcrição das partes do voto condutor do acórdão prolatado no PADMag objeto desta RevDis que demonstram a prática dos ilícitos disciplinares processados nesta RevDis:

[...]

19. No mérito, destaco que o ponto controverso deste procedimento administrativo diz respeito à análise da possível falta disciplinar cometida pelo Magistrado, ora requerido, contra os valores ético-profissionais da Magistratura, na condução da Ação Ordinária n.° 0705490-24.2018.8.02.0058, que tem, como parte Autora, a empresa R. I. Comércio de Alimentos Ltda. Isso porque, o julgador, ao deferir um pedido liminar, no sentido de liberar mercadoria perecível em favor da demandante, teria incorrido em ilícito, pois, previamente, indicou para advogado da causa, um escritório jurídico, do qual sabia fazer parte, seu filho Antônio Alfredo Vilela Jatubá

20. Pois bem. Em que pese o entendimento exposto pelo então Relator Des. Orlando Rocha Filho, filio-me à interpretação dos fatos feita pelo Eminente Des. Fábio José Bittencourt Araújo, no sentido de que os elementos probatórios presentes nos autos indicam a conduta temerária e contrária aos valores da Magistratura, que o ora requerido empreendeu. 

21. Digo assim, porque a testemunha Ivanildo de Almeida Rodrigues afirmou que apresentou o requerido ao sócio da referida demandante, oportunidade em que o Magistrado indicou o escritório jurídico onde seu filho mantinha vínculo, para a referida banca de advogados assumir uma causa, que, posteriormente, veio a ser julgada pelo ora representado. Tal fato foi confirmado pela advogada Daniela Rose Ferreira Oliveira, que teria sido informada que o Magistrado facilitaria a liberação de mercadorias apreendidas, o que veio a ser corroborado pelos Promotores de Justiça Kleber Valadares Coelho Júnior e Guilherme Diamantares de Figueiredo. O próprio requerido, em seu interrogatório, aduziu ter indicado seu filho a Ivanildo, para tratar da demanda a ele apresentada informalmente, enquanto foi apresentado ao sócio da demandante em um "shake" (Loja da Herbalife). Por fim, a celeridade no andamento do processo e na emissão do decisum concessivo da liminar também registrou indícios que confirmam a quebra de parcialidade do representado. 

22. Nesse sentido, se encontra o esclarecedor voto emitido pelo Eminente Desembargador Fábio José Bittencourt Araújo, pelo que transcrevo e acompanho, neste particular, na íntegra. Veja-se: 

[...] Compulsando os autos da ação ordinária n.° 0705490-24.2018.8.02.0058, constata-se que o seu protocolo ocorreu em 30/08/2018 às 22h37min. Em 31/08/2018, às 09h20 min, o Magistrado proferiu despacho determinando que fossem recolhidas as custas processuais, sob pena de indeferimento da exordial. As 10h32min, a parte autora colacionou aos autos a GRJ devidamente paga às 11:30h, do mesmo dia 31/08/2018, foi liberada nos autos a decisão interlocutória deferindo a liminar [...] 

10. Ademais, quando ouvido neste procedimento disciplinar, a testemunha Ivanildo de Almeida Rodrigues explicou que intermediou o encontro do Sr. Verlei (sócio da empresa RI. Comércio de Alimentos Ltda) com o ora requerido, através do primo deste, Sr. Miguel. Afirma que, juntamente com o Sr. Verlei teria encontrado com o Magistrado em um "shake" (Loja da Herbalife), ocasião em que o Dr. Giovanni teria indicado o escritório do Sr. Agnes e do Dr. AntônioInformou que, à época o Magistrado, não teria informado que o Dr. Antônio era seu filho e só soube dessa informação posteriormente.

11. No mais, consignou que teria sido informado pelo Miguel que o valor da operação junto ao escritório de advocacia do filho do Magistrado requerido foi de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

12. Quando ouvida no presente procedimento, a Dra. Daniela Rose Ferreira Oliveira (advogada) confirmou seu depoimento perante o órgão do Ministério Público (GAESF), atestando não ter sofrido qualquer tipo de ameaça. Alegou que só teve contato com o Dr. Agnes, que não conhece o Dr. Antônio e que manteve contato via whatsapp com o Dr. Agnes.

13. A testemunha confirmou o depoimento de Jl. 9.835/9,836 no sentido de que teria sido informada de que o Magistrado requerido iria facilitar a liberação das mercadorias apreendidas.

14. Ainda, os promotores que atuaram no caso perante o GAESF, Dr. Kleber Valadares Coelho Júnior e Dr. Guilherme Diamantaras de Figueiredo, corroboraram depoimentos anteriores.

15. O Magistrado requerido, quando ouvido em juízo, confirmou parcialmente a informação, dizendo que encontrou o Sr. Ivanildo "no meio de uma sala com vinte pessoas tomando 'shake', eu disse: procure meu filho". Alegou ainda que teria sido feita uma confusão e "jogaram no seu colo" tudo isso.

16. Nesse diapasão, tem-se que o fato de um Juiz de Direito ter aceitado esse encontro em um "shake" na cidade de Arapiraca e, ainda, conversado "a sós" com uma pessoa interessada na prolação de uma decisão em seu favor, indicando o escritório do seu filho, por si só, corresponde a uma conduta nitidamente incompatível com os deveres dos Magistrados.

[...] 19. Portanto, constato a existência de elementos que indicam o descumprimento de seus deveres funcionais, agindo em descompasso com os princípios da imparcialidade, impessoalidade, legalidade, transparência, prudência, integridade profissional e pessoal, dignidade da honra e do decoro na condução dos processos judiciais n.° 0705490-24.2018.8.02.0058 e 0707314-18.2018.8,02.0058, com fulcro nos arts. 1°,8°,24 e 37 da Resolução n° 60/2008 do Conselho Nacional de Justiça; art. 35, incisos I, e VIIL da LOMAN. [...] (Trecho do voto divergente de fls. 10.146-10.153)

23. Também do relatório emitido pelo então Relator Des. Orlando Rocha Filho, é possível extrair elementos probatórios relevantes, que denotam a postura incompatível do ora requerido com os valores da Magistratura. Veja-se:

[...] O Sr. Ivanildo de Almeida Rodrigues relatou, em seu depoimento, que teve contato com o Magistrado através do Sr. Miguel, na ocasião o referido Magistrado teria indicado o escritório do advogado Agnes Cavalcante da Silva, para resolver sua demanda processual, e que somente ficou sabendo que o advogado Antônio, filho do Magistrado, era "sócio" do advogado Agnes Cavalcante da Silva, por meio do Sr. Miguel (cf mídia da audiência, à fl. 10047). Na sequência, foi ouvido o Promotor Kleber Valadares Coelho Júnior, na qualidade de testemunha, o qual declarou que o advogado Agnes seria um sócio informal do filho do Magistrado, Antônio Alfredo Vilela Jatubá; que a Sra. Daniela Rose mencionou que Miguel também seria outra pessoa ligada ao filho do Magistrado para esses esquemas; que foi mencionado que o Magistrado teria uma fazenda na cidade de Bom Conselho/PE. aonde seriam feitos os acertos com o advogado Miguel e o filho do Magistrado; que em uma das mensagens entre Daniela e Agnes, este último mencionava Bom Conselho e que esperava "certidão de casamento" ficar pronta; que a "certidão de casamento" seria uma decisão favorável no que diz respeito à liberação de carga; que, salvo engano, Daniela mencionou que apesar do valor pactuado ter sido de RS 120.000,00, o valor efetivamente pago foi de R$ 60.000,00 para a liberação das carretas de milho, (cf mídia da audiência).

Por sua vez a advogada do Magistrado Requerido questionou ao Promotor Kleber Valadares Coelho Júnior se ele teve acesso a alguma prova de fato que comprometa o Magistrado pelo pagamento de propina a ele ou a terceiro vinculado a ele. A testemunha afirmou que em termos de prova objetiva o que nós verificamos como elemento sinalizador eram várias conversas da Daniella com o Agnes a partir de 1" de março de 2019, conversas nas quais era ajustado entre a Daniela e o Agnes a respeito de uma sociedade que eles fariam e que seria, segundo a Daniela, referente a liberação de carga, pagamento de propina (cf. mídia da audiência).

Em seguida, deu-se início ao testemunho do Promotor Guilherme Diamantaras de Figueiredo, que, inquirido pelo representante do Ministério Público, relatou, no que concerne especificamente os fatos em tese ligados direta ou indiretamente a Dr. Giovanni, recorda-se de duas situações; que a primeira seria relacionada a uma medicamentos (...) em que um dos sócios supostamente pagava propina a uma assessora do Dr. Giovanni (...) outro Jato, no decorrer da oitiva de Daniela, (...) um caminhão que teria sido apreendido com algumas mercadorias e, por meio de Daniela e em contato com dois advogados salvo engano um deles filho do Dr. Giovanni, buscava-se intermediar direcionamento favorável do Mandado de Segurança, esses são os fatos que basicamente me recordo. (...) Quando chegamos à informação do possível envolvimento de um Juiz de Direito, conversamos a respeito, eu e os integrantes do MP que oficiavam no GAESP. para remeter à PGJ. (cf mídia da audiência).

(Trecho do relatório do voto vencido, fls. 10.163-10.184, grifo nosso)

24. Ora, a conduta do Magistrado de indicar um escritório jurídico, sabidamente vinculado a um descendente imediato - seu filho, no caso - para assumir uma causa, que, logo após, veio a ser julgada pelo requerido, figurou como uma postura incompatível com a imparcialidade, prudência, integridade, dignidade, honra e decoro que se espera de um membro do Poder Judiciário, notadamente de um Juiz de Direito, conforme se depreende do art. 35, inciso VIII, da LC n° 135/79 e art. 1º  do Código de Ética da Magistratura Nacional. [...]

25. Não é demais frisar que o requerido estava impedido para assumir a referida causa, conforme se extrai do art. 144, inciso III, § 3º, do CPC/15. Logo, como atuou na demanda, inclusive, deferindo pedido em favor da autora, incorreu em quebra de imparcialidade. [...]

26. Acresça-se que, conforme vaticinado pelo Desembargador Tutmés Airan de Albuquerque Melo, durante os debates da sessão administrativa, não há quebra de imparcialidade, em princípio, no fato de o Magistrado, ao ser consultado sobre a indicação de um profissional da advocacia, indicar eventual patrono para assumir uma causa. No entanto, no caso específico dos autos, o Magistrado não só indicou a banca de advogados para determinada empresa contratar para proposição de uma demanda, como o próprio requerido julgou o litígio, deferindo uma liminar que gerou proveito à sociedade empresária e, por consequência, para os advogados que a representaram, dentre eles seu filho, ainda que o mesmo não tenha figurado diretamente no feito. 

27. De toda sorte, apesar de configurado o ilícito administrativo, reputo que a pena adequada ao caso não é a censura, porquanto esta somente tem cabimento nos casos de reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo, de modo que, como não há notícia de anterior aplicação de advertência em desfavor do Magistrado em apuração, por conta de negligência do representado, o mais prudente a fazer, com fincas no princípio da legalidade e da razoabilidade, e aplicar em detrimento do requerido a pena de advertência, conforme intepretação sistemática dos arts. 43 e 44, da Lei Complementar n° 35/79. [...] (g.n.) 

São graves as afirmações da testemunha Ivanildo de Almeida Rodrigues de que promovera o encontro do senhor Verlei Fernandes (sócio da empresa R.I. Comércio de Alimentos Ltda.) com o magistrado requerido, por intermédio do primo deste, senhor Miguel Ângelo da Silva, em uma loja da Herbalife, na cidade de Arapiraca, ocasião em que o magistrado indicou o escritório com o qual o seu filho mantinha vínculo, para resolver demanda processual que, mais tarde, veio a ser por ele julgada em proveito da mencionada empresa, com a concessão de liminar “no sentido de anular os efeitos do ato administrativo que classificou a inscrição da autora junto à CACEAL INATIVO, determinando, por conseguinte, a imediata liberação da mercadoria” (Id 5070627).

De fato, nas declarações prestadas à Corregedoria do TJAL, em 2/1/2020, Ivanildo narrou (Id 5070687):

[...] QUE [...] carretas desta empresa, denominada RI foram apreendidas, quando VERLEI procurou o declarante e este falou com SANDRO; QUE SANDRO encaminhou o declarante e VERLEI para a pessoa de MIGUEL, que é primo do juiz GEOVANNE; QUE o declarante e MIGUEL se encontraram com GEOVANNE num shake em Arapiraca no bairro Eldorado, quando GEOVANNE recomendou que eles procurassem seu filho, de nome ANTÔNIO, que é Advogado; QUE o declarante e MIGUEL foram ao escritório de ANTÔNIO, onde estava presente também do Advogado AGNES, que foi apresentado como sócio de ANTÔNIO, além do declarante e MIGUEL; QUE após explicarem o problema, ANTÔNIO lhe disse que cuidaria deste seria AGNES, seu sócio, porque ele como filho do juiz não poderia participar; QUE feita essa ponte entre VERLEI, ANTÔNIO e AGNES, o declarante não mais participou do processo; QUE posteriormente soube que as carretas foram liberadas pelo juiz GEOVANNE, bem como habilitada a empresa RI; QUE posteriormente MIGUEL disse ao declarante que o valor acertado fora de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) [...]; QUE sabe informar que GEOVANNE foi padrinho do casamento de SANDRO, QUE sabe informar que LUCIANO ROLIM e seu pai WILSON ROLIM, donos da empresa ROLIM, de Arapiraca são primos de GEOVANNE e que este empresa termina sempre sendo beneficiada com as decisões de GEOVANNE [...];

Esses fatos são confirmados pelo depoimento da advogada Daniela Rose Ferreira Oliveira, que foi informada de que o magistrado facilitaria a liberação de mercadorias apreendidas, e, também, corroborados pelos Promotores de Justiça Kleber Valadares Coelho Júnior e Guilherme Diamantares de Figueiredo.

O próprio processado, no seu interrogatório, assumiu ter indicado o filho a Ivanildo para tratar da demanda a ele apresentada informalmente, enquanto foi apresentado ao sócio da demandante em um shake, consoante consta do voto condutor do acórdão (Id 5070629).

Soma-se a tudo isso a rapidez na tramitação da ação referenciada, que, em menos de 24h, contou com os seguintes andamentos: 1) protocolo em 30/8/2018, às 22h37min (Id 5070688, pg. 71); 2) despacho em 31/8/2018, às 9h20min, para recolhimento das custas processuais, sob pena de indeferimento da exordial (Id 5070689, pg. 28); 3) GRJ devidamente paga pela parte autora juntada em 31/8/2018, às 10h32min (Id 5070689, pg. 30); e 4) decisão concessora de liminar, às 11h30min do mesmo dia 31/8/2018 (Id 5070689, pg. 36).

Em 1º/12/2019, o juiz de direito Carlos Bruno de Oliveira Ramos prolatou a sentença em que revogou a decisão concedida pelo requerido e, ao reconhecer a ilegitimidade passiva ao pedido de liberação da mercadoria, julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade do ato administrativo que culminou no cancelamento da inscrição da empresa no cadastro de contribuintes do ICMS do Estado de Alagoas (CACEAL), resolvendo o mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Registra-se, ainda, que o PADMag teve origem na menção do nome do magistrado em processo criminal, no bojo da denominada “Operação Senhor do Sol”, em que os investigados teriam apontado o magistrado como atuante em esquema de sonegação fiscal, mediante o recebimento de vantagem indevida para a concessão de liminares, sendo o pagamento efetuado por meio do escritório jurídico onde seu filho atuava como advogado (Id 5070688).

Não obstante a alegação da defesa de que tais fatos não teriam sido comprovados, senão pela oitiva de testemunhas que figuraram como rés nos processos criminais ajuizados a partir da Operação Senhor do Sol, há de se ver que o próprio magistrado, no seu interrogatório, confirmou ter indicado o escritório de advocacia do qual seu filho faz parte e, ainda assim, posteriormente, despachado nos autos e deferido a medida liminar que beneficiou a sociedade empresária.

O voto condutor do acórdão do TJAL que apenou o magistrado por violação do artigo 35, VIII, da Lei Complementar nº 35/1979[3] e artigo 1º do Código de Ética da Magistratura Nacional, pautou-se em que as condutadas subsumidas nos tipos disciplinares configuraram postura incompatível com a imparcialidade, prudência, integridade, dignidade, honra e decoro que se espera de um membro do Poder Judiciário.

A Lei Complementar nº 35/1979, em seu artigo 43, dispõe que a “pena de advertência aplicar-se-á reservadamente, por escrito, no caso de negligência no cumprimento dos deveres do cargo”.

Segundo o voto condutor do acórdão, “apesar de configurado o ilícito administrativo, reputo que a pena adequada ao caso não é a censura, porquanto esta somente tem cabimento nos casos de reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo, de modo que, como não há notícia de anterior aplicação de advertência em desfavor do Magistrado em apuração, por conta de negligência do representado, o mais prudente a fazer, com fincas no princípio da legalidade e da razoabilidade, é aplicar em detrimento do requerido a pena de advertência (...)”.

O Desembargador Fábio José Bittencourt Araújo apresentou voto divergente, entendendo violados os artigos 1º, 8º, 24 e 37 do Código de Ética da Magistratura e o artigo 35, I, VIII da LOMAN, pela aplicação da pena de censura, mas seu posicionamento ficou vencido.

No entanto, diante dos fatos apurados e comprovados no procedimento disciplinar perante o TJAL, não me parece ser que a pena de advertência seja a mais adequada diante das faltas praticadas pelo magistrado.

Com efeito, é inadmissível que um magistrado aceite e compareça a encontro “a sós”’ com pessoa interessada na prolação de decisão judicial em seu favor, notadamente com o fito de indicar o escritório do seu filho para atuar em processo judicial que ele próprio iria julgar.

Essa conduta, por si só, é nitidamente incompatível com os deveres dos magistrados de independência, imparcialidade, transparência, prudência, integridade profissional e pessoal, dignidade, honra e decoro, bem como pesa severamente sobre a credibilidade de todo o Poder Judiciário.

Os profundos impactos que a conduta do magistrado processado acarreta sobre a percepção da sociedade em relação à credibilidade, à legitimidade e à respeitabilidade do Poder Judiciário rompem gravemente o compromisso do membro da Magistratura brasileira com valores fundamentais, internacionalmente reconhecidos, que devem ser osbservados pelos juízes brasileiros, a exemplo da independência, imparcialidade, integridade, idoneidade e igualdade no tratamento das partes de um processo judicial. 

Percebe-se que a hipótese de impedimento em questão não se confunde com aquela que foi objeto da declaração de inconstitucionalidade pelo STF, no julgamento da ADI 5953/DF, a saber, o inciso VIII do artigo 144 do CPC, segundo o qual a regra de impedimento se estendia às hipóteses em que o cliente do escritório de advocacia do parente figurasse como parte, "mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório".

No caso, o artigo 144, inciso III e § 3º, do Código de Processo Civil, cuja higidez e compatibilidde com a Constituição Federal estão preservadas, prescreve, com rara clareza, o impedimento do magistrado, fato aqui agravado pela indicação consciente do escritório que sabia ter seu filho no quadro de advogados, in verbis:

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

(...)

III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

(...)

§ 3º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo. 

Verifica-se, portanto, na esfera administrativo-disciplinar, a presença de provas reveladoras da conduta funcional violadora dos deveres funcionais previstos nos artigos 35, incisos I e VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional; e 1º, 2º, 8º e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

Por conseguinte, na gradação das sanções, deve ser observado o princípio da proporcionalidade, considerando “a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais” (Lei 8.112/1990, art. 128).

De fato, está assentado na jurisprudência do CNJ que “a pena de censura deverá ser aplicada em casos de reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo ou quando adotado procedimento incorreto, ressalvada a possibilidade de punição mais severa quando a gravidade do ato praticado o exigir” (CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0007864-55.2019.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 90ª Sessão Virtual - julgado em 13/08/2021).

Esclarecido isso, quanto à dosimetria da pena, os artigos 4º a 7º da Resolução CNJ nº 135/2011 dispõem o seguinte:

Art. 4º O magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo, está sujeito à pena de advertência. A reiteração e nos casos de procedimento incorreto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave.

Art. 5º O magistrado de qualquer grau poderá ser removido compulsoriamente, por interesse público, do órgão em que atue para outro.

Art. 6º O magistrado será posto em disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, ou, se não for vitalício, demitido por interesse público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória.

(...)

Art. 7º O magistrado será aposentado compulsoriamente, por interesse público, quando:

I - mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres;

II - proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;

III - demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar comportamento funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário.  

No presente caso, assiste razão ao Ministério Público Federal quando afirma que as condutas praticadas pelo magistrado não correspondem a uma mera omissão ou a uma negligência pontual no cumprimento de suas atribuições funcionais, a desafiar a imposição da pena de advertência. “Ao revés, restou demonstrada a manifesta violação dos seus deveres funcionais, na medida em que o magistrado indicou à empresa R.I. Comércio de Alimentos LTDA. advogado pertencente ao escritório jurídico do qual fazia parte o seu filho, para atuação nos autos da Ação Ordinária nº 0705490-24.2018.8.02.0058 e, posteriormente, despachou nos mesmos autos, bem como deferiu pedido de liminar à sociedade empresária autora, no sentido de anular os efeitos do ato administrativo que classificou sua inscrição junto à CACEAL INATIVO, determinando, por conseguinte, a imediata liberação de mercadoria apreendida”.

Também não se mostra adequada a aplicação da pena de censura diante do manifesto e grave descumprimento dos deveres previstos no artigo 35, inciso VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e no art. 1º, caput, do Código de Ética da Magistratura Nacional, bem como ao art. 144, inciso III, § 3º, do Código de Processo Civil.

As infrações não se amoldam às possibilidades de aplicação da penalidade de remoção compulsória, uma vez que se mostraria inegavelmente ineficaz diante de que a falta do magistrado não está relacionada com o lugar de exercício funcional do magistrado. Como destacado pelo MPF, “a remoção compulsória apenas deslocaria o problema de lugar, eis que demonstrado distanciamento dos atributos da integridade e do decoro, essenciais ao exercício da jurisdição”, não fazendo desaparecer, agora ao meu entender, o descrédito que a sua presença na Magistratura traria para o Poder Judiciário.

Os atos praticados pelo requerido caracterizaram séria afronta aos princípios da independência, imparcialidade, transparência, prudência, integridade profissional e pessoal, dignidade, honra e decoro, além de ensejarem abalo à imagem e à credibilidade do Poder Judiciário.

Evidencia-se o desrespeito do juiz pelas regras de conduta minimamente exigidas da magistratura e pelos princípios caros ao Estado Democrático de Direito antes relacionados, avultando, por conseguinte, a sua permanente incompatibilidade com o exercício da jurisdição.

Se a cominação da pena de aposentadoria compulsória constitui medida necessária e adequada à espécie, porque atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de observância obrigatória em especial no âmbito dos processos disciplinares envolvendo membros da Magistratura, concluo que o acórdão do TJAL foi contrário à evidência dos autos e à legislação aplicável, de forma que merece reforma, com o agravamento da pena e a aplicação daposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, com fulcro no artigo 83, inciso I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ) c/c artigo 7º, II, da Resolução CNJ nº 135/2011. 

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, reputo que a decisão proferida pelo TJAL no Processo Administrativo Disciplinar n. 0000140-80.2020.8.02.0073 deve ser modificada, uma vez que contrária à evidência dos autos e aos parâmetros normativos vigentes, conforme o estabelecido no artigo 83, inciso I, do RICNJ.

Forte nestas razões, na forma do artigo 88 do RICNJ, JULGO PROCEDENTE A REVDIS e determino a modificação da pena fixada pelo TJAL, aplicando a sanção de aposentadoria compulsória ao juiz GIOVANNI ALFREDO DE OLIVEIRA JATUBA.

É como voto.



[1] Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:

(...)

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

V rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano

 

Art. 82 RICNJ. Art. 82. Poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão.

[2] Sentença disponível em: <https://www2.tjal.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=1M0002JVW0000&processo.f>

[3]  Art. 35 - São deveres do magistrado:

  VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

 

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.