EMENTA

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - PCA. PROVIMENTO Nº 14/2022/CGJCE, ART. 12, § 4º. VEDAÇÃO AO ‘NEPOTISMO PÓSTUMO’. AUSÊNCIA DE NULIDADE. ATENDIMENTO AO ART. 37, CAPUT DA CF. CONCRETIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE. DESNECESSIDADE DE LEI FORMAL. RE Nº 579.951/RN. ARTS. 96 E 99. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DOS TRIBUNAIS. EFICÁCIA EX NUNC DO PROVIMENTO. AUSÊNCIA DE RETROATIVIDADE. EXIGÊNCIA DE ADEQUAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA A PARTIR DA EDIÇÃO DAS NORMAS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 473/STF. RECURSO JULGADO IMPROCEDENTE.

1. Cuida-se de recurso contra decisão monocrática que julgou improcedente PCA proposto com vistas a afastar a aplicabilidade do art. 12, § 4º do Provimento nº 14/2022 CGJCE a contratação efetuada antes do início da sua vigência.

2. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 579.951/RN, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski assentou que a vedação ao nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática, vez que tal proibição decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput da CF.

3. Os atos atacados voltam-se a conferir concretude aos princípios da moralidade e da impessoalidade insculpidos no art. 37, caput da Constituição da República; (ii) como decidiu a Suprema Corte, a coibição ao nepotismo não depende de lei formal; (iii) encontra-se inserida no feixe de competências do Corregedor-Geral de Justiça, as quais emanam diretamente da autonomia administrativa garantida aos tribunais pelo arts. 96 e 99 da CF, a atribuição de fiscalizar o serviço notarial e de registro; (iv) e o exercício dessa atribuição pode dar-se, validamente, por meio da edição de provimentos.

4. É irrelevante para o deslinde da questão a alegação de que a decisão da Corregedoria local baseou-se em “achismos” e presumiu indevidamente a má-fé, pois ainda que o relatório da Corregedoria estadual tenha elencado algumas situações que indicariam que o funcionário desempenha indevidamente função de gerência da serventia, a determinação do desligamento do mesmo não se deveu a essas constatações, mas sim a vedação objetiva incontornável estabelecida pela norma impugnada.

5. O nepotismo consiste no favorecimento dos vínculos de parentesco nas relações de trabalho ou emprego, não necessariamente com subordinação direta. Basta ver que a Súmula Vinculante n. 13 do STF vedou também as nomeações mediante designações recíprocas (nepotismo cruzado). O intuito da norma questionada foi exatamente evitar que tal tipo de favorecimento ocorra de maneira transversa.

6. Se em virtude disso algumas pessoas terão suas possibilidades de trabalho reduzidas, não se trata de restrição arbitrária, mas de proibição que exsurge dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. Nenhum direito é absoluto; havendo fator de discrímen razoável e que, como na hipótese dos autos, resulta direto da Constituição Federal, não se cogita falar em criação indevida de proibição ou, ainda, em necessidade de comprovação da má-fé caso a caso.

7. O óbice inaugurado pelo Provimento nº 14/2022 CGJCE de forma alguma alija o empregado do mercado de trabalho das serventias extrajudiciais – ele apenas não poderá prestar seus serviços para a unidade antigamente titularizada por seu genitor, por razões de moralidade e impessoalidade com amparo constitucional.

8. Conforme plasmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE nº 808.202/RS (Tema 779), os substitutos designados para o exercício da função delegada não se equiparam aos titulares da serventia extrajudicial. Classificam-se como agentes delegados, prepostos do Estado. Em decorrência disso, submetem-se às regras que vedam o nepotismo, o que não ocorre para os titulares, que desempenham atividade considerada de caráter privado. Daí porque a proibição incide em um caso e no outro não.

9. Os provimentos editados pela CGJCE possuem efeitos ex nunc e, portanto, não estão a invalidar a contratação da preposta ab initio, mas a determinar a adequação da situação fática à norma a partir do momento em que esta entrou em vigor.

10. Não é possível falar em direito adquirido à contratação de empregado, sobretudo quando envolvido o interesse da Administração Pública e quando considerado o caráter sempre precário do exercício da interinidade.

11. A par disso, os atos administrativos em questão não inovaram no mundo jurídico, mas apenas explicitaram a incidência da vedação ao nepotismo – proibição que, consoante assinalado anteriormente, decorre diretamente da própria Carta da República.

12. O Poder Judiciário, na condição de integrante da Administração Pública, tem o poder/dever de rever, de ofício, seus próprios atos quando eivados de irregularidade devendo anulá-los ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (Súmula 473/STF).

13. Recurso administrativo julgado improcedente.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 30 de junho de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Marcio Luiz Freitas.

 

RELATÓRIO

 

 

                    Cuida-se de recurso administrativo interposto por Francisco Gomes dos Santos contra decisão Id 5135189 na qual julguei improcedente o procedimento de controle administrativo por ele proposto.

                       Esse o relatório da decisão vergastada:

 

Cuida-se de procedimento de controle administrativo com pedido liminar proposto por Francisco Gomes dos Santos contra ato do Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Ceará.

O requerente se insurge contra os efeitos do art. 12, § 4º do Provimento nº 14/2022 CGJCE, que proíbe o interino substituto de nomear como preposto cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, do antigo delegatário, como forma de impedir o nepotismo póstumo disfarçado.

Aduz ter contratado como preposto o Sr. Francisco Rogério Filho, filho do antigo delegatário, para a função de oficial substituto do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Beberibe/CE, dada a sua ampla experiência na atividade cartorária. Acrescenta que tal contratação foi chancelada pelo próprio Poder Judiciário.

Esclarece que o preposto não exerce função de direção ou chefia da serventia.

Alega que sua contratação levou em consideração aspectos técnicos e visou o interesse público, de modo a preservar a continuidade dos bons préstimos da serventia à população que dela necessita, não havendo que falar em nepotismo.

Defende que a norma a ser observada na época da contratação do preposto era o Provimento CNJ nº 77/2018, o qual não veda tal tipo de admissão.

Informa que a contratação se deu antes da edição do Provimento CGJCE nº 14/2022, razão pela qual a norma restritiva não deveria retroagir para atingir o ato juridicamente perfeito e praticado de forma legítima.

Faz os seguintes pedidos:

 

a)       CONCEDER LIMINAR ACAUTELADORA, inaudita altera pars, conforme art. 25, XI, RICNJ para suspender a produção de efeitos do art. 12, §4º do Provimento nº 14/2022 CGJCE, especialmente no que se refere a atingir ato legítimo e juridicamente perfeito, e, por conseguinte, da recomendação de afastamento do servidor Francisco Rogério Facundo Filho, posto que inexistente a ocorrência nulidade forma ou material no ato de contratação, pelos fatos e fundamentos expostos no item 2, pág. 3 e seguintes desta peça inaugural e a recomendação hostilizada está com prazo fixado para seu cumprimento no dia 14/02/2023;

b)      No mérito, JULGAR PROCEDENTE o presente Procedimento de Controle Administrativo, de modo a reconhecer que o disposto na norma guerreada não atinge à ato jurídico perfeito e acabado que tenha sido editado anteriormente à edição do art. 12, §4º9 do Provimento nº 14/2022 CGJCE e, por corolário, rechaçar a recomendação de afastamento do servidor Francisco Rogério Facundo Filho em definitivo, ante a legalidade de sua contratação.

 

A Corregedora-Geral da Justiça do Ceará prestou os esclarecimentos iniciais no Id 5033170.

Afirmou, em síntese, que a recomendação de desligamento do preposto Francisco Rogério Facundo Filho é oriunda de inspeção extrajudicial realizada na serventia, na qual identificou diversos achados e orientou pelo atendimento das recomendações que lá foram consignadas.

Em relação ao artigo 12, § 4º do Provimento nº 14/2022, consignou que

a razão de existir do precitado dispositivo é dar maior efetividade à vedação de nepotismo póstumo contida no artigo 2º, §2º, do Provimento CNJ n. 77/2018, porquanto percebido por parte da Corregedoria uma prática nociva e disseminada nas serventias deste Estado, a qual consiste em, após a morte do titular, nomear-se, como substituto, parentes próximos daquele, sempre com remuneração expressiva, os quais passam a exercer de fato o controle da serventia, relegando ao interino um papel tão somente figurativo, tal como ocorreu no caso sob análise.

 

Defendeu que os substitutos interinos submetem-se aos princípios regentes da Administração Pública, mormente o da moralidade administrativa, o que acarreta a incidência das regras que visam coibir a prática de nepotismo.

Invocou jurisprudência do STF no sentido de que a vedação ao nepotismo é consequência lógica da norma estampada no caput do art. 37 da CF/88, razão pela qual afirmou ser irrelevante a falta de previsão legal a estabelecer óbices para a contratação de prepostos pelo interino, segundo hipóteses caracterizadoras da prática de nepotismo.

Consignou, por fim, o seguinte:

 

Em verdade, não há que se falar em direito adquirido, uma vez que “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial” (Súmula 473 do STF).

 

Em razão dos esclarecimentos prestados, afirmou não haver motivos para a suspensão dos efeitos do artigo 12, § 4º do Provimento nº 14/2022 CGJCE.

Em 23.2.2023, indeferi o pleito liminar (Id 5038319).

Em 6.3.2023, o requerente aviou pedido de reconsideração, o qual foi negado em 9.3.2023.

É o relatório.

 

 

    O requerente aduz que a norma questionada cria uma presunção de burla à vedação ao nepotismo, simplesmente pelo fato de o servidor ser descendente de antigo delegatário.

   Aduz que o parecer exarado pela Corregedoria-Geral de Justiça do Ceará se vale de “achismos” e suposições para deduzir que o colaborador seria pessoa com ingerência na serventia e que a expertise adquirida ao longo de anos de exercício de função em serventia extrajudicial não pode ser confundida com poder de mando/gerência.

    Prossegue afirmando que a boa-fé se presume e que não se pode entender que a contratação do preposto viola o nepotismo unicamente pela descendência do servidor.

   Defende, ainda, que o Provimento n. 14/2022 CGJCE possui caráter restritivo e sancionador e natureza de norma penal material. Em virtude disso, não seria razoável sua aplicação a contratação anterior à vigência do regramento, em respeito ao princípio da irretroatividade da lei penal mais severa.

    Alega que o provimento objurgado contraria o princípio da legalidade, posto que se o nepotismo é caracterizado a partir da ocupação de cargo de gerência/chefia, não pode o aplicador da norma ampliar o plexo restritivo ao seu talante.

Argumenta que a proibição também iria contra a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e criaria uma “curiosa hipótese”: o pai poderia contratar o filho, mas o filho não poderia ser contratado por terceiro que exerce a mesma função outrora exercida pelo genitor.

Afirma que a ocorrência que se busca evitar com o art. 12, § 4º do Provimento n. 14/2022 CGJCE deve ser verificada caso a caso e que o ônus da prova deve ser sempre da Administração, sob pena de se presumir a má-fé e impor-se à parte o ônus probatório de comprovar fatos negativos, o que o ordenamento vedaria.

Pontua que na época da contratação, a única norma aplicável era o Provimento n. 77/2018 e que nele não havia previsão expressa restringindo a contratação questionada. Sendo assim, a norma restritiva não poderia retroagir para atingi-la, posto cuidar-se de ato praticado de forma legítima, por autoridade competente e sem vícios formais.

Invoca o art. 24 da LINDB e argumenta que, uma vez que o art. 12, § 4º do Provimento n. 14/2022 CGJCE detém viés restritivo, não deve surtir efeitos retroativos, seja pela disposição legal, seja pela obediência ao princípio da confiança legítima. Afirma, adicionalmente, que a referida regra impede seja decretada a invalidade de deliberação administrativa tomada com amparo em interpretação geral vigente à época da produção do ato.

Por fim, argumenta que a alteração do precedente administrativo e aplicação de novo entendimento, de forma retroativa, com mudança sedimentada há anos, sem que tenha ocorrido qualquer alteração legislativa para justificar a alteração, afronta os princípios da segurança jurídica, boa-fé, proteção da confiança, direito adquirido e irretroatividade.

Requer, ao cabo, seja provido o recurso.

Intimada a manifestar-se, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Ceará apresentou as contrarrazões Id 5171892.

É o relatório.

 

 

 

VOTO

 

O recorrente não trouxe argumentos novos capazes de infirmarem a decisão recorrida, razão pela qual o recurso não comporta provimento.

Transcrevo as razões de decidir do decisum impugnado, o qual deve ser mantido por seus próprios fundamentos:

 

O pedido deve ser julgado improcedente.

Por meio deste procedimento de controle administrativo, o requerente questiona a validade do art. 12, § 4º do Provimento n. 14/2022 CGJGE, notadamente para contratação ocorrida antes de sua superveniência, pleiteando seja cancelada a recomendação de afastamento do funcionário Francisco Rogério Facundo Filho, o qual é filho do antigo titular do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Beberibe/CE.

A questão sob exame já foi analisada por este Conselho, que entendeu ser plenamente válido o dispositivo em questão, o qual aplica-se, inclusive, a contratações prévias a sua edição.

Foi o que se assentou no julgamento do Procedimento de Controle Administrativo n. 0000947-78.2023.2.00.0000, de minha relatoria, ocorrido em 25.4.2023, ocasião na qual o Plenário do CNJ assim decidiu, à unanimidade:

 

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PROVIMENTO N. 14/2022/CGJCE, ART. 12, § 4º. PROVIMENTO N. 04/2023/CGJCE, ART. 73, § 4º. PORTARIA N. 01/2023 DA CGJCE. VEDAÇÃO AO ‘NEPOTISMO PÓSTUMO’. AUSÊNCIA DE NULIDADE. ATENDIMENTO AO ART. 37, CAPUT DA CF. CONCRETIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE. DESNECESSIDADE DE LEI FORMAL. RE N. 579/951/RN. ARTS. 96 E 99. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DOS TRIBUNAIS. COMPETÊNCIA CONCORRENTE EM MATÉRIA DISCIPLINAR. EFEITOS EX NUNC DOS PROVIMENTOS E DA PORTARIA. AUSÊNCIA DE RETROATIVIDADE. EXIGÊNCIA DE ADEQUAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA A PARTIR DA EDIÇÃO DAS NORMAS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 473/STF. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE.

 

1.  Cuida-se de PCA proposto para afastar a “aplicação retroativa” do art. 12, § 4º do Provimento n. 14/2022/CGJCE, do art. 73, § 4º do Provimento n. 04/2023/CGJCE e da Portaria n. 01/2023 da Corregedoria Permanente das Serventias Extrajudiciais, os quais, em suma, proíbem o interino substituto de nomear como preposto cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau do antigo delegatário e determinam o desligamento de preposta que é filha da antiga titular de serventia.

 

 2.   O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 579.951/RN, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski assentou que a vedação ao nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática, vez que tal proibição decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput da CF.

3.   Os atos atacados voltam-se a conferir concretude aos princípios da moralidade e da impessoalidade insculpidos no art. 37, caput da Constituição da República; (ii) como decidiu a Suprema Corte, a coibição ao nepotismo não depende de lei formal; (iii) encontra-se inserida no feixe de competências do Corregedor-Geral de Justiça, as quais emanam diretamente da autonomia administrativa garantida aos tribunais pelo arts. 96 e 99 da CF, a atribuição de fiscalizar o serviço notarial e de registro; (iv) o exercício dessa atribuição pode dar-se, validamente, por meio da edição de provimentos.

 

4.   O Provimento CN n. 77/2018 não disciplina o tema de forma exauriente e/ou exaustiva. A atribuição correcional originária e autônoma do CNJ não é subsidiária à atribuição dos órgãos de correição local, mas sim concorrente (ADI n. 4.638 MC-Ref/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 8.2.2012, DJe de 29.10.2014), do que exsurge a possibilidade de também a Corregedoria local disciplinar o assunto em questão.

5.   Os provimentos editados pela CGJCE possuem efeitos ex nunc e, portanto, não estão a invalidar a contratação da preposta ab initio, mas a determinar a adequação da situação fática à norma a partir do momento em que esta entrou em vigor.

6.   Não é possível falar em direito adquirido à contratação de empregado, sobretudo quando envolvido o interesse da Administração Pública e quando considerado o caráter sempre precário do exercício da interinidade.

7.   A par disso, os atos administrativos em questão não inovaram no mundo jurídico, mas apenas explicitaram a incidência da vedação ao nepotismo – proibição que, consoante assinalado anteriormente, decorre diretamente da própria Carta da República.

8.   O Poder Judiciário, na condição de integrante da Administração Pública, tem o poder/dever de rever, de ofício, seus próprios atos quando eivados de irregularidade devendo anulá-los ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (Súmula 473/STF).

 

9. Procedimento de controle administrativo julgado improcedente. (grifei)

 

 

 Cuidando-se de caso substancialmente idêntico, idêntica há de ser também a solução conferida.

O art. 12, § 4º do Provimento nº 14/2022 CGJCE não conta com qualquer mácula quanto a sua validade, sendo totalmente aplicável a admissões efetuadas anteriormente a sua edição. Isso porque, conforme pontuou-se no precedente indicado acima,

 

Quanto à tese de que a norma impugnada não deveria retroagir para atingir o ato juridicamente perfeito praticado de forma legítima e autorizado pelo próprio Poder Judiciário – qual seja, a contratação da preposta -, note-se que o provimento tem efeitos apenas ex nunc.

Não se está a invalidar a contratação da preposta ab initio, mas a determinar a adequação da situação fática à norma a partir do momento em que esta entrou em vigor.  Note-se não ser possível falar em direito adquirido à contratação de empregado, sobretudo quando envolvido o interesse da Administração Pública e quando considerado o caráter sempre precário do exercício da interinidade.

A par disso, os atos administrativos em questão não inovaram no mundo jurídico, mas apenas explicitaram a incidência da vedação ao nepotismo – proibição que, consoante assinalado anteriormente, decorre diretamente da própria Carta da República.

 

Não fosse o bastante, consoante destacado pela CGJCE, o Poder Judiciário, na condição de integrante da Administração Pública, tem o poder/dever de rever, de ofício, seus próprios atos quando eivados de irregularidade devendo anulá-los ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Essa possibilidade está calcada no princípio da autotutela da Administração Pública e é reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 473).

É como assentou o Ministro Sérgio Kukina no julgamento do RMS nº 63.160/RJ, no qual discutiu-se a aplicação retroativa do Provimento CNJ nº 77/2018:

 

Por derradeiro, diversamente do sustentado pelo autor recorrente, não há falar em indevida aplicação retroativa das novas restrições emanadas do CNJ, eis que não se tratou, na espécie, de invalidar sua atuação pretérita como interino. Ao invés, por intermédio do ato administrativo impetrado, dotado de eficácia ex nunc, apenas se promoveu a necessária correção de hipótese que passou a ser tida por irregular pela Corregedoria Nacional de Justiça (com o aval, repita-se, do Plenário do CNJ), não se podendo, por certo, invocar direito adquirido fundado em ato administrativo (Portaria nº 1.938/2016) posteriormente tido por afrontoso à letra constitucional.

 

De igual forma decidiu o eminente Ministro Ricardo Lewandowski:

Vê-se, portanto, que o referido provimento, ao proibir a designação de parente do antigo delegatário ou de magistrado do próprio tribunal, não inovou no mundo jurídico, mas apenas explicitou a incidência da vedação ao nepotismo aos interinos das serventias extrajudiciais, pois, segundo já explicitado acima, tal proibição decorre diretamente da própria Constituição Federal.

Além disso, noto que ambas as Turmas do STF já apreciaram a questão referente à aplicação do Provimento CNJ 77/2018 a caso de designação de interino antes da respectiva vigência, asseverando a incidência da Súmula 473/STF e a ausência de direito adquirido:

 

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO MANDADO DE SEGURANÇA. PROVIMENTO 77/2018 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. VEDAÇÃO À PRÁTICA DE NEPOTISMO. DELEGAÇÃO EXTRAJUDICIAL. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DE ATO NORMATIVO E VIOLAÇÃO A DIREITO ADQUIRIDO. DESCABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O mandado de segurança não pode ser utilizado como mecanismo de controle abstrato da validade constitucional das leis e dos atos normativos em geral, posto não ser sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade (MS 34.428-DF rel. Min. LUIZ FUX, j. 10.10.2016). A análise da constitucionalidade do Provimento 77 do Conselho Nacional de Justiça não é possível, dado seu caráter abstrato e geral dentro de suas situações de fato, por meio do mandado de segurança individual, dado seu caráter eminentemente subjetivo. Precedentes: MS 36.259-DF, j. 01.02.2019 e MS 36.346-CE, j. 03.04.2019. 2. A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (Súmula 473 do STF). Ausência de ofensa a direito adquirido. 3. Recurso de agravo a que se nega provimento.” (MS 37.485-AgR/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma – grifei).

 

 “AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. WRIT IMPETRADO CONTRA DECISÃO PROFERIDA PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. RECONHECIMENTO DE NEPOTISMO NA INDICAÇÃO DE INTERINOS PARA SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. ALEGADA IRRETROATIVIDADE DO PROVIMENTO CNJ77/2018. PROIBIÇÃO QUE DECORRE DO ART. 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TEMA 66/RG). AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INOBSERVÂNCIA DOS ARTS. 1.021, § 1°, DO CPC/2015 E 317, § 1°, DO RISTF. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 283 E 284/STF. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I - Nos termos do art. 1.021, § 1°, do CPC/2015 e do art. 317, § 1°, do RISTF, é requisito de admissibilidade do agravo regimental a impugnação específica de todos os fundamentos nos quais se baseou a decisão agravada, sob pena de incidênciado óbice previsto nas Súmulas 283 e 284/STF.

II - No caso, os agravantes limitaram-se a reiterar argumentos expendidos na inicial do mandamus, insistindo na anulação do acórdão do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por meio do qual foi determinado o afastamento de interinos de serventias extrajudiciais com vínculo de parentesco com o antigo delegatário titular.

III – A vedação ao nepotismo decorre diretamente do art. 37, caput, da Constituição Federal – CF, conforme assentado pelo Plenário deste Supremo Tribunal no julgamento do RE 579.951-RG/RN, de minha relatoria (Tema 66/RG).

IV – O controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de (i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das competências do Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado (MS 35.100/DF, de relatoria do Ministro Roberto Barroso). Tais hipóteses não estão caracterizadas no caso sub judice.

V – Agravo regimental a que se nega provimento.” (MS 37.448-AgR/DF, de minha relatoria, Segunda Turma - grifei).

 

 Desse modo, reitero que a autoridade impetrada atuou dentro dos limites de suas atribuições constitucionais de zelar pelo cumprimento do disposto nos arts. 37, caput; e 236, § 3°, da CF. (MS n. 38.429/PI, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 3.8.2022).

Ante o exposto, com fulcro no art. 25, inciso X do RICNJ, julgo improcedente o procedimento de controle administrativo. 

Sobre a alegação de que a decisão da CGJCE baseou-se em “achismos” e presumiu indevidamente a má-fé, tal é irrelevante para o deslinde da questão.

Isso porque (i) os atos atacados voltam-se a conferir concretude aos princípios da moralidade e da impessoalidade insculpidos no art. 37, caput da Constituição da República; (ii) como decidiu a Suprema Corte, a coibição ao nepotismo não depende de lei formal; (iii) encontra-se inserida no feixe de competências do Corregedor-Geral de Justiça, as quais emanam diretamente da autonomia administrativa garantida aos tribunais pelo arts. 96 e 99 da CF, a atribuição de fiscalizar o serviço notarial e de registro; (iv) e o exercício dessa atribuição pode dar-se, validamente, por meio da edição de provimentos.

  Quanto à legalidade da restrição imposta pelo art. 12, § 4º do Provimento n. 14/2022 CGJCE, não vislumbro qualquer vício. 

Isso porque (i) os atos atacados voltam-se a conferir concretude aos princípios da moralidade e da impessoalidade insculpidos no art. 37, caput da Constituição da República; (ii) como decidiu a Suprema Corte, a coibição ao nepotismo não depende de lei formal; (iii) encontra-se inserida no feixe de competências do Corregedor-Geral de Justiça, as quais emanam diretamente da autonomia administrativa garantida aos tribunais pelo arts. 96 e 99 da CF, a atribuição de fiscalizar o serviço notarial e de registro; (iv) e o exercício dessa atribuição pode dar-se, validamente, por meio da edição de provimentos.

Aqui chamo a atenção para o fato de que, como já decidiu este Conselho, a sucessão de parentes à testa do serviço registral contraria igualmente o princípio republicano, por causar a perpetuação de uma pessoa ou grupo de pessoas (núcleo familiar) no exercício de atividade do Estado, sem privilegiar, contudo, a alternância e a temporariedade (PCA nº 0007525-67.2017.2.00.0000, Rel. Conselheira Iracema Vale, 285ª Sessão Ordinária, J. 19.2.2019).

Não procede o argumento de que o nepotismo é caracterizado a partir da ocupação de cargo de gerência/chefia e que a norma questionada estaria a ampliar o plexo restritivo a seu talante.

Em verdade, o nepotismo consiste no favorecimento dos vínculos de parentesco nas relações de trabalho ou emprego, não necessariamente subordinação direta. Basta ver a Súmula Vinculante n. 13 do STF vedou também as nomeações mediante designações recíprocas (nepotismo cruzado).

 

                      Ora, o que a norma impugnada buscou impedir foi exatamente uma situação transversa e recorrente de favorecimento em razão do vínculo de parentesco.

Se em virtude disso algumas pessoas terão suas possibilidades de trabalho reduzidas, não se trata de restrição arbitrária, mas de proibição que exsurge dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. Nenhum direito é absoluto; havendo fator de discrímen razoável e que, como na hipótese dos autos, resulta direto da Constituição Federal, não se cogita falar em criação indevida de proibição ou, ainda, em necessidade de comprovação da má-fé caso a caso.

Ademais, o óbice inaugurado pelo Provimento n. 14/2022 CGJCE de forma alguma alija o colaborador Francisco Rogério do mercado de trabalho das serventias extrajudiciais – ele apenas não poderá prestar seus serviços para a unidade antigamente titularizada por seu genitor, por razões de moralidade e impessoalidade com amparo constitucional, conforme já se agitou.

 Note-se que o fato de o Provimento CNJ nº 77/2018 não alcançar expressamente hipóteses como a dos autos não implica a impossibilidade de o tribunal agir para conter outras modalidades de contratações irregulares nos serviços extrajudiciais, visto ser bastante difícil, se não impossível, a edição de ato normativo que cuide, de forma exauriente e minuciosa, de todas as formas de nepotismo.

Muitas vezes o que se observa na realidade é um descompasso entre o que consta no papel e a prática, de maneira que, ainda que não oficialmente contratado para a posição de gerenciamento (como forma de disfarçar a burla à legislação), o empregado acaba por exercer, de fato, posições de comando – foi inclusive no intuito de combater esse costume que a Corregedoria-Geral de Justiça do Ceará editou a norma ora sob debate.

De toda forma, extrai-se dos autos que Francisco Rogério Facundo Filho poderia assumir a serventia nas ausências e impedimentos do interino, uma vez que foi designado para exercer as funções de substituto,  conforme informado pelo próprio requerente na exordial.

Dito de outro modo, em eventual ausência do interino na serventia, o filho do antigo delegatário estará, pontualmente, no comando do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Beberibe/CE, em evidente contrariedade às disposições dos Provimentos nº 14/2022 da CGJCE, do Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado do Ceará e do Provimento CNJ nº 77/2018, o que não se admite.

                    A respeito da alegação de que o art. 12, § 4º do Provimento n. 14/2022 CGJCE criaria situação inusitada, vez que o filho poderia trabalhar para o pai, titular da serventia extrajudicial, mas não para o interino dessa mesma serventia, o recorrente parece ignorar uma diferença óbvia.                 

                    Conforme plasmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 808.202/RS (Tema 779), os substitutos designados para o exercício da função delegada não se equiparam aos titulares da serventia extrajudicial. Classificam-se como agentes delegados, prepostos do Estado. Em decorrência disso, submetem-se às regras que vedam o nepotismo, o que não ocorre para os titulares, que desempenham atividade considerada de caráter privado. Daí porque a proibição incide em um caso e no outro não.

                    Relativamente às alegações sobre a inaplicabilidade da vedação a contratações ocorridas antes da edição do Provimento n. 14/2022 CGJECE, entendo que os fundamentos da decisão guerreada são fortes e claros o suficiente, não havendo o que acrescentar.

                 O fato de que à época da admissão do colaborador aos quadros da serventia vigia apenas o Provimento n. 77/2018, o qual não vedava a contratação em tela, não muda o desfecho do PCA. Isso porque, conforme já se asseverou, a norma não invalidou o contrato de trabalho ab initio, mas sim introduziu uma vedação com eficácia ex nunc, em aclaramento e cumprimento a comando constitucional.

                    Não há direito adquirido ao vínculo de trabalho, como parece crer o recorrente, sobretudo em situações de interinidade, as quais, conforme sólido entendimento do CNJ, caracterizam-se por sua precariedade.

                     Sobre a aventada ausência de alteração legislativa a embasar a aplicação da norma a contratação realizada antes de sua edição, além de não se tratar de hipótese de retroatividade, como já demonstrado, a Constituição da República, consoante elucidado pelo STF, dispensa a necessidade de edição de lei formal para explicitar as hipóteses de nepotismo.

                     Por fim, não é demais lembrar que, no caso das serventias extrajudiciais vagas, a titularidade não é do interino, mas do Estado. O interino presta um serviço para o Estado em caráter transitório. Assim sendo, mostra-se completamente desarrazoada a recalcitrância em atender o comando exarado por aquele que, de fato, titulariza o cartório.

                     Ante todo o exposto, nego provimento ao recurso.

                     Certificado o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.

                     É o voto.

Conselheiro RICHARD PAE KIM

 

Relator