Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ATO NORMATIVO - 0001769-33.2024.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 

ATO NORMATIVO. EXTENSÃO DA EFETIVIDADE DA POLÍTICA DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DE MAGISTRADOS E SERVIDORES. PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DAS RESOLUÇÕES CNJ N.º 293/2019 e 343/2020. PROCEDÊNCIA. ATO APROVADO.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, aprovou a Resolução, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 10 de maio de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

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RELATÓRIO

 

Trata-se de procedimento ATO NORMATIVO, autuado com o propósito de submeter ao Plenário deste Conselho proposta de alteração das Resoluções CNJ n.º 293/2019 e 343/2020.

A proposição foi aprovada no âmbito do Comitê Gestor Nacional de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e de Servidores do Poder Judiciário (ID n. 5508059).

Nos termos do art. 2º da Portaria 6, de 19 de janeiro de 2016, atualizada, o Comitê Gestor possui atualmente a seguinte composição[1]:

I – Giovanni Olsson, Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, que o coordenará;

II – Guilherme Augusto Caputo Bastos, Conselheiro do CNJ, que substituirá o coordenador em suas ausências e impedimentos;

III – Rebeca de Mendonça Lima, Juíza Auxiliar da Presidência do CNJ;

IV – Sebastiao Geraldo de Oliveira, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, nos termos do inciso III do art. 10 da Resolução CNJ no 207/2015;

V – Raecler Baldresca, Juíza do Tribunal Regional Federal da 3ª Região;

VI – Iracy Ribeiro Mangueira Marques, Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe;

VII – Flávia Moreira Guimarães Pessoa, Juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região;

VIII - Denise Gomes da Silva, Secretária de Serviços Integrados de Saúde do Supremo Tribunal Federal;

IX – Cledson Reis Silva, Médico do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do inciso IV do art. 10 da Resolução CNJ n. 207/2015;

X – Esterlina Santa de Araujo, Médica do Tribunal Superior do Trabalho, nos termos do inciso IV do art. 10 da Resolução CNJ no 207/2015;

XI – Guilherme Guimarães Feliciano, Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região;

XII – Otávio Henrique Martins Port, Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça.

Parágrafo único. O Comitê poderá contar com o auxílio de autoridades ou especialistas de entidades públicas e privadas, com atuação em área correlata. (redação dada pela Portaria nº 202, de 6.10.2020)

 

Os ajustes propostos visam, em síntese, i) aperfeiçoar e complementar a Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados(as) e Servidores(as), especialmente no âmbito da saúde mental; ii) regulamentar condições especiais de trabalho a magistrados(as) e servidores(as) com adoecimento mental; iii) garantir o acompanhamento, a inclusão e a valorização de Magistrados(as) com deficiência e em afastamento por condição de saúde.

É o necessário a relatar.



[1] Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2240>. Acesso em 15/4/2024.


 

Conselho Nacional de Justiça

 

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VOTO

 

O CONSELHEIRO GIOVANNI OLSSON (Relator):

A presente proposta resulta da necessidade de se conferir maior efetividade à Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores.

A partir de dados colhidos pelo Comitê Gestor Nacional de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e de Servidores do Poder Judiciário, verificou-se a imprescindibilidade de aperfeiçoamento do arcabouço normativo que concretiza a mencionada Política, especialmente no âmbito da saúde mental e da proteção integral a pessoa com deficiência.

Com efeito, extrai-se do procedimento autuado para o monitoramento do programa de assistência à saúde suplementar para magistrados e servidores do Poder Judiciário[1] que os afastamentos de magistrados para tratamento de transtornos mentais e comportamentais (CID F) são expressivos, o que revela a necessidade de ações concretas para o trato de delicado tema.

O Relatório “Estrutura das Unidades e dos Serviços de Saúde nos Tribunais”, de 2023[2], corrobora a evidência:

[...]

Foi analisado, ainda, o percentual da distribuição dos grupos de doenças entre os(as) magistrados(as) e servidores(as). Chama atenção o fato de que a saúde mental é a 4ª maior causa entre magistrados(as) e a 5ª maior entre servidores(as). Ainda sobre a saúde mental, quando analisadas as cinco doenças mais frequentes nas causas de afastamento, é possível perceber que entre as magistradas e as servidoras, os transtornos ansiosos ocupam o 3º lugar. Já, entre os magistrados, essa condição ocupa a 4ª posição, e a 6ª entre os servidores. (grifo nosso)

 

Nesse cenário é que se centra a proposta de alteração das Resoluções CNJ n.º 293/2019 e 343/2020, cujos específicos fundamentos se passam a detalhar. 

 

I – DAS ALTERAÇÕES A SEREM PROMOVIDAS NA RESOLUÇÃO CNJ N.º 343/2020

A Resolução CNJ n.º 343/2020 instituiu condições especiais de trabalho para magistrados(as) e servidores(as) com deficiência, necessidades especiais ou doença grave ou que sejam pais ou responsáveis por dependentes nessa mesma condição.

Desde sua edição, a mencionada Resolução passou por ajustes e modificações. Colhe-se do histórico que a instituição de condições especiais de trabalho para pessoas com deficiência se insere na Política pública de inclusão para a proteção de seus direitos, em conformidade com o estabelecido na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil com status de Emenda Constitucional no ano de 2008[3].

Vale registrar que a deficiência é um contexto em evolução que resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras relativas às atitudes e ao meio ambiente que impedem a sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Assim, o Ato resolutivo teve como um de seus pilares a vulnerabilidade das pessoas com deficiência, necessidades especiais ou doença grave e a imprescindibilidade de especiais cuidados para que possam desenvolver suas capacidades e aptidões para o exercício de seus direitos e liberdades fundamentais, inerentes à cidadania.

Nesse contexto, imperioso avançar ainda mais e adequar a Resolução CNJ n.º 343/2020 ao atual cenário apurado no âmbito do destacado Comitê Gestor, de modo a admitir expressamente a concessão de condições especiais de trabalho nas hipóteses de adoecimento mental, devidamente comprovado por laudo de junta médica do Tribunal, desde que exista prévia autorização do interessado e que este se submeta ao acompanhamento continuado pela equipe multidisciplinar de saúde e ao tratamento prescrito. 

A proposta, portanto, é de incluir o art. 1º-B no texto da Resolução CNJ n.º 343/2020, na forma do Anexo.

 

II – DAS ALTERAÇÕES A SEREM PROMOVIDAS NA RESOLUÇÃO CNJ N.º 293/2019

A Resolução CNJ n.º 293/2019, que dispõe sobre as férias da magistratura nacional, foi editada em razão da “necessidade de estabelecimento de parâmetros para o exercício do direito às férias dos membros da Magistratura Nacional, com a finalidade de uniformização da matéria e a fim de propiciar melhor gestão da prestação jurisdicional pelos Tribunais (grifo nosso).[4]

Não obstante a pretensão de uniformizar a matéria e estabelecer parâmetros para o exercício do direito às férias dos membros da Magistratura Nacional, dispôs em seu art. 2º:

Art. 2º Compete aos Tribunais Superiores, ao Conselho da Justiça Federal, ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho, aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Militares a regulamentação relativa à escala, à marcação, ao gozo, à alteração, à interrupção e à indenização das férias, bem como a outros assuntos correlatos, respeitadas as disposições da Constituição Federal, da Lei Complementar nº 35/79 e das Resoluções deste Conselho. (grifo nosso) 

 

Na prática, o que se verifica é que não há uniformidade nas regras editadas por Tribunais e Conselhos, e muitas delas restringem o direito fundamental ao pleno gozo das férias.

Nessa toada, a presente proposta visa aperfeiçoar a matéria, contemplando avanços para resguardar esse importante direito social, consagrado na Constituição Federal[5], e que tem por objetivo a preservação da saúde, o restabelecimento físico e psíquico, e o retorno do trabalhador ao serviço em melhores condições.

Assim, faz-se mister, inicialmente, apresentar como o tema vem sendo enfrentado na jurisprudência desta Casa.

No julgamento da Consulta n. 0001391-68.2010.2.00.0000, realizado na 11ª Sessão Virtual, em 26/4/2016, o CNJ assentou a obrigatoriedade de suspensão das férias de magistrados(as) em razão da superveniência de licença para tratamento da própria saúde. Vale transcrever a Ementa do Acórdão e excerto do Voto vencedor:

CONSULTA. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO. SUSPENSÃO DE FÉRIAS DE MAGISTRADO EM RAZÃO DE LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE. POSSIBILIDADE.

1. A natureza jurídica das férias, conforme doutrina e jurisprudência, é de direito público voltado à disciplina da medicina e segurança do trabalho e, portanto, irrenunciável.

2. O art. 80 da Lei 8.112/90, aplicável analogicamente à magistratura na ausência de regra específica, ao estabelecer que “as férias do servidor público somente poderão ser interrompidas por motivo de calamidade pública, comoção interna, convocação para júri, serviço militar ou eleitoral, ou por necessidade do serviço declarada pela autoridade máxima do órgão ou entidade”, busca estabelecer proteção ao trabalhador em face de eventuais abusos por parte do Estado. Desse modo, no caso de suspensão de férias que não decorra de ingerência estatal, mas de necessidade legítima do servidor, a norma deve ser interpreta com proporcionalidade.

3. Os motivos que dão ensejo ao deferimento do pedido de licença do servidor público para tratamento de sua saúde são distintos dos que fundamentam a concessão de suas férias.

4. O direito ao gozo de férias é garantido aos servidores públicos pela Constituição Federal de 1988, não sendo admissível restrição ao seu exercício por norma infraconstitucional.

5. O Conselho Nacional de Justiça, ao disciplinar as férias de seus próprios servidores, com a publicação da Instrução Normativa 04/2010, prevê a possibilidade de sua suspensão em razão da concessão de licença para tratamento de saúde. No mesmo sentido é a Resolução 221/2012 do Conselho da Justiça Federal.

6. As férias do magistrado, portanto, devem ser suspensas quando da concessão de licença para tratamento de sua saúde, devendo assim permanecer até sua recuperação física e/ou mental.

7. Pedido julgado procedente.

[...]

Na essência, a Constituição Federal tem por objetivo delinear os fins programáticos da República, cuja finalidade primordial é o bem-estar-social. Assim, deu guarita aos direitos sociais de forma ampla, os quais foram situados nos denominados “direitos fundamentais de segunda geração”. Entendeu-se primordial a existência de intervenção estatal no sentido de se atingir a denominada igualdade material, fomentando a instituição de garantias ao cidadão que o subsidiem nas desproporções das relações sociais e econômicas.

Assim, ao consagrar o direito ao “gozo de férias anuais”, a norma constitucional teve por objetivo possibilitar ao trabalhador, servidor público ou celetista, um período de descanso para recuperação de suas funções sintomáticas após um período desgastante de trabalho, tanto no seu aspecto físico quanto mental, talvez este maior caracterizado no exercício da atividade judicante.

Ademais, salutar o registro de que, atualmente, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a natureza jurídica das férias é de direito público para o empregado, logo, direito irrenunciável. Trata-se de norma de medicina e segurança do trabalho, protege a saúde psíquica do trabalhador, razão pela qual cuida-se de garantia irrenunciável, caracterizada como norma cogente, efetivo “direito subjetivo adquirido”.

[...]

Os motivos que podem ensejar o deferimento de licença para tratamento de saúde são totalmente distintos daqueles levados em consideração para aferição das férias do trabalhador. Por óbvio, ao elevar o instituto das férias ao status constitucional, o legislador constituinte originário buscou garantir maior proteção para o necessário descanso, tão importante para recomposição das energias do trabalhador, preceito que não é atingido quando este vier a ser acometido por moléstia suficiente para autorizar a licença para tratamento de saúde.

O direito ao gozo de férias é garantido aos servidores públicos constitucionalmente, não se admitindo que seja restringido por norma infraconstitucional. Outrossim, além das ausências ao serviço previstas no art. 97 da Lei n.º 8.112/90, são considerados como de efetivo exercício os afastamentos em virtude de licença para tratamento da própria saúde, até 02 (dois) anos. Assim, não deve ser considerado plausível a concomitância de licença para tratamento de saúde com o curso do período de férias.

[...]

(CNJ - CONS - Consulta - 0001391-68.2010.2.00.0000 - Rel. para o Acórdão Conselheira DEBORAH CIOCCI- 11ª Sessão Virtual - julgado em 26/04/2016) (grifo nosso)

 

Nesse cenário, a despeito do silêncio da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, é de se ver que o CNJ avançou ao responder a destacada Consulta, com caráter normativo geral[6], estabelecendo que a concessão de licença para tratamento da própria saúde durante o período de férias dos(as) magistrados(as) suspende o curso destas.

Em mais uma decisão paradigmática, o Plenário do CNJ, por unanimidade, deu provimento a Recurso Administrativo interposto no Procedimento de Controle Administrativo (PCA) n.º 0007984-69.2017.2.00.0000, julgando procedente pedido de suspensão do período de férias em virtude de licença por motivo de doença em pessoa da família. Senão vejamos:

RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE FÉRIAS DE MAGISTRADA EM RAZÃO DE LICENÇA POR MOTIVO DE DOENÇA EM PESSOA DA FAMÍLIA. ENTENDIMENTO PREVALENTE SOBRE O TEMA. PROVIMENTO.

I. Recurso contra decisão monocrática que julgou improcedente o pedido por considerar hígido o ato administrativo questionado.

II. A pretensão recursal diz respeito ao indeferimento de pedido de suspensão de férias de magistrada, em razão de licença por motivo de doença em pessoa da família.

III. Ressalvado o meu entendimento pessoal sobre a questão, para conferir maior segurança jurídica, curvo-me à orientação prevalente sobre o tema.

IV. Recurso conhecido, uma vez que tempestivo, e provido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0007984-69.2017.2.00.0000 - Rel. IRACEMA DO VALE - 34ª Sessão Virtual - julgado em 15/06/2018) (grifo nosso)

 

Ressalte-se que o feito havia sido proposto pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) e pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 6ª Região (AMATRA6), em face do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT6), e que o entendimento monocrático da Relatora foi pela higidez do ato do TRT6, praticado em consonância com a orientação do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT).

Em sede de recurso, reconheceu-se que a orientação prevalente sobre o tema assegura o direito à suspensão das férias quando, no curso destas, sejam concedidas licenças para tratamento de saúde de pessoa da família e da própria saúde, sendo consignados os normativos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), do Conselho da Justiça Federal (CJF), do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJDFT), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Todavia, quando do julgamento do PCA n.º 0002484-17.2020.2.00.0000, o CNJ, também por unanimidade, assentou que “os fundamentos da decisão proferida no PCA nº 0007984-69.2017.2.00.0000 antecedem a edição da Resolução 293/2019 e se baseiam, em regra, na aplicação analógica de normativos adotados em outros órgãos [...]. Nesse passo, com a edição da Resolução CNJ nº 293/2019, o entendimento estabelecido nos autos do PCA 0007984-69.2017.2.00.0000 acaba por se mostrar superado, não se prestando, ipso facto, ao embasamento da pretensão ora deduzida.”.

Vale dizer: ao julgar o novo feito, relativo a membro da Justiça do Trabalho, este Conselho reafirmou a opção feita pela Resolução CNJ n. 293/2019 e reconheceu que o CSJT “atuou dentro do exercício de sua autonomia administrativa (art. 111-A, da CRFB), segundo os critérios definidos pela Lei 8.112, de 1990, Resolução do CNJ nº 293, de 2019, e particularidades da Justiça do Trabalho”. Senão vejamos:

RECURSO ADMINISTRATIVO. CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO – CSJT. LICENÇA POR MOTIVO DE DOENÇA EM PESSOA DA FAMÍLIA. SUSPENSÃO DE FÉRIAS. DECISÃO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO. RESOLUÇÃO CNJ 293/2019 e RESOLUÇÃO CSJT Nº 253/2019. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA ENTRE MAGISTRATURA E MP. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. PREVALÊNCIA DO CONTEÚDO DA RESOLUÇÃO CNJ Nº 293/2019 EM DETRIMENTO DAS ORIENTAÇÕES GENÉRICAS SOBRE O TEMA CONTIDAS NA RESOLUÇÃO CNJ Nº 133/11.

1. A controvérsia debatida nos autos restringe-se à possibilidade de suspensão de 16 dias de férias gozadas no primeiro semestre de 2018 (09/04 a 08/05), em razão da concessão de licença por motivo de doença em pessoa da família no período concomitante (10/04 a 25/04), por decisão exarada nos autos do procedimento administrativo pelo CSJT.

2. Conforme informações prestadas, mesmo antes da edição da Resolução CSJT nº 253/2019 e da Resolução CNJ 293/2019, a Justiça Trabalhista já mantinha posicionamento consolidado quanto a possibilidade da suspensão de férias “apenas para a hipótese de licença para tratamento da própria saúde”.

3. Incidência do princípio da especialidade, uma vez que a Resolução CNJ nº 293/2019 retrata fielmente as hipóteses de concessão de férias aos magistrados, devendo ser afastada a aplicabilidade das orientações genéricas sobre o tema contidas na Resolução CNJ nº 133/2011 para o deslinde do caso, não havendo que se falar em violação ao princípio da simetria entre a Magistratura e o Ministério Público.

4. Recurso Administrativo a que se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002484-17.2020.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO - 344ª Sessão Ordinária - julgado em 08/02/2022) (grifo nosso)

 

Portanto, a orientação mais recente do CNJ é a que deixa a cargo de Tribunais e Conselhos a regulamentação relativa à escala, à marcação, ao gozo, à alteração, à interrupção e à indenização das férias, bem como a outros assuntos correlatos, respeitadas as disposições da Constituição Federal, da Lei Complementar n.º 35/79 e das Resoluções deste Conselho.

Permitida a regulamentação, no âmbito da autonomia administrativa de cada Órgão, destacam-se os normativos do CJF[7] e do CSJT[8], cujo comparativo revela a diversidade de tratamento entre os magistrados(as):

CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL 

CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO 

Art. 4º A alteração da escala de férias poderá ocorrer por necessidade do serviço ou por interesse do servidor, neste caso com a anuência da chefia imediata, devidamente justificados.

[...]

§ 4º É dispensada a observância dos prazos previstos nos §§ 2° e 3° deste artigo nas seguintes hipóteses:

I – licença para tratamento da saúde de pessoa da família;

II – licença para tratamento da própria saúde;

III – licença à gestante e à adotante;

IV – licença-paternidade;

V – licença por acidente em serviço;

VI – falecimento do cônjuge, companheiro, pais, madrasta ou padrasto, filhos, enteados, menor sob guarda ou tutela e irmãos.

[...]

§ 5º As licenças ou os afastamentos referidos no parágrafo anterior, concedidos durante o período de férias suspendem o curso destas, que serão alteradas para o término da licença ou do afastamento, considerando-se o saldo remanescente.

Art. 11. Após a publicação da escala de férias de que trata o art. 7º, poderá ocorrer alteração por interesse da administração ou do magistrado, devendo, este submeter a justificativa à apreciação da autoridade competente.

[...]

§ 2º É dispensada a observância do prazo previsto no § 1º na hipótese de:

I - necessidade do serviço, a ser avaliada pela autoridade competente para a alteração das férias;

II - licença para tratamento de saúde;

III – licença por acidente em serviço;

IV - licença por motivo de doença em pessoa da família;

V - licença à gestante e à adotante;

VI - licença-paternidade;

VII - afastamento por motivo de falecimento de cônjuge, companheiro, ascendente, madrasta ou padrasto, filhos, enteados, menor sob guarda ou tutela e irmãos.

[...]

Art. 16. As licenças e os afastamentos referidos nos incisos II e III do § 2º do art. 11, concedidos durante o usufruto das férias, suspendem o curso dessas.

 

Isto é: em cotejo dos normativos do CJF e do CSJT sobre a mesma matéria, e como exemplo, observa-se que o último restringe o direito em relação ao primeiro, e ainda em desalinhamento com os precedentes recentes deste Conselho Nacional.

Na mesma linha, embora inexista previsão específica na Lei Complementar n.º 75/93[9] e na Lei n.º 8.625/93[10], aos membros do Ministério Público da União também é assegurado o direito à suspensão das férias, nos termos do art. 7º da Portaria n.º 591, de 27 de outubro de 2005[11]:

Art. 7°. Poderão ser suspensas as férias do membro, quando ocorrer uma das seguintes hipóteses:

I - licença por motivo de doença em pessoa da família;

II - licença para tratamento de saúde;

III - licença à gestante, à adotante ou paternidade;

IV - licença por acidente em serviço;

V - falecimento de cônjuge ou companheiro, ascendente ou descendente, irmão ou pessoa que viva sob sua dependência econômica; e

VI - por necessidade do serviço.

[...]

§ 2°. Havendo coincidência das férias marcadas com qualquer afastamento previsto neste artigo, fica autorizada a sua suspensão total ou parcial, devendo ocorrer sua fruição total dentro do mesmo exercício. (grifo nosso) 

 

Vale lembrar que, a teor da Resolução CNJ n.º 528/2023, garantiu-se a equiparação constitucional entre direitos e deveres da Magistratura e do Ministério Público[12].

Diante disso, e conforme avaliado pelo Comitê de Atenção Integral à Saúde, entende-se que o CNJ deve tomar para si o dever de estabelecer as hipóteses de suspensão do gozo de férias de forma a garantir o tratamento isonômico das mesmas situações, que impactam diretamente a saúde física e mental dos(as) Magistrados(as).

Nesse ponto, tomo de empréstimo a argumentação expendida pelo eminente Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello ao propor a alteração das Resoluções CNJ n.º 72/2009 e n.º 293/2019, para adequação das normas regulamentadoras quanto à convocação de magistrados de segundo grau para a prestação de auxílio:

[...]

Ocorre que a possibilidade de convocação de magistrados em auxílio para a cobertura de férias com justificativa na harmonização do regramento atualmente vigente a respeito do tema demanda, a meu sentir, um segundo esforço em favor do dever de coerência que devemos guardar na formulação e no aprimoramento de políticas públicas judiciárias.

Ao instituir a Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário na Resolução n. 207, de 15 de outubro de 2015, este Conselho reconheceu a necessidade da implementação de ações institucionais voltadas à preservação da saúde física e mental de magistrados e servidores, com o objetivo de construir e manter um meio ambiente de trabalho seguro e saudável.

A articulação de iniciativas com vista à atuação integral do Judiciário nas ações instituídas para reduzir e eliminar riscos à saúde decorrentes do ambiente, processo e condições de trabalho deve considerar, nesse sentido, a intersetorialidade exigida para enfrentamento aos múltiplos fatores de ordem biopsicossocial do processo saúde/doença.

Estou convicto que as mesmas razões que declinei para justificar a necessidade de regulamentação da convocação de magistrados em auxílio para cobertura de férias também se aplicam, plenamente, para a necessária coordenação das políticas públicas que tratam, de um lado, da eficiente prestação jurisdicional e, de outro, do direito fundamental dos magistrados à saúde (e, no caso das férias, ao descanso).

Esta é a razão que, por coerência, levam-me a incluir na revisão das normas relativas à prestação de auxílio a juízes de segundo grau e desembargadores de tribunais a possibilidade de convocação de juízes em auxílio nos casos de afastamento por motivos de saúde previsto no art. 69 da Loman.

Como dito, o auxílio permitiria que os processos não fiquem estagnados durante os períodos de ausência dos magistrados, contribuindo para a eficiência e celeridade da justiça. Estaríamos, assim, a atender ao princípio da continuidade do serviço público e, ao mesmo tempo, respeitar o direito dos magistrados ao descanso e à saúde, mantendo o equilíbrio necessário entre os direitos e deveres inerentes ao exercício da atividade jurisdicional.

[...]. (CNJ - QO – Questão de Ordem em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0007820-02.2020.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO - 8ª Sessão Ordinária de 2023 - julgado em 23/05/2023) (grifo nosso)

 

Como se observa, há necessidade de avanço na normatização isonômica do tema da suspensão das férias, para garantir tratamento mais uniforme entre os Tribunais para as situações da maior relevância na proteção da saúde física e mental de Magistrados(as). No particular, deve ficar expressamente garantida a suspensão das férias quando elas não são dedicadas ao efetivo repouso anual, especialmente para o tratamento de doença própria ou em pessoa da família, licença à gestante, à adotante ou paternidade, por acidente em serviço, falecimento de cônjuge ou companheiro, ascendente ou descendente, irmão ou pessoa que viva sob sua dependência econômica.

Nessas hipóteses, singularmente graves e impactantes sobre a vida pessoal e familiar, com repercussões potenciais sobre sua saúde física e mental, as férias devem ter sua suspensão reconhecida em interpretação uniforme entre todos os Tribunais, sem prejuízo de regulamentos complementares sobre questões operacionais próprias de cada ramo ou Tribunal, em alinhamento com os precedentes recentes deste Conselho e o deliberado pelo Comitê de Atenção Integral à Saúde, no acompanhamento da efetividade dessa Política.

É nesse cenário que se propõe o aperfeiçoamento da norma, acrescendo os §§ 4º e 5º ao art. 1º da Resolução CNJ n.º 293/2019, na forma do Anexo.

 

III – CONCLUSÃO

Ante o exposto, submeto à apreciação do Plenário proposta de Resolução, disposta no Anexo a esse voto, e o faço na certeza de que a proposição em muito contribuirá para a efetiva implementação dos macrodesafios que compõem a Estratégia Nacional do Poder Judiciário para o sexênio 2021-2026, notadamente o aperfeiçoamento da gestão administrativa e da governança judiciária e o aperfeiçoamento da gestão de pessoas[13], otimizando os instrumentos normativos na perspectiva da proteção integral à saúde. 

É como voto.

Intimem-se os tribunais.

Brasília-DF, data registrada no sistema.

 

Conselheiro GIOVANNI OLSSON

Relator

 

ANEXO 

 

RESOLUÇÃO No    , DE        DE              DE 2024. 

 

Altera as Resoluções CNJ n.º 293/2019 e 343/2020, conferindo maior efetividade à Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores. 

 

 

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais; 

CONSIDERANDO a competência do CNJ para, nos termos do art. 103-B, § 4º, inciso I, da Constituição da República, expedir atos regulamentares para cumprimento do Estatuto da Magistratura e para o controle da atividade administrativa do Poder Judiciário;

CONSIDERANDO a unicidade do Poder Judiciário, a exigir a implementação de diretrizes nacionais para nortear a atuação institucional de seus órgãos;

CONSIDERANDO a ratificação pelo Estado Brasileiro da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo com equivalência de emenda constitucional, por meio do Decreto Legislativo n.º 186/2008, com a devida promulgação pelo Decreto n.º 6.949/2009;

CONSIDERANDO o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146/2015), em que a deficiência é um contexto em evolução que resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras relativas às atitudes e ao meio ambiente que impedem a sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas;

CONSIDERANDO a necessidade de aperfeiçoamento e complementação da Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados(as) e Servidores(as), especialmente no âmbito da saúde mental, com fundamento em dados obtidos no procedimento de Acompanhamento de Cumprimento de Decisão n.º 0003117-28.2020.2.00.0000 e no Relatório da Estrutura da Saúde de 2023;

CONSIDERANDO a importância de que as condições especiais de trabalho previstas na Resolução CNJ n.º 343/2020 incorporem expressamente as hipóteses de adoecimento mental devidamente comprovado por laudo de junta médica do Tribunal, desde que exista prévia autorização do interessado e que este se submeta ao acompanhamento continuado pela equipe multidisciplinar de saúde e ao tratamento prescrito;

CONSIDERANDO a necessidade de aperfeiçoamento da Resolução CNJ n.º 293/2019, harmonizando o regramento vigente nos Tribunais e Conselhos para assegurar o direito à suspensão do período de férias, em razão da orientação doutrinária e jurisprudencial prevalente e da simetria com o Ministério Público;

CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do CNJ no procedimento Ato xxxxxxxxx, na xxxxª Sessão Ordinária, realizada em xx de xxxx de 2024;


RESOLVE:

 

Art. 1º A Resolução CNJ n.º 343/2020 passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 1º-B As condições especiais de trabalho previstas nesta Resolução também se aplicam a magistrados(as) e servidores(as) com adoecimento mental.

§1º A concessão de condições especiais de trabalho previstas neste artigo pressupõe:

I – a existência de autorização expressa do beneficiário no registro do CID respectivo de Classe F nos atestados e laudos apresentados para conhecimento e acompanhamento formal pela área de saúde do Tribunal;

II – a existência de laudo de junta médica do Tribunal que comprove a existência da patologia de CID de Classe F e a necessidade de concessão de condições especiais;

III – a sujeição do(a) beneficiário(a) ao acompanhamento continuado pela equipe multidisciplinar de saúde do órgão e a observância por aquele(a), em todo o período, do tratamento prescrito.

§2º As condições especiais de trabalho poderão ser revogadas ou alteradas pelo Tribunal nos casos em que o(a) beneficiário(a) não seguir o tratamento prescrito, recusar o acompanhamento continuado pela equipe multidisciplinar de saúde do órgão ou descumprir as condições especiais de trabalho concedidas.

§3º A concessão de condições especiais de trabalho previstas neste artigo também deve ser comunicada à Corregedoria do Tribunal respectivo, para acompanhamento.”

 

 Art. 2º A Resolução CNJ n.º 293/2019 passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 1º ........

 

“§ 4º As férias dos(as) magistrados(as) serão suspensas quando, durante seu curso, ocorrer uma das seguintes hipóteses:

I - licença por motivo de doença em pessoa da família;

II - licença para tratamento de saúde;

III - licença à gestante, à adotante ou paternidade;

IV - licença por acidente em serviço;

V - falecimento de cônjuge ou companheiro, ascendente ou descendente, irmão ou pessoa que viva sob sua dependência econômica;

§ 5º Fica assegurada a fruição do saldo remanescente de férias, na forma de regulamentação a ser realizada pelos Tribunais e Conselhos, em até 60 (sessenta) dias.”

 

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

 

Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO



[1] Acompanhamento de Cumprimento de Decisão n. 0003117-28.2020.2.00.0000.

[2] Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/02/estrutura-das-unidades-e-dos-servicos-de-saude-nos-tribunais-1.pdf >. Acesso em 3/4/2024.

[3] Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm>. Acesso em 3/4/2024.

[4] CNJ - COMISSÃO - Comissão - 0004054-48.2014.2.00.0000 - Rel. DALDICE SANTANA - 295ª Sessão Ordinária - julgado em 20/08/2019.

[5] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

[6] Art. 89. O Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência. [...] § 2º A resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral.

[7] Disponível em: < https://www.cjf.jus.br/publico/biblioteca/Res%20221-2012%20alterada.pdf>. Acesso em 4/4/2024.

[8] Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/165833/2019_res0253_csjt_rep05.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 4/4/2024.

[9] Dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União.

[10] Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências.

[11] Disponível em: <https://biblioteca.mpf.mp.br/server/api/core/bitstreams/1373274c-8a43-426f-b082-d4f1b7a5a6bc/content>. Acesso em 4/4/2024.

[12] Art. 1º. Os direitos e deveres validamente atribuídos aos membros da Magistratura ou do Ministério Público aplicam-se aos integrantes de ambas as carreiras, no que couber.

[13] Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/gestao-estrategica-e-planejamento/estrategia-nacional-do-poder-judiciario-2021-2026/>. Acesso em 20/3/2024.