Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0004710-92.2020.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS - TJGO
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


 

EMENTA: CONSULTA. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. RESOLUÇÃO CNJ 317/2020. REALIZAÇÃO DE PERÍCIAS POR MEIOS ELETRÔNICOS OU VIRTUAIS. ALEGADA VEDAÇÃO PELO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. RECOMENDAÇÃO DA PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO, DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, NO SENTIDO DE NÃO INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES. PARECER DO "COMITÊ DE CRISE" DESTE CONSELHO FAVORÁVEL À POSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO DE NORMAS DA RES. CNJ 317/2020. SUPERVENIÊNCIA DA RES. CNJ 322/2020. POSSIBILIDADE DE RETORNO ÀS ATIVIDADES PRESENCIAIS. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA GARANTIDA AOS TRIBUNAIS PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

1. O entendimento do Conselho Federal de Medicina, contrário à utilização de recurso tecnológico para a realização das perícias médicas, não tem o condão de afastar o teor da Res. CNJ 317/2020, que autoriza, de forma excepcional e temporária, a referida prática no âmbito do Poder Judiciário.

2. A Recomendação 4, de 06/05/2020, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão - Ministério Público Federal, é no sentido de o Conselho Federal de Medicina não adotar “quaisquer medidas contrárias à realização de perícias eletrônicas e virtuais por médicos durante o período de pandemia da Covid-19”.

3. Parecer do Comitê de Crise para suporte ao Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão deste Conselho conclui favoravelmente à “flexibilização da Resolução 317/2020 quando presentes aspectos capazes de superar o propósito dos atos normativos, a realização de perícia em meio eletrônico, a situação epidemiológica local e a mitigação das regras de distanciamento, por força da realidade identificada no município, das circunstâncias do caso concreto e da avaliação e sopesamento da maximização dos direitos fundamentais e possibilidades jurídicas". 

4. Em consonância com a autonomia constitucional dos Tribunais (art. 96, I, a e art. 99 da CF/88), a Res. CNJ 322/2020 dispõe que a estes compete a decisão sobre a retomada gradual e sistematizada dos serviços jurisdicionais e administrativos presenciais, dentre os quais as atividades periciais, desde que observados os requisitos do citado regulamento.

5. Consulta respondida no sentido de i) reafirmar a possibilidade de realização de perícias médicas por meios eletrônicos ou virtuais, nos termos da Res. CNJ 317/2020; ii) ser possível a "flexibilização da Resolução 317/2020 quando presentes aspectos capazes de superar o propósito dos atos normativos, a realização de perícia em meio eletrônico, a situação epidemiológica local e a mitigação das regras de distanciamento, por força da realidade identificada no município, das circunstâncias do caso concreto e da avaliação e sopesamento da maximização dos direitos fundamentais e possibilidades jurídicas", nos termos do parecer ofertado pelo Comitê de Crise para suporte ao Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão; e iii) concluir que a avaliação da possibilidade de retorno gradual e sistematizado dos serviços presenciais, inclusive das atividades periciais, atendidas as balizas fixadas pela Res. CNJ 322/2020, constitui exercício da autonomia administrativa dos Tribunais, garantida pela Constituição da República.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, respondeu a consulta, no sentido de: I) reafirmar a possibilidade de realização de perícias médicas por meios eletrônicos ou virtuais, nos termos da Res. CNJ 317/2020; II) ser possível possibilitar a "flexibilização da Resolução 317/2020 quando presentes aspectos capazes de superar o propósito dos atos normativos, a realização de perícia em meio eletrônico, a situação epidemiológica local e a mitigação das regras de distanciamento, por força da realidade identificada no município, das circunstâncias do caso concreto e da avaliação e sopesamento da maximização dos direitos fundamentais e possibilidades jurídicas", nos termos do parecer ofertado pelo Comitê de Crise para suporte ao Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão; e III) concluir que a avaliação da possibilidade de retorno gradual e sistematizado dos serviços presenciais, inclusive das atividades periciais, atendidas as balizas fixadas pela Res. CNJ 322/2020, constitui exercício da autonomia administrativa dos Tribunais, garantida pela Constituição da República, nos termos do voto da Relatora. Vencidos, parcialmente, os Conselheiros André Godinho, Dias Toffoli, Humberto Martins e Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, que propunham alteração pontual da resposta sugerida pela Relatora no item II. Presidiu o julgamento o Ministro Dias Toffoli. Plenário Virtual, 10 de julho de 2020. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Maria Cristiana Ziouva, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Rubens Canuto.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0004710-92.2020.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS - TJGO
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RELATÓRIO

 

Trata-se de Consulta formulada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO). A Corte noticiou que, ao dar cumprimento à Res. CNJ 317, de 30/04/2020, que permitiu a “a realização de perícias em meios eletrônicos ou virtuais em ações em que se discutem benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais”, durante o período pandêmico do novo coronavírus (Covid-19), expediu ofícios aos integrantes da Junta Médica do TJGO dando-lhes ciência do referido ato normativo.

Após discussão interna, a diretoria da referida unidade comunicou a impossibilidade de os/as Peritos/as Médicos/as atuarem na forma virtual, porquanto constituiria prática vedada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), na forma das conclusões do Processo-Consulta CFM 7/2020 e do Parecer CFM 3/2020, sujeitando a penalidades os/as profissionais que assim procedessem.

Dado o conflito existente entre o previsto no ato normativo do CNJ e o entendimento da referida autarquia, o Tribunal goiano formula a presente Consulta, buscando posicionamento deste Conselho quanto “ao retorno das atividades periciais médicas com perícia direta”, dada a superveniência da Res. CNJ 322/2020, que dispõe sobre as medidas para retomada dos serviços presenciais no âmbito do Poder Judiciário.

É o relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0004710-92.2020.2.00.0000
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Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


VOTO

 

Nos termos do art. 89 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ), “o Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência”.

Já o § 2º do referido artigo dispõe que “A resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral”.

Transcrevo o trecho que resume a dúvida suscitada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (Id. 4018296):

 

(...) considerada a relevância da matéria posta em questão e tendo em vista a edição da Resolução CNJ nº 322/2020, que estabelece, no âmbito do Poder Judiciário, medidas para retomada dos serviços presenciais, observadas as ações necessárias para a prevenção de contágio pela Covid-19, prevendo em seu art. 1º, § 1º, que a partir do dia 15/06/2020 os Tribunais poderão restabelecer as atividades presenciais de forma gradativa e sistematizada, formulo consulta para posicionamento desse Colendo Conselho em relação aos termos da Resolução 317/2020, no que pertine ao retorno das atividades periciais médicas com perícia direta. 

 

A resposta ao referido questionamento não prescinde do exame da evolução normativa editada por este Conselho quanto ao tema.

Com efeito, a rápida evolução do estado pandêmico decorrente do contágio da Covid-19 tem exigido do sistema de Justiça atuação célere no que diz respeito à base normativa necessária para equacionar a continuidade da prestação jurisdicional e a preservação da saúde de magistrados/as, servidores/as, agentes públicos, advogados/as e usuários/as em geral.

Ao Conselho Nacional de Justiça cumpre o dever de “uniformizar o funcionamento dos serviços” do Poder Judiciário, garantindo “o acesso à justiça neste período emergencial”, o que se deu inicialmente por meio da edição da Res. CNJ 313, de 19/03/2020, seguida das Res. 314, de 20/04/2020, 317, de 30/04/2020 e 318, de 07/05/2020, e da Portaria 79, de 22/05/2020, referentes ao sistema de Plantão Extraordinário, e da Res. CNJ 322, de 1º/06/2020, que disciplina o retorno às atividades presenciais.

Na 309ª Sessão Ordinária deste Conselho, realizada em 28/04/2020, foi aprovada a Resolução 317, de 30/04/2020, que dispôs "sobre a realização de perícias em meios eletrônicos ou virtuais em ações em que se discutem benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais, enquanto durarem os efeitos da crise ocasionada pela pandemia do novo Coronavírus".

O questionamento formulado será analisado à luz das premissas que conduziram este órgão de controle a editar atos normativos dotados de excepcionalidade sem precedentes na história do Poder Judiciário brasileiro, concebidos em estrito cumprimento aos comandos da Constituição da República, das normas processuais pertinentes e das orientações da OMS.

A primeira premissa resta clara logo na ementa da Resolução 317/2020, porquanto acentuado o caráter excepcional e temporário da medida, cuja vigência foi limitada “enquanto durarem os efeitos da crise ocasionada pela pandemia do novo Coronavírus”.

Outros fundamentos relevantes estão registrados entre os considerandos da Resolução, dos quais se destaca a edição da Lei 13.989, de 15/04/2020, que dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pela Covid-19, bem como o teor do Ofício CFM 1.756/2020, “em que o Conselho Federal de Medicina, em caráter de excepcionalidade, (...) reconhece a possibilidade e a eticidade da utilização da telemedicina além do disposto na Resolução CFM 1643/2020”.

Ainda entre os considerandos da referida Resolução, registrou-se a necessidade da adoção de “alternativas tecnológicas na condução dos processos para solucionar litígios, de modo a preservar a incolumidade sanitária de todos os que atuam no sistema de justiça”, bem como o teor da Nota Técnica 12/2020, "do Centro Local de Inteligência da Justiça Federal - Seção Judiciária de São Paulo, que propõe seja facultada às partes a realização de teleperícia nos processos que envoovam benefícios previdenciários ou benefícios de prestação continuada".

Evidenciado resta, assim, o nítido propósito de, durante este período excepcional, permitir-se a utilização de recursos eletrônicos para a realização das perícias em processos judiciais que versem sobre benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais (art. 1º).

Destaque-se, por oportuno, que a edição da Res. CNJ 317/2020 deu-se em momento que estava a exigir atuação célere e proativa deste Conselho na uniformização do funcionamento dos serviços judiciários no território nacional.

Iniciado este mês de julho, desafios não menos importantes acometem o Poder Judiciário, mormente em razão da heterogeneidade das circunstâncias locais e regionais de cada ente federado no enfrentamento da Covid-19.

Ultrapassada a necessidade de, em um primeiro momento, o CNJ conferir uniformidade de tratamento a todo o Poder Judiciário no combate inicial à proliferação do novo coronavírus, vivencia-se nova fase, na qual este Conselho conferiu a cada Tribunal a atribuição para, avaliando de forma criteriosa a situação local, permitir a retomada de suas atividades presenciais.

É nesse quadro que se insere a superveniência da Resolução 322/2020, em que o CNJ, reconhecendo a competência dos Estados e Municípios para adoção de medidas de restrição à locomoção dos cidadãos durante o atual estado de emergência (ADI 6.343/DF), os diferentes graus de dificuldade enfrentados pelos entes federados, bem como a necessidade de estabelecer-se planejamento responsável de retorno gradativo às atividades presenciais, autorizou que os Tribunais, quando possível e de forma gradual e sistematizada, estabeleçam “regras mínimas para a retomada dos serviços jurisdicionais presenciais” (art. 1º, caput).

Contextualizada a evolução normativa estabelecida no âmbito deste Conselho a respeito do tema, consigne-se que a Junta Médica Oficial do Poder Judiciário do Estado de Goiás comunicou ao TJGO, em 14/05/2020, a impossibilidade de os/as peritos/as judiciais realizarem a teleperícia, “devido à vedação expressa pelo Conselho Federal de Medicina e seu poder de aplicação de penalidades em processo ético disciplinar, no caso de descumprimento de seus atos” (Id. 4018297).

No referido documento, cita-se o Processo-Consulta 7/2020, em que o Conselho Federal de Medicina entendeu não ser “possível a realização da perícia médica virtual (...), a ser realizada pelo médico perito, mesmo em face do estado de Emergência da Saúde Pública de Interesse Internacional em decorrência da Pandemia do COVID-19”. Eis a ementa do documento:

 

EMENTA: O médico Perito Judicial que utiliza recurso tecnológico sem realizar o exame direto no periciando afronta o Código de Ética Médica e demais normativas emanadas do Conselho Federal de Medicina. 

 

Aqui reside o cerne da consulta ora formulada, ou seja, como compatibilizar o comando da Res. CNJ 317/2020, a autorizar a realização das perícias médicas por meio eletrônico e o entendimento do Conselho Federal de Medicina, justamente no sentido oposto.

Conforme anteriormente consignado, o ato normativo deste Conselho foi editado em momento pandêmico extremamente grave. O ineditismo das circunstâncias fez com que soluções fossem buscadas de forma a compatibilizar a preservação da saúde dos cidadãos e o caráter ininterrupto da atividade jurisdicional.

Ao publicar a Resolução 317/2020, cuja ementa registra sua temporariedade, outra não foi a intenção do Conselho Nacional de Justiça, senão evitar o colapso do sistema previdenciário e assistencial, permitindo-se a utilização de recursos tecnológicos para a realização das perícias médicas.

O evidente esforço conjunto de todo o sistema de Justiça, para superação dos desafios impostos ao Poder Judiciário, situa em perspectiva diminuta o óbice constante do entendimento do Conselho Federal de Medicina.

De fato. É de se consignar que, em razão da sensibilidade do tema e por considerar a gravidade do estado pandêmico decorrente da Covid-19, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), editou a Recomendação 4, de 06/05/2020, destinada especificamente ao Conselho Federal de Medicina.

Dentre outras razões, constam como fundamentos do ato a necessidade de “adaptações das atividades de medicina, com o emprego das tecnologias de informática disponíveis, prevista na Lei 13.989, de 15/04/2020”, ser premente a imposição de “estratégias e medidas que possibilitem a análise e o deferimento urgentes de benefícios assistências e previdenciários no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social”, ser “assombroso [o] volume de ações judiciais relacionadas a benefícios assistenciais e previdenciários que demandam a realização de perícias”, e, por fim, a previsão normativa evidenciada na Res. CNJ 317/2020. Este o teor da referida Recomendação ao CFM:

 

RECOMENDA ao Conselho Federal de Medicina que, em processos administrativos e judiciais relativos a benefícios assistenciais e previdenciários:

a) não adote quaisquer medidas contrárias à realização de perícias eletrônicas e virtuais por médicos durante o período de pandemia da COVID-19;

b) se abstenha de instaurar procedimentos disciplinares contra médicos por elaboração de Parecer Técnico Simplificado em Prova Técnica Simplificada (arts. 464 e 472 do CPC; art. 35 da Lei 9.099; art. 12 da Lei 10.259) e perícia fracionada (onde é realizado um exame de documental – parecer simplificado –, posteriormente complementado com exame físico).

ADVIRTA-SE que a presente RECOMENDAÇÃO deve ser cumprida a partir de seu recebimento, sob pena das ações judiciais cabíveis, sem prejuízo da apuração da responsabilidade civil e criminal individual de agentes públicos. (grifou-se) 

 

Cabe acrescentar, outrossim, que a e. Conselheira Maria Tereza Uille Gomes, na condição de Presidente do Comitê de Crise para suporte ao Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão (Portaria 57, de 20/03/2020), apresentou parecer favorável à "realização de perícias em consultórios médicos, observados os ditames das Res. CNJ 313 e 317/2020 e a situação epidemiológica local, c/c as regras de distanciamento social e medidas para enfrentamento da pandemia" (Id. 3981309 daqueles autos). Consta do aludido parecer a possibilidade de "flexibilização da Resolução 317/2020 quando presentes aspectos capazes de superar o propósito dos atos normativos, a realização de perícia em meio eletrônico, a situação epidemiológica local e a mitigação das regras de distanciamento, por força da realidade identificada no município, das circunstâncias do caso concreto e da avaliação e sopesamento da maximização dos direitos fundamentais e possibilidades jurídicas".

Tais circunstâncias compatibilizam-se com aquelas que redundarem na superveniência da edição da Res. CNJ 322/2020, na qual estabelecidas regras mínimas para a retomada dos serviços jurisdicionais presenciais “nos tribunais em que isso for possível” (art. 1º, caput) e alterada a uniformidade de tratamento antes indispensável, quando o Colegiado conferiu a cada Tribunal a atribuição para, avaliando de forma criteriosa a situação local, decidir ou não pela evolução de seus serviços para a forma presencial.

De acordo com o novo panorama normativo, cumpre aos Presidentes dos Tribunais, no exercício da autonomia constitucional destes, o estabelecimento das medidas necessárias ao retorno gradual e seguro das atividades jurisdicionais e administrativas presenciais, situação em que se revela possível a retomada, nessa fase, das atividades periciais médicas com perícia direta.

Transcrevo, por oportuno, a manifestação da Junta Médica Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás a respeito da eventual retomada das perícias presenciais (Id. 4018297):

 

Lembrando que somos favoráveis às medidas adotadas pelo Ministério da Saúde e pela Justiça diante do quadro do COVID 19, a Junta Médica Oficial do Tribunal de Justiça não é insensível às atribulações da sociedade brasileira e estamos à disposição para o retorno imediato ao trabalho presencial assim que autorizado pelas autoridades competentes. Nossa posição não se refere à Telemedicina regulamentada pelo CFM que se aplica à assistência, promoção de saúde e pesquisa, mas no caso específico da Medicina Pericial reiteramos nossa impossibilidade técnica que é fundamentada pelos ditames da boa ciência e, mais especificamente, a ética de adotá-la como método ainda que temporário.

(...)

Destarte, a Junta Médica Oficial apresenta interesse em reiniciar a realização dos trabalhos presenciais e a devida avaliação pericial, os quais devem ocorrer presencialmente dentro de normas de higiene e segurança apropriadas ao período de pandemia, e que a impossibilidade aplicada estritamente ao serviço pericial para a utilização da telemedicina ocorre por suas particularidades muito distintas da assistência, promoção e prevenção de saúde descritas e aprovadas em caráter excepcional, e pela infração ética que tal prática pode ser atribuída aos peritos médicos. 

 

Ao final do documento, a diretoria da citada Junta manifesta ser favorável a que a Presidência do TJGO promova a “edição de ato específico regulamentando o retorno das atividades periciais (perícia direta) ou reafirmando a suspensão das perícias e seu prazo”.

Ante o exposto, respondo à Consulta no sentido de: i) reafirmar a possibilidade de realização de perícias médicas por meios eletrônicos ou virtuais, nos termos da Res. CNJ 317/2020; ii) ser possível possibilitar a "flexibilização da Resolução 317/2020 quando presentes aspectos capazes de superar o propósito dos atos normativos, a realização de perícia em meio eletrônico, a situação epidemiológica local e a mitigação das regras de distanciamento, por força da realidade identificada no município, das circunstâncias do caso concreto e da avaliação e sopesamento da maximização dos direitos fundamentais e possibilidades jurídicas", nos termos do parecer ofertado pelo Comitê de Crise para suporte ao Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão; e iii) concluir que a avaliação da possibilidade de retorno gradual e sistematizado dos serviços presenciais, inclusive das atividades periciais, atendidas as balizas fixadas pela Res. CNJ 322/2020, constitui exercício da autonomia administrativa dos Tribunais, garantida pela Constituição da República.

 

Conselheira Ivana Farina Navarrete Pena

 

Relatora

 

VOTO PARCIALMENTE DIVERGENTE

 

Adoto os relatórios lançados pela Excelentíssima Relatora, a Conselheira IVANA FARINA NAVARRETE PENA, peço, porém, licença para discordar do mérito, apresentando respeitosa divergência, conforme os fatos e fundamentos a seguir expostos.

De plano, cabe destacar que a situação de pandemia decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é uma conjuntura inédita vivida em contexto mundial. No cenário, os órgãos que compõem o Poder Judiciário no Brasil têm se adaptado, na medida do possível, às determinações e recomendações das autoridades de saúde e, com tal intuito, foram editadas as Resoluções 312, 313, 314, 317, 318, 319 e 322, pelo Conselho Nacional de Justiça, além de outros tantos atos que estão disponíveis no site do Conselho[1].

No caso em tela, a Consulta formulada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) indaga sobre a possibilidade de retorno das atividades periciais médicas presenciais em face da edição das Resoluções/CNJ n. 317 e 322.

Para tanto, o Consulente considera o posicionamento adotado pela Resolução/CNJ n. 317/2020 que determinou a realização de perícias virtuais durante a pandemia, bem como a disposição contida na Resolução/CNJ n. 322/2020, que estabelece medidas para retomada dos serviços presenciais, observadas as ações para a prevenção de contágio pela Covid-19.

A Eminente Relatora respondeu a Consulta no sentido de:

 i) reafirmar a possibilidade de realização de perícias médicas por meios eletrônicos ou virtuais, nos termos da Res. CNJ 317/2020; ii) ser possível possibilitar a "flexibilização da Resolução 317/2020 quando presentes aspectos capazes de superar o propósito dos atos normativos, a realização de perícia em meio eletrônico, a situação epidemiológica local e a mitigação das regras de distanciamento, por força da realidade identificada no município, das circunstâncias do caso concreto e da avaliação e sopesamento da maximização dos direitos fundamentais e possibilidades jurídicas", nos termos do parecer ofertado pelo Comitê de Crise para suporte ao Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão; e iii) concluir que a avaliação da possibilidade de retorno gradual e sistematizado dos serviços presenciais, inclusive das atividades periciais, atendidas as balizas fixadas pela Res. CNJ 322/2020, constitui exercício da autonomia administrativa dos Tribunais, garantida pela Constituição da República..

 

Contudo, a dicção da Resolução/CNJ n. 317[2] parece clara e em sentido oposto ao quanto decidido:

 

Art. 1º As perícias em processos judiciais que versem sobre benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais serão realizadas por meio eletrônico, sem contato físico entre perito e periciando, enquanto perdurarem os efeitos da crise ocasionada pela pandemia do novo Coronavírus.

[…]

§ 2º O perito poderá, expressamente, manifestar entendimento de que os dados constantes do prontuário médico e a entrevista por meio eletrônico com o periciando são insuficientes para formação de sua opinião técnica, situação em que o processo deverá aguardar até que seja viável a realização da perícia presencial.

§ 3º As perícias que eventualmente não puderem ser realizadas por meio eletrônico, por absoluta impossibilidade técnica ou prática, a ser apontada por qualquer dos envolvidos no ato e devidamente justificada nos autos, deverão ser adiadas e certificadas pela serventia, após decisão fundamentada do magistrado (§ 2º do art. 3º e § 1º do art. 6º da Resolução CNJ nº 314/2020).

§ 4º As partes poderão indicar assistente técnico, com antecedência de cinco dias da data da perícia agendada, disponibilizando o endereço eletrônico e/ou número de celular do profissional que funcionará como assistente técnico.

[…]

Art. 2º Para a realização das perícias por meio eletrônico durante o período contemplado por esta Resolução, os tribunais deverão criar sala de perícia virtual (reunião do tipo “teleperícia”) na Plataforma Emergencial de Videoconferência para Atos Processuais disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça.

[…]

Como se lê, o Ato acima indica a obrigatoriedade de que as “perícias em processos judiciais que versem sobre benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais” sejam “realizadas por meio eletrônico, sem contato físico entre perito e periciando, enquanto perdurarem os efeitos da crise ocasionada pela pandemia do novo Coronavírus”.

Em seguida, elenca critérios e orientações para que se realizem tais diligências, além de indicar hipóteses de impossibilidade, nos parágrafos 2º e 3º do artigo 1º. Ou seja, nos casos em que o perito entender pela insuficiência dos dados para a emissão de sua opinião técnica ou quando as perícias não puderem ser realizadas por meio eletrônico, diante de impossibilidade técnica ou prática, deve haver o adiamento do ato pericial.

Anoto que a Resolução/CNJ n. 317 tem lastro noutros Diplomas legislativos e técnicos, nacionais e internacionais, que evidenciam o salutar uso da telemedicina durante a crise sanitaria causada pelo SARS-CoV-2, entre eles, a Lei n. 13.989[3], de 15/04/2020, a RESOLUÇÃO/CFM n. 1.643[4], de 26/08/2002, além da Resolução CIDH/OEA n.1[5], de 10/04/2020, que trouxe regras de conciliação entre a pandemia e direitos humanos.

Por outro lado, a Resolução/CNJ n. 322/2020 estabeleceu, no âmbito do Poder Judiciário, medidas de retomadas das atividades presencias pelos tribunais de forma gradativa e sistematizada.

Nesse contexto, para manter coerência entre os atos normativos e deliberações processuais desta Corte Administrativa, deve-se determinar que não sejam realizadas, durante o período de pandemia ocasionada pelo Covid-19, perícias presenciais, salvo nos locais em que já retomaram os serviços presenciais, conforme estabelecido na Resolução/CNJ n. 322/2020.

Com essas considerações, divirjo da E. Relatora e respondo a Consulta no sentido de QUE NÃO SEJAM REALIZADAS PERÍCIAS PRESENCIAIS ENQUANTO PERSISITIREM AS MEDIDAS DE DISTANCIAMENTO SOCIAL DECORRENTES DA PANDEMIA DO COVID-19, salvo nos locais em que já retomaram os serviços presenciais, conforme estabelecido na Resolução/CNJ n. 322/2020, que poderão optar por realizar a perícia de forma presencial.

É o VOTO que submeto ao Egrégio Plenário.

 

Marcos Vinícius Jardim Rodrigues

Conselheiro

 

 

 

 


[1] Todos disponíveis em https://www.cnj.jus.br/coronavirus/atos-normativos/, acesso em 27-mai-20.

[2] Íntegra disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3302, acesso em 27-mai-20.

[3] Íntegra disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13989.htm, acesso em 27-mai-20.

[4] Íntegra disponível em http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2002/1643_2002.pdf, acesso em 27-mai-20.

[5] Íntegra disponível em https://artigo19.org/wp-content/blogs.dir/24/files/2020/04/Resolucion-1-20-es.pdf, acesso em 27-mai-20.

 

 

VOTO PARCIALMENTE DIVERGENTE:

 

Trata-se de Consulta formulada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás - TJGO, sobre a possibilidade de “retorno das atividades periciais médicas com perícia direta durante o período de Pandemia, ante a edição da Resolução CNJ nº 322/2020.

Adoto, na íntegra, o relatório bem lançado pela eminente Conselheira Relatora. Quanto ao mérito, peço vênia para apresentar parcial divergência, pelas razões de fato e de direito expostas a seguir.

Inicialmente, cumpre assinalar que a Resolução CNJ nº 313/2020 foi clara ao estabelecer como regra geral nas atividades do Poder Judiciário, enquanto perdurar o regime de plantão extraordinário ali estabelecido, a vedação quanto à prática de atos presenciais, in verbis:

 

“Art. 2º O Plantão Extraordinário, que funcionará em idêntico horário ao do expediente forense regular, estabelecido pelo respectivo Tribunal, importa em suspensão do trabalho presencial de magistrados, servidores, estagiários e colaboradores nas unidades judiciárias, assegurada a manutenção dos serviços essenciais em cada Tribunal.”

 

No que tange ao objeto deste Procedimento, vale dizer, a realização de perícias judiciais, foi bastante específica a Resolução CNJ nº 317/2020, na esteira da Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020, ao reafirmar tal vedação e permitir a realização de perícias judiciais apenas por meio eletrônico, in verbis:

 

“Art. 1o As perícias em processos judiciais que versem sobre benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais serão realizadas por meio eletrônico, sem contato físico entre perito e periciando, enquanto perdurarem os efeitos da crise ocasionada pela pandemia do novo Coronavírus.”

 

Note-se que, ao utilizar a locução “serão realizadas”, a norma trouxe verdadeira determinação, sem que tenha sido criada, salvo melhor juízo, qualquer exceção ou possibilidade de flexibilização da regra para a realização de perícias presenciais.

Não se pode desconsiderar, todavia, que as particularidades de cada caso concreto podem revelar a impossibilidade prática ou técnica da utilização do meio eletrônico, o que foi expressamente previsto pela Resolução e cuja solução foi por ela trazida:

 

“Art. 1º. (...)

§ 3o As perícias que eventualmente não puderem ser realizadas por meio eletrônico, por absoluta impossibilidade técnica ou prática, a ser apontada por qualquer dos envolvidos no ato e devidamente justificada nos autos, deverão ser adiadas e certificadas pela serventia, após decisão fundamentada do magistrado (§ 2o do art. 3o e § 1 o do art. 6o da Resolução CNJ no 314/2020).” 

 

Até aquele momento, penso que não havia, à luz das normas vigentes, qualquer possibilidade de se admitir a realização de perícias presenciais, como assentei em voto proferido no julgamento do PP nº 0003451-62.2020.2.00.0000, também em pauta nessa Sessão de Julgamento.

Com a edição da Resolução CNJ nº 322/2020, foi a aberta para os tribunais a possibilidade de estabelecer o retorno das atividades presenciais, observada uma série de medidas sanitárias ali previstas.

Penso que, à vista disso, caso os tribunais optem pela implementação das medidas de retorno gradual das atividades presenciais, nos moldes da Resolução CNJ nº 322/2020, nada obstará a realização das perícias presenciais. Do contrário, permanecerá a proibição, a meu ver intransponível, contida na Resolução CNJ nº 317/2020.

A Eminente Relatora propõe em seu voto condutor a possibilidade de flexibilização da vedação contida na Resolução CNJ nº 317, à luz das particularidades do caso concreto, ainda que não adotados os procedimentos da Resolução CNJ nº 322/2020, o que, data vênia, não me parece ser a melhor solução para o caso.

Ante o exposto, peço vênia à Relatora para apresentar DIVERGÊNCIA PARCIAL e proponho alteração pontual da resposta sugerida por Sua Excelência à presente Consulta, particularmente no item II, nos seguintes termos:

“II - As perícias judiciais poderão ser realizadas de modo presencial apenas se o Tribunal, no exercício de sua autonomia administrativa, houver por bem estabelecer o retorno das suas atividades presencias, exigindo-se, para tanto, a observância dos requisitos estabelecidos pela Resolução CNJ nº 322/2020.”

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro André Godinho