Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PCA 0000414-22.2023.2.00.0000
Requerente: Mário Soares Caymmi Gomes
Requerido: Corregedoria-Geral da Justiça do Estado da Bahia (CGJBA)
Relator: Sidney Pessoa Madruga


EMENTA

RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUTIÇA DO ESTADO DA BAHIA. EDITAL DE SELEÇÃO PÚBLICA. ESTÁGIO REMUNERADO A ESTUDANTES DO CURSO DE DIREITO. VAGAS DESTINADAS EXCLUSIVAMENTE AOS QUE SE AUTODECLARAREM LGBTQIA+. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES AFIRMATIVAS SEM PREVISÃO LEGAL. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DOS TRIBUNAIS. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.   

1. Recurso em Procedimento de Controle Administrativo em que se questiona decisão monocrática que julgou improcedente pedido para anular a decisão administrativa do Corregedor-Geral da Justiça do Estado da Bahia, que suspendeu o edital de seleção pública para três vagas de estágio perante a 12ª Vara de Relações de Consumo de Salvador/BA.

2. O recorrente limita-se a reiterar as alegações da inicial, não apresentando, porém, qualquer elemento novo ou razão jurídica capaz de alterar o entendimento proferido anteriormente. 

3. A implementação de políticas públicas e ações afirmativas sem previsão legal deve ser aprovada pelos órgãos de cúpula do Poder Judiciário ou, ao menos, ser submetida e avalizada pelas instâncias superiores do Tribunal.

4. A previsão de reserva de cotas não legalmente previstas insere-se no campo da autonomia administrativa dos Tribunais de Justiça, o que lhe autoriza, portanto, a definir, per se, a organização interna dos seus respectivos serviços, segundo dispõe o art. 96, I, “a”, da Constituição Federal. Precedentes.

5. Recurso conhecido, mas que se nega provimento.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 16 de junho de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Márcio Luiz Freitas.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PCA 0000414-22.2023.2.00.0000
Requerente: Mário Soares Caymmi Gomes
Requerido: Corregedoria-Geral da Justiça do Estado da Bahia (CGJBA)
Relator: Sidney Pessoa Madruga

 

 

RELATÓRIO

O CONSELHEIRO SIDNEY PESSOA MADRUGA (Relator):      

Trata-se de recurso interposto por Mário Soares Caymmi Gomes, Juiz de Direito, contra a decisão (Id. 5046836) que julgou improcedente pedido para anular a decisão administrativa do Corregedor-Geral da Justiça do Estado da Bahia, Desembargador Edivaldo Rotondano, que suspendeu o edital de seleção pública para três vagas de estágio perante a 12ª Vara de Relações de Consumo de Salvador/BA, com fundamento no art. 25, inciso X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ)[1].

O apelante, na data de 20/03/2023, interpôs recurso administrativo (Id. 5073126), no qual postula a reforma da mencionada decisão e reitera, em síntese, que apesar de o Poder Judiciário da Bahia ter criado Comissão destinada à promoção de igualdade e políticas afirmativas em questões de gênero e orientação sexual, da qual é Presidente, nenhuma das diversas propostas para a implantação de políticas afirmativas no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) recebeu a devida atenção pela Mesa Diretora da Corte.

Informa que as ações afirmativas possuem fundamento constitucional no princípio da isonomia, que vai além da sua concepção clássica e contempla a igualdade relacional.

Ressalta a situação de vulnerabilidade a que a população LGBTQIA+ está exposta diuturnamente, com destaque para a cidadania precária de pessoas trans, segmento mais vulnerabilizado dentre os integrantes da mencionada classificação e conclui pela existência de: “[...] LGBTQIAfobia estrutural, tal como o racismo estrutural”.

Reafirma que o procedimento de seleção de estagiários, no âmbito do TJBA, é realizado diretamente pelo Magistrado perante o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE).

Intimada a apresentar contrarrazões, na data de 08/02/2023, a Presidência do TJBA pugnou pelo não conhecimento do recurso administrativo, em virtude de afronta ao princípio da dialeticidade recursal, e, alternativamente, pela manutenção da decisão recorrida (Id. 5152823).

Aponta que o recorrente não se desincumbiu do dever de refutar os fundamentos da decisão impugnada, se limitando a apresentação de dados e argumentos relacionados a importância da implementação de políticas afirmativas, em ofensa à dialeticidade recursal, além de destacar que se trata de matéria de competência exclusiva dos Tribunais de Justiça.

Por meio do Id. 5138012, o Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS) e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) requerem sua habilitação na condição de amicus curiae, o que foi deferido em: 30/05/2023.

 É o relatório.




[1] Art. 25. São atribuições do Relator: [...] X - determinar o arquivamento liminar do processo quando a matéria for flagrantemente estranha às finalidades do CNJ, bem como a pretensão for manifestamente improcedente, despida de elementos mínimos para sua compreensão ou quando ausente interesse geral;

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PCA 0000414-22.2023.2.00.0000
Requerente: Mário Soares Caymmi Gomes
Requerido: Corregedoria-Geral da Justiça do Estado da Bahia (CGJBA)
Relator: Sidney Pessoa Madruga

 

 

VOTO

O CONSELHEIRO SIDNEY PESSOA MADRUGA (Relator):

Cuida-se de recurso formulado pelo Juiz Mário Soares Caymmi Gomes, em que se questiona decisão (Id. 5046836) que julgou improcedente pedido para anular a decisão administrativa do Corregedor-Geral da Justiça do Estado da Bahia, Desembargador Edivaldo Rotondano, que suspendeu o edital de seleção pública para três vagas de estágio perante a 12ª Vara de Relações de Consumo de Salvador/BA, com fundamento no art. 25, inciso X, do RICNJ.

Verifica-se que a parte recorrente não trouxe qualquer elemento novo ou razão jurídica capaz de alterar o entendimento proferido anteriormente, motivo pelo qual conheço do recurso, porquanto tempestivo, e mantenho a decisão monocrática por seus próprios fundamentos, que ora submeto ao egrégio Plenário do CNJ para apreciação:

 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido liminar, formulado por Mário Soares Caymmi Gomes, titular da 27ª Vara de Substituições da Capital, em que se questiona a decisão do Corregedor-Geral de Justiça do Estado da Bahia, Desembargador José Edivaldo Rocha Rotondano, que suspendeu, cautelarmente, o edital de seleção pública para três vagas de estágio remunerado a estudantes do curso de Direito, ofertadas exclusivamente àqueles que se autodeclararem LGBTQIAPN+.

Aduziu que o Poder Judiciário da Bahia (PJBA) criou Comissão destinada à promoção de igualdade e políticas afirmativas em questões de gênero e orientação sexual, da qual é Presidente.

Destacou que, na referida Comissão, foram discutidas e aprovadas diversas propostas para a implantação de políticas afirmativas no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), contudo, nenhuma delas recebeu a devida atenção pela Mesa Diretora da Corte.

O requerente também afirmou que, ante a inércia do Tribunal em adotar iniciativas inclusivas de pessoas LGBTQIAPN+ no PJBA, formulou edital para o preenchimento de três vagas de estágio no gabinete da 12ª Vara de Relações de Consumo, em que só seriam contratadas pessoas com identidade de gênero ou orientação sexual LGBTQIAPN+, vetada a contratação de pessoas cisgênero heterossexuais.

Ressaltou que, considerado o número total de vagas para estágio do Tribunal, as três vagas previstas no edital representariam percentual inferior a 0,003%.

Alegou que a decisão proferida pelo Corregedor-Geral, que suspendeu o mencionado edital, carece de fundamentação jurídica, além de ter sido descortês em seus termos e ser inócua do ponto de vista prático, visto que o procedimento de seleção de estagiários para gabinete de Magistrados é realizado por escolha e indicação do Juiz diretamente ao Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE).

Sublinhou que não há quaisquer vícios do edital quanto a exigência de prestação de período de experiência prévio à contratação, sem percepção de remuneração, dado que o Ato Conjunto nº 20, do PJBA, admite trabalho voluntário por maiores de 18 anos, na especialidade de Direito.

Por fim, requereu que o CNJ:

a) suste LIMINARMENTE a decisão administrativa do Excelentíssimo Senhor Corregedor-Geral do PJBA, Des. Edivaldo Rotondano, que ridicularizou e anulou o Edital de Seleção Pública para 3 vagas de estágio perante a 12ª Vara de Relações de Consumo de Salvador, restaurando-se os termos do mesmo;

b) que, em julgamento de mérito, seja a anulação mantida e mantidos os termos do Edital;

c) pugna-se que seja ouvido o requerido, para que possa apresentar as suas considerações, em respeito ao princípio do contraditório.

O Presidente do TJBA encaminhou as informações prestadas pelo Corregedor-Geral (Id. 5017974), nas quais registrou, inicialmente, ser favorável às iniciativas que favoreçam “um Poder Judiciário plural e inclusivo”, contudo, frisou que a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado da Bahia (CGJBA) possui poder-dever correcional amplo, podendo, ex officio, adotar as providências necessárias para suspender atos praticados por servidores e Magistrados, no âmbito administrativo, que extrapolem os limites do ordenamento jurídico, notadamente naqueles casos que ganham magnitude social e atingem, diretamente, a imagem da Corte.

Pontuou que políticas afirmativas de cotas não se confundem com proposta de contratação em que se veda a possibilidade de participação a determinado grupo social, mas pressupõe a reserva de percentual de vagas a grupo social historicamente vulnerável, sem, todavia, vedar aos demais que participem do certame.

Salientou que não cabe ao Magistrado utilizar a imagem oficial da Corte para a defesa de posições pessoais, até porque a remuneração dos estagiários é paga com recursos públicos, oriundos do orçamento do TJBA.

Outrossim, referiu que não compete ao Juiz decidir, ao seu arbítrio, sobrepor-se à instituição a qual está vinculado, com o estabelecimento de políticas públicas de modo unilateral, por melhores que sejam suas intenções.

Ressaltou que fica evidente, da leitura da decisão proferida, não haver quaisquer atos de descortesia ou excesso de linguagem.

Ressalvou, outrossim, no que tange ao período de experiência, que a norma que regulamenta o estágio voluntário, no TJBA, é o Ato Conjunto n.º 37/2021, contudo, o referido normativo estabelece inúmeras formalidades necessárias à legalidade do estágio, inobservadas no edital impugnado.

Em conclusão, sublinhou que: “a suspensão cautelar do edital teve apenas a finalidade de realizar ajustes no procedimento e no texto, nada impedindo que, uma vez implementados, a seleção possa ocorrer com políticas inclusivas”.

É o relatório.

Decido.

DO MÉRITO

De início, verifica-se que a análise exauriente é perfeitamente possível, podendo o procedimento ser decidido de plano.

Nesse cenário, julgo prejudicado o exame da liminar e passo, desde logo, a analisar o mérito, com fundamento no artigo 25, inciso VII, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ).

1)  Das Políticas Afirmativas nos Tribunais

In casu, o requerente destaca que elaborou e fez publicar edital de seleção pública para três vagas de estágio remunerado a estudantes do curso de Direito, ofertadas exclusivamente àqueles que se autodeclararem LGBTQIAPN+, em virtude da inércia da TJBA em regulamentar políticas e ações afirmativas voltadas ao aludido público.

Inicialmente, destaca-se a importância do desenvolvimento de ações e políticas públicas afirmativas que busquem colocar em prática direitos constitucionalmente previstos, notadamente direcionadas às minorias, a fim de aprimorar o Poder Judiciário, transformando-o em um ambiente mais inclusivo, que reflita a diversidade e pluralidade sociocultural.

No entanto, observa-se que a legislação não consegue abarcar, de plano, todos os casos em que as cotas possam ser aplicáveis, de forma que o desenvolvimento de políticas e ações afirmativas no âmbito dos Tribunais brasileiros são resultantes de ampla discussão pelos órgãos de cúpula do Poder Judiciário.

No que diz respeito à discussão enfrentada neste feito, igualmente não há que se falar em aplicação de cotas voltadas ao público LGBTQIAPN+ sem que a tal política pública, estabelecida unilateralmente por um Juiz, seja amplamente discutida e implementada pelos órgãos de cúpula do TJBA, ou que a iniciativa do Magistrado seja, ao menos, antes submetida e avalizada pelas instâncias superiores, porquanto se trata de proposta a ser realizada em nome da Corte, financiada com dinheiro público.

Isto sem falar, que não se trata de cotas propriamente ditas, mas de iniciativa destinada a uma só classe de minorias, em rechaço dos demais grupos sociais vulneráveis.

2)  Da autonomia dos Tribunais

A reforma do Judiciário promovida pela Emenda Constitucional 45/2004, instituiu o CNJ como um órgão regulador independente, com função de controle administrativo. Esta mudança no desenho institucional realçou o caráter nacional da justiça, a ser harmonizado, em nome do equilíbrio do pacto federativo, com a autonomia assegurada aos Tribunais, a teor do art. 96, inciso I, da Constituição Federal.

Um dos desafios do colegiado é oferecer parâmetros para a racionalização e eficiência com o objetivo de uniformizar nacionalmente a interpretação e a aplicação do direito no que diz respeito ao controle de atos administrativos.

O Conselho, todavia, a teor do artigo 25, X do RICNJ deve autoconter-se quando a decisão de determinada Corte de Justiça for razoável e não demonstrar ilegalidade manifesta. Infere-se, portanto, que a regra é da autonomia administrativa dos Tribunais.

De modo análogo, o Plenário do CNJ enfrentou o tema das cotas raciais em concursos público para outorga de delegação de Serviços Notariais e Registrais, em virtude de não haver, na Resolução CNJ n.º 203/2015, previsão de reserva de vagas aos candidatos negros para tais certames, mas, tão somente, para os concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na Magistratura nos órgãos do Poder Judiciário.

Firmou-se entendimento no sentido de que, enquanto o tema não fosse regulamentado pelo CNJ, haveria discricionariedade dos Tribunais para adotar o sistema de cotas raciais nos concursos de cartórios e não seria cabível e extensível sua aplicação por analogia da Resolução CNJ n.º 203/2015, in verbis:

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. CONCURSO PÚBLICO PARA OUTORGA DE DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS. INCLUSÃO DE COTAS RACIAIS. AUTONOMIA DO TRIBUNAL. RECURSO CONHECIDO, PORÉM NÃO PROVIDO.

1. Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo que busca compelir o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul a reservar vagas para negros em concurso público para outorga de delegação de serviços notariais e registrais.

2. A Resolução CNJ 81/2009 não prevê, ao contrário do que faz para pessoas com deficiência (item 2.1.4 e seguintes – Minuta de Edital), a reserva de vagas para candidatos negros.

3. A Resolução CNJ 203/2015 estabelece que o sistema de cotas raciais se aplica tão somente aos concursos públicos para provimento de cargos efetivos nos órgãos do Poder Judiciário, de ingresso na magistratura inclusive, de modo que não assegura a reserva de vagas aos negros no caso de concurso para as atividades notariais e registrais.

4. O entendimento do Conselho – reafirmado em recente julgado – é de que se insere no âmbito da autonomia dos Tribunais decidir pela reserva ou não de cotas raciais nos concursos de cartórios extrajudiciais.

5. Inexistência de fato novo ou de elementos capazes de infirmar os fundamentos que lastreiam a decisão impugnada.  

6. Recurso conhecido, porém não provido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0003022-32.2019.2.00.0000 - Rel. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES - 52ª Sessão Virtual - julgado em 20/09/2019). (grifou-se)

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE RESERVA DE COTAS RACIAIS EM CONCURSO PÚBLICO PARA OUTORGA DE DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS. IMPOSSIBILIDADE. AUTONOMIA DO TRIBUNAL. PRECEDENTES.

1. A Resolução CNJ n. 203/2015 não assegura a reserva de vagas aos candidatos negros no caso de concurso para as atividades notariais e registrais, mas apenas para provimentos de cargos efetivos nos órgãos do Poder Judiciário.

2. A previsão de reserva de cotas raciais em concurso público para outorga de delegação de serviços notariais e registrais insere-se no campo da autonomia administrativa dos Tribunais de Justiça, não sendo possível sua imposição por parte do CNJ. Precedentes.

4. A inexistência de argumentos novos e suficientes a alterar a decisão monocrática impede o provimento do recurso administrativo.

5. Recurso administrativo conhecido e improvido. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001590-75.2019.2.00.0000 - Rel. DALDICE SANTANA - 49ª Sessão Virtual - julgado em 28/06/2019). (grifou-se)

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE TOCANTINS – TJTO. CONCURSO PARA OUTORGA DE SERVENTIAS. RESPEITO AS REGRAS NORTEADORAS DO CONCURSO PÚBLICO.  LEI FEDERAL N° 12.990/2014. CONCEITO DE JURIDICIDADE APLICÁVEL AO ATO DO TRIBUNAL. AUTONOMIA. ESCOLHA POLÍTICA.

1. Possibilidade de aplicação das Leis n° 12.990/2014 e 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial) aos concursos de outorga de delegações em razão do efeito transcendente da ADC n°41/DF, da exigência constitucional de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos, e, por decorrência lógica, do dever de respeito aos princípios norteadores do concurso público.

2. Conceito de juridicidade aplicável ao caso, tendo em vista que extrapola a compreensão tradicional da legalidade estrita, pois deve a Administração Pública observar não apenas às leis, como também ao ordenamento jurídico como um todo, incluindo-se a Constituição e seus princípios jurídicos.

3. Ainda que não exista previsão expressa na Resolução CNJ  nº 203/2015 no tocante à obrigatoriedade de sua aplicação em relação aos concursos públicos para delegação de notas e registros, não há ilegalidade a ser controlada no caso concreto, posto que o ato impugnado configura uma escolha política do TJTO que, valendo-se de sua autonomia e com amparo na jurisprudência pátria - inclusive do STF - busca garantir a efetividade material do princípio da igualdade, a partir de regra específica no edital prestigiando a política de cotas.

4. Recurso administrativo a que se dá parcial provimento. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000058-71.2016.2.00.0000 - Rel. ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO - 272ª Sessão Ordinária - julgado em 22/05/2018). (grifou-se)

Dessume-se, conforme apontado nos acórdãos suprareferidos, que insere-se no campo da autonomia administrativa dos Tribunais de Justiça a previsão de reserva de cotas não legalmente impostas, o que evidencia sua liberdade para definir a organização interna dos seus serviços, segundo previsto no art. 96, I, “a”, da Constituição Federal, impossibilitada sua imposição por parte do CNJ.

Em caso similar, decidiu o Pleno deste Conselho que a reserva de vagas nos estacionamentos internos dos órgãos do Poder Judiciário, para pessoas transgênero, está inserida na esfera de autonomia administrativa dos Tribunais, sob o fundamento de que a escolha de tratamento desigual não deve violar o princípio da igualdade “sob pena de se outorgar benefício a um grupo minoritário discriminando-o favoravelmente em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação”, nos termos da ementa ad litteris:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. REGULAMENTAÇÃO PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. RESERVA DE VAGAS NOS ESTACIONAMENTOS INTERNOS DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO PARA PESSOAS TRANSGÊNERO. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DOS TRIBUNAIS. PECULIARIDADES LOCAIS. SEGURANÇA PÚBLICA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA RESERVA DE VAGAS. AUSÊNCIA DE RESTRIÇÃO À CAPACIDADE DE LOCOMOÇÃO. IMPROCEDENTE.

1. A demanda objeto deste processo requer que o CNJ determine aos órgãos do Poder Judiciário que reservem vagas em seus estacionamentos internos para todo membro, servidor(a), terceirizada(o), estagiária(o) e menor aprendiz transgênero (travesti, transexual e outros).

2. A distribuição de vagas em estacionamentos internos dos edifícios ocupados por órgãos do Poder Judiciário é regulamentada pelos próprios órgãos, no âmbito de sua autonomia administrativa expressa nos arts. 96 e 99 da Constituição Federal de 1988, consideradas as peculiaridades locais.

3. Para que o tratamento desigual seja legítimo e não viole o princípio da igualdade, deve existir correlação lógica abstrata entre o fator erigido como critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado, sob pena de se outorgar benefício a um grupo minoritário discriminando-o favoravelmente em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação.

4. O anseio por maior segurança, diante dos riscos de violência urbana disseminada nos Estados, é traço compartilhado por toda a sociedade, o que não justifica, no ponto pretendido, a quebra da isonomia.

5. Não há lei federal ou estadual que garanta vagas especiais nos estacionamentos de órgãos públicos com base unicamente na identidade de gênero do usuário e que embase a atuação do CNJ para exigência de cumprimento pelos tribunais. Verifica-se a existência de reserva legal de vagas para cidadãos com restrição da capacidade de locomoção (idosos, deficientes físicos e grávidas), o que não se amolda à questão em análise.

6. A segurança institucional de todos os que transitam nas dependências e nos arredores dos órgãos do Poder Judiciário, com o intuito de se garantir o direito à segurança pessoal, na medida da necessidade de cada região do País, já é objeto de orientação por esta Corte, nos termos da Resolução CNJ n. 291, de 23 de agosto de 2019, que consolida as Resoluções do CNJ sobre Política e o Sistema Nacional de Segurança do Poder Judiciário.

7. Pedido julgado improcedente. (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0005180-60.2019.2.00.0000 - Rel. TANIA REGINA SILVA RECKZIEGEL - 64ª Sessão Virtual - julgado em 08/05/2020). (grifou-se)

Assim, a pretensão deduzida na inicial circunscreve-se à autonomia administrativa do TJBA.

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido e determino o arquivamento dos autos, com fundamento no mencionado artigo 25, incisos X, do RICNJ. (grifos do original)

 

Conforme antes explicitado na decisão recorrida, não se desconhece, em absoluto, a importância do desenvolvimento de ações e políticas públicas afirmativas que busquem colocar em prática direitos constitucionalmente previstos, notadamente direcionadas às minorias, a fim de aprimorar o Poder Judiciário, transformando-o em um ambiente mais inclusivo, que reflita a diversidade e pluralidade sociocultural.

Contudo, o desenvolvimento de políticas públicas e ações afirmativas, no âmbito dos Tribunais brasileiros, é resultante de ampla discussão pelos órgãos de cúpula do Poder Judiciário.

Nesse sentido, ressalta-se que a implementação de cotas voltadas a públicos minoritários no âmbito do TJBA, onde se insere a comunidade LGBTQIA+, necessita ser amplamente discutida pela alta administração, haja vista a sua diversidade e a importância da representatividade no Poder Judiciário, além de se tratar de prática a ser concretizada em nome da Corte.

Registre-se, conforme esclarecido na informação prestada pelo Corregedor-Geral da Justiça (Id. 5152824), que o Pedido de Providências n.º 0000167-51.2023.2.00.0805, procedimento administrativo em que o edital de seleção proposto pelo requerente foi liminarmente suspenso na origem, foi decidido em caráter definitivo, “[...] facultando-se ao Magistrado a edição de novo ato”, sem a interposição de recurso contra tal decisão.

Consoante ressaltado pelo Senhor Corregedor-Geral do TJBA (Id. 5152824, fls. 77 a 83), não cabe ao Magistrado dar tratamento personalista à coisa pública, visto que não é dado a qualquer Magistrado dispor livremente dos recursos oriundos da instituição a qual está submetido, com o uso indevido de sua imagem oficial.

Reafirma-se, assim, que a previsão de reserva de cotas não legalmente previstas insere-se no campo da autonomia administrativa dos Tribunais de Justiça, o que lhe autoriza, portanto, a definir, per se, a organização interna dos seus respectivos serviços, segundo dispõe o art. 96, I, “a”, da Constituição Federal[1]. 

Por fim, cabe registrar que o caso ganhou forte repercussão midiática em âmbito nacional, haja vista tratar de matéria sensível no tocante à necessidade de inclusão do público LGBTQIA+, tendo, posteriormente, tomado feições ainda mais amplas, após a concessão de entrevistas pelo requerente, em que aborda fatos alheios ao objeto da controvérsia. Na ocasião, o recorrente declarou publicamente, mediante entrevista a determinado veículo de comunicação, sua insatisfação com a decisão prolatada, oportunidade em que tratou de aspectos da vida pessoal, privada, do Corregedor-Geral de Justiça, a meu ver, de forma indevida e invasiva[2]. 

Não obstante, considerando as circunstâncias apresentadas, tem-se que a decisão monocrática se amolda de forma adequada ao disposto no art. 25, X do RICNJ.

Ex positis, conheço do recurso interposto, mas nego-lhe provimento, nos termos da fundamentação supra.

É como voto.

Publique-se nos termos do art. 140 do RICNJ[3]. Em seguida, arquive-se independentemente de nova conclusão. 

Brasília/DF, data registrada em sistema.

 

SIDNEY PESSOA MADRUGA
Conselheiro Relator



[1] Art. 96. Compete privativamente: I – aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

[2] Disponível em: <https://www.portalsalvadorfm.com.br/noticias/115370,juiz-baiano-explica-veto-a-heteros-e-diz-que-corregedor-do-tj-e-gay-nao-assumido>. Acesso em: 24 maio 2023.

[3] Art. 140. As decisões, atos regulamentares e recomendações do CNJ serão publicados no Diário da Justiça da União e no sítio eletrônico do CNJ.