Conselho Nacional de Justiça

Gabinete do Conselheiro Valtércio de Oliveira

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0003492-68.2016.2.00.0000
Requerente: CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CFOAB
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 

EMENTA: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – CFOAB. EDIÇÃO DE ATO NORMATIVO QUE DETERMINE ASSENTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL EM TODOS OS ÓRGÃOS DELIBERATIVOS DOS TRIBUNAIS DO PAÍS. VIOLAÇÃO DA AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA DOS TRIBUNAIS. SEPARAÇÃO DOS PODERES. PARTICIPAÇÃO DA OAB NO PODER JUDICIÁRIO JÁ DELINEADA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. LIMITES DO PODER REGULAMENTAR DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE.

 

I – Objetiva-se edição de ato normativo determinando que a OAB tenha assento em todos os órgãos deliberativos dos tribunais do País, com direito a voz, nas sessões de caráter administrativo, notadamente naquelas relacionadas à análise, definição e aprovação orçamentária e financeira das Cortes brasileiras, bem como nas que definem as metas do Poder Judiciário em cada unidade da federação.

 

II – Alega-se que a participação da advocacia nas deliberações administrativas dos tribunais pátrios constitui medida democrática em consonância com os arts. 37 e 133 da Constituição Federal de 1988, bem como com as Resoluções CNJ n. 198/2014 e 221/2016.

 

III – O pedido viola a separação dos Poderes (art. 60, §4º, III, da CF/88), a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário (arts. 66 e 69 da CF/88), e extrapola a competência regulamentar do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, §4º, da CF/88).

 

IV – “Ao Conselho Nacional de Justiça não compete intervir em aspectos privativos da atuação dos Tribunais, exceto no caso de evidente ilegalidade na prática de ato administrativo. O CNJ não substitui o Tribunal de Justiça e nem pode ofender sua autonomia administrativa e financeira, mas apenas controlar os atos que desbordem os limites da legalidade ou quando presente omissão por parte da Corte.” (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0005832-58.2011.2.00.0000 - Rel. JOSÉ LUCIO MUNHOZ - 141ª Sessão Ordináriaª Sessão - j. 14/02/2012).

 

V – Participação da OAB no Poder Judiciário encontra-se delineada na Constituição Federal de 1988: quinto constitucional (art. 94); composição do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B) e comissões de concurso público para ingresso na magistratura (art. 93, I).

 

VI – Possibilidade de participação da OAB sujeita à discricionariedade de cada tribunal, considerando a autonomia orgânico-administrativa prevista no art. 96 da CF/88, em consonância com o art. 4º da Resolução CNJ n. 221/2016.

 

VII – Pedido de Providências julgado improcedente.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, julgou improcedente o pedido, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Conselheiros Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e Henrique Ávila que votavam pela edição de ato normativo. Plenário Virtual, 29 de novembro de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Valtércio de Oliveira (Relator), Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Luciano Frota, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Emmanoel Pereira, Maria Cristiana Ziouva e André Godinho.

 

RELATÓRIO

Trata-se de Pedido de Providências (PP) formulado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB, no qual pede que seja submetido ao Plenário do Conselho Nacional de Justiça – CNJ proposta de edição de ato normativo determinando que a Ordem dos Advogados do Brasil- OAB passe a ter assento em todos os órgãos deliberativos dos tribunais do País, com direito a voz, nas sessões de caráter administrativo, notadamente naquelas relacionadas à análise, definição e aprovação orçamentária e financeira das Cortes brasileiras, bem como nas sessões que definam metas do Poder Judiciário em cada unidade da federação (Id 1991871).

O Requerente alega que as experiências dos advogados são levadas, constantemente, às Seccionais da OAB e ao CFOAB, podendo ser transformadas em sugestões tendentes a melhorar a prestação jurisdicional. Aduz que a participação da advocacia nas deliberações administrativas dos tribunais pátrios constitui medida democrática em consonância com os princípios elencados no art. 37 da Constituição Federal de 1988, e tem como fundamento a indispensabilidade da advocacia prevista no art. 133 da Constituição Federal de 1988.

Ademais, menciona a Resolução CNJ n. 198/2014 (Dispõe sobre o Planejamento e a Gestão Estratégica no âmbito do Poder Judiciário) e a Resolução CNJ n. 221/2016 (Institui princípios de gestão participativa e democrática na elaboração das metas nacionais do Poder Judiciário e das políticas judiciárias do Conselho Nacional de Justiça) para argumentar que o próprio CNJ propõe meios para o alcance de uma sociedade mais participativa na gestão de recursos públicos e na elaboração das Metas Nacionais do Poder Judiciário.

Tendo em vista a nova composição da Comissão Permanente de Gestão Estratégica, Estatística e Orçamento do CNJ (Id 2365062), solicitei a redistribuição do feito à minha relatoria e a intimação do Tribunal Superior Eleitoral, do Superior Tribunal Militar, do Conselho da Justiça Federal, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e todos os Tribunais de Justiça, Tribunais de Justiça Militar e o Coleprecor (Colégio de Presidentes e Corregedores da Justiça do Trabalho), para manifestação, havendo interesse, já que eventual atendimento ao pedido do CFOAB causaria impacto direto nos aludidos tribunais.

Consigna-se que se manifestaram contrariamente à solicitação apresentada pelo CFOAB: o Tribunal de Justiça do Estado do Goiás (Id 3527032), o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (Id 3560353), o Tribunal de Justiça do Estado do Amapá (Id 3560336), o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (Id 3559779), o Tribunal de Justiça do Estado do Pará (Id 3558529), o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (Id 3557650), o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (Id 3554579), o Tribunal de Justiça do Estado de Roraima (Id 3553293), o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (Id 3552228), o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (Id 3548809), o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (Id 3548726), o Tribunal de Justiça do Estado do Distrito Federal e Territórios (Id 3547148), o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (Id 3545275), o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Id 3544004), o Superior Tribunal Militar (Id 3543666), o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (Id 3543526), o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo (Id 3539643), o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (Id 3539481), o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (Id 3538107), o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Id 3536509), o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Id 3535759), o Colégio de Presidentes e Corregedores de TRTs (Id 3534423), Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (Id 3534117), o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Id 3528562), entre outros.

Os fundamentos apontados pelos tribunais para consideração da improcedência do pedido são, em síntese, violação à separação dos Poderes e afronta à cláusula pétrea (art. 60, §4º, III, da CF/88); mitigação da autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário (arts. 96 e 99 da CF/88); edição de ato normativo sobre o tema extrapola a competência do CNJ (art. 103-B, §4º, da CF/88); ausência de amparo legal, pois, a participação da OAB no Judiciário está bem delineada pela Constituição Federal de 1988.

Pontua-se que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte informou que foram iniciados diálogos com vistas à criação de um comitê com a finalidade de “assegurar o princípio da indispensabilidade do advogado à administração da justiça” (Id 3560735). No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas informa que se encontra em fase final a criação de um “Fórum Permanente de Aprimoramento da Justiça”, cujo objetivo é o estabelecimento de um canal de interlocução entre os principais atores que compõem o sistema de justiça no Estado do Alagoas, entre eles a própria OAB/AL, o que possibilitará à referida entidade maior participação nos debates sobre estrutura financeira-orçamentária e sobre metas a serem fixadas pelo Poder Judiciário alagoano (Id 3554633).

Ademais, o Presidente do Conselho da Justiça Federal destacou que já há previsão de assento de representante da OAB no Colegiado do Órgão – Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com direito à palavra (sem direito a voto), nos termos do §1º do art. 2º da Lei n. 11.798, de 30 de outubro de 2008 (Ids 3558026 e 3558025). 

É o relatório.

VOTO 

 Conforme disposto no art. 103-B, § 4º, I, da Constituição Federal de 1988, compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências. 

Extrai-se do referido dispositivo constitucional que ao Conselho Nacional de Justiça foi dada a incumbência de zelar pela autonomia do Poder Judiciário, garantindo-se, desta forma, sua independência como poder autônomo, nos termos do art. 2º da Constituição Federal de 1988, o qual consagra a separação das funções estatais legislativa, executiva e judiciária, determinando o seu exercício de forma independente e harmônica entre si. 

O legislador constituinte originário definiu a separação dos poderes como cláusula pétrea, nos termos do art. 60, §4º, III, da Constituição Federal de 1988, e, nesse contexto, assegurou a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário no art. 99[1][1], bem como a autonomia orgânico-administrativa no art. 96[2][2].

Inegável a relevância dos serviços prestados pela OAB em prol da democracia, da cidadania, da legalidade e da eficiente prestação jurisdicional, tanto que a Constituição Federal, em seu Capítulo IV, Seção III, artigo 133, confere à advocacia função essencial à justiça, como alega o requerente. Contudo, entende-se que a indispensabilidade do advogado à administração da justiça prevista no art. 133 da CF/88 está precipuamente vinculada ao exercício da atividade jurisdicional, atividade-fim do Poder Judiciário, o que não significa indispensabilidade nas deliberações internas, de cunho administrativo, sujeitas ao poder discricionário das autoridades administrativas de cada tribunal.

A atuação do advogado, nessa linha de raciocínio, por determinação constitucional, é essencial para proporcionar ao seu constituinte o real acesso à justiça, o exercício efetivo da ampla defesa, de modo que se tenha condições de influir na construção da solução a ser dada pelo Poder Judiciário à demanda existente. Conquanto a OAB seja detentora de múnus público, suas atividades se desenvolvem em seara alheia ao âmbito administrativo dos tribunais.

Determinar-se a instituição de assento à OAB nas sessões administrativas dos órgãos deliberativos de todos os tribunais do País a pretexto da sua indispensabilidade à administração da justiça, seria estabelecer uma preponderância indevida da regra do art. 133 sobre a dos citados artigos 2º, 96 e 99 da Constituição Federal de 1988.

Destaca-se que a OAB possui representatividade constitucionalmente prevista e delimitada, a exemplo dos artigos 93, I e 103-B, XII, que dispõem, respectivamente, sobre a sua participação nas comissões de concurso público para ingresso na magistratura, bem como na composição do Conselho Nacional de Justiça, com dois advogados indicados pelo Conselho Federal da OAB, atuando de maneira abrangente nas metas e problemáticas do Poder Judiciário.

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:        

(...)

XII dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;              (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 Além disso, a OAB já possui assento e voz nos tribunais, por força do disposto no art. 94 da Constituição Federal de 1988 (quinto constitucional), abaixo transcrito. Assim, o que o requerente pretende, na verdade, é que o CNJ amplie a sua participação no Poder Judiciário para além da previsão contida na Carta da República, o que implica criação de norma que originalmente não se insere na competência do Conselho Nacional de Justiça prevista no §4º do art. 103-B da CF/88.

Art. 94, CF/88. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.

 O poder normativo conferido ao CNJ deve ser exercido nos limites de sua competência constitucional, de acordo com as leis, pois o controle da atuação administrativa e financeira realizada pelo CNJ não alcança a ingerência na autonomia dos tribunais, com a cautela de não fulminar a independência do Poder Judiciário.

No âmbito deste Conselho, há jurisprudência consolidada no sentido de se preservar a inviolabilidade das autonomias conferidas constitucionalmente ao Poder Judiciário, conforme destacado:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ESPECIALIZAÇÃO DA JUSTIÇA. CRIAÇÃO DE VARAS, CÂMARAS E TURMAS COM COMPETÊNCIA EXCLUSIVA PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL. AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS. IMPROCEDENTE.

I – O pedido formulado embora possua o condão de especializar a Justiça e, com isso, facilicitar o julgamento de demandas caras para a sociedade brasileira, esbarra na limitação Constitucional estabelecida no art. 96, no que se refere à autonomia dos Tribunais para definição da Organização Judiciária respectiva, que resguarda a competência para a organização e o funcionamento de seus órgãos jurisdicionais e administrativos.

II – Ao Conselho Nacional de Justiça não compete intervir em aspectos privativos da atuação dos Tribunais, exceto no caso de evidente ilegalidade na prática de ato administrativo. O CNJ não substitui o Tribunal de Justiça e nem pode ofender sua autonomia administrativa e financeira, mas apenas controlar os atos que desbordem os limites da legalidade ou quando presente omissão por parte da Corte.

III – Pedido julgado improcedente. Remessa da sugestão ao CJF, Tribunais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados.

(CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0005832-58.2011.2.00.0000 - Rel. JOSÉ LUCIO MUNHOZ - 141ª Sessão Ordináriaª Sessão - j. 14/02/2012 ).

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – CRIAÇÃO DE ÓRGÃOS AUXILIARES DO PODER JUDICIÁRIO – QUESTÃO INTERNA DOS TRIBUNAIS – AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA

1. Toda e qualquer proposição de criação de novas unidades jurisdicionais ou de órgãos auxiliares dos Tribunais, por envolver modificação em estrutura de organização judiciária, alocação de recursos financeiros, planejamento administrativo e iniciativa de lei traduz incumbência privativa da Administração do Poder Judiciário local que obedece a juízo de conveniência e oportunidade, orientado por critérios técnicos e de prioridades administrativas. Exegese conjugada dos arts. 96, I, “b” e “d”, II, “b” e “d”, 99, §§ 1º e 2º, II, da Constituição.

2. Pedido de providências não conhecido

(CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0002745-65.2009.2.00.0000 - Rel. WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR - 88ª Sessão Ordináriaª Sessão - j. 18/08/2009).

 Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal abordou com clareza questão que envolve a autonomia dos estados e atuação do CNJ, na ADI 4638, em voto do Ministro Marco Aurélio, in verbis (Id 3528562):

De fato, o tratamento nacional reservado ao Poder Judiciário pela Constituição não autoriza o Conselho Nacional de Justiça a suprimir a independência dos tribunais, transformando-os em meros órgãos autômatos, desprovidos de autocontrole. (...) A atuação legítima, exige a observância da autonomia político-administrativa dos tribunais, enquanto instituições dotadas de capacidade autoadministrativa e disciplinar.” “(...) No que tange aos Tribunais de justiça, observem ainda os parâmetros da federação, valendo lembrar que a forma federativa é um mecanismo de proteção da autonomia privada e da autonomia pública dos cidadãos, servindo a descentralização política para conter o poder e para aproxima-lo do respectivo titular, o povo (...). Os estados organizam—se segundo os ditames maiores e, aí surgem os Três Poderes o Legislativo, o Executivo e o Judiciário que, nos moldes do artigo 2º são independentes e harmônicos entre si. (...) (...). Por conseguinte, por força do princípio federativo afigura—se inafastável a autonomia dos Tribunais de Justiça, no que se mostram órgãos de cúpula do Poder Judiciário local. Se, em relação aos tribunais em geral, há de se considerar o predicado da autonomia preconizado nos artigos 96, inciso I, e 99 da Constituição, quanto aos Tribunais de Justiça, cumpre atentar, em acréscimo, para o princípio federativo."

 No tocante aos limites da competência do CNJ, cita-se doutrina abalizada[3][3]:

“(...) Quanto à característica de um órgão de controle administrativo e financeiro, esta não se confunde com a possibilidade de interferência administrativa e financeira da gestão dos Tribunais, haja vista que em momento algum a Constituição confere esta competência ao Conselho, restando a este apenas a possibilidade de análise dos atos de gestão administrativa e financeira praticados pelos Tribunais, como um garantidor da aplicação do art. 37 da CF/88 (...)”

Quanto às razões elencadas pelo CFOAB, relacionadas à importância das experiências da advocacia militante para denunciar eventuais ineficiências do Poder Judiciário, pontua-se que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário já se encontram sujeitos ao controle e à fiscalização de seus atos administrativos, principalmente aqueles de natureza orçamentária e financeira, por meio de órgãos constitucionalmente previstos para essa finalidade, tais como o Ministério Público, os Tribunais de Contas da União e dos Estados (arts. 70 e 71 da Constituição Federal de 1988), bem como o próprio Conselho Nacional de Justiça, no âmbito do Judiciário.

Nessa conjuntura, cita-se a Súmula n. 649 do Supremo Tribunal Federal: ““É inconstitucional a criação, por Constituição estadual, de órgão de controle administrativo do Poder Judiciário do qual participem representantes de outros Poderes ou entidades”, bem como o posicionamento do Tribunal na ADI 3.367, de relatoria do Ministro Cezar Peluso:

“Ao depois, e está aqui verdade jurídica que se deve antecipar e proclamar com toda a clareza, os Estados-membros carecem de competência constitucional para instituir conselhos, internos ou externo, destinados a controle da atividade administrativa, financeira ou disciplinar das respectivas Justiças, porque a autonomia necessária para o fazer seria incompatível com o regime jurídico-constitucional do Poder Judiciário, cuja unidade reflete a da soberania nacional. (...) De modo que eventual poder de criação de conselho estadual, ordenado ao controle administrativo-financeiro e disciplinar da divisão orgânica do Poder, atribuída com fisionomia uniforme às unidades federadas, violentaria a Constituição da República, porque lhe desfiguraria o regime unitário, ao supor competência de controles díspares da instituição, mediante órgãos estaduais, cuja diversidade e proliferação, isto, sim, meteriam em risco o pacto federativo.”
[ADI 3.367, rel. min. Cezar Peluso, P, j. 13-4-2005, DJ de 17-3-2006.]

As Resoluções n. 198/2014 e 221/2016 do CNJ, citadas pelo CFOAB, de fato, instituem princípios de gestão participativa e democrática na elaboração das metas nacionais do Poder Judiciário e das políticas judiciárias do próprio CNJ, mas não permitem a abertura das deliberações internas do Poder Judiciário à interferência de outras instituições, o que enfraqueceria a sua independência.

Art. 1º, parágrafo único da Resolução n. 221/2016 do CNJ: Instituir, na forma desta Resolução, princípios de gestão participativa e democrática na elaboração das metas nacionais do Poder Judiciário e das políticas judiciárias do Conselho Nacional de Justiça.

Parágrafo único. A gestão participativa e democrática constitui-se em método que enseja a magistrados, servidores e, quando oportuno, jurisdicionados a possibilidade de participar do processo decisório por meio de mecanismos participativos que permitam a expressão de opiniões plurais e a visão dos diversos segmentos e instâncias, no contexto do Poder Judiciário.

 

Art. 4º da Resolução n. 221/2016 do CNJ:  Os processos participativos realizam-se por meio de diferentes modalidades, conforme o objetivo pretendido, o público-alvo, o tempo e os recursos disponíveis para sua realização.

§ 1º São modalidades de participação democrática, entre outras:

I - mesa de diálogo: mecanismo de interação coordenado pelo CNJ, presencial ou a distância, com a participação de representantes de diferentes órgãos do Poder Judiciário, e, eventualmente, dos demais Poderes e da sociedade civil, com o objetivo de trocar livremente ideias e experiências sobre tema específico e obter sugestões;

II - videoconferência: reuniões virtuais realizadas em tempo real com o auxílio tecnológico de áudio e vídeo que permitam o contato visual e sonoro entre pessoas localizadas em diferentes localidades, ou provenientes de diferentes tribunais, instituições ou da sociedade civil, quando for o caso;

III - enquetes e pesquisas: consiste na coleta de sugestões, manifestações ou opiniões sobre temas específicos.

IV - consulta pública: mecanismo participativo, de caráter consultivo, a se realizar por escrito, no formato e em prazo definidos previamente, aberto a qualquer interessado. As opiniões podem ser coletadas por formulários eletrônicos, e-mail ou outros meios;

V - audiência pública: meio de participação presencial, aberto a qualquer interessado, que possibilita a manifestação oral dos participantes, nos termos das regras definidas pelo Tribunal para a ocasião, e tem por objetivo possibilitar a expressão de opiniões, especializadas ou não, e a obtenção de soluções para demandas específicas;

VI - grupo de trabalho: grupo formalmente instituído para análise de demanda específica e apresentação de resultados sob a forma de estudos, relatórios e propostas de normatização, em prazo previamente estabelecido;

VII - fóruns e encontros: consiste na reunião presencial de diferentes órgãos do Poder Judiciário, por meio de seus representantes, para discussão de temas específicos e eventuais deliberações, que deverão ser registradas em ata específica para o evento.

VIII - ouvidorias: unidades de comunicação entre o cidadão e os órgãos do Poder Judiciário, que constitui espaço de participação social e democrática, e de controle da qualidade dos serviços públicos.

(...)

§ 3º Os órgãos do Judiciário poderão definir outras modalidades de participação, desde que atendam aos propósitos estabelecidos por esta Resolução.

 

Contudo, considerando o disposto no art. 4º da Resolução n. 221/2016 do CNJ, cabe ao Poder Judiciário - reconhecendo o interesse direto da OAB em eventual deliberação por meio de uma das modalidades de participação democrática (consulta pública, videoconferência, mesa de diálogo etc) previstas no aludido normativo convidá-la para contribuir na tomada de decisões sobre assuntos que lhe digam respeito. É possível, ainda, a criação de nova modalidade de participação, nos termos do §3º do art. 4º, acima transcrito.

O Poder Judiciário deve estar aberto às pertinentes contribuições decorrentes das notórias experiências da advocacia militante, sem, contudo, atentar contra a sua independência e contra as autonomias (administrativa, financeira e orçamentária) que dela derivam, nos termos em que assegura a Constituição Federal de 1988.

Desse modo, em que pese não competir ao CNJ determinar a todos os tribunais do País que tenham assento destinado à OAB em seus órgãos deliberativos, não vislumbro óbices a participações da OAB nos tribunais que assim julgarem conveniente, no âmbito de sua própria esfera de atuação e uso de sua autonomia orgânico-administrativa prevista no art. 96 da Constituição Federal de 1988, observada a legislação pertinente ao tema, normativos internos e planejamento estratégico dos respectivos órgãos.

Conclui-se, portanto, que a pretensão do Conselho Federal da OAB de edição de ato normativo pelo CNJ que determine o assento da OAB em todos os órgãos deliberativos dos tribunais do país, com direito a voz, nas sessões de caráter administrativo, notadamente naquelas relacionadas à análise, definição e aprovação orçamentária e financeira das Cortes brasileiras, bem assim naquelas que definem as metas do Judiciário em cada Unidade da Federação, afronta a autonomia administrativa e orçamentária dos tribunais prevista na Constituição Federal de 1988 (arts. 96 e 99) e extrapola a competência regulamentar do Conselho, conforme §4º do art. 103-B da Constituição Federal de 1988.

 

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido de edição de ato normativo pelo CNJ para determinação de assento da OAB em todos os órgãos deliberativos dos tribunais do País.

É como voto.

Após as intimações de praxe, arquivem-se os autos.

 

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro Valtércio de Oliveira

Relator

  


[1][1] Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.

§ 1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

§ 2º O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete:

I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais;

II - no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais.

§ 3º Se os órgãos referidos no § 2º não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1º deste artigo.                  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 4º Se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 5º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 

[2][2] Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva;

c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição;

d) propor a criação de novas varas judiciárias;

e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei;

f) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores que lhes forem imediatamente vinculados;

 

[3][3] PANSIERI, Flávio. Comentário ao art. 103-B. In: CANOTILHO. J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F; SARLET, Ingo: STRECK, Lenio. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo. Saraiva/Almedina. 2013. P 3322.

 

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

Acolho o relatório lançado pela e. Conselheiro Valtércio de Oliveira, no entanto, peço vênia para divergir em seus fundamentos.

O processo tem por objeto proposta de edição de ato normativo determinando que a Ordem dos Advogados do Brasil- OAB passe a ter assento nos órgãos deliberativos dos tribunais do País, com direito a voz, nas sessões de caráter administrativo, notadamente naquelas relacionadas à análise, definição e aprovação orçamentária e financeira das Cortes brasileiras, bem como nas sessões que definam metas do Poder Judiciário em cada unidade da federação (Id 1991871).

A participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todos os órgãos deliberativos dos Tribunais do País, com direito a voz, nas decisões em caráter administrativo, representa importante contribuição de instituição considerada constitucionalmente inescusável à administração da Justiça.

A iniciativa, decerto, fomentaria a gestão participativa e democrática nas decisões administrativas do Poder Judiciário, bem como reforçaria a aplicação dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além de reconhecer a indispensabilidade da advocacia, nos termos do artigo 133 da Constituição Federal.

Desse modo, entendo que a participação da OAB nas deliberações administrativas das Cortes do país não viola a autonomia dos tribunais, que permanecem com independência para definir as suas diretrizes, constituindo-se, apenas, no enriquecimento das discussões de âmbito administrativo, sob um olhar externo de uma instituição cuja classe representativa é afetada diretamente por tais decisões, além de acarretar maior transparência e uma participação efetiva na gestão do poder judiciário.

Nesses termos, peço licença para divergir e determinar a edição de ato normativo deste Conselho que preveja assento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em todos os órgãos deliberativos dos tribunais do País, com direito a voz, nas sessões de caráter administrativo, notadamente naquelas relacionadas à análise, definição e aprovação orçamentária e financeira das cortes brasileiras, bem como naquelas que definem as metas do Judiciário em cada Unidade da Federação.

É como voto.

 

Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues

 

Brasília, 2019-12-02.