Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001406-17.2022.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: GUARACI DE CAMPOS VIANNA

 


EMENTA


 RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR.  POSSÍVEL INFRAÇÃO DISCIPLINAR PRATICADA POR DESEMBARGADOR. INDÍCIOS DA PRÁTICA DE CONSULTORIA JURÍDICA MEDIANTE A EMISSÃO DE PARECERES JURÍDICOS EM BENEFÍCIO DE CLUBE DE FUTEBOL. APARENTE AFRONTA AOS DEVERES ESTABALECIDOS NA LOMAN E NO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

 1.     Presença de elementos indiciários de que o  desembargador prestou consultoria jurídica ao participar da confecção de pareceres jurídicos em benefício do Clube Regatas Flamengo, exercendo atividade privativa da advocacia, nos termos do disposto no artigo 1º, inciso II, da Lei 8.906/1994, incidindo na vedação prevista no artigo 95, parágrafo único, I, da Constituição Federal.

 2.     Conduta que pode representar a prática de infração disciplinar relativamente a violação, em tese, do art. 36, II, da LOMAN, e art. 2º do Código de Ética da Magistratura Nacional.

 3.     Determinada a instauração de processo administrativo disciplinar, sem afastamento do cargo.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do Desembargador, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 5 de setembro de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão (Relator), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001406-17.2022.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: GUARACI DE CAMPOS VIANNA


 

RELATÓRIO

 

                 

           

            O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:  

  

1. Trata-se de Reclamação Disciplinar instaurada pela Corregedoria Nacional de Justiça contra GUARACI DE CAMPOS VIANNA, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com amparo em acórdão prolatado pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, que aprovou Relatório da Correição Extraordinária realizada nos dias 23 e 24/8/2021, para a verificação do funcionamento dos gabinetes de desembargadores e juízes do TJRJ supostamente envolvidos em corrupção (CorOrd 0006406- 32.2021.2.00.0000). 

Em razão da documentação constante do Relatório de Correição (cap. 3), que dá conta do "currículo" do Desembargador Guaraci perante o Clube de Regatas do Flamengo, especialmente por ser membro de "Comissão Permanente Jurídica" e da "Comissão Provisória Disciplinar" do Clube e, perante estas, participar de estudos e "elaboração de pareceres" sobre inúmeros contratos do Flamengo (com a "Adidas do Brasil Ltda.", MRV Engenharia e Participações, renovação de contrato com a Rede Globo para as temporadas de 2019, 2020, 2021, 2022, 2023 e 2024, CEF, contrato de exibição do campeonato carioca, contrato Primeira Liga, contrato Aditivo da Adidas etc.), determinou-se a instauração de Reclamação Disciplinar contra o ora reclamado para apurar o eventual descumprimento do disposto no artigo 36, inciso II, da LOMAN, bem como o exercício de atividade privativa da advocacia ao lavrar pareceres, nos termos do disposto no artigo 1º, lI da Lei 8.906/1994, incidindo, ao exercer tal atividade, na vedação prevista no artigo 95, parágrafo único, I, da Constituição Federal (cap. 3 - CorOrd 6406- 32.2021 - TJRJ - DET6). 

Notificado para prestar informações a respeito dos fatos comunicados, o Desembargador Guaraci de Campos Vianna manifestou-se nos seguintes termos (ld 4674528): 

 

Na espécie, o despacho faz referência a um relatório de correição extraordinária realizada nos dias 23 e 24/08/2021, de autoria do Des. André Ribeiro, que esteve anteriormente no gabinete ocupado por este signatário em duas ocasiões. 

No relatório consta a existência de um currículo do reclamado perante o Clube de Regatas do Flamengo, especialmente por ser Membro da Comissão Jurídica e de Comissão provisória disciplinar do Clube e, perante estas, participou de estudos para elaboração de contratos de inúmeros contratados pelo Clube que, no entendimento do ilustre sindicante, representa descumprimento do artigo 36, li da LOMAN, bem como o exercício de atividade privada da advocacia.

Com todas as vênias de estilo, laborou em equívoco o signatário do Relatório da Correição.

Inicialmente, laborou em grave equívoco o sindicante ao afirmar que o reclamado participou de estudos para elaboração de contratos. Nada mais equivocado. O reclamado não elaborou ou participou de tratativas de contrato algum, apenas e, tão somente, em conjunto com vários outros conselheiros (doc.01 anexos}, opinou sobre a conveniência ou não de um contrato, ou diversos contratos, serem harmonizados e compatíveis com os interesses do Clube de Regatos Flamengo. Nada mais.

E não é só.

A função de conselheiro de agremiação de futebol, largamente disseminada em todo o país e exercida por vários colegas de toga, inclusive no próprio C.R.F., desde que não remuneradas, é lícita e perfeitamente regular, sendo precipitada, com todas as vênias de estilo, a solicitação de abertura de procedimento administrativo sem prévia oitiva do reclamado para apurar conduta, que é regulamentada pelo próprio CNJ.

Bastaria consultar os atos normativos do próprio CNJ para visualizar que a atividade exercida pelo magistrado nada tem de irregular.

Com efeito, a Recomendação n. 65 de 07/05/2020, no seu artigo e § 1°, assim estabelece (doc.2 anexos):

 

Art. 2° Recomendar a todos os magistrados brasileiros, exceto aos ministros do STF, que se abstenham de exercer funções, ainda que de caráter honorífico, consultivo e sem remuneração, em conselhos, comitês, comissões ou assemelhados, de natureza política ou de gestão administrativa de serviços vinculados a Poder ou órgãos estranhos ao Poder Judiciário, ressalvados os casos previstos em lei.

§ 1° AS DISPOSIÇÕES DO ART. 2° NÃO SE APLICAM A CONSELHOS, COMITÊS, COMISSÕES E ASSEMELHADOS QUE NÃO  PRAT QUEM  ATOS  DE  GESTÃO,  DESDE  QUE  O

MAGISTRADO NÃO SEJA REMUNERADO. (grifos e destaque nossos).

 

Na questão apontada na presente Reclamação estamos diante da hipótese acima descrita pela citada norma.

O reclamado não exerce função alguma nem no Clube de Regatas do Flamengo, nem em outro lugar ou instituição em que pratique atos de gestão e sua atuação no clube em referência se dá sem qualquer contrapartida de qualquer natureza, inclusive e especialmente financeira.

E mais.

A recomendação, como pode ser observada, é de data posterior ao início das atividades do reclamante como Conselheiro do Flamengo e antes, o entendimento que prevalecia no âmbito do CNJ é o exarado no pedido de providências 2008.100000.23856, onde através de um recurso administrativo o Des. Bartolomeu Moraes obteve o Placet do CNJ para exercer a função de Conselheiro de um Clube de Futebol, mantendo a proibição para acúmulo da função de magistrado com a de presidente do Clube (sessão Plenária do CNJ de 03/03/2009).

Portanto, o reclamado sempre pautou o exercício de suas atividades, dentro e fora da magistratura, de acordo com a LOMAN, o Código de Ética da Magistratura, os atos e recomendações desse e. Conselho, além dos outros atos normativos que regem a magistratura como um todo.

Tanto isso é certo que mesmo durante a rápida vigência de uma versão da Recomendação n. 29 de 27/02/2019 (posteriormente tornada ineficaz), poucos dias depois, o reclamado sponte própria, pediu desligamento de suas atividades no Clube de Regatas Flamengo, só retornando após a efetiva revogação do referido ato (doc.3 anexo).

Aliás, a recomendação n. 29, acima mencionada foi revogada expressamente pela Portaria 16 da E. Corregedoria deste Conselho, editada em 17/02/2021.

Registre-se, por relevante, que a própria Recomendação n. 29/2019, em seu texto original, estabelecia idêntica redação ao texto da recomendação n. 65/2021, como segue:

[...]

Embora seja despiciendo ou desinfluente para comprovar ausência de ilicitude, irregularidade ou mesmo inadequação do exercício do cargo de magistrado com o de conselheiro do clube de Regatas Flamengo, importa destacar as normas internas do Clube, dando conta de que as atividades exercidas não violam e nem violaram o disposto no artigo 36, li da LOMAN, bem como o Estatuto da advocacia, posto que não se trata da atividade privativa da advocacia, até mesmo porque para ser conselheiro do Flamengo não se exige formação jurídica.

O Estatuto do Clube de Regatas Flamengo (doc.4) estabelece que o quadro associativo é constituído por diversas categorias (artigo 6°), dentre elas a de proprietário (categoria a qual o reclamante integra), que é definido assim:

 

Artigo 6°, § 7°: Proprietário é o associado cujo título, com esta designação é equivalente a uma fração ideal do patrimônio líquido do Flamengo, na proporção do número de membros desta categoria.

 

Na condição de sócio proprietário, o reclamado integra a Assembleia Geral (artigo 80 do Estatuto Social do Clube) e também o Corpo Permanente do Conselho Deliberativo (artigo 86 do Estatuto do Clube). (doc.04 anexo).

Portanto, impedir o Reclamado de integrar o Conselho Deliberativo seria impedi-lo também de se associar ao Clube, o que é inclusive vedado constitucionalmente, vejamos a CF/88:

 

O artigo 5°, em seu inciso XVII, afirma que:

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

 

Dessa forma, é isso e assaz importante, as atividades desenvolvidas pelo Reclamado são consequências lógicas da sua condição de sócio­ proprietário e não poderiam deixar de ser exercidas e, por óbvio, não violam qualquer ato normativo ou caracterizam impedimento ou incompatibilidade com a condição de magistrado.

Registre-se, por relevante, que os dirigentes das associações de classe (AMB, AMAERJ etc), esses sim, exercem atos de Gestão, e seus associados, que integram os Conselhos, podem exercer suas atividades, sem que isso represente qualquer violação a qualquer tipo de norma. Guardadas as devidas proporções, é disso que tratamos aqui no presente procedimento.

Ademais, o Reclamado não exerce cargo algum de gestão no Flamengo. Não é Presidente, Vice-Presidente, Diretor, ou mesmo membro do Conselho de Administração, Conselho Fiscal ou Conselho Diretor; apenas sócio-proprietário e nessa condição, integrante do Conselho Deliberativo.

No Regimento Interno do Conselho Deliberativo (doc.5), consta logo no seu artigo 1° a proibição de integrar aquele que receber qualquer remuneração. Vejamos (doc.05 anexo):

[...]

Com isso, repita-se, o reclamante na condição de Conselheiro está inserido na permissividade da recomendação n. 65, no seu artigo 2°, §1°, que aqui mais uma vez transcrevemos:

[...]

Insta acrescentar, que a circunstância de o reclamante integrar uma Comissão provisória ou transitória, de forma alguma extrapolou as atribuições e funções de integrante do Conselho Deliberativo, conforme consta do artigo 12 do Regimento Interno do Conselho Deliberativo Uá mencionado):

 

Artigo 12: O conselho Deliberativo será assessorado por Comissões Permanentes e Provisórias, cujos membros serão Nomeados ou exonerados por seu presidente.

Paragrafo único: são Permanentes as de Benemerência, Finanças, Assuntos Jurídicos, Obras e Estatuto, que serão compostas por 07 (sete) membros.

 

E no seu artigo 21, ao dizer que o parecer da Comissão retrata a opinião da maioria de seus membros, há que se destacar que não se trata de atividade que possa ser comparada a função restrita de advocacia, até porque, como já dito, o Conselho Deliberativo e as Comissões, podem e, geralmente são, integradas por pessoas sem formação jurídica.

E mais. Os integrantes do Conselho ou das Comissões ligadas ao mesmo, não elaboram contratos, apenas emitem uma posição opinativa sobre a conveniência ou não da celebração de um contrato ou da prática de determinado ato. (grifos nossos)

 

 

 

Intimado para que apresentasse todos os atos que tenham tido a participação direta ou indireta do reclamado, por ele subscritos ou não, esclareceram os procuradores do "Clube de Regatas do Flamengo" que (ld 4665012):

 

[...], em resposta à intimação recebida no dia 25 de março de 2022, informar que o Dr. Guaraci de Campos Vianna atualmente não integra nenhuma Comissão do FLAMENGO.

O desembargador atuou junto ao Conselho Deliberativo ("CoDe") do Clube auxiliando, de forma totalmente amadora, na elaboração de pareceres jurídicos relacionados aos contratos que eram da alçada da CoDe, para aprovação dos conselheiros do FLAMENGO, conforme documentos anexos (Doe. 02).

Importante mencionar, ainda, que tanto as comissões quando o próprio CODE não são responsáveis por negociar ou redigir as cláusulas contratuais, cabendo tão somente aos conselheiros, após ouvidas as diversas comissões do clube, votar pela rejeição ou aprovação dos contratos, em estrita observância às normas estatutárias.

 

Em seguida, foi determinada a intimação pessoal do desembargador requerido, para apresentar defesa prévia (Id. 4699411).

Em sua defesa prévia (Id. 4727265), o requerido reitera a licitude e regularidade das suas condutas.

Ressalta que consta no “rol de impedimentos absolutos cadastrados na 1ª Vice-Presidência do TJRJ, órgão responsável pela distribuição de todos os processos encaminhados aos desembargadores, o Clube de Regatas do Flamengo, ou seja, processo algum do Clube ou vinculado a ele pode ser distribuído ao Desembargador Reclamado.”

Reafirma que as funções de Conselheiro ou mesmo de integrante de Comissão não são jurídicas, tratando-se, na verdade, de serviço voluntário e sem remuneração de qualquer espécie, prestado por “amor ou paixão ao Clube Regatas Flamengo”.

Alega que “um parecer emitido perante o Clube Regatas Flamengo é um documento opinativo que, embora aplique certo conhecimento sobre determinado tema de cunho jurídico ou não, é dado por qualquer um dos Conselheiros, incluindo o Reclamado, opinando pela sua condição de Conselheiro e experiência de conferencista, conhecido também como doutrinador, portanto, não se limitando na figura do advogado praticante.”

Defende ter comprovado nos autos que não exerce ou ocupa nenhum cargo ou função de dirigente no Clube de Regatas Flamengo, na medida em que “apenas e tão somente participava do Conselho Consultivo do Clube para, entre outras funções, emitindo Parecer facultativo, que consiste em opinião emitida por solicitação de órgão ativo ou de controle, sem que qualquer norma jurídica determine sua solicitação”, e que “para se configurar exercício de cargo ou função, necessariamente, deverá haver remuneração”, o que não é o caso.

É o relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001406-17.2022.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: GUARACI DE CAMPOS VIANNA

 


VOTO


            

            O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:  

 

  

2. Conforme relatado, por ocasião de Correição Extraordinária realizada nos dias 23 e 24/8/2021 no gabinete do Desembargador GUARACI DE CAMPOS VIANNA, foram encontrados pela equipe de inspeção inúmeros documentos de natureza absolutamente privada, dentre os quais se destacam minutas de despachos, votos, pareceres jurídicos e até “currículo” do Desembargador, perante o Clube de Regatas do Flamengo. 

Extrai-se de tais documentos que o Desembargador é membro de "Comissão Permanente Jurídica" e da "Comissão Provisória Disciplinar" do Clube e, perante estas, participa de estudos e da "elaboração de pareceres" sobre inúmeros contratos do Flamengo (com a "Adidas do Brasil Ltda.", contrato de patrocínio com a Companhia de Bebidas das Américas – AMBEV, MRV Engenharia e Participações, renovação de contrato com a Rede Globo para as temporadas de 2019, 2020, 2021, 2022, 2023 e 2024, CEF, contrato de exibição do campeonato carioca, contrato Primeira Liga, contrato Aditivo da Adidas etc.)  (Id. 4642391, fls. 34-52). 

Ao ser intimado para apresentar todos os atos que tenham tido a participação direta ou indireta do reclamado, por ele subscritos ou não, o "Clube de Regatas do Flamengo" informou que (ld 4665012):  

  

[...], em resposta à intimação recebida no dia 25 de março de 2022, informar que o Dr. Guaraci de Campos Vianna atualmente não integra nenhuma Comissão do FLAMENGO. 


O desembargador atuou junto ao Conselho Deliberativo ("CoDe") do Clube auxiliando, de forma totalmente amadora, na elaboração de pareceres jurídicos relacionados aos contratos que eram da alçada da CoDe, para aprovação dos conselheiros do FLAMENGO, conforme documentos anexos (Doe. 02). 


Importante mencionar, ainda, que tanto as comissões quando o próprio CODE não são responsáveis por negociar ou redigir as cláusulas contratuais, cabendo tão somente aos conselheiros, após ouvidas as diversas comissões do clube, votar pela rejeição ou aprovação dos contratos, em estrita observância às normas estatutárias.  

  

Desse modo, verifica-se que a pessoa jurídica que foi instada a apresentar os documentos relacionados ao magistrado confirmou a atuação do julgador ora reclamado, GUARACI DE CAMPOS VIANA, na confecção de documentos que foram submetidos à sua apreciação, embora tenha obtemperado a conduta, asseverando que ele "atuou de forma totalmente amadora na elaboração de pareceres".  

Ocorre que a participação de magistrado, seja de forma "amadora", seja com profissionalismo, nesse tipo de ação, qual seja, a de consultoria jurídica, individual ou colegiada, é vedada pelos atos normativos que disciplinam a atuação dos membros da magistratura.  

E não há dúvida do peso da sua participação como parecerista, singular ou colegiado - situação que é absolutamente indiferente para a caracterização de eventual infração disciplinar -, nos opinativos que emitiu, ainda mais diante do peso da sua condição de desembargador vinculado ao Tribunal de Justiça que exerce competência no local da sede da entidade privada em questão.  

Reputo, ademais, inaplicável a analogia traçada pelo reclamado entre a sua situação e a dos juízes que ocupam a função de dirigente de associações de classe. Na última, trata-se de membros da magistratura que desempenham atividade associativa permitida pela lei e pelos normativos do Conselho Nacional de Justiça, sem contraprestação e que não praticam consultoria jurídica. Na situação do reclamado, tem­ se atuação jurídica em clube esportivo privado que, embora, segundo os seus atos constitutivos, não tenha fins lucrativos, comporta-se como sociedade empresária e possui inúmeras demandas jurisdicionais, como parte - cíveis, trabalhistas e criminais -, no Judiciário brasileiro, e que remunera pecuniariamente os seus dirigentes.  

Além disso, neste caso, nada importa quais sejam as atribuições estipuladas ao ora reclamado pelos atos constitutivos do clube esportivo que integra. Importa, sim, aquilo que efetivamente, em tese, fez: prestou consultoria jurídica e atuou na emissão de pareceres jurídicos, ações terminantemente vedadas para magistrados pela Constituição Federal e pela LOMAN.  

Desse modo, da análise da conduta atribuída ao reclamado, verifica-se a existência de indícios de irregularidades que apontam para a possível prática de infrações disciplinares, as quais caracterizam afronta, em tese, ao artigo 36, II, da LOMAN e ao art. 2º do Código de Ética da Magistratura, na medida em que exerceu atividade privativa da advocacia ao participar da confecção de pareceres, nos termos do disposto no artigo 1º, inciso II, da Lei 8.906/1994, incidindo, ao desempenhar essa atividade, na vedação prevista no artigo 95, parágrafo único, I, da Constituição Federal.

Portanto, consoante as evidências dos autos, mostra-se imprescindível uma apuração mais detida por este Conselho, a fim de se averiguar a existência de elementos de infração funcional diante da conduta irrogada.

    Por fim, tendo em vista que os fatos não são contemporâneos, bem como a informação de que o Desembargador já deixou de exercer a função de parecerista, não integrando atualmente nenhuma Comissão do Flamengo, conforme informação prestada pelo referido Clube (Id. 4665012), não vislumbro, por ora, a necessidade de afastamento do reclamado das funções durante o processo.

 

Conclusão

 

3. Ante o exposto, voto pela abertura de processo administrativo disciplinar em desfavor do desembargador GUARACI DE CAMPOS VIANA, sem afastamento das funções jurisdicionais e administrativas.

É como voto.

Após as intimações, arquivem-se os presentes autos.

 

   

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO 

Corregedor Nacional de Justiça

 

J3/F31

 

 

 

 

 

 

PORTARIA N. XXXXX, DE XXX DE XXXXXXXXXXXX DE 2023. 




Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

 

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos artigos 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça;

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI n. 4.638/DF;

CONSIDERANDO o disposto no § 5º do artigo 14 da Resolução CNJ n. 135/2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar n.  35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112/1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784/1999, e do Regimento Interno do CNJ;

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento da Reclamação Disciplinar nº 0001406-17.2022.2.00.0000, durante XXª Sessão, realizada no dia XX de XXXX de 2023;

RESOLVE:

Art. 1º Instaurar, sem afastamento do cargo de desembargador, processo administrativo disciplinar em desfavor de GUARACI DE CAMPOS VIANNA, magistrado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pela presença de elementos que indicam a possível prática de infrações disciplinares, as quais caracterizam afronta, em tese, ao artigo 36, II, da LOMAN, e art. 2º do Código de Ética da Magistratura Nacional, por ter exercido atividade privativa da advocacia ao participar da confecção de pareceres, nos termos do disposto no artigo 1º, inciso II, da Lei 8.906/1994, incidindo, ao desempenhar essa atividade, na vedação prevista no artigo 95, parágrafo único, I, da Constituição Federal.

Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de processo administrativo disciplinar objeto desta Portaria, sem o afastamento do desembargador de suas funções jurisdicionais e administrativas.

Art. 3º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros, nos termos do art. 74 do RICNJ.

 

Ministra ROSA WEBER

 

Presidente do Conselho Nacional de Justiça