Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001959-98.2021.2.00.0000
Requerente: MARCELO BORGES BARBOSA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 


 


REVISÃO DISCIPLINAR. PAD. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. IMPOSSIBILIDADE DE MANEJO COM VIÉS RECURSAL. PENA DE REMOÇÃO COMPULSÓRIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. Processo Administrativo Disciplinar em que se aplicou pena de remoção compulsória, em razão de o magistrado ter deixado de decidir sobre o recebimento da Ação Civil Pública n. 0004281-79.2015.8.19.0030, bem como por autorizar liberação ou a substituição de bens bloqueados por outros, a pedido dos interessados, sem manifestação do Ministério Público, além de ter mantido diversas ações civis públicas propostas contra o mesmo grupo político local, sem receber, sequer, o despacho inicial.

2. A conduta omissiva do magistrado, aliada à reiterada e injustificada preterição do Ministério Público no contexto de desbloqueio de bens, em demanda com evidente repercussão social e econômica, conduz objetivamente à percepção de que o magistrado estava inclinado a beneficiar o grupo político capitaneado pelo ex-prefeito do município de Mangaratiba/RJ, Evandro Capixaba.

3. Aplicação de pena lastreada no acervo probatório. Impossibilidade de manejo de Revisão disciplinar com viés recursal. Hipóteses restritas contidas no art. 83 do RICNJ. 

4. Improcedência do pedido.


 

 ACÓRDÃO

O PLENÁRIO, ao apreciar o processo em epígrafe, na 19ª Sessão Ordinária de 2024, realizada em 13 de dezembro de 2023, proferiu a seguinte decisão: "O Conselho decidiu: I - por maioria, em preliminar, que a nova regra prevista no artigo 118-A, §6º-B, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ) só se aplica aos processos destacados após a publicação da Resolução CNJ n. 536. Vencido o Conselheiro Marcos Vinicius Jardim Rodrigues, que entendia pela aplicação imediata da alteração do RICNJ; II - após o voto da Relatora, julgando improcedente o pedido, no que foi acompanhada pelos Conselheiros Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Marcio Luiz Freitas, conceder vista regimental ao Conselheiro Marcos Vinicius Jardim Rodrigues. Aguardam os demais. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante da Câmara dos Deputados. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 13 de dezembro de 2023." Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene (Relatora), Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Pablo Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentou oralmente pelo Requerido, o Advogado Thomás Rieth Marcello - OAB/DF 25.181. O PLENÁRIO, ao apreciar o processo em epígrafe, na 1ª Sessão Extraordinária de 2024, realizada em 12 de março de 2024, proferiu a seguinte decisão: "Após o voto do Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues (Vistor), que julgava procedente o pedido revisional do autor, para deixar de aplicar a pena de remoção compulsória ao magistrado, pediu vista regimental o Conselheiro Luis Felipe Salomão. Aguardam os demais. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 12 de março de 2024." Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran Machado Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. O PLENÁRIO, ao apreciar o processo em epígrafe, na 7ª Sessão Virtual de 2024, realizada em 10 de maio de 2024, proferiu a seguinte decisão: "Após o voto do Conselheiro Luis Felipe Salomão (vistor), que julgava parcialmente procedente as três revisões disciplinares para impor ao magistrado pena de disponibilidade por um ano, no que foi acompanhado pelos Conselheiros Renata Gil, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcello Terto, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello; da reformulação do voto do Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, que passou a acompanhar o Conselheiro Luis Felipe Salomão para impor ao magistrado pena de disponibilidade por um ano; e do voto do Conselheiro Giovanni Olsson, que acompanhava a Relatora e julgava improcedente o pedido, pediu vista regimental o Conselheiro Alexandre Teixeira. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 10 de maio de 2024." Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho (então Conselheiro), Mauro Pereira Martins (então Conselheiro), Salise Sanchotene (então Relatora), Renata Gil, Marcio Luiz Freitas (então Conselheiro), Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso e Alexandre Teixeira. O PLENÁRIO, ao apreciar o processo em epígrafe, na 9ª Sessão Virtual de 2024, realizada em 7 de junho de 2024, proferiu a seguinte decisão: "Após os votos dos Conselheiros Ministro Luís Roberto Barroso e Alexandre Teixeira, acompanhando a então Relatora, que julgava improcedente o pedido, e da reformulação de voto do Conselheiro Pablo Coutinho Barreto, que passou a acompanhar a então Relatora, pediu vista regimental o Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 7 de junho de 2024." Votaram em assentada anterior os Excelentíssimos Conselheiros Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho (então Conselheiro), Mauro Pereira Martins (então Conselheiro), Salise Sanchotene (então Relatora), Renata Gil, Marcio Luiz Freitas (então Conselheiro), Giovanni Olsson (então Conselheiro), Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinicius Jardim Rodrigues (então Conselheiro), Marcello Terto (então Conselheiro), Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Votaram na presente assentada os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso e Alexandre Teixeira. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello. O PLENÁRIO VIRTUAL, ao apreciar o processo em epígrafe, na 4ª Sessão Virtual Extraordinária de 2024, proferiu a seguinte decisão: "Após deliberação do Presidente, Ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de indeferir a questão de ordem formulada pelo Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, por entendê-la manifestamente improcedente, o Conselho, por maioria, julgou improcedente o pedido, nos termos do voto da então Relatora Conselheira Salise Sanchotene. Vencidos os Conselheiros Luis Felipe Salomão, Renata Gil, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello, que julgavam parcialmente procedente as três revisões disciplinares para impor ao magistrado a pena de disponibilidade por um ano. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 26 de junho de 2024." Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho (então Conselheiro), Mauro Pereira Martins (então Conselheiro), Salise Sanchotene (então Relatora), Alexandre Teixeira, Renata Gil, Márcio Luiz Freitas (então Conselheiro), Giovanni Olsson (então Conselheiro), Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinicius Jardim Rodrigues (então Conselheiro), Marcello Terto (então Conselheiro), Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001959-98.2021.2.00.0000
Requerente: MARCELO BORGES BARBOSA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ


 

RELATÓRIO 

  

Trata-se de Revisão Disciplinar (RevDis), com pedido de liminar, proposta pelo Juiz de Direito MARCELO BORGES BARBOSA, com o objetivo de questionar decisão administrativa do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (TJRJ) que, nos autos do PAD n. 0022707-93.2019.8.19.0000, aplicou a pena de remoção compulsória em seu desfavor (Sessão de 1/3/2020). 

Ao julgar o referido PAD, o TJRJ conclui pela responsabilidade do magistrado por deixar de decidir sobre o recebimento da Ação Civil Pública 0004281-79.2015.8.19.0030, bem como por autorizar liberação ou a substituição de bens bloqueados por outros, a pedido dos interessados, sem manifestação prévia do Ministério Público, além de ter mantido diversas ações civis públicas propostas contra o mesmo grupo político local, sem proferir, sequer, o despacho inicial. 

O Acórdão condenatório foi assim ementado (Id 4292001 - Pág. 89): 

  

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA DO MAGISTRATO QUE ATENTACONTRA OS DEVERES PREVISTOS NO ART. 35 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79 (LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA). MOROSIDADE E INEFICIÊNCIA NA CONDUÇÃO DE VÁRIAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. FATOS QUE ENVOLVEM A POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COM GRAVES PREJUÍZOS AO ERÁRIO DO MUNICÍPIO DE MANGARATIBA.VIOLAÇÃO DE DEVER FUNCIONAL. PENA DE REMOÇÃO COMPULSÓRIA. CABIMENTO. MEDIDA SANEADORA PARA A COMARCA E ADEQUADA AO MAGISTRADO. 

1. Processo administrativo disciplinar instaurado com a observância do devido processo legal e do contraditório, objetivando apurar a ocorrência de violação dos deveres previstos no artigo 35, incisos II e III, da Lei Complementar nº 35/79, e nos artigos 20 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional. 

2. Ação Civil Pública nº 0004281-79.2015.8.19.0030 proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro requerendo, em sede cautelar, a indisponibilidade dos bens móveis e imóveis e a quebra dos sigilos dos dados bancários e fiscais de ex-integrantes da Administração Pública do Município de Mangaratiba, ante a possibilidade de dilapidação do patrimônio público. Pleito de condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.

3. Ação Civil Pública na qual a atividade jurisdicional se deu quase que exclusivamente voltada para os pleitos formulados pelos demandados, com várias decisões liberando as garantias cautelares patrimoniais inicialmente constituídas.

4. Atuação profícua do Ministério Público, com repetidas manifestações nos processos de sua competência, sem sucesso.

5. Magistrado que não observa o princípio da duração razoável do processo, mantendo, a latere, diversas ações civis públicas propostas contra o mesmo grupo político local, sem receber, sequer, o despacho inicial. Conduta funcional que não se confunde com a independência do juiz, revelando, ao contrário, verdadeira desídia pessoal do magistrado.

6. Descumprimento da previsão legal contida no art. 35, incisos II e II da Lei Complementar nº 35/79 e do art. 20 do Código de Ética da Magistratura. 

7. O Magistrado não pode se escudar na independência funcional (art. 127, § 1º da Constituição Federal e art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura), pré-requisito do estado de Direito e uma garantia fundamental de um julgamento justo, bem como nas garantias facultadas pelo art. 95 da Constituição Federal, a fim de se eximir do cumprimento de suas obrigações funcionais.

8. Aplicação da pena de remoção compulsória, na forma do art. 42, inciso III da Lei Complementar nº 35/79, a fim de preservar os interesses da própria Jurisdição, do jurisdicionado e proporcionar oportunidade de redenção ao magistrado ao atuar em outra comarca ou juízo.

 

Em suas razões revisionais, o requerente sustenta, preliminarmente, a nulidade do feito disciplinar em análise por considerar ter sofrido dupla penalidade pelos mesmos fatos.

Esclarece que no julgamento de anterior processo disciplinar, ocorrido em 19/10/2020 (PAD n. 0065016-32.2019), foi apenado com “censura” pela demora na prestação jurisdicional envolvendo praticamente metade do acervo da Vara. Considera, assim, que a aplicação da penalidade de “remoção compulsória”, em razão de eventual lentidão na condução de um processo específico, menos de 5 (cinco) meses após a primeira sanção, caracteriza indevido bis in idem, pois penalizado duas vezes por iguais fatos.

Em suas razões de méritoconsidera que a nova condenação representa verdadeira perseguição, já que todas as suas decisões foram fundamentadas, não havendo uma prova sequer sobre sua suposta ligação com o grupo político que, à época, governava o Município de Mangaratiba/RJ. 

No caso da Ação Civil Pública n. 0004281-79.2015.8.19.0030, objeto de apuração no citado PAD, sustenta que “jamais agiu com o intuito de ‘atrasar’ o processo ou supostamente – uma vez que não restou provado – favorecer quaisquer grupos políticos que governavam a região”, tendo o longo prazo na tramitação dos autos se dado em razão da necessidade de notificação de cada um dos 33 (trinta e três) réus, bem como em razão da extrema complexidade do processo e da constante chegada de petições, o que causou indesejado atraso no cumprimento de eventuais determinações.

Além disso, afirma que “a imputação segundo a qual o magistrado teria determinado o desbloqueio de bens dos réus da ação civil pública, sem prévia oitiva do Ministério Público, demonstra a inequívoca perseguição sofrida pelo requerente, simplesmente pelo fato de ter julgado um pedido que lhe foi feito, o que consubstanciaria verdadeiro delito de jurisdição”.

Alega que as decisões de desbloqueio foram adequadamente fundamentadas, levando em conta a existência de constrição sobre bens impenhoráveis ou que se mostravam essenciais para o pagamento de assalariados. E ainda, após a retirada das restrições sobre os bens, a futura execução do processo permaneceu garantida, pois aqueles que remanesceram bloqueados eram suficientes para cobrir os danos ao erário apontados na inicial da ação civil pública, eis que a responsabilidade dos réus neste tipo de demanda é solidária.

Para o requerente, a remoção compulsória não constitui sanção administrativa adequada para o caso em estudo, devendo a sua imposição ser considerada abusiva, porquanto as condutas referentes à violação do dever de garantir a razoável duração do processo demandam, no máximo, as penalidades de advertência ou censura. 

Por considerar presentes os requisitos autorizadores para o deferimento da medida de urgência, nos termos do art. 25 do Regimento Interno do CNJ, solicita a concessão de medida liminar para que seja suspensa a eficácia da decisão que aplicou a pena de remoção compulsória ao requerente. No mérito, requer a anulação da decisão impugnada, por reputar presentes as ilegalidades apontadas, notadamente quanto à ausência dos requisitos para aplicação da sanção de remoção compulsória, tendo o requerente agido dentro de sua esfera legítima, não havendo nenhuma prova da ocorrência de dolo ou fraude na condução da Ação Civil Pública n. 0004281-79.2015.8.19.0030.

Notificado nos termos do Despacho – Id n. 4293975, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) apresentou informações preliminares por meio do Ofício GABPRES-ASCNJ n. 60/2021.

Em apertada síntese, o Tribunal aduz que não teria ocorrido o alegado bis in idem, dado que a penalidade de censura foi aplicada face a “inobservância de deveres gerenciais e uma rotina administrativa que gerava o atraso contumaz na prestação jurisdicional”, ao passo que a remoção compulsória, resultante do julgamento do segundo processo administrativo disciplinar, foi aplicada em razão “do tratamento privilegiado promovido pelo magistrado em processos judiciais que envolviam as mesmas partes, o que maculou seu dever de imparcialidade” (Id n4301274).

O Tribunal esclarece que a ACP n. 4281-79.2015.8.19.0030, objeto do PAD em discussão, foi proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de Evandro Bertino Jorge e outros, postulando, em sede cautelar, a indisponibilidade dos bens móveis e imóveis dos demandados, o bloqueio de contas correntes, poupanças e aplicações financeiras, bem como de veículos e embarcações. Ainda em sede cautelar, foi requerida a quebra dos sigilos dos dados bancários e fiscais dos demandados. No mérito, o MP pleiteou a condenação dos réus ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, no valor de R$2.299.079,08 (dois milhões e duzentos e noventa e nove mil e setenta e nove reais e oito centavos). A ação foi proposta em razão da suposta prática reiterada nas licitações realizadas pelos gestores e grupo político do Município de Mangaratiba/RJ, que implicariam em substancial dilapidação do patrimônio público da edilidade.

Esclarece, ainda, que a mencionada ação foi distribuída em 24/7/2015, sendo certo que não houve recebimento ou rejeição da petição inicial até a data de 14/5/2019, quando decorridos 4 (quatro) anos da propositura da ação. Constatou-se, ainda, que apenas em 13/8/2020 foi determinada a notificação por edital de alguns réus.

De acordo com o TJRJ, restou apurado que o magistrado proferiu decisões determinando não só a liberação de valores em contas correntes, como também de veículos pertencentes aos réus, o que não se enquadra na categoria de bens impenhoráveis, como narrado na exordial desta Revisão Disciplinar. Assim, a fundamentação levada a efeito no julgamento do referido PAD observou que a atividade jurisdicional realizada na citada ACP foi voltada quase que exclusivamente para a substituição e/ou desbloqueio de bens dos réus, além de diligências para notificação dos requeridos.

Em acréscimo e dentre outros apontamentos, o Tribunal destacou que em outros cinco processos judiciais que envolviam o mesmo grupo político, também objeto de apuração disciplinar, foram constatadas condutas omissivas por parte do magistrado, pois em tais ações não exarava, sequer, o despacho inicial (ACP n. 0005738-49.2015.8.19.0030; ACP n. 0002418-88.2015. 8.19.0030; ACP n. 0005888-64.2014. 8.19.0030; ACP n. 000703-74.2016. 8.19.0030 e ACP n. 0005336-70.2012. 8.19.0030).

Apresentados os fatos, o TJRJ defende a não configuração de bis in idem. No mérito, aduz que o fato imputado diz respeito ao tratamento privilegiado promovido pelo magistrado em processos judiciais que envolviam as mesmas partes, o que maculou seu dever de imparcialidade.

A par disso, pugna pelo indeferimento do pedido liminar, com a consequente improcedência do pedido formulado na inicial.

Na inicial análise dos autos (Id 4305461), em 26 de março de 2021, foi deferido pleito liminar pelo então Conselheiro Relator André Godinho, ad referendum do Plenário do CNJ, para “determinar a SUSPENSÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO proferida pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que aplicou a pena de remoção compulsória ao magistrado Requerente, até o julgamento de definitivo destes autos”.

decisão liminar foi posteriormente ratificada pelo Plenário do Conselho Nacional quando da 88ª Sessão Virtual (Acordão Id n. 4388696).

Regularmente notificados nos termos do Despacho Id n. 4406461 e por considerarem que o feito já se encontra devidamente instruído, o TJRJ e o magistrado requerente informaram que não pretendiam produzir novas provas (Id n. 4418273 e Id n. 4421267, respectivamente).

Encerrada a instrução processual (Id n. 4460917), o Ministério Público Federal (MPF) apresentou suas razões finais por meio do Ofício n. 327957/2021 em 16/9/2021 (Id n. 4482374). O MPF pugnou pela improcedência do feito por não vislumbrar as irregularidades apontadas na inicial e, ainda, por considerar que a revisão disciplinar não constitui via recursal dos processos disciplinares.

Para o parquet, as condutas motivadoras da aplicação da penalidade de censura dizem respeito à desídia do magistrado na gestão da unidade jurisdicional sob sua responsabilidade, inclusive com a adoção de rotinas para escamotear o número de processos passíveis de conclusão e a prestação de informações inverídicas para a Corregedoria. O PAD ora impugnado, por sua vez, cuidou do tratamento diferenciado dispensado pelo magistrado a determinadas ações civis públicas, nas quais o órgão censor local vislumbrou uma atitude deliberada do magistrado em retardar o andamento dos feitos e desonerar bens inicialmente bloqueados, em benefício de certo grupo político.

O Juiz de Direito Marcelo Borges Barbosa apresentou suas razões finais junto ao Id n. 4490979. Na oportunidade, reiterou fundamentos semelhantes àqueles postos na inicial.

O feito foi incluído, para julgamento conjunto com as REVDIS n. 0003199-25.2021.2.00.0000 e n. 0003603-76.2021.2.00.0000, na pauta da 95ª Sessão Virtual. Na ocasião, o então Conselheiro Relator André Godinho votou no sentido de julgar parcialmente procedentes as revisões disciplinares para aplicar unicamente a sanção disciplinar de censura ao magistrado, no que foi acompanhado pelos Conselheiros Tânia Regina Silva Reckziegel, Flávia Pessoa, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

A Exma. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, à época Corregedora Nacional de Justiça, apresentou voto divergente para julgar improcedentes os pedidos, no que foi acompanhada pelos(as) então Conselheiros(as) Sidney Madruga e Ivana Farina Navarrete Pena.

O processo, contudo, foi retirado da pauta da 95ª Sessão Virtual a pedido da Conselheira Maria Thereza de Assis Moura, nos termos do art. 118-A, §5º, II do RICNJ.

Em seguida, considerada a vacância da cadeira ocupada pelo então Relator por mais de 90 (noventa) dias, a REVDIS n. 0003199-25.2021.2.00.0000 foi redistribuído à minha relatoria, nos termos do art. 45-A, § 2º do RICNJ.

Em razão da prévia redistribuição da REVDIS n. 0003199-25.2021.2.00.0000, acolhi a prevenção para julgamento desta REVDIS no Id 4607024.

O Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro encaminhou ofício (Id 4652763) comunicando o afastamento preventivo da servidora Jacqueline Alves Godinho do cargo de Chefe de Serventia da Vara Única da Comarca de Mangaratiba, por reputar tal informação pertinente à presente Revisão Disciplinar.

O magistrado requerente, espontaneamente, postulou a desconsideração do referido ofício, alegando intempestividade e ausência de pertinência temática do expediente (Id 4657554).

Em novo ofício, Corregedor-Geral comunicou que o magistrado requerente prolatou sentença após ter ciência de sua aposentadoria compulsória (Id 5016168).

 

É o Relatório.

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001959-98.2021.2.00.0000
Requerente: MARCELO BORGES BARBOSA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 

VOTO

1.    Conhecimento

 

Inicialmente, esclareço que os ofícios de Id 4657554 e Id 5016168 não serão considerados no presente voto, pois não possuem relação direta com os fatos apurados no PAD sob análise, além de terem sido apresentados pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro após o encerramento a instrução.

A presente REVDIS foi proposta em 17/3/2021. Dessa forma, considerando que o julgamento do PAD aqui questionado ocorreu em 1/3/2021 (Id 4292001, p. 87), e que não há notícia da interposição de recursos na origem, resta atendido o requisito temporal de um ano trazido no art. 103-B, § 4°, V, da CF c/c art. 82, RICNJ.

Dito isso, conheço do pedido revisional.

Passo a analisar a alegação de bis in idem formulada pelo requerente.

 

2.    Alegação de nulidade do processo disciplinar por bis in idem

 

Conforme relatado, o magistrado afirma que a imposição da pena de remoção compulsória nos autos do PAD n. 0022707-93.2019.8.19.0000 configura dupla punição, levando em conta que já havia sido sancionado com a pena de censura anteriormente pela mesma situação fática, há menos de cinco meses, nos autos do PAD n. 0065016-32.2019.8.19.0000.

Razão não lhe assiste.

No PAD n. 0065016-32.2019.8.19.0000, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 19/10/2020, deliberou pela aplicação da penalidade de censura ao juiz em questão. A ementa do acórdão delimita com clareza o objeto da imputação (Id 4292019):

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISICPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO. IMPUTAÇÕES EM VIRTUDE DAS SEGUINTES OCORRÊNCIAS: “(A) AUTOS PARALISADOS NA SERVENTIA/IRREGULARIDADES NA TRAMITAÇÃO DE PROCESSOS; (B) VIOLAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE CORREIÇÃO PERMANENTE/AUSÊNCIA DE MEDIDAS NECESSÁRIAS AO RESTABELECIMENTO DE NORMALIDADE DA SERVENTIA;  (C) DESCUMPRIMENTO AO ART. 250, INCISO V, DA CONSOLIDAÇÃO NORMATIVA JUDICIAL E AO ATO NORMATIVO CONJUNTO TJERJ 4/2019, E (D) INCONSISTÊNCIAS NO RELATÓRIO DE CORREIÇÃO GERAL ORDINÁRIA, REFERENTES AO EXERCÍCIO DE 2018”. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE SUSPEIÇÃO/IMPEDIMENTO DO JUIZ AUXILIAR DA CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA QUE COLHEU OS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS E INTERROGOU O REPRESENTADO. GRANDE VOLUME DE PROCESSOS PARALISADOS (4.637 – CORRESPONDENTES A 45,12% DO ACERVO), ALGUNS POR MAIS DE 1.000 DIAS, AGUARDANDO PROVIMENTO DO MAGISTRADO OU PROCESSAMENTO; EXISTÊNCIA DE PROCESSOS FÍSICOS E ELETRÔNICOS EM LOCAIS DE “PRÉ-CONCLUSÃO”, SEM QUE O PROCESSANTE TENHA PROVIDENCIADO A ABERTURA DA CONCLUSÃO NO SISTEMA DCP; ABERTURA DE CONCLUSÃO NO SISTEMA DCP, EM SUA MAIORIA, PELA EQUIPE DO GABINETE DO JUÍZO, COMO FORMA DE CONTROLE DA QUANTIDADE PROCESSOS QUE IAM À CONCLUSÃO; MOVIMENTAÇÃO INDEVIDA DE PROCESSOS, COM ATOS ORDINATÓRIOS OU DESPACHOS INDICANDO APENAS “AUTOS RELATADOS” OU “RELATADOS, VOLTEM CONCLUSOS”; MOROSIDADE NO PROCESSAMENTO E NA JUNTADA DE PETIÇÕES; EXISTÊNCIA DE PETIÇÕES ENCARTADAS AOS AUTOS FÍSICOS, SEM A CORRESPONDENTE JUNTADA NO SISTEMA; TAXA DE CONGESTIONAMENTO ACIMA DA MÉDIA; AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO INTEGRAL ÀS METAS DO CNJ; CRESCENTE AUMENTO NO NÚMERO DE PROCESSOS NÃO SENTENCIADOS, TENDO SIDO IDENTIFICADO PELA EQUIPE DA CORREGEDORIA DUANTE A INSPEÇÃO, PROCESSO AGUARDANDO DESDE OUTUBRO DE 2015        PARA SER SENTENCIADO, SEM CONCLUSÃO ABERTA NO SISTEMA; VIOLAÇÃO À OBRIGAÇÃO LEGAL DE CORREIÇÃO PERMANENTE; REGISTRO RECLAMAÇÕES NA OUVIDORIA DO TJRJ SOBRE A MOROSIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL; PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES DISSONANTES PELO MAGISTRADO À CORREGEDORIAGERAL DE JUSTIÇA NO RELATÓRIO DE CORREIÇÃO DE 2018, ESTE QUE CONTÉM AFIRMAÇÕES QUE NÃO CORRESPONDIAM À REALIDADE DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE MANGARATIBA À ÉPOCA QUE ENSEJAM A PROCEDÊNCIA DO PLEITO DISCIPLINAR, COM A APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA. FATOS APURADOS NÃO FORAM “ISOLADOS”, MAS TRADUZIRAM CONDUTA REITERADA, QUE CULMINOU COM O CENÁRIO ENCONTRADO PELA EQUIPE DA CORREGEDORIA, DEVENDO-SE CONSIDERAR, AINDA, O FATO DE QUE FORAM PRESTADAS INFORMAÇÕES INVERÍDICAS PELO MAGISTRADO NO RELATÓRIO DE CORREIÇÃO GERAL ORDINÁRIA REFERENTE AO EXERCÍCIO DE 2018, SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA A MERA NEGLIGÊNCIA NO CUMPRIMENTO DOS DEVERES DO CARGO. PERTINÊNCIA DE APLICAÇÃO DE PENA MAIS GRAVE QUE A LEVE ADVERTÊNCIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 42, II, E 44 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79 - LOMAN E NO ARTIGO 4º DA RESOLUÇÃO Nº 135/2011 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, RECONHECIDO O DESCUMPRIMENTO DO ARTIGO 35, I, II, III E VIII DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79 – LOMAN E DOS ARTIGOS 20 DO CONSELHO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA E 79 DO CÓDIGO ÍBEROAMERICANO DE ÉTICA JUDICIAL.

 

O que motivou a pena de censura, como se observa, foi a postura negligente do magistrado na administração da unidade jurisdicional que titularizava. Isso incluiu não só a demora generalizada no processamento de feitos sob sua reponsabilidade, mas também, como bem lembrou o Ministério Público (Id 4482374), a implementação de práticas que ocultavam a real quantidade de processos à espera de conclusão e a imprecisão na comunicação de dados ao corpo de inspeção.

Em contrapartida, o processo disciplinar objeto desta REVDIS aborda uma questão distinta: a atuação do magistrado na condução de certas ações civis públicas nas quais se identificou um comportamento de sua parte voltado não só a atrasar processos, mas a liberar ativos que estavam inicialmente bloqueados para assegurar o ressarcimento ao erário, sem oitiva prévia ou posterior do Ministério Público, tudo com possível favorecimento de réus que pertenciam a um determinado grupo político.

Tal distinção foi também observada na 88ª Sessão Virtual, em sede de ratificação de liminar, pela Exma. Ministra Maria Thereza De Assis Moura, à época Corregedora Nacional de Justiça. Veja-se (Id 4388696):

 

(...) Vislumbro autonomia no objeto das duas persecuções disciplinares sofridas pelo requerente.

 

No primeiro processo administrativo disciplinar (PAD n. 0065016-32.2019.8.19.0000), o magistrado foi censurado pela baixa produtividade e pela falta de fiscalização da organização dos serviços auxiliares.

 

No processo ora em revisão (PAD n, 0022707-93.2019.8.19.0000), o fundamento da condenação não se resume à demora na prestação jurisdicional, como revela a leitura do acórdão (4292001).

 

Houve o reconhecimento de imprudência na condução de processo, mais especificamente na decisão de “autorizar a substituição de bens bloqueados por outros, a pedido dos interessados, sem manifestação prévia do Ministério Público”.

 

As decisões liberatórias foram adotadas na Ação Civil Pública n. 0004281-79.2015.8.19.0030. A ação, proposta em razão de supostas irregularidades graves e reiteradas nas licitações realizadas pelos gestores do Município de Mangaratiba, buscava a condenação à reparação de danos.

 

A ordem cautelar de indisponibilidade do patrimônio dos réus estaria sendo alvo de corrosão, mediante “continuado desbloqueio” de bens, “muitas vezes sem a oitiva do Ministério Público”.

 

Além de tudo, foi reconhecido que “mais cinco demandas coletivas que envolvem o mesmo grupo político” eram “objeto de condutas omissivas por parte do juiz”.

 

Portanto, há imputações autônomas, com ofensividade distintas. A desorganização e a demora que deram ensejo à pena de censura não se confundem com a falta de prudência que levaram à pena de remoção compulsória.

 

Ante o exposto, peço vênia ao Conselheiro Relator para negar provimento à medida liminar. (...)

 

Dessa forma, dada a distinção entre os fatos que motivaram a instauração dos dois procedimentos, rejeita-se a alegação de bis in idem apresentada pelo magistrado.

 

3.    Mérito


 3.1. Tipicidade da conduta

 

 

No mérito, o requerente alega, em resumo, que: (i) é perseguido, pois suas decisões foram fundamentadas, não havendo provas de vínculo com grupos políticos; (ii) não tinha intenção de atrasar o processo, e o longo prazo para recebimento da petição inicial decorreu da complexidade do feito e do número grande de réus; (iii) as decisões de desbloqueio consideraram bens impenhoráveis e essenciais; (iv) a execução continuou garantida, pois os bens bloqueados eram suficientes para cobrir os danos; (v) as imputações sobre desbloqueio sem ouvir o Ministério Público indicam perseguição, pois apenas julgou pedidos que lhe foram feitos; (vi) a remoção compulsória constitui sanção abusiva, uma vez que as condutas referentes à violação do dever de garantir a razoável duração do processo autorizam, no máximo, as penalidades de advertência ou censura.

As alegações não merecem prosperar.

Extrai-se dos autos do PAD sob análise, como dado incontroverso, que a Ação Civil Pública (ACP) n. 0004281-79.2015.8.19.0030 foi ajuizada pelo Ministério Público em 24/7/2015 e que, até a data de 14/5/2019, ou seja, passados quase 4 (quatro) anos desde sua instauração, não havia decisão acerca do recebimento ou rejeição da petição inicial.

Adicionalmente, observa-se que somente em 13/8/2020, após ultrapassados 5 (cinco) anos da abertura da ACP, decidiu-se pela notificação por edital de determinados réus.

Nesse intervalo, a atuação jurisdicional do magistrado efetivamente se concentrou quase que exclusivamente na análise de postulações feitas pelos demandados para liberação de bens inicialmente bloqueados como garantia de reparação ao erário.

Convém destacar que a quase totalidade dessas decisões foram proferidas sem a prévia manifestação do Ministério Público, autor da ACP, e sem a devida fundamentação. Há diversas decisões em que o magistrado se limita a acatar o pedido, mencionando apenas a folha na qual se encontrava. Vejam-se, por exemplo:

(Id 4292008 - Pág. 103)

(Id 4292008 - Pág. 111)

 

(Id 4292008 - Pág. 112)

 

Observa-se também, com preocupação, que nas mencionadas decisões não foi feita qualquer determinação referente à intimação subsequente do Ministério Público, que já havia sido impedido, sem qualquer justificativa expressa, de se manifestar previamente à apreciação dos pedidos.

Tal omissão resultou na impossibilidade de o órgão ministerial interpor recursos com reais chances de sucesso, cerceando sua efetiva participação no processo e, em última análise, prejudicando a possibilidade de ressarcimento do patrimônio público do Município de Mangaratiba/RJ.

Trata-se de grave e patente violação ao princípio do contraditório – pilar fundamental do sistema processual, não sendo dado a um juiz simplesmente ignorá-lo –, a denotar ausência de imparcialidade por parte do magistrado e descompromisso com o relevante interesse público tutelado na ACP.

A propósito, a primeira manifestação do parquet nos autos da ACP após o seu ajuizamento, somente em 9 de agosto de 2016, é elucidativa do proceder inadequado e inusual do magistrado na condução do feito.

Os tópicos destacados pelo parquet local são indicativos de condutas que, uma a uma, completam-se e convergem para uma atuação flagrantemente atentatória à imparcialidade e ao devido processo legal. Confira-se trecho da referida manifestação, com grifos acrescidos (Id 4292012 - Págs. 12 a 18):

 

Inicialmente, cabe o registro que este é o primeiro encaminhamento dos autos ao Ministério Público autor, após decisão liminar exarada em 15/09/2015, num feito distribuído em 24/07/2015, em que pese à ocorrência de uma infinidade de outras decisões outrora proferidas, todas alheias ao crivo ministerial, muitas das quais, impactaram severamente na sorte desta demanda, como se anotará adiante alguns pontos nodais, que, para efeitos pedagógicos, serão organizados na forma de tópicos, nos moldes a seguir:

1- Primeiramente, há que se destacar que um dos pedidos cautelares ministerial pugnava pelo bloqueio de contas correntes, poupanças e aplicações/investimentos, por meio do conhecido sistema de penhora on-line (BACENJUD), sendo este o meio mais eficaz para a efetiva constrição financeiros dos demandados, não se alcançando, portanto, a razão pela qual a diligência foi realizada com encaminhamento de arcaicos ofícios ao Banco Central (fls. 254/262), muito embora assinalado na decisão de forma diversa, quando existe um sistema eletrônico que viabiliza a adoção destas urgentes medidas, estreitando o relacionamento entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras, que possibilita à autoridade judiciária encaminhar imediatamente requisições de informações e ordens de bloqueio, desbloqueio e transferência de valores bloqueados, tal qual ensina o oficio do próprio Banco Central, juntado à fl. 661, reafirmado às fls. 1038/1050, endereçado à Vara Única da Comarca de Mangaratiba, assim repisado:

(...)

Na presente hipótese, conforme documentos acostados aos autos (fls. 254/262, 465, 529, 695/699, 731/759, 777/782, 818/821, 875/876, 891/892, dentre outros), a expedição de ofícios para tal fim gerou um despropositado lapso temporal de aproximadamente um mês ou mais, entre a execução das medidas e a consecução dos seus resultados, sendo certo que as respostas pulverizadas juntadas no processo dificultam a análise do alcance e eficácia da providência.

2- Às fls. 555/557, houve pedido de desbloqueio da conta corrente da empresa Gráfica Mec Editora Ltda, de propriedade do demandado Alberto Ahmed, sob a alegação de que tais valores honrariam compromissos da empresa tais como: pagamento da folha salarial dos trabalhadores, fornecedores, encargos fiscais e contas de consumo. Para consecução do pleito, foram oferecidos três lotes localizados na Rua Comendador Martinelli, no bairro do Grajaú, conforme documentos acostados às fls. 561/607 e 926/934.

Ato continuo, o desbloqueio das contas bancárias foi concedido e a permuta dos bens ofertados para garantia do Juízo foi deferida (fls. 638/639), sem, contudo, fosse oportunizado ao Ministério Público autor manifestar-se acerca do requestado, notadamente pelo fato dos bens serem objeto de penhora anterior e, ainda, ante a possibilidade dos terrenos estarem inseridos no Parque Estadual do Grajaú ou no seu entorno, sujeito às limitações do plano de manejo daquela unidade de conservação.

O exaurimento dos pedidos de desbloqueios formulados pelo demandado Alberto Ahmed e sua empresa Gráfica Mec Editora, às fls. 555/557 e ratificados à fl. 925, deu-se efetivamente às fls. 935/940 e 1729/1733, inclusive com desbloqueio de embarcações pela Capitania dos Portos.

3- Noutro giro, em petição de fls. 608/609, os demandados Luiz Carlos de Oliveira, Helton Jorge Braga, Danielle dos Santos Coellar, Yasmin de Oliveira da Conceição e Eli Vieira Peixoto requereram o desbloqueio de suas contas correntes, sob a alegação de que em tais contas perceberiam suas remunerações. Todavia, somente o servidor Helton Jorge fez prova acerca do alegado (fl. 622), sem que tal ocorrência obstasse o desbloqueio para os demais demandados, conforme determinado às fls. 638/639, em decisão exarada sob o alvitre do i. Magistrado, eis que o Ministério Público autor não opinou sobre tal episódio.

4- Em que pese documentos permissivos acostados às fls. 527/546, a empresa Vimatécnica MI Comércio e Serviços Ltda - ME, por meio de seu representante legal Benedito Vieira de Souza Neto, ofertou pedido de desbloqueio da conta corrente originária dos pagamentos dos funcionários e fornecedores, às fls. 509/517, prontamente deferido às fls. 638/939, também sem manifestação deste órgão.

5- O demandado Marco António da Silva Santos requereu, às fls. 655/656, o desbloqueio de sua conta bancária, aduzindo que tal constrição recaiu sobre sua remuneração, de acordo com o extrato acostado à fl. 658. Sem embargo, apesar de razoável o pleito, foi determinado à fl. 824 o efetivo desbloqueio dos valores da mencionada conta corrente, ainda que ausente a opinião do Parquet.

6- No mesmo sentido, o demandado Edison Nogueira peticionou às fls. 908/909 requerendo o imediato desbloqueio da conta corrente na qual receberia seus vencimentos, o que foi prontamente atendido em decisão à fl. 923, episódio este levado a efeito também à revelia do Parquet

7- Por outro lado, o demandado Vitor Tenório dos Santos ofertou pleito às fls. 9171920, baseando sua argumentação na hipótese de que conta-salário seria absolutamente impenhorável. Ainda que exista discordância jurisprudencial sobre tal assunto, não cabível nesta fase processual, certo é que o Edil apresentou não uma, mas sim duas contas-salário, uma no Banco Bradesco e outra no Itaú, apesar do seu contracheque de fl. 921 mencionar apenas um destino para o depósito de seus vencimentos, muito embora na cópia restasse indecifrável o campo correspondente. Ao que parece, essas inconsistências não foram suficientes a obstar o desbloqueio, sento certo que o pleito foi atendido no mesmo dia (17/12/2015), novamente distante do olhar acurado deste órgão de execução.

8- Não obstante o despacho de fl. 1829, que determinou pela primeira vez vista dos autos ao Ministério Público, mirando especificamente o pedido formulado à fl. 1755/1757, percebem-se instáveis os critérios de condução do feito. Tal inferência jaz em decisão do Juízo à fl. 1513, na qual, ao que parece, resolveu idêntica situação, ou seja, pleito do demandado Luiz Antônio de Souza Varela às fls. 645/647 relativo à alienação de veículo a terceiro não integrante da demanda, sem qualquer manifestação prévia do Ministério Público.

9- Às fls. 1487/1488, consta manifestação da empresa D-Trade Comércio e Serviço informando, dentre outros requerimentos, que o veículo de propriedade do representante legal da empresa, Daniel da Silva Villar, marca/modelo Ford Fusion, alvo de constrição pelo Juízo, foi objeto do crime de roubo. Todavia, em decisão de fl. 1735 foi deferido o desbloqueio do veículo constante do RO de fls. 1489/1492, sem contudo, fosse oportunizada manifestação do Ministério Público e, pior, não foi determinado ao requerido providenciar a substituição do objeto por veículo de mesma gama e categoria da constrição inicial ou, ainda, pelo valor a ser recebido a título de prêmio, em caso de veículo segurado, sob pena de frustração de ocasional execução.

O Ministério Público, por meio deste breve manifesto, salienta que eventual revés sofrido por esta emblemática ação civil pública reduz de igual modo a efetiva possibilidade do ressarcimento do já combalido patrimônio público do Município de Mangaratiba, no qual este órgão de execução, apesar de fincado em seu papel constitucional, rende-se ao sentimento que se aproxima ao de uma vitória de Pirro.

É cediço que a presente demanda versa sobre sensível questão, sendo imperiosa a correta marcha processual, revestindo-se os atos instrumentais da responsabilidade necessária ao manejo e manutenção da indisponibilidade dos bens dos demandados, na medida em que é presciência excepcional advinda da gravidade dos fatos avençados, a fim de ressarcir os cofres municipais desfalcados pelo desvio de verbas públicas da ordem de milhões de reais, mirando, ainda, uma futura condenação não só pelos atos de improbidade praticados, mas também pelo dano moral coletivo perpetrado.

(...)

 

Na mesma manifestação, o MP destacou a ineficácia, àquela altura, da interposição de eventuais recursos (grifei):

 

(...) Este presentante ministerial se depara, diante das ocasionais avarias deflagradas na demanda, premido, ainda, por insólita situação que orbita na adversidade fática que estorva eventual interposição de recurso em face das decisões já proferidas nos autos, ainda que juridicamente viável, uma vez que em nada contribuirá para o satisfatório retorno do status quo ante. Isto posto, tão somente, remanesce ao subscritor apor ciência na decisão de fls. 177/181, bem como nas demais vergastadas nos autos até a presente data. (...)

 

Além disso, o proceder inadequado do magistrado se fez notar, no mínimo, em outras cinco ações civis públicas ajuizadas contra um mesmo grupo político, conforme consignado no voto condutor do acórdão condenatório (Id 4292001 - Págs. 89 a 99):

 

a) ACP n. 0005738-49.2015.8.19.0030, no qual o Ministério Público aponta que “o feito está sem andamento desde janeiro de 2016 e o MP nunca foi intimado da decisão inicial. Há destaque para irregularidades na condução do feito à fl. 238”;

b) ACP n. 0002418-88.2015.8.19.0030 que, segundo o Parquet, “proposta em face do ex-prefeito Evandro e seu grupo político. O feito seguiu sem vista ao MP por sete meses, prejudicando o seu andamento”;

c) ACP n. 0005888-64.2014.8.19.0030 onde a 2ª Promotoria de Tutela Coletiva da Comarca de Angra dos Reis sustenta que, “proposta em face do ex-prefeito Evandro Capixaba, com o fim de impedir a realização de contratações temporárias pelo Município de Mangaratiba. A demanda ficou sem andamento, prejudicando o interesse público”;

d) ACP n. 0000703-74.2016.8.19.0030. Segundo o Ministério Público, “proposta em face do ex-prefeito Evandro Capixaba e distribuída em janeiro de 2016, contudo, até o momento, não houve qualquer andamento”

e) ACP n. 0005336-70.2012.8.19.0030 na qual se verificou que, : “proposta em face do mesmo grupo político e de empresas vinculadas ao ex-prefeito. Desde novembro de 2014 não há vista ou ciência do MP.”

 

 O magistrado alega, nesse ponto, não haver provas de seu vínculo com grupos políticos.

Aqui, cabe destacar que a conduta omissiva do magistrado, em todas essas seis ações civis públicas, aliada à reiterada e injustificada preterição do Ministério Público no contexto de desbloqueio de bens, em demanda com evidente repercussão social e econômica, conduz objetivamente à percepção de que o magistrado estava inclinado a beneficiar o grupo político capitaneado pelo ex-prefeito do município de Mangaratiba/RJ, Evandro Capixaba.

Sobre a exigência de uma imparcialidade em sentido objetivo, destaco trecho dos Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, publicado Conselho da Justiça Federal no ano de 2008 (grifei):[1]

 

Exigências da imparcialidade

53. A Corte Européia tem explicado que há dois aspectos da exigência de imparcialidade. Primeiro, o tribunal deve ser subjetivamente imparcial, i.e., nenhum membro do tribunal deve deter qualquer preconceito ou parcialidade pessoais. A imparcialidade pessoal deve ser presumida a menos que haja evidência em contrário. Segundo, o tribunal deve ser imparcial a partir de um ponto de vista objetivo, i.e. ele deve oferecer garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima a seu respeito. Sob esta análise, deve-se determinar se, não obstante a conduta pessoal do juiz, há determinados fatos que podem levantar dúvidas acerca de sua imparcialidade. Desse modo, até mesmo aparências podem ser de certa importância. O que está em questão é a confiança com que as cortes, em uma sociedade democrática, devem inspirar no público, incluindo uma pessoa acusada. Conseqüentemente, qualquer juiz a cujo respeito houver razão legítima para temer uma falta de imparcialidade deve retirar-se.

 

Outro aspecto que corrobora essa compreensão é a rapidez com que os pedidos de desbloqueio de bens foram analisados, rapidez esta que contrasta nitidamente com a lentidão dos procedimentos relacionados às notificações dos demandados e ao recebimento ou rejeição da petição inicial. Cabe transcrever, no que concerne a essa particularidade, percuciente trecho das razões finais apresentadas pelo MPF no Id n. 4482374 (grifei):

 

51. Impende ressaltar que não se trata apenas da desídia em proporcionar uma prestação jurisdicional eficiente, mas de um padrão de conduta que beneficiava os aliados políticos do ex-Prefeito Evandro Capixaba, os quais compunham os polos passivos das ações civis públicas.

52. Outro elemento que compõe o quadro de favorecimento dos requeridos refere-se à agilidade na apreciação dos requerimentos de desbloqueio dos bens, cujo contraste em relação às providências para as respectivas notificações e o recebimento ou rejeição da inicial é evidente.

53. Consta dos autos que, em um primeiro momento, o magistrado deferiu o pedido de indisponibilidade dos bens, ressaltando as severas perdas financeiras sofridas pelo Município de Mangaratiba e a possibilidade de os réus "vaporizarem" seus patrimônios para não serem atingidos financeiramente (15/9/2015).

54. Contudo, após tal decisão, o magistrado passou a apreciar com considerável agilidade os requerimentos de desbloqueio formulados pelos requeridos, alijando o órgão ministerial de manifestar-se sobre tais pleitos, seja de forma prévia ou posterior às liberações.

 

Nesse trilho, a conjuntura sinaliza não só a ofensa ao princípio da duração razoável do processo, como também uma postura parcial por parte do magistrado, além de uma grave indiferença ao relevantíssimo interesse público tutelado nas ações coletivas, as quais, frequentemente (e a ACP n.  0004281-79.2015.8.19.0030 não é uma exceção), envolvem vultosas quantias de recursos públicos.

Este Conselho, a propósito, recomenda aos(às) magistrados(as) que deem prioridade ao processamento e o julgamento das ações coletivas em todos os graus de jurisdição (art. 3º da Recomendação CNJ n. 76/2020).

Lamentavelmente, tal recomendação foi ignorada pelo magistrado requerente.

O magistrado também argumenta que, após a retirada das restrições sobre os bens, a futura execução do processo permaneceu garantida, pois aqueles que remanesceram bloqueados eram suficientes para cobrir os danos ao erário apontados na inicial da ação civil pública, eis que a responsabilidade dos réus neste tipo de demanda é solidária.

O argumento não se sustenta. Embora, de fato, à época dos fatos prevalecesse o entendimento de que responsabilidade dos réus nas ações civis públicas de improbidade administrativa é solidária, tal solidariedade, evidentemente, somente produziria efeitos com o julgamento definitivo da demanda.

Conforme decidiu o TJRJ, nos autos do Agravo de Instrumento n. 0012589-63.2016.8.19.0000, interposto pelo ex-Prefeito  Evandro Capixaba, “o argumento de que já há garantia suficiente em razão do bloqueio de um outro corréu não socorre o Agravante, porque a solidariedade entre os réus só será confirmada após o julgamento em definitivo da lide, um, alguns, ou todos, poderão não vir a ser condenados e assim, aquele que teve os bens bloqueados, se improcedente o pedido em relação a si, não irá fazer frente a condenação. Portanto, cada um dos corréus deve dar, individualmente, em bens suficientes para garantir eventual condenação”. (Id 4292017).

O próprio magistrado requerente, em contradição com o que defende nesta REVDIS, decidiu pela impossibilidade do desbloqueio, diante da autonomia das responsabilidades (Id 4292008 - Pág. 103), de veículo pertencente ao demandado Luiz Carlos de Oliveira, que fundamentou seu pleito no justamente fato de que o juízo já se encontrava garantido pelo corréu Alberto Ahmed (Id 4292008 - Pág. 90).

Nesse cenário, imperioso concluir que o arcabouço probatório acostado aos autos revela o descumprimento das previsões legais contidas no art. 35, incisos II e III da Lei Complementar n. 35/1979 e do art. 20 do Código de Ética da Magistratura, inexistindo razões para que o CNJ altere as conclusões alcançadas pelo TJRJ.

 

3.2. Dosimetria da pena

 

O requerente sustenta que a remoção compulsória constitui sanção abusiva, uma vez que as condutas referentes à violação do dever de garantir a razoável duração do processo autorizam, no máximo, as penalidades de advertência ou censura.

Em primeiro lugar, cabe reforçar que, como visto ao longo deste voto, as imputações do PAD n. 0022707-93.2019.8.19.0000 não se restringiram à razoável duração do processo.

Quanto à adequação da sanção imposta, é preciso assinalar que a remoção compulsória é cabível quando a conduta esteja relacionada ao local onde o(a) magistrado(a) exerce suas funções. Nesse sentido, a transferência para outra unidade tem como objetivo prevenir a repetição do comportamento impróprio e restaurar a confiança no Poder Judiciário naquela jurisdição.

 Da análise dos autos, conclui-se que aplicação da pena de remoção compulsória levou tais aspectos em consideração (Id 4292001 - Pág. 98), tendo sido adequadamente fundamentada pela Corte Estadual ao considerar que (grifei)

(...) a permanência do Representado à frente da Comarca de Mangaratiba representa perigo real de descrédito para toda a Justiça, além de manter sob sua condução processos de relevante interesse social; sendo juízo único, a manutenção do Representado na Comarca enseja prejuízos de difícil reparação aos jurisdicionados, pois seria deixar intocada situação que perdura no tempo por período já longo.

Embora drástica, a remoção compulsória deve ser imposta ao Representado como punição exemplar, uma vez que já foi apenado com penas mais leves e, ainda assim, manteve-se irredutível em suas faltas funcionais.

A mudança de jurisdição, ainda que forçada, quiçá sirva para que o Representado, doravante, emende sua atividade funcional e, ao mesmo tempo, garante que a Comarca será objeto de atuação de um novo magistrado que poderá impor novo ritmo a tão importantes ações públicas. (...)

 

Ainda no que toca à dosimetria, peço licença para transcrever novamente trecho da criteriosa manifestação do MPF (Id 4482374) nesta REVDIS (grifei):

(...)

65. Com efeito, os elementos trazidos aos autos confirmam que a conduta do magistrado não se consubstanciou uma negligência pontual na condução das ações civis públicas ou a mera adoção de um procedimento incorreto, não se mostrando adequadas, portanto, as penas mais brandas de advertência e censura.

66. Na hipótese, a Corte Estadual entendeu que a mudança de lotação do magistrado para outra comarca seria remédio suficiente a impedir a prática de infrações funcionais semelhantes àquelas que ensejaram o procedimento disciplinar, considerando que as demandas por ele negligenciadas apresentavam relação com o grupo político local.

67. À luz desta perspectiva, e em homenagem ao interesse público, revelou-se adequada e proporcional a imposição da pena de remoção compulsória, prevista no art. 5° da Resolução 135/2011 do Conselho Nacional de Justiça.

 

Assim, caracterizada a falta funcional e constatada a adequação da penalidade imposta na origem, ausentes os requisitos trazidos no art. 83 do RICNJ para revisão disciplinar. A pretensão deduzida, de caráter meramente recursal, contraria a jurisprudência consolidada neste Conselho:

 

REVISÃO DISCIPLINAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR QUE NA ORIGEM APENOU O MAGISTRADO COM A SANÇÃO DE ADVERTÊNCIA. JULGAMENTO CONFORME A PROVA DOS AUTOS. PRELIMINARES REJEITADAS. AUSÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES CONSTANTES NO ART. 83, DO REGIMENTO INTERNO DESTE CONSELHOPRETENSÃO DE CUNHO RECURSAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1.  Trata-se de Revisão Disciplinar na qual se questiona o julgamento do Procedimento Administrativo Disciplinar realizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que aplicou ao magistrado revisionante a pena de advertência, em razão do exercício irregular da corregedoria e da gestão de cartório, absolvendo-o quanto à imputação de desídia na prestação jurisdicional.

(...)

4.  Quanto ao mérito, denota-se o caráter recursal desta revisional no intuito de que este Conselho novamente avalie o julgamento realizado pelo Tribunal, o qual examinou exaustivamente as provas colhidas para concluir pela ocorrência da transgressão disciplinar.

5.  Pedido julgado improcedente.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0004692-37.2021.2.00.0000 - Rel. JANE GRANZOTO - 110ª Sessão Virtual - julgado em 26/08/2022 - g.n.).

 

Assim, o exame acurado dos documentos encartados nesta REVDIS demonstra que a condenação deve ser mantida, porquanto em compasso com a lei e a evidência dos autos.

Diante do exposto, julgo improcedente o pedido.

É como voto.

Publique-se. Intimem-se. Em seguida, arquivem-se os autos.

 

Brasília, 6 de novembro de 2023.

 

Conselheira Salise Sanchotene

Relatora

 

 

 



[1] Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial - Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2008, p. 66.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001959-98.2021.2.00.0000
Relator: CONSELHEIRA MÔNICA NOBRE
Requerente: MARCELO BORGES BARBOSA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 

 

 

 

QUESTÃO DE ORDEM

 

O SENHOR CONSELHEIRO LUIS FERNANDO BANDEIRA DE MELLO (VISTOR) - Cuidam-se de três revisões disciplinares (n.ºs 0001959-98.2021.2.00.0000, 0003199-25.2021.2.00.0000 e 0003603-76.2021.2.00.0000) propostas por MARCELO BORGES BARBOSA com o objetivo de questionar decisões administrativas do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), que lhe impuseram as penas de remoção compulsória, de censura e mais duas de aposentadoria compulsória.

Analisando a causa em assentada anterior, manifestei-me aderindo ao voto divergente proferido pelo e. Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues.

Contudo, ao compulsar os autos com maior vagar, entendo necessário suscitar questão de ordem (QO) para garantir o bom andamento dos trabalhos.

Exponho a situação.

No dia 7 de dezembro de 2023, foi publicada a Resolução CNJ n. 536, que promoveu alterações no Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça1. Dentre os dispositivos incluídos, estão os parágrafos 6-A e 6-B do art. 118-A, abaixo reproduzidos: 

Art. 118-A. ....................................................................................

.......................................................................................................

§ 6º-A. Nos casos em que os processos forem destacados da sessão virtual para julgamento em sessão presencial, os votos proferidos serão desconsiderados, devendo-se colher novamente os votos do Relator e demais Conselheiros.

§ 6º-B. O disposto no § 6º-A não se aplica em caso de voto proferido por Conselheiro que posteriormente deixe o cargo, hipótese em que seu voto será computado, sem possibilidade de modificação.

Uma das finalidades dessa inclusão regimental, que visava acompanhar a própria evolução normativa do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, é de não perder as manifestações que haviam sido proferidas em plenário virtual por conselheiros que já encerraram seus mandatos. Também se propôs a inibir possibilidade de, após o destaque feito da sessão virtual para a presencial, continuar (ou reiniciar) o julgamento com a recontagem dos votos que já tenham sido proferidos, especialmente nos casos que o quórum já havia sido formado para a conclusão do julgamento.

A ideia de que o julgamento possa ser reiniciado por destaque de qualquer dos Colegas serve exatamente para permitir uma maior reflexão a respeito do tema sob apreciação, possibilitando que a matéria seja discutida presencialmente. Todavia, esse reinício deve ser interpretado, a meu ver, nos termos da legislação processual — o art. 941, § 1º, do Código de Processo Civil —, que adota a mesma sistemática do atual Regimento Interno no sentido de que, mesmo em recomeço de julgamento, deve-se manter voto proferido no caso de aposentadoria ou outro motivo de cessação do exercício do cargo.

Rememoro, aliás, que no ano de 2022 o STF já havia decidido questão de ordem em situação semelhante, para fixar o entendimento da validade de voto proferido por Ministro posteriormente aposentado, ou cujo exercício do cargo tenha cessado por outro motivo, mesmo em caso de destaque em julgamento virtual. A Suprema Corte entendeu, no caso concreto, que na retomada do julgamento fosse preservado o voto proferido por Ministro aposentado em sessão virtual realizada anos antes (Ação Direta de Inconstitucionalidade STF n. 5399 / São Paulo, julgado em 9.06.2022)2.

Pois bem.

No presente caso, no decorrer da 19ª Sessão Ordinária Presencial, realizada em 13.12.2023, antes do início da apreciação do mérito das Revisões Disciplinares, foi analisada questão de ordem suscitada pelo magistrado requerente no sentido de serem aplicadas, retroativamente, as regras do art. 118-A, §§6º-A e 6º-B, do RICNJ, que entraram em vigor em 7.12.2023.

A tese defendida pelo magistrado era a de que todos os votos proferidos por Conselheiros cujos mandatos se encerraram logo após a sessão virtual ocorrida entre os dias 14 e 22.10.2021 (id 4520237) deveriam ser mantidos, com base na nova regra do 118-A, §6º-B, do RICNJ, já em vigor na data de realização da sessão. E, de fato, já tinha entrado em vigor nova regra dispondo sobre a manutenção de votos proferidos em ambiente virtual por Conselheiros que deixaram seus cargos após pedidos de destaque formulados por outros Conselheiros.

Portanto, a meu sentir, essa nova disciplina deveria ser aplicada ao caso concreto, mantendo-se os votos do então Relator, Conselheiro André Godinho, e dos demais que votaram na sessão virtual ocorrida entre os dias 14 e 22.10.2021, e cujos mandatos se encerraram logo depois.

Mas o que se decidiu é que a nova regra não poderia retroagir, ainda que em benefício do magistrado requerente.

Faço, todavia, uma ponderação. 

O magistrado requerente já foi julgado por diversos Conselheiros, que integraram diferentes composições colegiadas ao longo de quase três anos. Se, de acordo com o entendimento firmado por esse e. CNJ em sede de questão de ordem, o RICNJ anterior não previa regra de aproveitamento de votos proferidos por Conselheiros cujos mandatos se encerraram logo após a sessão virtual (o que foi acrescido pelo 118-A, §6º-B, do RICNJ) — razão pela qual os votos lançados na Sessão Virtual realizada entre os dias 14 e 22/10/2021 não poderiam ser mantidos, ainda que em benefício ao magistrado requerente —, esse mesmo entendimento deve ser aplicado com relação aos votos lançados na 19ª Sessão Ordinária presencial, realizada em 13.12.2023.

Com efeito, as teses argumentativas do presente julgamento foram ampliadas em grande escala após os votos após a sessão realizada no dia 13. 12.2023, oportunidade na qual votaram os Conselheiros Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Márcio Luiz Freitas e Salise Sanchotene, cujos mandatos se encerraram logo em seguida. Ocorre que, em sessões ulteriores, após diversos pedidos de vista, foram inauguradas teses divergentes pelo então Conselheiro Marcos Vinícios Jardim Rodrigues, pelo Corregedor Nacional de Justiça, além do voto convergente do e. Conselheiro Alexandre Teixeira com o posicionamento da então relatora, a Conselheira Salise Sanchotene.

Com esse novo contexto, considero que deve ser realizada uma interpretação lógica e sistemática da questão de ordem definida por esse e. CNJ para que se admita, nesse caso concreto, que os Conselheiros Caputo Bastos, José Edivaldo Rocha Rotondano e Daniela Pereira Madeira, além da Conselheira Mônica Autran Nobre, relatora por sucessão, possam proferir seus votos. Com o grau de maturidade da causa, enriquecida com os votos da i. Relatora, e os votos apresentados pelos conselheiros Marcos Vinícius Jardim, Alexandre Teixeira e pelo Corregedor-Nacional de Justiça, Min. Luis Felipe Salomão, que não estavam disponíveis aos seus predecessores, a retomada das discussões com a participação dos nobres Pares dá conteúdo à garantia constitucional à plenitude de defesa.

Não há dúvidas de que muitas vezes surgem temas, fatos novos e argumentos que escapam da apreciação do Relator originário que, por ter deixado o cargo, não está mais presente na Bancada e penso que, nessa circunstância, deve-se permitir que o novo ocupante da cadeira possa votar sobre a nova tese. Em outras palavras, pode ser que surjam temas e incidentes novos durante um julgamento em que já se iniciara a votação. Então, a cadeira há de se fazer presente, e seu ocupante há de ter a possibilidade de se manifestar sobre nova situação surgida ou questão de ordem que seja proposta por um dos Colegas.

Ademais, o art. 127, § 1º do RICNJ, em vigor desde 2009, prevê que, se algum Conselheiro pedir vista dos autos em sessão presencial, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, na primeira sessão ordinária subsequente, sendo “computados os votos já proferidos pelos Conselheiros, ainda que não compareçam ou hajam deixado o exercício do cargo”. Desse modo, o referido dispositivo exige apenas o cômputo, permitindo, portanto, a prolação de novos votos por Conselheiros sucessores. Confira-se:

Art. 127. Se algum dos Conselheiros pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, na primeira sessão ordinária subsequente, com preferência na pauta, independentemente de nova publicação.

§ 1º Ao reiniciar-se o julgamento, serão computados os votos já proferidos pelos Conselheiros, ainda que não compareçam ou hajam deixado o exercício do cargo. 

Ante todo o exposto, suscito a presente QUESTÃO DE ORDEM para que o Plenário deste Conselho Nacional de Justiça permita que, nesse caso concreto, sejam colhidos os votos da Conselheira Mônica Nobre, nova relatora do caso por sucessão, e dos conselheiros Caputo Bastos, José Edivaldo Rocha Rotondano e Daniela Pereira Madeira, para que possam se manifestar quanto aos votos proferidos pelos i. Conselheiros que sucederam, em respeito ao devido processo legal e à proteção da confiança.

 

Luiz Fernando BANDEIRA de Mello
Conselheiro Vistor

 



1 DJe/CNJ n. 296/2023, de 7 de dezembro de 2023, p. 2-5.

2 O acórdão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência do Ministro Luiz Fux, por maioria de votos, em acolher questão de ordem suscitada pelo Ministro Alexandre de Moraes no sentido de o Plenário fixar o entendimento da validade de voto proferido por Ministro posteriormente aposentado, ou cujo exercício do cargo tenha cessado por outro motivo, mesmo em caso de destaque em julgamento virtual, entendendo, no caso concreto, que a retomada deste julgamento preserve o voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio na sessão virtual de 20 a 27/11/2020, garantindo, ainda, que tal posicionamento passe a ser adotado a partir do presente julgamento, não se aplicando aos processos já julgados, vencido o Ministro André Mendonça. O Ministro Gilmar Mendes não participou da votação da questão de ordem. Em seguida, o Tribunal, por maioria de votos, conhecer em parte da ação direta e julgar parcialmente procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade parcial do art. 1º, parágrafo único, inciso 1, no que diz respeito ao serviço de telefonia móvel, e inciso 5, no que diz respeito ao serviço privado de educação, ambos da Lei nº 15.854/2015, do Estado de São Paulo, fixando a seguinte tese de julgamento: “É inconstitucional lei estadual que impõe aos prestadores privados de serviços de ensino e de telefonia celular a obrigação de estender o benefício de novas promoções aos clientes preexistentes”, nos termos do voto do Relator, vencidos o Ministro Marco Aurélio, que admitia, em parte, a ação direta, e, nessa extensão, julgava improcedente o pedido, e o Ministro Edson Fachin, que julgava totalmente improcedente a ação. A Ministra Rosa Weber ressalvou sua compreensão pessoal e acompanhou o Relator. Não votou o Ministro André Mendonça por suceder o Ministro Marco Aurélio. Presidência do Ministro Luiz Fux. Brasília, 9 de junho de 2022. Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO – Relator (disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4869682).

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001959-98.2021.2.00.0000
Requerente: MARCELO BORGES BARBOSA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 


 

VOTO

 

I – JULGAMENTO CONJUNTO EM RAZÃO DA CONECTIVIDADE DOS FATOS

(Revisões Disciplinares nº 0003199-25.2021.2.00.0000, nº 0001959-98.2021.2.00.0000 e nº 0003603-76.2021.2.00.0000)

 

Conforme devidamente relatado, após realização de específico procedimento de inspeção realizado na Vara Única de Mangaratiba/RJ em 13.5.19, na época de titularidade do magistrado ora requerente, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro - CGJ/RJ deliberou pela instauração de diferentes procedimentos disciplinares para avaliação individualizada de cada uma das possíveis irregularidades detectadas.

A despeito de decorrerem de único procedimento de sindicância, as condutas imputadas foram segregadas, resultando na abertura de 05 (cinco) distintos processos administrativos disciplinares em desfavor do magistrado ora requerente. Os dois primeiros - PAD nº 0065016-32.2019.8.19.0000 e PAD nº 0022707-93.2019.8.19.0000 - ensejaram a aplicação das penas de “censura” e “remoção compulsória”, respectivamente.

No primeiro procedimento, objeto do PAD nº 65016-32, o Tribunal anunciou as seguintes inconsistências: a) autos paralisados na serventia/irregularidades na tramitação de processos; b) violação à obrigação de correição permanente e ausência de medidas necessárias ao restabelecimento da normalidade da serventia; c) descumprimento ao art. 250, V, da consolidação normativa judicial e ao Ato Normativo Conjunto TJRJ nº 4/2019; além de, d) inconsistências no relatório de correição geral ordinária, referentes ao exercício de 2018.

Após instrução do feito, o Tribunal acolheu a manifestação da Corregedoria-Geral de Justiça para julgar procedente as acusações postas e aplicar ao Requerente a sanção administrativa de censura, por suposta violação ao disposto no art. 35 I, II, III, e VIII da LOMAN, e no art. 20 do Código de Ética da Magistratura.

A ementa da decisão foi assim apresentada:

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISICPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO. IMPUTAÇÕES EM VIRTUDE DAS SEGUINTES OCORRÊNCIAS: “(A) AUTOS PARALISADOS NA SERVENTIA/IRREGULARIDADES NA TRAMITAÇÃO DE PROCESSOS; (B) VIOLAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE CORREIÇÃO PERMANENTE/AUSÊNCIA DE MEDIDAS NECESSÁRIAS AO RESTABELECIMENTO DE NORMALIDADE DA SERVENTIA; (C) DESCUMPRIMENTO AO ART. 250, INCISO V, DA CONSOLIDAÇÃO NORMATIVA JUDICIAL E AO ATO NORMATIVO CONJUNTO TJERJ 4/2019, E (D) INCONSISTÊNCIAS NO RELATÓRIO DE CORREIÇÃO GERAL ORDINÁRIA, REFERENTES AO EXERCÍCIO DE 2018”. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE SUSPEIÇÃO/IMPEDIMENTO DO JUIZ AUXILIAR DA CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA QUE COLHEU OS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS E INTERROGOU O REPRESENTADO. GRANDE VOLUME DE PROCESSOS PARALISADOS (4.637 – CORRESPONDENTES A 45,12% DO ACERVO), ALGUNS POR MAIS DE 1.000 DIAS, AGUARDANDO PROVIMENTO DO MAGISTRADO OU PROCESSAMENTO; EXISTÊNCIA DE PROCESSOS FÍSICOS E ELETRÔNICOS EM LOCAIS DE “PRÉ-CONCLUSÃO”, SEM QUE O PROCESSANTE TENHA PROVIDENCIADO A ABERTURA DA CONCLUSÃO NO SISTEMA DCP; ABERTURA DE CONCLUSÃO NO SISTEMA DCP, EM SUA MAIORIA, PELA EQUIPE DO GABINETE DO JUÍZO, COMO FORMA DE CONTROLE DA QUANTIDADE PROCESSOS QUE IAM À CONCLUSÃO; MOVIMENTAÇÃO INDEVIDA DE PROCESSOS, COM ATOS ORDINATÓRIOS OU DESPACHOS INDICANDO APENAS “AUTOS RELATADOS” OU “RELATADOS, VOLTEM CONCLUSOS”; MOROSIDADE NO PROCESSAMENTO E NA JUNTADA DE PETIÇÕES; EXISTÊNCIA DE PETIÇÕES ENCARTADAS AOS AUTOS FÍSICOS, SEM A CORRESPONDENTE JUNTADA NO SISTEMA; TAXA DE CONGESTIONAMENTO ACIMA DA MÉDIA; AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO INTEGRAL ÀS METAS DO CNJ; CRESCENTE AUMENTO NO NÚMERO DE PROCESSOS NÃO SENTENCIADOS, TENDO SIDO IDENTIFICADO PELA EQUIPE DA CORREGEDORIA DUANTE A INSPEÇÃO, PROCESSO AGUARDANDO DESDE OUTUBRO DE 2015 PARA SER SENTENCIADO, SEM CONCLUSÃO ABERTA NO SISTEMA; VIOLAÇÃO À OBRIGAÇÃO LEGAL DE CORREIÇÃO PERMANENTE; REGISTRO RECLAMAÇÕES NA OUVIDORIA DO TJRJ SOBRE A MOROSIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL; PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES DISSONANTES PELO MAGISTRADO À CORREGEDORIAGERAL DE JUSTIÇA NO RELATÓRIO DE CORREIÇÃO DE 2018, ESTE QUE CONTÉM AFIRMAÇÕES QUE NÃO CORRESPONDIAM À REALIDADE DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE MANGARATIBA À ÉPOCA QUE ENSEJAM A PROCEDÊNCIA DO PLEITO DISCIPLINAR, COM A APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA. FATOS APURADOS NÃO FORAM “ISOLADOS”, MAS TRADUZIRAM CONDUTA REITERADA, QUE CULMINOU COM O CENÁRIO ENCONTRADO PELA EQUIPE DA CORREGEDORIA, DEVENDO-SE CONSIDERAR, AINDA, O FATO DE QUE FORAM PRESTADAS INFORMAÇÕES INVERÍDICAS PELO MAGISTRADO NO RELATÓRIO DE CORREIÇÃO GERAL ORDINÁRIA REFERENTE AO EXERCÍCIO DE 2018, SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA A MERA NEGLIGÊNCIA NO CUMPRIMENTO DOS DEVERES DO CARGO. PERTINÊNCIA DE APLICAÇÃO DE PENA MAIS GRAVE QUE A LEVE ADVERTÊNCIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 42, II, E 44 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79 - LOMAN E NO ARTIGO 4º DA RESOLUÇÃO Nº 135/2011 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, RECONHECIDO O DESCUMPRIMENTO DO ARTIGO 35, I, II, III E VIII DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79 – LOMAN E DOS ARTIGOS 20 DO CONSELHO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA E 79 DO CÓDIGO ÍBEROAMERICANO DE ÉTICA JUDICIAL.

(grifos não no original)

 

 

No PAD nº 22707-93, por sua vez, o magistrado foi acusado de “atuar de forma ineficiente na condução de várias ações civis públicas, de modo a favorecer determinado grupo político que compunha o polo passivo dos feitos judiciais”.

De acordo com a acusação formulada, o magistrado não observou o princípio da razoável duração do processo, notadamente por deixar de conferir tempestivo andamento de diversas ações civis públicas, em especial na Ação Civil Pública nº 0004281-79.2015.8.19.0030, propostas contra o mesmo grupo político local. Consignado, ainda, que a sua atuação jurisdicional na citada ACP teria ocorrido, em tese, de forma a beneficiar determinado grupo político da região, com o qual poderia ter ligação pessoal, apesar da não constatado no PAD qualquer envolvimento do magistrado com as partes dos autos.

Em razão disso, a CGJ/RJ consignou caracterizada verdadeira desídia pessoal do magistrado para aplicar-lhe a pena de remoção compulsória.

A respectiva ementa do julgado foi assim publicada:

 

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA DO MAGISTRATO QUE ATENTACONTRA OS DEVERES PREVISTOS NO ART. 35 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79 (LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA). MOROSIDADE E INEFICIÊNCIA NA CONDUÇÃO DE VÁRIAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. FATOS QUE ENVOLVEM A POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COM GRAVES PREJUÍZOS AO ERÁRIO DO MUNICÍPIO DE MANGARATIBA.VIOLAÇÃO DE DEVER FUNCIONAL. PENA DE REMOÇÃO COMPULSÓRIA. CABIMENTO. MEDIDA SANEADORA PARA A COMARCA E ADEQUADA AO MAGISTRADO. 1. Processo administrativo disciplinar instaurado com a observância do devido processo legal e do contraditório, objetivando apurar a ocorrência de violação dos deveres previstos no artigo 35, incisos II e III, da Lei Complementar nº 35/79, e nos artigos 20 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional. 2. Ação Civil Pública nº 0004281-79.2015.8.19.0030 proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro requerendo, em sede cautelar, a indisponibilidade dos bens móveis e imóveis e a quebra dos sigilos dos dados bancários e fiscais de ex-integrantes da Administração Pública do Município de Mangaratiba, ante a possibilidade de dilapidação do patrimônio público. Pleito de condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. 3. Ação Civil Pública na qual a atividade jurisdicional se deu quase que exclusivamente voltada para os pleitos formulados pelos demandados, com várias decisões liberando as garantias cautelares patrimoniais inicialmente constituídas. 4. Atuação profícua do Ministério Público, com repetidas manifestações nos processos de sua competência, sem sucesso. 5. Magistrado que não observa o princípio da duração razoável do processo, mantendo, a latere, diversas ações civis públicas propostas contra o mesmo grupo político local, sem receber, sequer, o despacho inicial. Conduta funcional que não se confunde com a independência do juiz, revelando, ao contrário, verdadeira desídia pessoal do magistrado. 6. Descumprimento da previsão legal contida no art. 35, incisos II e II da Lei Complementar nº 35/79 e do art. 20 do Código de Ética da Magistratura. 7. O Magistrado não pode se escudar na independência funcional (art. 127, § 1º da Constituição Federal e art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura), pré-requisito do estado de Direito e uma garantia fundamental de um julgamento justo, bem como nas garantias facultadas pelo art. 95 da Constituição Federal, a fim de se eximir do cumprimento de suas obrigações funcionais. 8. Aplicação da pena de remoção compulsória, na forma do art. 42, inciso III da Lei Complementar nº 35/79, a fim de preservar os interesses da própria Jurisdição, do jurisdicionado e proporcionar oportunidade de redenção ao magistrado ao atuar em outra comarca ou juízo.

(grifos não no original)

 

 

Por derradeiro, no PAD nº 0017163-27.2019.8.19.0000 (julgado conjuntamente com o PAD nº 0017165-94.2019.8.19.0000) e no PAD nº 0075040-22.2019.8.19.0000, julgados na mesma sessão e que resultaram na aplicação de duas penas de aposentadoria compulsória, o Juiz de Direito Marcelo Borges Barbosa, ora requerente, foi acusado de negligenciar o andamento de processos que envolviam policiais militares, retardando o andamento dos feitos em benefício da manutenção dos autores nos quadros da corporação, além de adotar procedimentos incorretos.

No primeiro procedimento (PAD nº 17163-27), foram imputadas as seguintes condutas: a) apuração da admissibilidade de petições iniciais e concessão de liminares em diversas ações de autoria de policiais militares não residentes em Mangaratiba, expulsos da Corporação ou respondendo a procedimentos administrativos disciplinares; b) expressiva quantidade de decisões com tutelas antecipadas concedidas para suspender processos administrativos disciplinares instaurados em desfavor dos autores ou para a reintegração à Corporação; c) decisão de admissão de litisconsortes facultativos ativos ulteriores, com imediata extensão dos efeitos da tutela já concedida aos novos litisconsortes; d) direcionamento proposital, dos autores das ações, para a Vara Única de Mangaratiba, e, e) distinção de tratamento, entre processos com tutelas antecipadas a serem efetivadas e aqueles processos com as tutelas efetivadas ou cassadas.

Cite-se a ementa do respectivo julgado:

 

Representações em face de Magistrado. Violação aos deveres funcionais previstos no artigo 35, I, II, III e VIII da Lei Complementar nº 35/79 e nos artigos 20 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional – resolução 60/2008. Juiz titular da Vara Única da Comarca de Mangaratiba. Representações conexas, instauradas a partir da Portaria nº 04/2019. Apuração da admissibilidade de petições iniciais e concessão de liminares em diversas ações de autoria de policiais militares não residentes em Mangaratiba, expulsos da Corporação ou respondendo a procedimentos administrativos disciplinares, porém não residentes na Comarca. Expressiva quantidade de decisões com tutelas antecipadas concedidas para suspender processos administrativos disciplinares instaurados em desfavor dos autores ou 11 para a reintegração à Corporação - em 37 ações, 5 autores tiveram seus PADs suspensos e 58 autores foram reintegrados, liminarmente, à Corporação Militar. Decisão de admissão de litisconsortes facultativos ativos ulteriores, com imediata extensão dos efeitos da tutela já concedida aos novos litisconsortes. Direcionamento proposital, dos autores das ações, para a Vara Única de Mangaratiba. Não sendo caso de litisconsórcio necessário, a formação de litisconsórcio depois da propositura da demanda é escolha do Juiz. No caso dos autos, não há dúvida que formados litisconsórcios facultativos ativos ulteriores, em flagrante violação ao princípio do Juiz natural, previsto no artigo 5º, XXXVII e LII, da Constituição da República, sem amparo no CPC/73 e no CPC/2015. Distinção no tratamento, entre os processos com tutelas antecipadas a serem efetivadas e aqueles processo com as tutelas efetivadas ou cassadas. As circunstâncias evidenciam que o Representado descumpriu seus deveres funcionais previstos no artigo 35, incisos I, II, III e VIII da Lei Complementar nº 35/79 - Lei Orgânica da Magistratura Nacional, e nos artigos 20 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional. Procedência dos PADs com aplicação da pena de aposentadoria compulsória, por interesse público, prevista no art. 93, VIII, da Constituição Federal, art. 42, V e art. 56, da Lei Orgânica da Magistratura - LOMAN, art. 7º da Resolução 135/2011.

(grifos não no original)

 

 

No PAD nº 75040-22 foram imputados os seguintes fatos: a) retenção de processos cuja competência foi declinada; b) violação ao disposto no artigo 189, do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do ERJ; c) certidões dos mandados de verificação irregulares, sem a qualificação da parte a ser diligenciada e tampouco as respectivas assinaturas digitais, e, d) processos com anotação nas capas da inscrição “PM” a indicar o tratamento diferenciado dispensado pelo Representado às ações de policiais militares.

Vejamos a ementa do julgado:

 

Representação em face de Magistrado. Violação dos deveres funcionais previstos no artigo 35, I, II, III e VIII da Lei Complementar nº 35/79 - Lei Orgânica da Magistratura Nacional e nos artigos 8º, 10, 20, 24 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional. Juiz titular da Vara Única da Comarca de Mangaratiba. Procedimento Administrativo Disciplinar - PAD - Portaria nº 08/2019. Acolhimento parcial da prejudicial de litispendência, para excluir a imputação de “procrastinação de processos com liminares deferidas para reintegração de policiais militares à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro”. Tal imputação está abrangida pelos PADs 17163-27.2019 e 17165-94.2019 em apensos, julgados nesta data. Afastada a prejudicial de litispendência das demais imputações: a retenção de processos cuja competência foi declinada, no gabinete do Representado, apesar de constarem no sistema Informatizado do Tribunal de Justiça como enviados à Fazenda Pública; violação ao disposto no artigo 189, do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do ERJ; certidões dos mandados de verificação irregulares, sem a qualificação da parte a ser diligenciada e tampouco as respectivas assinaturas digitais, em vários processos, descumprido o disposto nos artigos 342 e 352-G, da Consolidação Normativa e artigo 367, do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; processos com anotação nas capas da inscrição “PM”- violação ao artigo 187, da Consolidação Normativa da CGJRJ e indica o tratamento diferenciado verificado, neste PAD, dispensado pelo Representado às ações de policiais militares para a reintegração ou a suspensão de procedimentos administrativos disciplinares. Ao final da instrução processual, comprovada a violação pelo Representado, aos artigos 35, incisos I, II, III e VIII, da LOMAN e artigos 8º, 10, 20, 24 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional. Reconhecida a prejudicial de litispendência parcial, afastada a imputação do item 2 da Portaria nº 08/2019, objeto dos PADs. n.º 0017163-27.2019.8.19.0000 e n.º 17165- 94.2019.8.19.0000, julgados nesta data. Procedência parcial da representação para aplicar a pena de aposentadoria compulsória, por interesse público, prevista no art. 93, VIII, da Constituição Federal, art. 42, V e art. 56, da Lei Orgânica da Magistratura - LOMAN, art. 7º da Resolução 135/2011.

(grifos não no original)

 

 

Na análise global dos fatos imputados nos procedimentos disciplinares acima mencionados, denota-se, de forma clarividente, que o âmago de todas as condutas objeto de apuração se encontram interligadas. Extrai-se da integralidade dos fatos que os questionamentos imputados decorrem de procedimento de inspeção realizado na Vara Única de Mangaratiba/RJ em 13.5.2019 pela CGJ/RJ, o qual resultou na constatação de atraso na tramitação dos feitos judiciais, com prejuízo à regular prestação jurisdicional.

No primeiro procedimento instaurado e que ensejou a sanção de censura (PAD nº 65016-32), o Tribunal avaliou inconsistências generalizadas relativas, em sua maioria, à paralização dos feitos e à necessária prestação jurisdicional de forma célere. Foram noticiadas, ainda, violação à obrigação de correição permanente e ausência de medidas necessárias ao restabelecimento da normalidade da serventia, além da inconsistência no relatório de correição geral ordinária. Semelhantes imputações foram consignadas e fundamentaram a instauração do PAD nº 22707-93, onde o magistrado foi acusado de atuar de forma ineficiente na condução de várias ações civis públicas, em detrimento da razoável duração do processo e de modo a favorecer, em tese, determinado grupo político. No PAD nº 17163-27, mais uma vez, o magistrado também é acusado de procrastinar o andamento de processos judiciais de interesse de policiais militares, como forma de manutenção destes nos quadros da corporação. Já no PAD nº 75040-22, por fim, o Tribunal apurou a retenção de processos cuja competência foi declinada, em detrimento do necessário desenvolvimento processual, notadamente em processos de interesse, também, de policiais militares, a indicar possível tratamento diferenciado.

Os processos noticiados possuem evidente simbiose e conectividade, pois constituídos pela denunciação de fatos e condutas assemelhadas, absolutamente interligadas. Em geral, decorrem de irregularidade na organização dos feitos judiciais de sua competência, a constituir atraso injustificado no desenvolvimento processual das mais variadas ações e partes. A morosidade imputada, acrescida das irregularidades pontuais na gestão da unidade jurisdicional, relacionadas à ausência de correição permanente e de medidas necessárias para organização da respectiva serventia judicial e seus servidores, constituem o foco central das condutas objeto de apuração nos mencionados procedimentos.

Conforme fundamentos que serão melhor apresentados nas razões de mérito a seguir descritas, não restou comprovado qualquer evidência de favorecimento pessoal por parte do magistrado. Ou seja, em nenhuma das decisões proferidas pelo Tribunal de origem e que ensejaram a aplicação das penas de censura (PAD nº 65016-32), remoção (PAD nº 22707-93) ou aposentadoria compulsória (PAD nº 17163-27 e PAD nº 75040-22) foi possível comprovar a suscitada quebra de imparcialidade a justificar a aplicação de severa punição.

Relevante registrar que o suscitado direcionamento de decisões judiciais proferidas em determinadas Ações Civis Públicas, em suposto benefício de grupo político da região, em detrimento do dever de imparcialidade, apesar de ser utilizado como fundamento para a segregação dos fatos e instauração de diversos procedimentos disciplinares, em verdade, constituem circunstâncias que não foram minimamente comprovadas ao final das apurações realizadas no respectivo procedimento administrativo disciplinar.

Igualmente, em nenhum momento foi comprovado nos autos a imputada parcialidade do magistrado no julgamento de ações envolvendo policiais militares. Os fundamentos utilizados no Acórdão julgador são constituídos por avaliações intuitivas, desprovidas de constatações minimamente suficientes para a comprovação dos fatos imputados, situação necessária para justificar a gravidade da pena imposta (aposentadoria).

Nesse contexto, remanesce a contextualização referente ao atraso na prestação jurisdicional, conformada com falhas generalizadas na gestão da atividade jurisdicional exercida na Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ. Situações que, como devidamente assinalado acima, se encontram presentes em todos os processos administrativos disciplinares instaurados em desfavor do magistrado ora requerente.

A par disso, pertinente a avaliação conjunta dos fatos e argumentos lançados nas Revisões Disciplinares nº 0003199-25.2021.2.00.0000, nº 0001959-98.2021.2.00.0000 e  

 0003603-76.2021.2.00.0000, propostas pelo magistrado Marcelo Borges Barbosa para questionar as sanções disciplinares aplicadas pelo Tribunal de origem de remoção, censura e aposentadoria compulsória, respectivamente, o que desde já se propõe.

 

 

II – DAS PRELIMINARES SUSCITADAS

O requerente suscita, inicialmente, (01) a violação ao princípio do juiz natural, nos termos do art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal. Argumenta que a  realização da audiência destinada à oitiva das testemunhas e ao interrogatório não poderia ser delegada ao Juiz Auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, o qual havia participado da inspeção realizada na serventia em 2019 e cujas conclusões deram origem ao processo disciplinar.

A despeito dos relevantes fundamentos apresentados, sem razão o requerente, pois não se vislumbra hipótese de violação dos preceitos legais.

A participação de juiz auxiliar em procedimento de instrução do processo administrativo disciplinar constitui faculdade conferida ao respectivo Relator (membro do colegiado) para agilização dos trabalhos de instrução e apuração dos fatos. Não confere poderes para o respectivo julgamento do feito, o qual permanece sob a titularidade dos membros do colegiado. Ressalte-se que a própria Resolução nº 135/2011 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em seu art. 18, §1º, assegura ao Relator a possibilidade de delegar poderes a magistrado de primeiro ou segundo graus para colheita das provas, ato meramente procedimental.

Cite-se:

 

Art. 18. Decorrido o prazo para a apresentação da defesa prévia, o relator decidirá sobre a realização dos atos de instrução e a produção de provas requeridas, determinando de ofício as que entender necessárias.

§ 1º Para a colheita das provas o Relator poderá delegar poderes a magistrado de primeiro ou segundo grau.

§ 2º Para todos os demais atos de instrução, com a mesma cautela, serão intimados o magistrado processado ou seu defensor, se houver.

§ 3º Na instrução do processo serão inquiridas, no máximo, oito testemunhas de acusação e, até oito de defesa, por requerido, que justificadamente tenham ou possam ter conhecimento dos fatos imputados.

§ 4º O depoimento das testemunhas, as acareações e as provas periciais e técnicas destinadas à elucidação dos fatos, serão realizados com aplicação subsidiária, no que couber, das normas da legislação processual penal e da legislação processual civil, sucessivamente.

§ 5º A inquirição das testemunhas e o interrogatório deverão ser feitos em audiência una, ainda que, se for o caso, em dias sucessivos, e poderão ser realizados por meio de videoconferência, nos termos do § 1º do artigo 405 do Código de Processo Penal e da Resolução no 105, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça.

§ 6º O interrogatório do magistrado, precedido de intimação com antecedência de 48 (quarenta e oito) horas, será realizado após a produção de todas as provas.

§ 7º Os depoimentos poderão ser documentados pelo sistema audiovisual, sem a necessidade, nesse caso, de degravação.

 

 

Em continuação, também não se vislumbra irregularidade na suscitada (02) não apreciação pelo órgão censor local do pedido de retirada dos feitos de pauta de julgamento, formulado em virtude da liminar concedida pelo CNJ no âmbito da Revisão Disciplinar nº 0001959-98.2021.2.00.0000, que impôs a suspensão da aplicação da sanção de remoção compulsória.

A decisão proferida por este Conselho limitou-se a suspender, provisoriamente, a pena de remoção compulsória aplicada ao magistrado nos autos do PAD nº 0022707-93.2019.8.19.0000, sem constituir obstáculo ou impedimento para julgamento de novos processos administrativos disciplinares pela Corte.

Ademais, as sanções pontuadas pelo Tribunal nos processos subsequentes, segundo consta, não são pautadas pela gradação das penas anteriormente aplicadas. De acordo com o TJ, decorrem dos próprios fatos considerados no julgamento dos feitos.

À vista disso, afasto as preliminares suscitadas e passo para as razões de mérito.

 

 

III – DAS RAZÕES DE MÉRITO

A admissão do procedimento de Revisão Disciplinar está sujeita ao preenchimento necessário de, pelo menos, dois requisitos, conforme o que estabelecem os artigos 82 e 83 do Regimento Interno deste Conselho Nacional de Justiça, de seguinte teor:

 

Art. 82. Poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de Tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão.

Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I - quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II - quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.

 

 

No tocante ao requisito tempestividade, previsto no artigo 82, verifica-se atendida a exigência legal por constatar que a decisão administrativa ora impugnada foi prolatada a menos de um ano da autuação deste procedimento administrativo perante o Conselho Nacional de Justiça.

No exame de mérito, verifica-se que os processos disciplinares objeto do presente questionamento foram autuados a partir de único procedimento de inspeção realizado pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro junto à Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, em 13.5.2019, quando ainda de titularidade do magistrado ora requerente.

Reunidos de forma sintética, os achados podem ser assim apresentados:

 

PAD nº 0065016-32.2019.8.19.0000 

a) autos paralisados na serventia e irregularidades na tramitação de processos;

b) violação à obrigação de correição permanente e ausência de medidas necessárias ao restabelecimento da normalidade da serventia;

c) descumprimento ao art. 250, V, da consolidação normativa judicial e ao Ato Normativo Conjunto TJRJ nº 4/2019;

d) inconsistências no relatório de correição geral ordinária, referentes ao exercício de 2018;

PAD nº 0022707-93.2019.8.19.0000 

e) morosidade e ineficiência na condução de várias ações civis públicas, em especial na Ação Civil Pública nº 0004281-79.2015.8.19.0030, propostas contra o mesmo grupo político local;

f) fatos que envolvem possível ocorrência de improbidade administrativa;

PAD nº 0017163-27.2019.8.19.0000 

g) negligenciar o andamento de processos que envolviam policiais militares;

h) retardar o andamento dos feitos em benefício da manutenção dos autores nos quadros da corporação, além de adotar procedimentos incorretos;

PAD nº 0075040-22.2019.8.19.0000 

i) admissibilidade de petições iniciais e concessão de liminares em diversas ações de autoria de policiais militares não residentes em Mangaratiba, expulsos da Corporação ou respondendo a procedimentos administrativos disciplinares;

j) expressiva quantidade de decisões com tutelas antecipadas concedidas para suspender processos administrativos disciplinares instaurados em desfavor de policiais militares ou para deferir a reintegração destes à Corporação;

l) decisão de admissão de litisconsortes facultativos ativos ulteriores, com imediata extensão dos efeitos da tutela já concedida aos novos litisconsortes;

m) direcionamento proposital, dos autores das ações, para a Vara Única de Mangaratiba, e,

n) distinção de tratamento, entre processos com tutelas antecipadas a serem efetivadas e aqueles processos com as tutelas efetivadas ou cassadas.

 

 

Conforme já anteriormente pontuado, em todos os procedimentos disciplinares instaurados em desfavor do Juiz de Direito Marcelo Borges Barbosa são apontadas condutas relativas à gestão dos feitos judiciais de sua competência, a caracterizar a indesejada morosidade na solução final da lide. São pontuadas, ainda, irregularidades na tramitação de processos, em razão de supostas decisões judiciais com interpretações equivocadas.

A morosidade imputada, acrescida das irregularidades na gestão da unidade jurisdicional, relacionadas à ausência de correição permanente e de medidas necessárias para organização da respectiva serventia judicial e seus servidores, constituem o foco central das condutas objeto de apuração nos mencionados procedimentos.

Realizada detida análise dos fatos e respectivas imputações, em confronto com as provas dos autos, não é possível observar qualquer comprovação de parcialidade do magistrado na sua atuação jurisdicional, quer em benefício de determinado grupo político atuante na região ou, ainda, de policiais militares autores das ações suscitadas neste procedimento. De acordo com os fatos apurados e respectivos fundamentos apontados pelo próprio TJRJ nas decisões objeto de revisão, em nenhum momento é comprovada o imputado favorecimento pessoal.

Registre-se que o acerto ou desacerto das decisões judiciais proferidas, em verdade, devem ser atacadas pela via própria, ou seja, também pela via jurisdicional. A independência funcional do magistrado reverbera em garantia de prestação jurisdicional imparcial, em favor da sociedade, expressamente prevista no art. 41 da LOMAN, somente podendo ser questionada administrativamente quando demonstrado que, no caso concreto, o órgão judicial atuou com parcialidade decorrente de má-fé, o que não se verifica neste caso.

Cite-se precedentes do Plenário neste sentido:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DO MAGISTRADO REVERBERA EM GARANTIA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL IMPARCIAL, EM FAVOR DA SOCIEDADE. MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME.

1. O que se alega contra o requerido classifica-se como matéria estritamente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

2. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das atribuições previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

3. A independência funcional do magistrado reverbera em garantia de prestação jurisdicional imparcial, em favor da sociedade, expressamente prevista no art. 41 da LOMAN, somente podendo ser questionada administrativamente quando demonstrado que, no caso concreto, o órgão judicial atuou com parcialidade decorrente de má-fé, o que não se verifica neste caso.

4. Ausentes indícios de má-fé na atuação do magistrado, eventual impugnação deve ser buscada pelos mecanismos jurisdicionais presentes no ordenamento jurídico.

Recurso administrativo a que se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0000897-57.2020.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 93ª Sessão Virtual - julgado em 24/09/2021). (grifos não no original)

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA A MAGISTRADO EM FACE DE DECISÕES JUDICIAIS PAUTADAS EM CONVICÇÕES PESSOAIS E NO CONVENCIMENTO MOTIVADO. FUNDAMENTAÇÃO NA FORMA DO ARTIGO 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REGULAR ATIVIDADE JURISDICIONAL. DESRESPEITO À AUTONOMIA E À INDEPENDÊNCIA JURISDICIONAL INERENTES AO EXERCÍCIO DA MAGISTRATURA. INFRAÇÃO FUNCIONAL NÃO CARACTERIZADA. PROCEDÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. 

I – A análise pormenorizada do conteúdo das decisões judiciais proferidas pelo Requerente, impugnadas pela via administrativa, traduz entendimento de que a condenação imposta ao Magistrado adentra na análise da sua atividade jurisdicional, em desrespeito à autonomia e à independência funcional asseguradas aos membros da Magistratura, por força do artigo 41 da LOMAN, a autorizar a intervenção deste Conselho, na forma do artigo 83, inciso I, do RICNJ.

II – Ausentes elementos a evidenciar que as decisões jurisdicionais impugnadas tenham sido praticadas com dolo, má-fé, abuso de poder ou movidas por interesses extra processuais, as invocações de erros no agir jurisdicional, seja error in procedendo ou error in iudicando, não se prestam a justificar a aplicação de qualquer penalidade administrativa ao Magistrado Requerente.

III – Em tais situações, ainda que o entendimento defendido seja considerado equivocado pela instância judicial reformadora, frente à legislação de regência da matéria, é certo que, em regular atuação da atividade jurisdicional, caracterizada por decisões judiciais pautadas na expressão do convencimento motivado do Magistrado, devidamente fundamentada, não há que se falar em infração funcional ou punição administrativa.

IV – Revisão Disciplinar julgada procedente para absolver o Magistrado da pena de censura que lhe foi imposta. (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0004729-35.2019.2.00.0000 - Rel. EMMANOEL PEREIRA - 325ª Sessão Ordinária - julgado em 23/02/2021). (grifos não no original)

 

 

O suscitado direcionamento de decisões judiciais proferidas em determinadas Ações Civis Públicas (ponto 1), em suposto benefício de grupo político da região, em detrimento do dever de imparcialidade, apesar de ser utilizado como fundamento para a segregação dos fatos e instauração de diversos procedimentos disciplinares, em verdade, constituem circunstâncias que não foram minimamente comprovadas ao final das apurações realizadas no respectivo procedimento administrativo disciplinar.

Realizada análise de toda a instrução probatório do PAD nº 22707-93, extrai-se do próprio Acórdão proferido pelo Tribunal (Id nº 4292018) que em nenhum momento é comprovado o suposto envolvimento do magistrado com grupo político da região, a demonstrar a imputada imparcialidade.

De acordo com o Tribunal, essa imputação é conformada tão somente pelo conteúdo de decisão judicial por ele proferida na Ação Civil Pública nº 0004281-79.2015.8.19.0030, a qual deferiu a liberação de valores em contas correntes, bem como de veículos pertencentes aos réus, apesar da considerada gravidade dos fatos denunciados, a constituir substancial dilapidação do patrimônio público do Município de Mangaratiba/RJ.

Como asseverado, além de constituir fundamento de decisão judicial, para a qual não cabe intervenção deste Conselho, não foi demonstrado o mínimo indício de envolvimento do magistrado com as partes dos autos, remanescendo, apenas, a questão da morosidade processual (também objeto de apuração em outros procedimentos).

Cite-se trecho da mencionada decisão:

ACORDÃO – PAD Nº 22707-93

(...)

Como sobressai do processo, os fatos narrados na petição inicial daquela ação civil são gravíssimos e, se verdadeiros, implicam em substancial dilapidação do patrimônio público do Município de Mangaratiba.

Verifica-se que o Magistrado, em que pese o perigo de dano ao erário conforme anteriormente mencionado, proferiu decisões determinando a liberação de valores em contas correntes, bem como de veículos pertencentes aos réus na ação civil pública nº 0004281-79.2015.8.19.0030, conforme está às fls. 638/639, 923, 924, 1.513 e 2.264/2.265.

Assente-se, ainda, a multiplicação de despachos no sentido de a serventia informar se os réus foram devidamente notificados, bem como se apresentaram defesas, podendo se constatar, a título de exemplo, às fls. 2.405, 2.410/2.411, 2.440/2.441, 2.45/2.496 (0004281-79.2015.8.19.0030).

Como observado pelo Ministério Público em seu parecer, à fl. 1.408 deste procedimento, “até a presente data, desenvolveu-se nos autos da referida ação civil pública atividade jurisdicional quase que exclusivamente voltada à substituição e/ou desbloqueio de bens dos réus e às diligências para notificação dos requeridos, com excessivo número de determinações para expedição de certidões cartorárias informando sobre o sucesso ou insucesso de tais diligências e sobre a eventual apresentação de defesa prévia pelos interessados”.

Não se pode imputar inércia ao Ministério Público, uma vez que os atos de notificação prévia e citação dos demandados constituem atividade a ser desenvolvida de forma conjunta pelo Magistrado e a serventia que administra, sem qualquer participação direta do órgão ministerial.

E não é só.

Conforme consta no Anexo 1, índices 000005/000006 e deste procedimento, a 2ª Promotoria de Tutela Coletiva da Comarca de Angra dos Reis remeteu à Subprocuradora-Geral de Justiça de Assuntos Institucionais e Judiciais procedimento que, a partir de denúncias anônimas, apontou a ocorrência de supostas irregularidades praticadas pelo Representado, no exercício de sua atividade jurisdicional, destinadas a favorecer o grupo político vinculado ao ex-Prefeito Evandro Capixaba.

Naquele documento, além de pedir providência, consignou-se que, além da ação de improbidade que ensejou esta representação, mais cinco demandas coletivas que envolvem o mesmo grupo político, eram objeto de condutas omissivas por parte do juiz, quais sejam:

(...)

Não há como eximir o Representado de sua responsabilidade funcional quanto à evidente falha em deixar de dar andamento a seis ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, todas em face do mesmo grupo político e com repercussão social e econômica evidentes.

Como dito, somente uma delas (0005336-70.2012.8.19.0030) foi distribuída em período anterior à nomeação do Representado como juiz titular da Vara Única de Mangaratiba, pois foi removido e empossado na data de 25.11.2013 e tendo entrado em exercício no dia 01.12.2013 (Ato Executivo 5.846/2013, Diário Eletrônico da Justiça de 26.11.2013, fl. 04), mas a ele coube toda a condução tortuosa da ação.

Nesse mesmo sentido, exsurge o descumprimento da previsão legal contida no art. 35, incisos II e II da Lei Complementar nº 35/79, no que tange ao atendimento de prazo razoável para sentenciar ou despachar, bem como quanto à adoção das providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais. Saliente-se que o Conselho Nacional de Justiça elencou, dentre as prioridades da Justiça Brasileira, o julgamento das ações civis públicas e de improbidade.

(...)

Sem dúvida, esta não é a hipótese que se observa neste procedimento administrativo, uma vez que a morosidade injustificada e a ineficácia na condução do processo, bem como o continuado desbloqueio de bens dos réus na ação civil pública nº 0004281-79.2015.8.19.0030, muitas vezes sem a oitiva do Ministério Público, caracterizam conduta que enseja a aplicação de sanção disciplinar, com o consequente acolhimento da representação.

(grifos não no original)

 

 

Como se observa, as razões utilizadas pelo Tribunal para aplicação da pena de remoção compulsória são conformadas, quase que exclusivamente, no atraso injustificado da prestação jurisdicional, mesmo fundamento já considerado em decisão anterior que impôs a sanção de censura.

E na dosimetria da pena, o TJ também desconsiderou a circunstância de que os fatos imputados em todos os PADs são decorrentes de uma única inspeção realizada na Vara Única de Mangaratiba, não existindo plausibilidade para o fundamento utilizado de que “a remoção compulsória deve ser imposta ao Representado como punição exemplar, uma vez que já foi apenado com penas mais leves e, ainda assim, manteve-se irredutível em suas faltas funcionais”. Ora, se a pena de censura decorre de semelhantes fatos (morosidade processual) apurados no mesmo ato administrativo (única inspeção), ausente razão para a gradação suscitada.

Registre-se, por necessário, que a decisão proferida em determinado feito processual no sentido de desonerar os bens inicialmente bloqueados para garantia de ressarcimento do erário, entrementes, constitui o mérito de decisão jurisdicional que pode ser atacada pela via própria. Decorre, portando, de ato jurisdicional devidamente fundamentado e proferido com substrato no livre convencimento motivado, não podendo ser questionado pela estreita via administrativa.

Igualmente, em nenhum momento foi comprovado nos autos a imputada parcialidade do magistrado no julgamento de ações envolvendo policiais militares (ponto 2). Os fundamentos utilizados no Acórdão julgador são constituídos por avaliações intuitivas, desprovidas de constatações minimamente suficientes para a comprovação dos fatos imputados, situação necessária para justificar a gravidade da pena imposta (aposentadoria).

Na análise dos autos, não restou comprovado qualquer evidência de favorecimento pessoal por parte do magistrado. Ou seja, em nenhuma das decisões proferidas pelo Tribunal de origem e que ensejaram a aplicação da pena de aposentadoria compulsória (PAD nº 17163-27 e PAD nº 75040-22) foi possível comprovar a suscitada quebra de imparcialidade a justificar a aplicação de severa punição.

Trechos pontuados nos acórdãos dos supramencionados processos evidenciam a interpretação ora assinalada, contextualizada pela não constatação/comprovação de quebra do dever de imparcialidade. Cite-se:

 

ACÓRDÃO (PAD Nº 75040-22 – fls. 218/259)

(...)

Tanto nos processos investigados neste procedimento como aqueles investigados nos dois citados procedimentos, os autores eram todos policiais militares, com a mesma causa de pedir e pedido em tramites na mesma época, no juízo da Vara Única de Mangaratiba em que é titular o Representado.

A conduta imputada ao Representado é uma só: procrastinar certos tipos de processos, com liminares deferidas para reintegração de policiais militares a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro ou suspender procedimentos administrativos disciplinares em curso na Corregedoria da Polícia Militar.

(...)

A anotação nas capas dos autos da inscrição “PM”, como visto na pasta 479, por exemplo, indica o tratamento diferenciado dispensado pelo Representado às ações de policiais militares buscado a reintegração ou a suspensos de procedimento administrativos disciplinares.

Diante de todo o exposto, resta suficientemente comprovado que o Representado, como titular da Vara Única da Comarca de Mangaratiba, violou seus deveres funcionais previstos no artigo 35, I, II, III e VIII da Lei Complementar nº 35/79 e nos artigos 8º, 10, 20, 24 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional. E afronta ao Código

Internacional de Ética Judicial, os “Princípios Básicos para a Independência do Judiciário”, “Os Princípio de Bangalore De Conduta Judicial”, aprovado em 200210 os princípios básicos, chamados de “valores” a serem preservados para a boa prestação jurisdicional e aplicados pelos diversos países subscritores, dentre eles o Brasil, independência, a imparcialidade, a integridade, o decoro, a equidade, a competência e a diligência.

(...)

A norma, em matéria disciplinar, deixa uma margem de discricionariedade muito ampla ao julgador, à exceção do art. 56 da Lei Complementar nº 35/79 - Lei Orgânica da Magistratura Nacional, e art. 7º da resolução 135/2011, ainda que genericamente. E, diante da gravidade dos fatos apurados neste procedimento, é mais adequada e proporcional à conduta do Representado a sanção de aposentadoria compulsória, por interesse público, nos termos do artigo 42, V, e 56 da LC nº 35/79, pois demonstrada a manifesta negligência do Representado no cumprimento dos deveres de seu cargo, o procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções e a insuficiente ou escassa capacidade de trabalho, cujo proceder funcional é incompatível com o bom desempenho da atividade jurisdicional.

(grifos não no original)

 

 

Observa-se que um dos elementos probatórios utilizado no voto condutor do Acórdão para justificar a quebra do dever de imparcialidade foi a constatação de que, em alguns processos localizados na Vara Única de Mangaratiba/RJ, mais especificamente em sete processos, foi observado o registro da inscrição “PM” na capa dos autos. Essa situação foi considerada pelo TJRJ como “indicativa”, sugestiva por assim dizer, de tratamento diferenciado dispensado pelo magistrado às ações de policiais militares.

Nenhum outro elemento de prova, minimamente plausível, foi pontuado nos autos para corroborar a imputada quebra do dever de imparcialidade.

Entrementes, as singelas razões pontuadas no acórdão questionado não se mostram razoavelmente condizentes com a aplicação da severa punição de aposentadoria compulsória ao magistrado. A “intuição” utilizada como fundamento para condenação do magistrado revela-se descabida e desproporcional à realidade dos fatos. Cuida, portanto, de decisão contrária à evidência dos autos, a justificar o cabimento da presente revisão disciplinar, com fulcro no art. 83, I, do RICNJ.

Precedentes do Plenário neste sentido:

 

REVISÃO DISCIPLINAR. MAGISTRADO EM SUBSTITUIÇÃO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁS EM EXECUÇÕES PROVISÓRIAS. PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. DESPROPORCIONALIDADE.

1. Não há nos autos evidências de que o Magistrado tenha de alguma forma se beneficiado da expedição dos alvarás referidos.

2. No mesmo sentido, também não houve reforma das decisões pelo Tribunal nos recursos apresentados.

3. Considerando a reiteração da conduta do Magistrado e sua gravidade, visto que a expedição de alvarás, sem que estivessem atendidos seus requisitos, era passível de causar prejuízo financeiro à parte, entendo que é de ser aplicada ao magistrado a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, prevista no art. 6º da Resolução CNJ 135/2011.

4. Revisão Disciplinar parcialmente procedente.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0001841-64.2017.2.00.0000 - Rel. ROGÉRIO NASCIMENTO - 31ª Sessão Virtual - julgado em 15/02/2018). (grifo não no original)

 

REVISÃO DISCIPLINAR – CONCESSÃO DE LIMINARES – AUSÊNCIA DE AFERIÇÃO DAS CONDIÇÕES ELEMENTARES DE PROCEDIBILIDADE – PERSISTÊNCIA MESMO APÓS CIÊNCIA DE CONDUTA DAS PARTES INDICATIVA DE FRAUDE – APLICAÇÃO DE PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA NO TRIBUNAL DE ORIGEM – DESPROPORCIONALIDADE

1. Não há que se revisar o acórdão condenatório prolatado pelo TJ/CE quanto à culpabilidade da magistrada, que concedeu diversas liminares sem observar as disposições legais relativas às hipóteses de cabimento da ação e que, em outros casos, procedeu à concessão de liminares, mesmo depois de alertada da suspeita de fraude nas referidas ações de revisão de contrato de empréstimo consignado. Violação ao art. 35, I, da LOMAN caracterizada.

2. No entanto, a despeito da gravidade da conduta da magistrada, não há nos autos evidência cabal do seu envolvimento na chamada “Ciranda dos Consignados”. Não está, portanto, demonstrado o dolo da magistrada em possibilitar que os substituídos processualmente nas ações ajuizadas pelas Associações lograssem ter sua margem de empréstimo consignado liberada, de forma a que pudessem contrair novos empréstimos, perpetrando fraude.

3. Por tal razão, afigura-se excessiva e desproporcional a pena aplicada à magistrada pelo TJ/CE, em acórdão de fundamentação sucinta, a ensejar a revisão do julgado, com base no art. 83, I, do RICNJ.

4. Aplicação da pena de disponibilidade, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, prevista no art. 6º da Resolução CNJ 135/2011.

5. Revisão Disciplinar julgada parcialmente procedente.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0001877-43.2016.2.00.0000 - Rel. LELIO BENTES CORRÊA - 253ª Sessão Ordinária - julgado em 13/06/2017).

 

 

IV – DOSIMETRIA

Conforme acima exposto, remanesce a contextualização referente ao atraso na prestação jurisdicional, conformada com falhas generalizadas na gestão da atividade jurisdicional exercida na Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ. Situações que, como devidamente assinalado acima, se encontram presentes em todos os processos administrativos disciplinares instaurados em desfavor do magistrado ora requerente.

Assim, diante da ausência de organização na estruturação da unidade jurisdicional, o que proporcionou, inclusive, o reiterado atraso na prestação jurisdicional, conclui-se que o magistrado deixou de observar os deveres impostos ao cargo, em especial os constantes do art. 35, I e III, do art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), referente a “cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício”(I) e “determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais” (III).

Observado o conjunto probatório e o aspecto global dos fatos apurados, tem-se que aplicação da pena de censura, prevista no art. 44 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), se mostra adequada para o caso em exame, pois comprovada a reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo.

 

 

III – CONCLUSÃO

Pelos fundamentos acima expostos, julgo parcialmente procedentes os pedidos deduzidos nas presentes Revisões Disciplinares para aplicar a sanção disciplinar de “censura”, constante do art. 42, II, da LOMAN, ao Juiz de Direito Marcelo Borges Barbosa, do TJRJ.

É como voto.

Brasília/DF, data registrada no sistema.

 

Conselheiro André Godinho

 

Relator

 

Conselho Nacional de Justiça


Autos:

Revisão Disciplinar n. 0003199-25.2021.2.00.0000, 0001959-98.2021.2.00.0000 e 0003603-76.2021.2.00.0000.

Requerente:

Marcelo Borges Barbosa

Requerido:

Tribunal de Justiça do Estado do Rio De Janeiro - TJRJ

 

EMENTA

REVISÕES DISCIPLINARES. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. PENALIDADES. APLICAÇÃO. SUCESSIVA. CENSURA. REMOÇÃO COMPULSÓRIA. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. MESMO CONTEXTO FÁTICO. JULGAMENTO CONJUNTO. SUPOSTO FAVORECIMENTO. GRUPO POLÍTICO LOCAL. POLICIAIS MILITARES. VIOLAÇÃO. INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL. IMPARCIALIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. DISPONIBILIDADE. PERÍODO DE UM ANO. PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS REVISIONAIS. 

1. Procedimento de inspeção em que as condutas imputadas foram segregadas, resultando na abertura de 05 distintos processos administrativos disciplinares em desfavor do magistrado, que ensejaram a aplicação das penas de censura, remoção compulsória e aposentadoria compulsória, de forma sucessiva. 

2. Não comprovação de conduta omissiva do magistrado, que, em tese, beneficiaria grupo político capitaneado por ex-prefeito do município de Mangaratiba/RJ e policiais militares do estado do Rio de Janeiro, circunstâncias que individualizam as condutas. 

3. Revisão das penas aplicadas lastreada na ausência de comprovação de violação à independência funcional ou imparcialidade do magistrado. Dessa forma, decidiu-se pela aplicação da pena de disponibilidade pelo período de um ano, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, para todos os fatos apurados, uma vez que se tratam do mesmo contexto de gestão processual ineficiente e de procedimentos cartorários incorretos.

4. O tribunal estadual deve considerar obrigatoriamente a detração do período em que o magistrado ficou afastado em virtude do cumprimento da pena de aposentadoria compulsória ora substituída pela pena de disponibilidade.

5. Revisões Disciplinares parcialmente procedentes.


 

O EXMO. SENHOR CONSELHEIRO MARCOS VINÍCIUS JARDIM 

 

VOTO DIVERGENTE

 

Fundamentação 

Adoto o julgamento conjunto em relação às RevDis n. 0003199-25.2021.2.00.0000, 0001959-98.2021.2.00.0000 e 0003603-76.2021.2.00.0000. 

Trata-se de Revisões Disciplinares (RevDis), com pedido de liminar, todas propostas pelo Juiz de Direito Marcelo Borges Barbosa, com o objetivo de impugnar decisões administrativas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio De Janeiro (TJRJ) que aplicaram sucessivas penalidades em desfavor do requerente, entre elas, a pena de censura, de remoção compulsória e, por fim, de aposentadoria compulsória. 

Conquanto respeitáveis os fundamentos jurídicos alinhavados no voto da relatora, apresento pontual divergência no tocante a sua conclusão, uma vez que, a meu juízo, não restou devidamente comprovado, no atuar do magistrado, a quebra da imparcialidade do órgão julgador ou a violação à independência funcional.

Conforme bem relatado, após inspeção realizada na Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, em 13/05/2019, de titularidade do magistrado ora requerente, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro (CGJ/RJ) deliberou pela instauração de diferentes procedimentos disciplinares para avaliação individualizada de cada uma das possíveis irregularidades identificadas em desfavor do magistrado. 

Quanto ao primeiro procedimento disciplinar - PAD n. 0065016-32.2019.8.19.0000, julgado em 19/10/2020 -, o Tribunal fluminense apontou as seguintes inconsistências na atuação do magistrado: a) autos paralisados na serventia/irregularidades na tramitação de processos; b) violação à obrigação de correição permanente e ausência de medidas necessárias ao restabelecimento da normalidade da serventia; c) descumprimento ao art. 250, V, da consolidação normativa judicial e ao Ato Normativo Conjunto TJRJ n. 4/2019; d) inconsistências no relatório de correição geral ordinária, referentes ao exercício de 2018.

Após instrução do feito, o Tribunal requerido acolheu a manifestação da Corregedoria-Geral de Justiça para julgar procedente as acusações postas e aplicar ao requerente a sanção administrativa de censura, por violação ao disposto no art. 35 I, II, III, e VIII da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), e no art. 20 do Código de Ética da Magistratura.

Eis o teor da ementa do julgado:

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISICPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO.

IMPUTAÇÕES EM VIRTUDE DAS SEGUINTES OCORRÊNCIAS: “(A) AUTOS PARALISADOS NA SERVENTIA/IRREGULARIDADES NA TRAMITAÇÃO DE PROCESSOS; (B) VIOLAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE CORREIÇÃO PERMANENTE/AUSÊNCIA DE MEDIDAS NECESSÁRIAS AO RESTABELECIMENTO DE NORMALIDADE DA SERVENTIA; (C) DESCUMPRIMENTO AO ART. 250, INCISO V, DA CONSOLIDAÇÃO NORMATIVA JUDICIAL E AO ATO NORMATIVO CONJUNTO TJERJ 4/2019, E (D) INCONSISTÊNCIAS NO RELATÓRIO DE CORREIÇÃO GERAL ORDINÁRIA, REFERENTES AO EXERCÍCIO DE 2018”.

REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE SUSPEIÇÃO/IMPEDIMENTO DO JUIZ AUXILIAR DA CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA QUE COLHEU OS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS E INTERROGOU O REPRESENTADO.

GRANDE VOLUME DE PROCESSOS PARALISADOS (4.637 – CORRESPONDENTES A 45,12% DO ACERVO), ALGUNS POR MAIS DE 1.000 DIAS, AGUARDANDO PROVIMENTO DO MAGISTRADO OU PROCESSAMENTO; EXISTÊNCIA DE PROCESSOS FÍSICOS E ELETRÔNICOS EM LOCAIS DE “PRÉ-CONCLUSÃO”, SEM QUE O PROCESSANTE TENHA PROVIDENCIADO A ABERTURA DA CONCLUSÃO NO SISTEMA DCP; ABERTURA DE CONCLUSÃO NO SISTEMA DCP, EM SUA MAIORIA, PELA EQUIPE DO GABINETE DO JUÍZO, COMO FORMA DE CONTROLE DA QUANTIDADE PROCESSOS QUE IAM À CONCLUSÃO; MOVIMENTAÇÃO INDEVIDA DE PROCESSOS, COM ATOS ORDINATÓRIOS OU DESPACHOS INDICANDO APENAS “AUTOS RELATADOS” OU “RELATADOS, VOLTEM CONCLUSOS”; MOROSIDADE NO PROCESSAMENTO E NA JUNTADA DE PETIÇÕES; EXISTÊNCIA DE PETIÇÕES ENCARTADAS AOS AUTOS FÍSICOS, SEM A CORRESPONDENTE JUNTADA NO SISTEMA; TAXA DE CONGESTIONAMENTO ACIMA DA MÉDIA; AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO INTEGRAL ÀS METAS DO CNJ; CRESCENTE AUMENTO NO NÚMERO DE PROCESSOS NÃO SENTENCIADOS, TENDO SIDO IDENTIFICADO PELA EQUIPE DA CORREGEDORIA DUANTE A INSPEÇÃO, PROCESSO AGUARDANDO DESDE OUTUBRO DE 2015 PARA SER SENTENCIADO, SEM CONCLUSÃO ABERTA NO SISTEMA; VIOLAÇÃO À OBRIGAÇÃO LEGAL DE CORREIÇÃO PERMANENTE; REGISTRO RECLAMAÇÕES NA OUVIDORIA DO TJRJ SOBRE A MOROSIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL; PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES DISSONANTES PELO MAGISTRADO À CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA NO RELATÓRIO DE CORREIÇÃO DE 2018, ESTE QUE CONTÉM AFIRMAÇÕES QUE NÃO CORRESPONDIAM À REALIDADE DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE MANGARATIBA À ÉPOCA QUE ENSEJAM A PROCEDÊNCIA DO PLEITO DISCIPLINAR, COM A APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA. FATOS APURADOS NÃO FORAM “ISOLADOS”, MAS TRADUZIRAM CONDUTA REITERADA, QUE CULMINOU COM O CENÁRIO ENCONTRADO PELA EQUIPE DA CORREGEDORIA, DEVENDO-SE CONSIDERAR, AINDA, O FATO DE QUE FORAM PRESTADAS INFORMAÇÕES INVERÍDICAS PELO MAGISTRADO NO RELATÓRIO DE CORREIÇÃO GERAL ORDINÁRIA REFERENTE AO EXERCÍCIO DE 2018, SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA A MERA NEGLIGÊNCIA NO CUMPRIMENTO DOS DEVERES DO CARGO. PERTINÊNCIA DE APLICAÇÃO DE PENA MAIS GRAVE QUE A LEVE ADVERTÊNCIA.

INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 42, II, E 44 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79 - LOMAN E NO ARTIGO 4º DA RESOLUÇÃO Nº 135/2011 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, RECONHECIDO O DESCUMPRIMENTO DO ARTIGO 35, I, II, III E VIII DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79 – LOMAN E DOS ARTIGOS 20 DO CONSELHO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA E 79 DO CÓDIGO ÍBEROAMERICANO DE ÉTICA JUDICIAL. (Grifou-se)

 

Em paralelo, por sua vez, no PAD n. 0022707-93.2019.8.19.0000, o magistrado foi acusado de violação dos deveres previstos no art. 35, II e III, da LOMAN e nos art. 20 e 37, do Código de Ética da Magistratura, consistentes em diversos indícios de irregularidades e condutas suspeitas, entre elas, deixar de decidir sobre o recebimento da Ação Civil Pública n. 0004281-79.2015.8.19.0030, bem como autorizar a substituição de bens bloqueados por outros, a pedido dos interessados, sem manifestação prévia do Ministério Público estadual.

De acordo com a acusação formulada, o magistrado não observou o princípio da razoável duração do processo, notadamente por deixar de conferir tempestivo andamento de diversas ações civis públicas, em especial na Ação Civil Pública n. 0004281-79.2015.8.19.0030, propostas contra grupo político local.

Aponta, ainda, que atuação jurisdicional na citada ACP teria ocorrido, em tese, para beneficiar determinado grupo político da região, com o qual teria ligação pessoal, com o intuito de favorecer pessoas vinculadas ao ex-Prefeito do município, o que violaria seu dever de imparcialidade.

Em razão disso, o e. Órgão Especial do TJRJ, em 01/03/2021, reputou caracterizada verdadeira desídia pessoal do magistrado de modo a aplicar-lhe a pena de remoção compulsória, em relação ao PAD n. 0022707-93.2019.8.19.0000.

O julgado foi assim ementado:

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA DO MAGISTRATO QUE ATENTA CONTRA OS DEVERES PREVISTOS NO ART. 35 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79 (LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA). MOROSIDADE E INEFICIÊNCIA NA CONDUÇÃO DE VÁRIAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. FATOS QUE ENVOLVEM A POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COM GRAVES PREJUÍZOS AO ERÁRIO DO MUNICÍPIO DE MANGARATIBA. VIOLAÇÃO DE DEVER FUNCIONAL. PENA DE REMOÇÃO COMPULSÓRIA. CABIMENTO. MEDIDA SANEADORA PARA A COMARCA E ADEQUADA AO MAGISTRADO.

1. Processo administrativo disciplinar instaurado com a observância do devido processo legal e do contraditório, objetivando apurar a ocorrência de violação dos deveres previstos no artigo 35, incisos II e III, da Lei Complementar nº 35/79, e nos artigos 20 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional.

2. Ação Civil Pública nº 0004281-79.2015.8.19.0030 proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro requerendo, em sede cautelar, a indisponibilidade dos bens móveis e imóveis e a quebra dos sigilos dos dados bancários e fiscais de ex-integrantes da Administração Pública do Município de Mangaratiba, ante a possibilidade de dilapidação do patrimônio público. Pleito de condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.

3. Ação Civil Pública na qual a atividade jurisdicional se deu quase que exclusivamente voltada para os pleitos formulados pelos demandados, com várias decisões liberando as garantias cautelares patrimoniais inicialmente constituídas.

4. Atuação profícua do Ministério Público, com repetidas manifestações nos processos de sua competência, sem sucesso.

5. Magistrado que não observa o princípio da duração razoável do processo, mantendo, a latere, diversas ações civis públicas propostas contra o mesmo grupo político local, sem receber, sequer, o despacho inicialConduta funcional que não se confunde com a independência do juiz, revelando, ao contrário, verdadeira desídia pessoal do magistrado.

6. Descumprimento da previsão legal contida no art. 35, incisos II e II da Lei Complementar nº 35/79 e do art. 20 do Código de Ética da Magistratura.

7. O Magistrado não pode se escudar na independência funcional (art. 127, § 1º da Constituição Federal e art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura), pré-requisito do estado de Direito e uma garantia fundamental de um julgamento justo, bem como nas garantias facultadas pelo art. 95 da Constituição Federal, a fim de se eximir do cumprimento de suas obrigações funcionais.

8. Aplicação da pena de remoção compulsória, na forma do art. 42, inciso III da Lei Complementar nº 35/79, a fim de preservar os interesses da própria Jurisdição, do jurisdicionado e proporcionar oportunidade de redenção ao magistrado ao atuar em outra comarca ou juízo. (grifou-se)

 

Nessa perspectiva, segundo o requerente, seria inviável a aplicação de nova penalidade de remoção compulsória ao magistrado em razão dos mesmos fatos apresentados, já que as eventuais condutas, apuradas no PAD n. 0022707-93.2019.8.19.0000, estariam supostamente contidas no julgamento do primeiro processo administrativo que condenou o magistrado com a penalidade de censura (PAD n. 0065016-32.2019.8.19.0000).

Por derradeiro, no PAD n. 0017163-27.2019.8.19.0000, no PAD n. 00171165-94.2019.8.19.0000 e no PAD n. 0075040-22.2019.8.19.0000, o Juiz de Direito Marcelo Borges Barbosa, ora requerente, foi acusado de negligenciar o andamento de processos que envolviam policiais militares, retardando o andamento dos feitos em benefício da manutenção dos autores nos quadros da corporação, além de adotar procedimentos incorretos.

Importante salientar que os três processos administrativos referidos acima foram julgados na mesma sessão do Órgão Especial do TJRJ, que ocorreu no dia 03/05/2021.

Em relação ao PAD n. 0017163-27.2019.8.19.0000 e ao PAD n. 00171165-94.2019.8.19.0000, imputa-se ao representado as seguintes condutas: (a) admitir o processamento de dezenas de demandas contra a Fazenda Pública na comarca de Mangaratiba, cujos autores não são residentes na circunscrição, além de admitir litisconsortes ulteriores residentes em outras comarcas e até encarcerados; (b) conceder liminares de reintegração e suspensão de PAD e, posteriormente, não dar andamento aos processos em que a tutela de urgência foi deferida; (c) negar cumprimento a decisões e acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça em recursos que impugnavam as liminares concedidas pelo representado; e (d) conceder liminares a autores, cuja pretensão já havia sido indeferida em processos idênticos ajuizados anteriormente em comarcas diversas.

Assim, após a instrução do feito, o e. Órgão Especial do TJRJ julgou procedente o PAD n. 0017163-27.2019.8.19.0000 e o PAD n. 0017165-94.2019.8.19.0000 e aplicou a pena de aposentadoria compulsória, por interesse público, ao magistrado requerente, nos termos dos art. 93, VIII, da Constituição Federal, art. 42, V e art. 56, da LOMAN e art. 7º da Resolução CNJ n. 135/2011.

Cite-se a ementa do respectivo julgado:

Representações em face de Magistrado. Violação aos deveres funcionais previstos no artigo 35, I, II, III e VIII da Lei Complementar nº 35/79 e nos artigos 20 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional – resolução 60/2008. Juiz titular da Vara Única da Comarca de Mangaratiba. Representações conexas, instauradas a partir da Portaria nº 04/2019. Apuração da admissibilidade de petições iniciais e concessão de liminares em diversas ações de autoria de policiais militares não residentes em Mangaratiba, expulsos da Corporação ou respondendo a procedimentos administrativos disciplinares, porém não residentes na Comarca. Expressiva quantidade de decisões com tutelas antecipadas concedidas para suspender processos administrativos disciplinares instaurados em desfavor dos autores ou 11 para a reintegração à Corporação - em 37 ações, 5 autores tiveram seus PADs suspensos e 58 autores foram reintegrados, liminarmente, à Corporação Militar. Decisão de admissão de litisconsortes facultativos ativos ulteriores, com imediata extensão dos efeitos da tutela já concedida aos novos litisconsortes. Direcionamento proposital, dos autores das ações, para a Vara Única de Mangaratiba. Não sendo caso de litisconsórcio necessário, a formação de litisconsórcio depois da propositura da demanda é escolha do Juiz. No caso dos autos, não há dúvida que formados litisconsórcios facultativos ativos ulteriores, em flagrante violação ao princípio do Juiz natural, previsto no artigo 5º, XXXVII e LII, da Constituição da República, sem amparo no CPC/73 e no CPC/2015. Distinção no tratamento, entre os processos com tutelas antecipadas a serem efetivadas e aqueles processo com as tutelas efetivadas ou cassadas. As circunstâncias evidenciam que o Representado descumpriu seus deveres funcionais previstos no artigo 35, incisos I, II, III e VIII da Lei Complementar nº 35/79 - Lei Orgânica da Magistratura Nacional, e nos artigos 20 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional. Procedência dos PADs com aplicação da pena de aposentadoria compulsória, por interesse público, prevista no art. 93, VIII, da Constituição Federal, art. 42, V e art. 56, da Lei Orgânica da Magistratura - LOMAN, art. 7º da Resolução 135/2011. (Grifou-se) 

 

Em acréscimo, no PAD n. 0075040-22.2019.8.19.0000 foram imputados os seguintes fatos: a) retenção de processos cuja competência foi declinada; b) violação ao disposto no art. 189, do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do ERJ; c) certidões dos mandados de verificação irregulares, sem a qualificação da parte a ser diligenciada e tampouco as respectivas assinaturas digitais; e, d) processos com anotação nas capas da inscrição “PM” a indicar o tratamento diferenciado dispensado pelo Representado às ações de policiais militares.

Por sua vez, o e. Órgão Especial do TJRJ julgou também procedente o PAD n. 0075040-22.2019.8.19.0000 e aplicou a segunda pena de aposentadoria compulsória, por interesse público, ao magistrado requerente, nos termos dos art. 93, VIII, da Constituição Federal, art. 42, V e art. 56, da LOMAN e art. 7º da Resolução CNJ n. 135/2011.

Eis a ementa do julgado administrativo:

Representação em face de Magistrado. Violação dos deveres funcionais previstos no artigo 35, I, II, III e VIII da Lei Complementar nº 35/79 - Lei Orgânica da Magistratura Nacional e nos artigos 8º, 10, 20, 24 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional. Juiz titular da Vara Única da Comarca de Mangaratiba. Procedimento Administrativo Disciplinar - PAD - Portaria nº 08/2019. Acolhimento parcial da prejudicial de litispendência, para excluir a imputação de “procrastinação de processos com liminares deferidas para reintegração de policiais militares à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro”. Tal imputação está abrangida pelos PADs 17163-27.2019 e 17165-94.2019 em apensos, julgados nesta data. Afastada a prejudicial de litispendência das demais imputações: a retenção de processos cuja competência foi declinada, no gabinete do Representado, apesar de constarem no sistema Informatizado do Tribunal de Justiça como enviados à Fazenda Pública; violação ao disposto no artigo 189, do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do ERJ; certidões dos mandados de verificação irregulares, sem a qualificação da parte a ser diligenciada e tampouco as respectivas assinaturas digitais, em vários processos, descumprido o disposto nos artigos 342 e 352-G, da Consolidação Normativa e artigo 367, do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; processos com anotação nas capas da inscrição “PM”- violação ao artigo 187, da Consolidação Normativa da CGJRJ e indica o tratamento diferenciado verificado, neste PAD, dispensado pelo Representado às ações de policiais militares para a reintegração ou a suspensão de procedimentos administrativos disciplinares. Ao final da instrução processual, comprovada a violação pelo Representado, aos artigos 35, incisos I, II, III e VIII, da LOMAN e artigos 8º, 10, 20, 24 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional. Reconhecida a prejudicial de litispendência parcial, afastada a imputação do item 2 da Portaria nº 08/2019, objeto dos PADs. n.º 0017163-27.2019.8.19.0000 e n.º 17165- 94.2019.8.19.0000, julgados nesta data. Procedência parcial da representação para aplicar a pena de aposentadoria compulsória, por interesse público, prevista no art. 93, VIII, da Constituição Federal, art. 42, V e art. 56, da Lei Orgânica da Magistratura - LOMAN, art. 7º da Resolução 135/2011. (Grifou-se)

 

Pois bem. Passo à análise do mérito uma a uma.

 

Revisão Disciplinar n. 0003199-25.2021.2.00.0000

De início, não vislumbro motivos para alterar a conclusão alcançada pelo TJRJ que aplicou a pena de censura ao requerente. Explico.

No caso, impugna-se na Revisão Disciplinar n. 0003199-25.2021.2.00.0000, proposta pelo Juiz de Direito Marcelo Borges Barbosa, a decisão do e. TJRJ que julgou procedente o PAD n. 0065016-32.2019.8.19.0000 e, por maioria, aplicou-lhe pena de censura, por violar os deveres previstos no art. 35 I, II, III, e VIII, da LOMAN, e no art. 20 do Código de Ética da Magistratura.

O magistrado requereu a anulação da pena de censura aplicada ou, subsidiariamente, sua revisão para a penalidade de advertência, mais branda, em respeito ao princípio da proporcionalidade e ao disposto no art. 44, da LOMAN e no art. 4º da Resolução CNJ n. 135/2011.

Contudo, ao cotejar os argumentos alinhavados no acórdão impugnado com a evidência dos autos, entendo que a conclusão obtida pelo Órgão Especial do TJRJ se mostra adequada com a situação fática apresentada. No caso, comprovou-se um contexto de generalizada desorganização na gestão cartorária e de uma grande quantidade de processos paralisados por tempo demasiado, dentre outras irregularidades procedimentais.

Transcrevo trecho do acórdão com os dados apurados pela inspeção realizada pela Corregedoria local (Id. 4357591, p. 26/61):

4.637 processos paralisados há mais de 90 dias (listagem no indexador 388), o que, segundo informação constante no relatório, à fl. 23, corresponderia a 45.12% do acervo geral, que, à época, era de 10.277 processos;

- feitos paralisados há mais de 60 dias, com variação 258% acima em relação às demais serventias do seu grupo;

- dentre os feitos paralisados por mais de 60 dias, foram localizados 20 autos paralisados por morosidade cartorária no processamento, sem justificativa (sem movimentação no período entre outubro de 2018 a junho de 2018);

autos sem andamento por cerca de 2 anos e meio, e vários sem andamento há mais de 3 anos (mais de 1.000 dias);

aproximadamente 7.944 autos físicos aguardando processamento (contagem manual), o que corresponde a 77,30% do acervo geral existente à época;

 - pilhas de processos aguardando processamento sem organização por ordem cronológica ou separação dos autos com prioridade na tramitação em local próprio;

mero encarte da petição nos autos, sem lançamento da juntada no sistema e sem processamento;

- desrespeito ao prazo de 10 dias para juntada de petições;

- número de petições juntadas inferior ao número de petições recebidas:

646 petições pendentes de juntada em abril de 2019;

 - número médio de petições juntadas inferior à abertura de conclusões, sendo que, na média anual, a serventia junta 31% menos petições do que abre conclusões;

- 90 peças passíveis de exclusão no sistema DCP;

 - utilização indevida pela serventia do “movimento 4” nos sistema DCP;

- 176 processos aguardando digitação, um deles desde 19/02/2019;

 - 72 autos físicos e 435 eletrônicos aguardando arquivamento;

- 62 petições iniciais aguardando autuação, a mais antiga desde 25/03/2019;

- 700 autos físicos colocados em prateleiras de estantes com marcação “CV” após processamento, sem abertura de conclusão imediata ao Juiz no sistema;

- “1097 processos e 752 feitos” eletrônicos na casa virtual “conclusão” ou “conclusão medida urgente”, sem efetiva abertura da conclusão ao Magistrado no sistema DCP (Total de 1849);

 - informação do Chefe da Serventia de que a equipe do gabinete seria responsável por colher os autos físicos na estante e, então, providenciar a abertura de conclusão no sistema DCP;

encontrados aproximadamente 1.700 processos para despacho e sentença no gabinete sem que indicasse no sistema a abertura da conclusão (fl. 11 do relatório);

- processos com movimentação processual indevida, com lançamento de ato ordinatório “autos relatados” ou com despacho (por amostragem, exarados nos logins evetronfraca e marcelobarbosa – listagem às fls. 34 e 35 do relatório) “autos relatados” ou “relatados, voltem conclusos para sentença”

 – um desses processos (embargos à execução nº 0001687- 05.2009.8.19.0030) foi solicitado por advogado no balcão na data da inspeção, e estava com lançamento indevido “2 – Remessa”, em 11/10/2016, com destinatário “SEC 10” (armário no gabinete), tendo sido posteriormente realizada abertura de conclusão em 13/10/2016 pelo login evertonfranca (Secretário), quando foi proferido o despacho “relatados, voltem conclusos para sentença”, tendo sido posteriormente lançados dois atos ordinatórios “autos relatados” pelo login fjoliveira, em 20/07/2017 e 03/08/2017. Foi proferida sentença em 05/10/2018, tendo o embargante peticionado em 19/12/2018, requerendo fosse certificado o trânsito em julgado e o Município, em 04/04/2019 peticionou requerendo a juntada de planilha atualizada pelo embargado, sobrevindo ato ordinatório em 02/05/2019 para que o embargado se manifestasse, ocasião em que o advogado compareceu ao balcão, afirmando que teria sido avisado pelo motorista do Juiz que o processo já estaria despachado;

- ausência de encaminhamento de processos ao grupo de sentença;

- inexistência de auxílio na Vara. Magistrado titular que não auxilia nenhuma outra serventia, tampouco integrou o grupo de sentença nos 12 meses anteriores à inspeção, e atua como Juiz Eleitoral Titular da 54ª. Zona Eleitoral desde 01/12/2013;

- realizadas 420 das 444 audiências marcadas na pauta do Juiz entre junho/2018 e dezembro/2019 (92,34%), e 121 das 154 audiências agendadas entre janeiro de 2019 e 30/04/2019 (78,57%);

 - realizadas 218 das 476 audiências de conciliação marcadas no segundo semestre de 2018 (45,80%), e 97 das 179 marcadas entre janeiro de 2019 e 30/04/2019 (54,19%);

- gabinete do juízo não oficialmente formado, nos termos do Ato Normativo Conjunto 15/2017, contando com 3 servidores além de 2 servidoras da prefeitura de Mangaratiba, apresentando produtividade acima da média das demais varas do mesmo grupo de atribuições, conforme se vê das estatísticas de conclusões e sentenças proferidas:

- exaradas 277 sentenças de mérito e 176 sentenças sem mérito entre janeiro e maio de 2019; - Índice de Atendimento à Demanda (IAD) de 100,54%, e taxa de congestionamento de 85,28%, restando atendida a recomendação do CNJ de que o Juiz de Direito julgue mensalmente um número maior de processos que a distribuição, porém não cumprida a IAD definida pelo Tribunal de Justiça, de 167%; - número de feitos sentenciados menor que o de feitos tombados, na maioria dos meses analisados:

- viés de alta no quantitativo de feitos não sentenciados na serventia:

média mensal de processos não sentenciados de 5.118, sendo a média mensal do grupo de igual atribuição de 1.952:

- taxa de congestionamento média de 85,28%, sendo que o estudo da DGFAJ aponta como percentual ideal um índice abaixo de 50% de congestionamento (fl. 68 do relatório);

 - Metas do CNJ: Meta 1 (julgar mais processos que os distribuídos) cumprida em 81,43%, restando 223 para atingir a meta; Meta 2 (julgar processos mais antigos) cumprida em 38,05%, restando 1.113 para atingir a meta; Meta 4 (priorizar julgamento de processos relativos a corrupção, improbidade administrativa e ilícitos eleitorais) cumprida em 19,05%, restando 17 processos para atingir a Meta; Meta 6 (priorizar o julgamento de ações coletivas) cumprida em 18,18%, restando 23 processos para atingir a meta; Meta 8 (priorizar o julgamento de processos relacionados a feminicídio e violência familiar contra as mulheres, os números percentuais não estão no site do TJ, mas o sistema DCP indica 3 processos pendentes de julgamento

- registros, junto à Ouvidoria do TJRJ, de 118 reclamações em 2018 e 45 em 2019, até a data da inspeção (13/05/2019), sendo 46 reclamações sobre morosidade na abertura de conclusão; 41 reclamações sobre tempo do processo; 10 reclamações de morosidade no atendimento ao despacho; 12 reclamações de morosidade na juntada de expedientes, não estando todavia a serventia na lista das 10 mais reclamadas do semestre;

 - força de trabalho no cartório de 8 servidores no cartório; 1 no gabinete; 1 na direção do fórum e 1 comissário, além da Chefe da Serventia, contando ainda com o apoio de 2 servidoras da prefeitura local, que fazem o trabalho de digitação, e 4 estagiários do CIEE, sendo que estudo de lotação de 2019 (provimento CGJ 28/2019) previu a lotação ideal de 11 servidores, sem registro de apoio do GEAP-C nos últimos 12 meses;

- livros obrigatórios irregulares, sem assinaturas nos termos de abertura e numeração nas páginas (exceto livro ponto, que estava regular);

- livros obrigatórios não formados: fiança, sorteio de jurados, registro de colocação em família substituta, arquivo de inscrições de entidades habilitadas de amparo à criança e ao adolescente, registro de testamentos, registros de idosos abrigados e arquivo de inscrições de entidades de amparo aos idosos, que não forma apresentados;

serventia classificada com desempenho insatisfatório, de acordo com o ranking de eficiência da Corregedoria-Geral da Justiça, de março de 2019;

- Dados estatísticos de maio de 2019: Média de julgados: 141; Média de tombados: 160; Julgados/Tombados – IAD: 75,50%; Taxa de Congestionamento: 90,49%; IPS: 13,00; Autos conclusos há mais de 30 dias: 103; Autos paralisados há mais de 90 dias: 4.637; Acervo físico: 9.914; Acervo geral: 10.277; de autos paralisados em relação ao acervo físico: 47%. (Grifou-se)

 

Assim, restou evidenciado, segundo inspeção realizada na Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, a existência de 4.637 processos paralisados há mais de 90 dias, além de autos paralisados há mais de 60 dias (com variação 258% acima em relação às demais serventias do grupo), e outros sem andamento por cerca de 2 anos e meio ou, até mesmo, há mais de 3 anos (mais de 1.000 dias), existindo aproximadamente 7.944 autos físicos aguardando processamento (77,30% do acervo geral).

Portanto, diferentemente do que alega o requerente, os problemas apontados configuram infração disciplinar e são previstos no art. 35 I, II, III, e VIII da LOMAN[1], e no art. 20 do Código de Ética da Magistratura[2], uma vez que o magistrado titular é responsável pela eficiência do andamento do Juízo, de forma ampla, devendo atuar com proatividade para organizar os trabalhos do órgão judicial e para proporcionar aos jurisdicionados uma tutela efetiva em tempo razoável.

Quanto à proporcionalidade na fixação da sanção disciplinar, entendo a aplicação da penalidade de censura, prevista no art. 42, II da LOMAN[3], como adequada e necessária na presente hipótese, uma vez que esta deve incidir, conforme disposto no art. 44, caput, da LOMAN[4], no caso de reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo, ou no de procedimento incorreto, se a infração não justificar punição mais grave.

Contudo, ao contrário do pedido revisional, pondero que a pena de advertência, mais leve, não se enquadra à gravidade das condutas sindicadas nestes autos, uma vez que os fatos apurados se traduziram em conduta reiterada do magistrado, que culminou no cenário de morosidade processual e de desorganização encontrado pela equipe da Corregedoria na oportunidade da inspeção, realizada em 2019.

Ante o exposto, no particular conheço da Revisão Disciplinar e a julgo improcedente, nos termos do art. 42, II e art. 44, caput, da LOMAN.

 

RevDis n. 0001959-98.2021.2.00.0000.

Passo à análise do mérito da RevDis n. 0001959-98.2021.2.00.0000.

Na espécie, trata-se de pedido revisional, proposto pelo Juiz de Direito Marcelo Borges Barbosa, que impugna decisão do e. TJRJ que julgou procedente o PAD n. 0022707-93.2019.8.19.0000 e, por unanimidade, aplicou-lhe pena de remoção compulsória, por violar os deveres previstos no art. 35, II e III, da LOMAN e nos art. 20 e 37, do Código de Ética da Magistratura[5].

Nesse procedimento, o magistrado requereu a anulação da referida decisão, por conta de flagrantes ilegalidades, notadamente quanto à ausência dos requisitos para aplicação da sanção de remoção compulsória, não havendo nenhuma prova da ocorrência de dolo ou fraude na condução da Ação Civil Pública 0004281-79.2015.8.19.0030.

Segundo o acórdão impugnado nesta RevDis, a atuação jurisdicional na citada ACP teria ocorrido para beneficiar determinado grupo político da região, com o qual teria ligação pessoal, com o intuito de favorecer pessoas vinculadas ao ex-Prefeito do município, o que violaria seu dever de imparcialidade.

Desse modo, o Órgão Especial do TJRJ concluiu que o arcabouço probatório acostado aos autos revela o descumprimento das previsões legais contidas no art. 35, I e III da Lei Complementar n. 35/1979, situação que permite a aplicação de pena de remoção compulsória.

De acordo com a decisão do e. TJRJ, o magistrado não observou o princípio da razoável duração do processo, ao deixar de conferir regular e tempestiva tramitação da Ação Civil Pública n. 0004281-79.2015.8.19.0030, proposta contra grupo político local, bem como autorizou a substituição de bens bloqueados, a pedido dos interessados, sem manifestação prévia do Ministério Público estadual.

Informa o acórdão, conforme observado pela então Corregedoria-Geral de Justiça, que a dita ação civil pública foi distribuída em 24/07/2015, sem, no entanto, decisão judicial de recebimento ou rejeição da petição inicial até a data de 14/05/2019, ou seja, quando decorridos 04 anos da propositura da ação.

Porém, a alegada morosidade, por si só, não desencadeia a conclusão supradita, a dizer, o alardeado interesse do magistrado na proteção ilícita de grupo político de sua predileção. Decerto, ao cotejar a tramitação dos referidos autos vê-se que a estagnação processual se deu notadamente pelas dificuldades de cumprimento de citação das dezenas de réus, diante da não localização destes nos endereços informados na petição inicial.

Em acesso ao andamento processual no sítio do tribunal fluminense[6] é possível inicialmente aferir que figuram 37 (trinta e sete) réus no polo passivo na aludida Ação Civil Pública, fato que inescapavelmente dificultou o recebimento da petição inicial em razão do litisconsórcio passivo multitudinário. Vejamos:

No caso, como é sabido, antes do recebimento da petição inicial de Ação Civil Pública de improbidade administrativa, se fez necessária a notificação de todos os réus, a fim da apresentação de defesa prévia às acusações, nos termos do art. 17, §§ 7º e 8º, da Lei n. 8.429/1992[7], conforme a redação que vigorava à época.

Truísmo asseverar que o magistrado não poderia ter admitido a inicial da ação civil pública sem que todos os 37 acusados fossem devidamente notificados para apresentar a referida defesa preliminar, sob pena de nulidade, situação que conferiu morosidade ao procedimento por conta de sua complexidade.

Pois bem, da análise do feito denota-se o motivo nuclear da morosidade processual, à margem da indigitada quebra da imparcialidade do magistrado representado. Vejamos:

De início, em 15/09/2015, o magistrado deferiu os pedidos de medida cautelar formulados pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPERJ), determinando a indisponibilidade de bens dos réus e a quebra de sigilo bancário e fiscal.

Em prosseguimento, de acordo com a certidão de 26/02/2016, foram expedidas notificações para todos os 37 réus. No entanto, conforme descrito, alguns mandados de notificações retornaram infrutíferos (Id. 4292021, p. 29):

Em cumprimento ao despacho de fls. 942, certifico que foram expedidas notificações para todos os réus; no entanto, consta mandado negativo quanto aos seguintes réus: - Leonel Silva Bertino Algebaile (fls. 408-409); - Priscila Tereza Conceição dos Santos Martins Leão (mandado negativo às fls. 848, todavia há manifestação da parte nas fls. 1493-1498, apresentada sem a devida procuração ao patrono sob alegação de tratar-se de medida de urgência); - Helton Jorge Braga (mandado negativo às fls. 899- 900, entretanto há manifestação da parte às fls. 608-609); - Tânia Maria Santana; - Benedito Vieira de Souza Neto (mandado negativo às fls. 428-429, no entanto a parte manifestou-se nos autos como representante da empresa VIMATÉCNICA MI COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA-ME, havendo procuração em seu próprio nome nas fls. 519); - A. AHMED EMPRESA JORNALÍSTICA E EDITORA LTDA EPP (fls. 463); - MD MATTOS COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA (fls. 435); - VIMATÉCNICA MI COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA-ME (mandado negativo às fls. 437, mas há manifestação da parte nas fls. 509-518); - PROLL COMÉRCIO E SERVIÇO LTDA (fls. 445) Certifico ainda que foram apresentadas repostas preliminares pelos réus: - Rodrigo Menescal Ahmed (fls. 796- 813); - Ricardo Menescal Ahmed (fls. 796-813); - Mariana Menescal Ahmed (fls. 796-813); - GRAFMEC EDITORA LTDA (fls. 796-813); - Vitor Tenório dos Santos (fls. 943-983); - Wagner Jesus Mattos (fls. 1395-1397, cabendo observar que a petição de defesa está assinada por patrono diverso ao qual foi outorgada procuração); - Alberto Ahmed (fls. 783-788); - LU SOUZA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA (fls. 1386- 1388); - VM DA S. VILLAR MATERIAIS DE ESCRITORIO (fls. 466- 476); - D-TRADE COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA (fls. 466- 476); - GRAFICA MEC EDITORA LTDA (fls. 1373-1385); - Sidney José Ferreira da Silveira (fls. 1406-1413); - Evandro Bertino Jorge (fls. 1440-1485) (grifou-se)

 

Em que pese alguns réus terem apresentado defesa preliminar nesta oportunidade, outros quedaram-se inertes, além dos que ingressaram em juízo com pendências e irregularidades de representação processual, demandando o saneamento do feito.

Posteriormente, em 23/03/2016, mais dois réus apresentaram defesa prévia, conforme certidão transcrita abaixo (Id. 4292021, p. 28): “Certifico que as Defesas Preliminares de fls. 1632/1687 (DAYANA BEZERRA) e de fls. 1518/1631 (ROBERTO PINTO DOS SANTOS) foram apresentadas tempestivamente [...]”. 

Outrossim, em certidão de 17/08/2016 consta a apresentação de mais uma defesa preliminar (Id. 4292021, p. 28): “Certifico que a defesa prévia de fls. 1867-1915 (Leonel Algebaile) foi apresentada tempestivamente”.

Contudo, em 17/10/2016, ainda constavam diversos réus não notificados (Id. 4292021, p. 21/22):

Em cumprimento ao despacho de fls. 1972, item 2, certifico que ainda não foram apresentadas defesas preliminares pelos seguintes réus: FRANCISCO DE ASSIS FERREIRA PRISCILA TEREZA CONCEIÇÃO DOS SANTOS MARTINS LEÃO LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA HELTON JORGE BRAGA DANIELE DOS SANTOS COELLAR YASMIM DE OLIVEIRA DA CONCEIÇÃO ELI VIEIRA PEIXOTO EDISON NOGUEIRA BRUNA SEIBERLICH DE SOUZA MARCO ANTÔNIO DA SILVA SANTOS LUIZ ANTONIO DE SOUZA VARELLA DANIEL DA SILVA VILLAR EIDILA MOREIRA DESOUSA TÂNIA MARIA SANTANA VICTOR MANUEL DA SILVA VILLAR A. AHMED EMPRESA JORNALÍSTICA E EDITORA LTDA EPP MD MATTOS COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA VIMATÉCNICA MI COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA Certifico ainda que não consta informação de mandado de notificação positivo em relação à: - PRISCILA TEREZA CONCEIÇÃO DOS SANTOS MARTINS LEÃO (havendo contudo manifestação às fls. 1493-1498, apresentada sem procuração) - HELTON JORGE BRAGA (há manifestação da parte às fls. 608-609) -ELI VIEIRA PEIXOTO (manifestou-se conjuntamente às fls. 608) - LUIZ ANTONIO DE SOUZA VARELLA (entretanto consta manifestação às fls. 640, apresentada sem procuração) - TÂNIA MARIA SANTANA - A. AHMED EMPRESA JORNALÍSTICA E EDITORA LTDA EPP - MD MATTOS COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA - PROLL COMÉRCIO E SERVIÇO LTDA.

 

No ano de 2017, mais precisamente em 13/04/2017, o magistrado ordena à secretaria que certifique as notificações pendentes, bem como encaminha os autos ao Ministério Público para as providências necessárias para viabilizar a citação dos réus[8] (Id. 4292021, p. 19):

Certifiquem-se 1. Quais réus apresentaram defesas preliminares 2. Quais foram notificados e ficaram inertes 3. Quais não foram citados e as fls. das certidões. Após, encaminhem-se ao MP [...].

 

Ainda, na data de 26/04/2017, a secretaria da vara expediu nova certidão indicando quais réus apresentaram defesa prévia e os que ainda não foram notificados.

Sobreveio certidão, no dia 06/09/2017, atestando que o réu Wagner Jesus Mattos apresentou defesa prévia tempestiva (Id. 4292021, p. 15).

Por força de nova ordem do magistrado, a secretaria da Vara Única de Mangaratiba/RJ, em 10/07/2018, atestou que ainda faltavam réus a serem notificados, em que pese os esforços para obtenção de novos endereços e a expedição de mandados de notificação, in verbis (Id. 4292021, p. 09/10):

Certifico, em cumprimento ao r. despacho de fls. 2155, que: Os Réus abaixo indicados apresentaram suas DEFESAS PRELIMINARES: 1) LEONEL SILVA BERTINO ALGEBAILE - Mandado nº: 2863 (NEGATIVO) - fls. 408/409 - DEFESA PRÉVIA a fls. 1867/1913 2) VITOR TENÓRIO Mandado nº: 2865 (POSITIVO) - fls. 843/844 - DEFESA PRÉVIA a fls. 943/983 3) DAYANA BEZERRA - Mandado nº: 2872 (POSITIVO) - fls. 849V – DEFESA PRÉVIA a fls. 1632/1637 4) SIDNEY JOSÉ FERREIRA – Mandado nº: 2878 (NEGATIVO) - fls. 414/415; Mandado nº: 2980 – DEFESA PRÉVIA a fls. 1406/1413 5) EVANDRO BERTINO - Mandado nº: 2880 (POSITIVO) - fls. 903/904 - DEFESA PRÉVIA a fls. 1440/1485 6) ALBERTO AHMED - Mandado nº: 2881 (POSITIVO) - fls. 416/417 (Grajaú); Mandado nº: 2981 (POSITIVO) - fls. 446/447 (Grajaú) - DEFESA PRÉVIA a fls. 783/788 *7) RODRIGO MENESCAL AHMED - Mandados nº: 2884 e 2990 (POSITIVOS) - fls. 418/419 e 452/453 (Barra da Tijuca); Mandados nº: 2883 e 2985 (POSITIVOS) - fls. 420/421 E 448/449 (Vila Isabel) *8) MARIANA MENESCAL AHMED - Mandados nº: 2884 (POSITIVOS) - fls. 422/423 (Vila Isabel); Mandado nº: 2987 (POSITIVO) - fls. 450/451 (Barra da Tijuca); *9) RICARDO MENESCAL AHMED - Mandado nº: 2983 (Barra e Praia Brava); Mandado nº: 2999 (POSITIVO) - fls. 454/455 *10) GRAFMEC EDITORA - Mandado nº: 2902; Mandado nº 3001 (POSITVO) fls. 458/459 (ambos os mandados no mesmo endereço - Rua Visconde de Santa Isabel, 420A, Vila Isabel) * RÉUS constantes nos itens 7, 8, 9 e 10 apresentaram suas DEFESAS PRÉVIAS CONJUNTAMENTE a fls. 795/813. 11) ROBERTO PINTO - Mandado nº: 2885 (NEGATIVO) - fls. 424/425 (Recreio); Mandado nº: 2978 (POSITIVO) FLS. 901/902 - CONTESTAÇÃO a fls. 1518/1554 12) WAGNER JESUS MALTOS - Mandado nº: 2887(POSITIVO) fls. 897/898 - DEFESA PRÉVIA a fls. 1395/1396 13) BENEDITO VIEIRA - Mandado nº: 2892 (NEGATIVO) - fls. 428/429 - DEFESA PRÉVIA a fls. 1945/1969 14) GRÁFICA MEC - Mandado nº: 2901; e Mandado nº: 3002 (POSITIVO) - fls. 460/461 (Vila Isabel) - DEFESA PRÉVIA a fls. 1373/1385 15) LU SOUZA COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA - Mandado nº: 2907 (NEGATIVO) - fls. 438/439 – DEFESA PRÉVIA a fls. 1386/1388 16) VM DA S. VILLAR MATERIAIS DE ESCRITÓRIO - Mandado nº: 2908 (POSITIVO) - fls. 440/441 - DEFESA PRÉVIA a fs. 466/476 17) D-TRADE COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA - Mandado nº: 2910 (POSITIVO) - fls. 442/443 - DEFESA PRÉVIA a fs. 466/476 - Os RÉUS abaixo indicados s.m.j. NÃO FORAM NOTIFICADOS, porém CONSTA MANIFESTAÇÃO nos autos: 1) PRISCILA TEREZA CONCEIÇÃO DOS SANTOS MARTINS - Mandado nº: 2870 (NEGATIVO) - fls. 847/848 - peticionou na forma de fls. 1493/1494 e fls. 2021/2022 (informando nesta última que após a devida notificação apresentará a defesa prévia). 2) EDISON NOGUEIRA - Mandado nº: 2866 - peticionou na forma de fls. 908/909 e fls. 1816. 3) HELTON JORGE BRAGA - Mandado nº: 2886 (NEGATIVO)- fls. 899/900 - peticionou na forma de fls. 608/609 e de fls. 1737/1738. 4) ELI VIEIRA - Mandado nº: 2876 (NEGATIVO) - peticionou na forma de fls. 608 (conjuntamente - Helton Jorge) 5) LUIZ ANTÔNIO DE SOUZA - Mandado nº: 2891 (NEGATIVO) - fls. 895/896 - peticionou na forma de fls. 640 e de fls.1501/1505. 6) VIMATÉCNICA MI COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA - Mandado nº: 2905 (NEGATIVO) - fls. 436/437. – peticionou na forma de fls. 509/517 (cautelar incidental) e de fls. 1977/1978.

Em continuação, certifico que: - Os RÉUS abaixo indicados: 1) A. AHMED EMPRESA JORNALÍSTICA - Mandado nº: 2900; Mandado nº: 3003 (NEGATIVO) fls. 462/463 (ambos os mandados no mesmo endereço - Rua Washington Luis, 54, Centro/RJ) e mandados negativos às fls. 2200,2500 e 2317;. 2) MD MATTOS COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA - Mandado nº: 2903 (NEGATIVO) - fls. 434/435. Foi notificado às fls. 2269 e foi apresentada DEFESA PRELIMINAR tempestiva, às fls.2221/2262, entretanto, s.m.j., há dúvidas quanto ser da empresa MD Mattos ou de Wagner. A V. apreciação para decidir o que melhor for de direito; 3) PROLL COMÉRCIO - Mandado nº: 2911 (NEGATIVO) - fls. 444/445 e negativo às fls. 2451 4) TANIA MARIA SANTANA - Mandado nº: 300 (NEGATIVO) - fls. 456/457 e negativo às fls. 2316. Os RÉUS abaixo indicados s.m.j. FORAM NOTIFICADOS, e ficaram INERTES: 1) FRANCISCO DE ASSIS - VULGO FRANCISCO RAMALHO - Mandado nº: 2868 (POSITIVO) - fls. 845/846 2) LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA - Mandado nº: 2873 (POSITIVO) - fls. 410/411 3) DANIELE DOS SANTOS - Mandado nº: 2874 (POSITIVO) - fls. 850V 4) YASMIM DE OLIVEIRA - Mandado nº: 2875 (POSITIVO) - fls. 412/413 5) EIDILA MOREIRA - Mandado nº: 2889 (POSITIVO) - fls. 426/427 6) VICTOR MANUEL DA SILVA - Mandado nº: 2894 (POSITIVO) - fls. 432/433 7) BRUNA SEIBERLICH DE SOUZA - Mandado nº: 2869 (POSITIVO) - Os RÉUS abaixo indicados s.m.j. FORAM NOTIFICADOS, se MANIFESTARAM, porém NÃO APRESENTARAM DEFESA PRELIMINARES: 1) MARCO ANTONIO DA SILVA - Mandado nº: 2879 (POSITIVO) - fls. 851/852 - peticionou na forma de fls. 655/656. 2) DANIEL DA SILVA - Mandado nº: 2893 (POSITIVO) - fls. 430/431 - peticionou na forma de fls. 1744. Por fim., compulsando os autos, há manifestação do MP requerendo a notificação do Município de Mangaratiba, às fls. 2162, assim como há Embargos de Terceiros nº 5591/2018 apensado ao presente feito e petições, às fls. 2452 em diante, carecendo, smj, de apreciação por V. Exa.

 

Em despacho proferido em 18/12/2018, o magistrado determina novamente a sua secretaria que certifique, de forma específica, quais réus já foram notificados e apresentaram defesa prévia, quais os que ainda não foram notificados, bem como os que foram notificados e não apresentaram defesa preliminar, com conclusão urgente (Id. 4292021, p. 08):

A fim de evitar qualquer arguição de nulidade, junte-se as petições e os mandados apontadas no sistema. Certifique-se de forma especificada quais os réus apresentaram a defesa preliminar, quais os que ainda não foram notificados, bem como os que foram notificados e não apresentaram defesa preliminar.  Regularize-se no sistema a GRERJ pedente de conferência. Após, voltem conclusos com urgência. (grifo nosso)

 

Eis que a inspeção da Corregedoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro, realizada na Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, ocorreu logo depois, em 14/05/2019, oportunidade em que o órgão censor aferiu a suposta morosidade no trâmite da referida ação civil pública.

Todavia, discordo das conclusões obtidas pela Corregedoria local. De acordo com as certidões transcritas acima, não vislumbro uma conduta dolosa do magistrado, diante da complexidade do feito e da quantidade de réus que figuram em seu polo passivo. Ao revés, conferiu impulso oficial ao processo por várias oportunidades, visando a citação válida dos réus, havendo de se ressaltar que também incumbe ao autor da demanda coletiva colaborar oferecendo os meios adequados para citação valida da parte contrária.

Ressalte-se que o próprio magistrado requerente determinou a intimação do Ministério Público, autor da ação, para se manifestar sobre o possível desmembramento do feito, em razão do litisconsórcio passivo multitudinário e da dificuldade de se notificar todos os 37 réus, circunstâncias que inviabilizavam o prosseguimento da ação civil pública (Id. 4292021, p. 06).

Lado outro, para conferir impulso oficial ao feito, o magistrado determinou a expedição e publicação de edital de notificação dos réus que não foram localizados pelo oficial de justiça, e, na mesma oportunidade, a intimação do Ministério Público em relação aos pedidos de desbloqueio de bens requeridos pelos réus da ação civil pública. Eis o teor do despacho:

1. Defiro a notificação por edital dos réus ainda não notificado, conforme requerido pelo MP no indez 2824. 2. Defiro o requerido no índice 2872/2879, já que não há oposição do MP. 3. Certifique-se conforme requerido pelo MP a fls. 2.902, 4. Após, ao MP sobre os requerimentos formulados nas petições de fls. 2.907 e seguintes. Cumpra-se com urgência. (grifou-se)

 

 

Logo, tenho que a morosidade encontrada neste processo não se tratava especificamente de alguma questão subjetiva do magistrado, mas das condições objetivas da demanda, em razão das dificuldades de localização dos réus. Tanto o é que mesmo após o afastamento do magistrado de suas funções na Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, em razão da efetivação da pena de aposentadoria compulsória, aplicada em 03/05/2021, a petição inicial da ação civil pública n. 0004281-79.2015.8.19.0030 apenas foi recebida no dia 13/04/2022, ou seja, 01 ano após a penalidade do magistrado, conforme decisão obtida no sítio do tribunal fluminense. 

Por conseguinte, após essa breve contextualização dos fatos, entendo que a morosidade processual, neste caso, não é decorrência da simples atuação do requerente, mas de entraves encontrados pelo órgão judicial no momento da notificação dos 37 réus da ação coletiva de improbidade administrativa, de modo a não implicar responsabilidade funcional ao magistrado.

Consta ainda do voto do relator do PAD originário, quanto à acusação de favorecimento a grupo político, o seguinte (Id. 4292001, fl. 96/99):

[...] a partir de denúncias anônimas, apontou a ocorrência de supostas irregularidades praticadas pelo Representado, no exercício de sua atividade jurisdicional, destinadas a favorecer o grupo político vinculado ao ex-Prefeito Evandro Capixaba.

Naquele documento, além de pedir providência, consignou-se que, além da ação civil pública que ensejou esta representação, mais cinco demandas coletivas que envolvem o mesmo grupo político, eram objeto de condutas omissivas por parte do juiz, quais sejam:

a) ACP nº 0005738-49.2015.8.19.0030, no qual o Ministério Público aponta que “o feito está sem andamento desde janeiro de 2016 e o MP nunca foi intimado da decisão inicial. Há destaque para irregularidades na condução do feito à fl. 238”;

b) ACP nº 0002418-88.2015.8.19.0030 que, segundo o Parquet, “proposta em face do ex-prefeito Evandro e seu grupo político. O feito seguiu sem vista ao MP por sete meses, prejudicando o seu andamento”;

c) ACP n° 0005888-64.2014.8.19.0030 onde a 2ª Promotoria de Tutela Coletiva da Comarca de Angra dos Reis sustenta que, “proposta em face do ex-prefeito Evandro Capixaba, com o fim de impedir a realização de contratações temporárias pelo Município de Mangaratiba. A demanda ficou sem andamento, prejudicando o interesse público”;

d) ACP n° 0000703-74.2016.8.19.0030. Segundo o Ministério Público, “proposta em face do ex-prefeito Evandro Capixaba e distribuída em janeiro de 2016, contudo, até o momento, não houve qualquer andamento”

e) ACP n° 0005336-70.2012.8.19.0030 na qual se verificou que,: “proposta em face do mesmo grupo político e de empresas vinculadas ao ex-prefeito. Desde novembro de 2014 não há vista ou ciência do MP.”.

Não há como eximir o Representado de sua responsabilidade funcional quanto à evidente falha em deixar de dar andamento a seis ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, todas em face do mesmo grupo político e com repercussão social e econômica evidentes.

Como dito, somente uma delas (0005336-70.2012.8.19.0030) foi distribuída em período anterior à nomeação do Representado como juiz titular da Vara Única de Mangaratiba, pois foi removido e empossado na data de 25.11.2013 e tendo entrado em exercício no dia 01.12.2013 (Ato Executivo 5.846/2013, Diário Eletrônico da Justiça de 26.11.2013, fl. 04), mas a ele coube toda a condução tortuosa da ação.

Nesse mesmo sentido, exsurge o descumprimento da previsão legal contida no art. 35, incisos II e II da Lei Complementar nº 35/79, no que tange ao atendimento de prazo razoável para sentenciar ou despachar, bem como quanto à adoção das providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais. Saliente-se que o Conselho Nacional de Justiça elencou, dentre as prioridades da Justiça o julgamento das ações civis públicas e de improbidade.

Esse dever funcional do julgador também está previsto no art. 20 do Código de Ética da Magistratura:

Art. 20. Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a máxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um prazo razoável, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé processual.

Muito embora não se deva desconsiderar a enorme quantidade de trabalho a que estão submetidos os Magistrados que integram esta e outras Cortes do país, na hipótese, deve ser ressaltado que decorridos 05 (cinco) anos da propositura da ação, não houve recebimento ou rejeição da petição inicial da ação civil pública nº 0004281-79.2015.8.19.0030.

O Magistrado não pode se escudar na invocação de sua independência funcional (art. 127, § 1º da Constituição Federal e art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura), pré-requisito do Estado de Direito e garantia fundamental de um julgamento justo, bem como nas garantias dispostas no art. 95 da Constituição Federal, a fim de se eximir do cumprimento de suas obrigações funcionais como juiz condutor do processo, pois tais prerrogativas devem ser compreendidas sem que se perca de vista o seu objetivo, qual seja, como instrumento de garantia de sua imparcialidade.

Sem dúvida, esta não é a hipótese que se observa neste procedimento administrativo, uma vez que a morosidade injustificada e a ineficácia na condução do processo, bem como o continuado desbloqueio de bens dos réus na ação civil pública nº 0004281-79.2015.8.19.0030, muitas vezes sem a oitiva do Ministério Público, caracterizam conduta que enseja a aplicação de sanção disciplinar, com o consequente acolhimento da representação.

A permanência do Representado à frente da Comarca de Mangaratiba representa perigo real de descrédito para toda a Justiça, além de manter sob sua condução processos de relevante interesse social; sendo juízo único, a manutenção do Representado na Comarca enseja prejuízos de difícil reparação aos jurisdicionados, pois seria deixar intocada situação que perdura no tempo por período já longo.

Embora drástica, a remoção compulsória deve ser imposta ao Representado como punição exemplar, uma vez que já foi apenado com penas mais leves e, ainda assim, manteve-se irredutível em suas faltas funcionais.

A mudança de jurisdição, ainda que forçada, quiçá sirva para que o Representado, doravante, emende sua atividade funcional e, ao mesmo tempo, garante que a Comarca será objeto de atuação de um novo magistrado que poderá impor novo ritmo a tão importantes ações públicas.

Do exposto, por infração ao art. 35, incisos II e II da Lei Complementar nº 35/79, voto no sentido de aplicar ao representado Juiz de Direito MARCELO BORGES BARBOSA a pena de remoção compulsória do Juízo Único da Comarca de Mangaratiba. (Grifou-se)

 

Segundo depreende-se dos termos do acórdão do e. Órgão Especial do TJRJ, a comprovação da conduta parcial do magistrado se sobressai da própria condução do processo, uma vez que os fatos narrados na petição inicial daquela ação civil são gravíssimos e, se verdadeiros, implicam em substancial dilapidação do patrimônio público do município de Mangaratiba.

Contudo, em que pese os argumentos consignados, não vislumbro, na hipótese, a suposta violação à independência funcional do magistrado capaz de culminar na aplicação da penalidade de remoção compulsória.

Assente-se que a independência funcional do magistrado se consubstancia em garantia de prestação jurisdicional imparcial, expressamente prevista no art. 41, caput, da LOMAN[9], somente podendo ser questionada administrativamente quando demonstrado que, no caso concreto, o órgão judicial atuou com parcialidade decorrente de má-fé, o que sobremaneira foi verificado neste caso.

Realizada análise pormenorizada do acórdão, em cotejo com as provas dos autos, não é possível observar qualquer comprovação de parcialidade do magistrado na sua atuação jurisdicional em benefício a determinado grupo político atuante na região, mormente quando as alegações de favorecimento a grupo político do ex-Prefeito do município originaram-se de denúncias anônimas, isto é, potencialmente de outros grupos políticos interessados nos processos.

Tais denúncias, nada obstante a gravidade do alegado, sequer foram minimamente corroboradas por outros elementos de provas, não havendo quaisquer indícios nos autos de que a atuação do magistrado se deu em comprometimento à sua independência funcional e imparcialidade.

Importante salientar, ainda, que o aludido favorecimento a grupo político, em detrimento ao dever de imparcialidade, apesar de ser utilizado como fundamento para a individualização dos fatos aqui sindicados, constituem circunstâncias que não foram comprovadas ao final das investigações realizadas no respectivo procedimento administrativo disciplinar.

Observo que na fundamentação do acórdão, conforme transcrito acima, há apenas a mera enumeração de outras ações civis públicas que, supostamente, se encontrariam na mesma situação da ACP n. 0004281-79.2015.8.19.0030, sem demonstrar o real vínculo subjetivo do magistrado em relação aos interesses de agentes políticos do município.

Por outro lado, conforme pontuado no item anterior, nos demais procedimentos disciplinares instaurados em desfavor do magistrado, são citadas diversas condutas relativas à morosidade processual e à gestão dos processos judiciais, a caracterizar, em verdade, flagrante incapacidade de organização do acervo.

Indubitavelmente, restam evidenciada a morosidade imputada, assim como as irregularidades na gestão da unidade jurisdicional, relacionadas à ausência de correição permanente e de medidas necessárias para organização da respectiva serventia judicial e seus servidores. Porém, convenço-me, à míngua de prova diversa, que os desvios funcionais descritos se enquadram no mesmo contexto fático no qual o magistrado já fora sancionado.

Importante salientar que ademais da ausência de prova idônea da quebra da imparcialidade, vigora em favor do magistrado requerente a decisão final constante no procedimento disciplinar instaurado em desfavor da servidora pública Jaqueline Alves Godinho, Chefe de Serventia da Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ à época dos fatos, no qual foram apuradas as mesmas condutas aqui assinaladas, isto é que também estaria atuando irregularmente no esteio de proteger ilicitamente políticos locais, de modo a delongar o andamento de processos judiciais.

Segundo o acórdão que julgou o recurso administrativo interposto pela servidora, não restou comprovado qualquer tipo de favorecimento ou de má-fé na condução dos processos em benefício a políticos da municipalidade, embora se tenha comprovado o comportamento omissivo e desidioso da servidora na administração do acervo judicial.

Ao fim, o Conselho da Magistratura do e. TJRJ, por unanimidade, entendeu que não havia dúvidas quanto à conduta da servidora, que não gerenciava ou administrava satisfatoriamente o cartório, contudo, não se comprovou a falta de maior gravidade, que seria a atuação dolosa em favor de grupo político local.

Transcrevo trecho do acórdão que julgou o recurso administrativo e desclassificou a penalidade de demissão para suspensão por 60 dias, já que não restou comprovado favorecimento no andamento processual, dado que a situação de morosidade era constante naquele cartório (Id. 5381398):

O relatório apresentado pela Divisão de Fiscalização Judicial e os termos da decisão ora impugnada não deixam dúvidas com relação aos problemas existentes no cartório sob direção da ora recorrente.

Todavia, aquela possível falta de maior gravidade que determinou a instauração do procedimento disciplinar, ou seja, a atuação dolosa de servidores (que atuavam de forma desviada) para atrasar os processos envolvendo o Prefeito e os políticos daquele município, a meu sentir, não restou comprovada.

Na verdade, não só os processos envolvendo os políticos da cidade, mas todos aqueles existentes na serventia tramitavam de forma morosa, sem a eficiência necessária, não podendo tal fato ser atribuído exclusivamente à recorrente.

[...]

Volto a repetir. Não há dúvida que a recorrente não gerenciava ou administrava satisfatoriamente o cartório.

Também não há dúvida de que, em razão da falta de servidores, o que é do conhecimento geral, inclusive e principalmente da Corregedoria, a tramitação dos feitos atrasava.

[...]

Mas não ficou demonstrado que a utilização destes funcionários cedidos tinha o escopo de beneficiar políticos da cidade em processos de improbidade ou similares.

[...]

Por tais motivos, penso que a pena de demissão aplicada deve ser abrandada para a de suspensão pelo prazo de 60 (sessenta) dias, a qual mais de coaduna com a situação dos autos. (Grifou-se)

 

Ora, incompossível entender que o magistrado atuou de forma pérfida na condução de processos sob sua jurisdição, visando proteger ilicitamente políticos de sua predileção, quando por unanimidade o Conselho da Magistratura do e. TJRJ deixou expresso que as irregularidades descritas em nada envidam na acusação posta.

Por fim, no tocante à alegação de desbloqueio de bens dos acusados, sem a prévia intimação do Ministério Público, tenho que os fundamentos que apoiaram a aplicação da penalidade de remoção compulsória não se sustentam após uma análise mais acurada da ação civil pública n. 0004281-79.2015.8.19.0030. Senão, vejamos.

No caso, em 15/09/2015, o magistrado deferiu os pedidos de medida cautelar formulados pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPERJ), que consistem na: (i) indisponibilidade dos bens dos acusados de improbidade administrativa, (ii) na quebra de sigilo bancário e fiscal dos réus e, por fim, (iii) na suspensão dos contratos municipais tidos como fraudulentos, de acordo com a decisão interlocutória, abaixo transcrita (id. 4292021, p. 42):

Trata-se de ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de Evandro Bertino Jorge e outros, em que aponta a prática de atos de improbidade administrativa previstos nos artigos 10 e 11, da Lei 8.429/92, conforme consta na inicial de fls. 02/176, com documentos, com pedidos cautelares. Acompanha a inicial inquérito civil em apenso que permite ao juízo constatar a viabilidade da acusação. A petição inicial, desse modo, atende aos requisitos previstos pelo artigo 282 do Código de Processo Civil e pelo artigo 17 da Lei 8.429/92. Como são vários os pedidos de tutela cautelar incidental, considero necessária a separação por itens para facilitar a compreensão e execução das medidas. 1. Do Pedido de Indisponibilidade dos bens. Com relação ao pedido cautelar de bloqueio dos bens dos réus, considero que assiste razão ao Ministério Público. Com efeito, as imputações são no sentido de que os réus fraudaram diversas licitações com a não publicação dos editais de convocação dos certames. Assim, em princípio, o Município de Mangaratiba sofreu severas perdas financeiras que deverão ser ressarcidas ao final do presente processo, se comprovadas as imputações, pelos que forem eventualmente condenados. É cediço que os réus em tais situações costumam "vaporizar" seus patrimônios com transferências e outros tipos de alienação, para que não sejam atingidos financeiramente, o que deixaria que todo o prejuízo recaísse sobre os ombros dos contribuintes deste Município que nada tem a ver com os referidos desvios. Note-se que a indisponibilidade dos bens é expressamente prevista pelo artigo 16 da Lei 8.429/92. Em casos semelhantes, a jurisprudência é no sentido do deferimento da ordem, conforme demonstra o acórdão que a seguir transcrevo: TRF1-0231067) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE SOBRE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS. PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. FUMUS BONI JURIS DEMONSTRADO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA AGRAVANTE. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para decretar a indisponibilidade de bens em ação civil pública por ato de improbidade administrativa não se faz necessária a presença do periculum in mora, o qual estaria implícito no comando do art. 7ºda Lei 8.429/92, sendo bastantes indícios da prática de ato de improbidade que acarrete dano ao erário. 2. Fumus boni juris demonstrado pela documentação apresentada em Juízo, que tem por base procedimento administrativo (inquérito civil) levado a efeito pela Procuradoria da República no Estado do Pará, com suporte em investigações da Polícia Federal e relatórios da Controladoria-Geral da União - CGU que apontam irregularidades em diversos procedimentos licitatórios realizados pelo município de São Domingos do Araguaia/PA, sendo que em um deles a primeira agravante sagrou-se vencedora. 3. A inclusão dos sócios da empresa agravante no polo passivo da demanda tem fundamento no art. 3º da Lei 8.429/92, sendo assim, não há que se falar em desconsideração da personalidade jurídica do primeiro agravante. 4. A constrição não pode incidir sobre verbas de caráter alimentar, tais como salários e depósitos em caderneta de poupança no montante de até 40 (quarenta) salários mínimos, assim como sobre valores relativos à capital de giro e pagamentos de obrigações trabalhistas e tributárias. 5. Agravo de instrumento parcialmente provido. (Agravo de Instrumento nº 0014252-86.2013.4.01.0000/PA, 3ª Turma do TRF da 1ª Região, Rel. Monica Sifuentes. j. 11.11.2014, unânime, e-DJF1 21.11.2014). Assim, considero que a ordem de bloqueio deve ser deferida, excetuando as verbas impenhoráveis, como salários, obviamente. 2. Da quebra dos sigilos bancários e fiscais. Como já dito, o presente procedimento visa apuração de fraudes em licitação em que quantias vultosas supostamente foram desviadas da municipalidade pelos réus. Desse modo, é fundamental para real e completa apuração dos fatos narrados na inicial que se persiga o destino do que foi desviado, o que só pode ser feito mediante a quebra dos sigilos requeridos. É verdade que os cidadãos possuem o direito à intimidade, mas tal direito não pode prevalecer em detrimento da coletividade quando há fortes indícios de que tenham ocorridos diversos atos de improbidade com danos severos ao erário. No mesmo sentido é o entendimento jurisprudencial, conforme acórdão que a seguir colaciono: TJAL-0013155) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. 1. A indisponibilidade de bens impõe-se como instrumento acautelatório destinado a assegurar a existência de bens para posterior ressarcimento dos prejuízos causados ao Erário. 2. Para decretação de tal medida, nos termos do art. 7º da Lei nº 8.429/92, dispensa-se a demonstração do risco de dano, periculum in mora, que é presumido pela norma, sendo necessário que o requerente deixe evidenciada a relevância do direito, fumus boni iuris, apto a configuração do ato de improbidade administrativa e à sua autoria. 3. É pacífico no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que a decretação de indisponibilidade dos bens não está condicionada à comprovação de dilapidação efetiva ou iminente de patrimônio, porquanto visa, justamente, a evitar que tais atos sejam encetados. 4. O sigilo bancário e fiscal, por sua vez, consubstancia-se como direito humano fundamental do cidadão à inviolabilidade do sigilo de dados (CF, art. 5º, XII) e à preservação da intimidade e da vida privada (CF, art. 5º, X). Tais são garantias que protegem os cidadãos das ingerências despóticas do Estado, todavia não são oponíveis que os indícios de ato de improbidade cometidos pelo Réu se mostrem suficientes para manter a quebra do sigilo bancário e fiscal. 5. Na hipótese, merece registro o fato de que o Agravante, nesta oportunidade, sequer procurou esclarecer, quando da sua gestão a frente do Executivo Municipal, qual foi a destinação dos recursos que foram descontados dos servidores públicos municipais e que não foram devidamente repassados ao órgão previdenciário municipal, motivo que ensejou a Ação de Improbidade Administrativa. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. (Agravo de Instrumento nº 0801229-93.2013.8.02.0900, 3ª Câmara Cível do TJAL, Rel. Klever Rêgo Loureiro. j. 08.05.2014). Desse modo deve ser deferida a quebra dos sigilos de dados bancários e fiscais de todos os supostamente envolvidos. 3. DA SUSPENSÃO DOS CONTRATOS Os contratos administrativos entabulados entre os participantes do pólo passivo da presente demanda devem ser suspensos, conforme requerido pelo Ministério Público. Não há outra decisão plausível a ser tomada, uma vez que há fortes indícios que tenham ocorrido fraudes em tais contratos, que seriam, portanto, nulos. Ora, grande parte do prejuízo já foi causado a esta municipalidade, mas a permanência dos contratos ensejaria o aumento do dano, além de passar um caráter de impunidade aos bons cidadãos desta cidade. Diante do exposto, defiro as medidas cautelares de indisponibilidade dos bens, quebra de sigilo bancário e fiscal e suspensão dos contratos e determino: 1. A expedição de Ofícios ao DETRAN e à Capitania dos Portos para o bloqueio de veículos e embarcações registrados em nomes dos réus. 2. Expedição de Ofício ao Banco Central requisitando informações sobre todas as contas bancárias em nome dos réus, incluindo contas de investimentos e aplicações financeiras. 3. Proceda-se à Penhora On-line pelo sistema BACEN-JUD. Eventual bloqueio de verba impenhorável será analisado posteriormente por simples petição da parte atingida. Notifiquem-se os réus, na forma do artigo 17 da Lei 8.429/92. Intimem-se da presente decisão.

 

Assim, tenho que a referida decisão interlocutória, prolatada inaudita altera pars, que deferiu a indisponibilidade de bens dos réus, a quebra de seus sigilos bancários e fiscais, bem como a suspensão dos contratos administrativos suspeitos de fraude, fulmina a alegação de que o magistrado atuou de forma a privilegiar determinado grupo político, visto que, logo após o ajuizamento da ação, o magistrado, de imediato, já ordenou o bloqueio dos bens dos acusados, com fulcro na tutela de evidência do art. 16 da Lei n. 8.429/1992.

De mais a mais, em relação à indisponibilidade de bens, observo que a ressalva feita pelo magistrado, ao excepcionar as verbas consideradas impenhoráveis, reiterou entendimento jurisprudencial bastante razoável, como preceitua o acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento AgInt. no REsp n. 1.671.893/PE, da relatoria do Ministro Og Fernandes:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MALFERIMENTO DO ART. 14, § 3º, DA LEI N. 4.717/1965. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INDISPONIBILIDADE DOS BENS. PENHORA DE SALÁRIO. IMPENHORABILIDADE. PRECEDENTES.

1. A matéria relativa ao art. 14, § 3º, da Lei n. 4.717/1965 não foi objeto de análise pelo Tribunal de origem, ainda que implicitamente. Desse modo, carece o tema do indispensável prequestionamento viabilizador do recurso especial, razão pela qual não merece ser apreciado, consoante o que preceituam as Súmulas 211/STJ e 282/STF.

2. Esta Corte Superior possui entendimento de que "as verbas salariais, por serem absolutamente impenhoráveis, também não podem ser objeto da medida de indisponibilidade na Ação de Improbidade Administrativa, pois, sendo impenhoráveis, não poderão assegurar uma futura execução" (STJ, REsp 1.164.037/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ acórdão Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 9/5/2014).

3. Na hipótese, revela-se insuscetível o exame da tese de que a regra da impenhorabilidade pode ser relativizada. Isso porque "a alegação tardia de tese em agravo interno configura inovação recursal, insuscetível de exame diante da preclusão consumativa" (AgInt no AgInt no REsp 1712736/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 8/3/2021, DJe 12/3/2021).

4. Agravo interno parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido.

(AgInt no REsp n. 1.671.893/PE, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 5/10/2021.) (grifou-se)

 

No sentido da jurisprudência acima citada, o magistrado deferiu requerimento, em 02/12/2015, com objetivo de desbloqueio de conta corrente em que o requerente recebe salário, porquanto, a decisão que determinou a medida cautelar de indisponibilidade de bens já excluía as verbas consideradas impenhoráveis, não podendo recair o respectivo ato constritivo sobre rendas de caráter alimentar (id. 4292021, p. 34):

Trata-se de requerimento com objetivo de desbloqueio da conta-corrente em que o requerente recebe o seu salário. A decisão de bloqueio já excluía as verbas alimentícias, não podendo recair sobre salário. Desse modo, determino que seja desbloqueada a conta corrente de MARCO ANTONIO DA SILVA SANTOS, no Banco Itaú, Ag: 4814, c/c 12226-5. Expeçam-se ofícios para desbloqueio dos bens citados. (grifou-se)

 

Nessa mesma toada, transcrevo decisão de 17/12/2015 (id. 4292021, p. 33):

Defiro o desbloqueio da conta do Sr. Vitor Tenório Santos, no Banco Bradesco Ag: 0886-9, c/c 1000857-3 e banco Itaú, ag: 6081, c/c 10093/2. Expeçam-se os ofícios. (grifou-se)


Nesse sentido, em 17/03/2016, em decisão, o magistrado deferiu o desbloqueio de numerário oriundo de aposentadoria, por considerar a referida verba de natureza alimentar e, portanto, impenhorável (id. 4292021, p. 28/29):

Defiro o requerido a fls. 645/648 a fls. 1501/1505, Expeça-se ofício ao DETRAN para que permita a vistoria do veículo. Expeça-se ofício ao Banco para que desbloqueio as verbas originárias de proventos de aposentadoria. Outrossim, certifique-se conforme requerido a fls. 1510. (grifou-se)

 

Destarte, com base nesses elementos, tenho como contraditória a alegação de que o magistrado atuou dolosamente a fim de determinar o desbloqueio de bens e verbas dos acusados, quando, de igual maneira, determinou a indisponibilidade do patrimônio de todos os 37 acusados logo após o ajuizamento da ação civil pública em comento, conforme consta no andamento processual.

 

A indigitada não intimação do Ministério Público estadual se deu em virtude da própria natureza alimentar das verbas bloqueadas, uma vez que, a intimação do Parquet geraria mais prejuízos aos acusados, em razão da demora no desbloqueio das verbas.

Com efeito, entendo que a atuação processual do magistrado que ensejou a representação foi, na verdade, desidiosa e não propriamente seletiva, sem a intenção de favorecer diretamente grupo político, uma vez que não restou comprovado qualquer comprometimento da independência funcional do magistrado requerente.

Conforme sustentado, por entender que as condutas descritas são parte integrante do mesmo desvio de conduta, inadequada a majoração sucessiva da penalidade, como proposta pela relatora.  Subsiste, assim, apenas a situação de reiterada negligência do magistrado e de procedimento incorreto, conduta já devidamente apurada no PAD n. 0065016-32.2019.8.19.0000, objeto da RevDis n. 0003199-25.2021.2.00.0000, em que restou aplicada a penalidade de censura.

Ante o exposto, conheço da RevDis n. 0001959-98.2021.2.00.0000 e a julgo procedente, para deixar de aplicar a penalidade de remoção compulsória, proferida no PAD n. 0022707-93.2019.8.19.0000, ao magistrado Marcelo Borges Barbosanos termos da fundamentação supra.

 

RevDis n. 0003603-76.2021.2.00.0000

Por fim, passo à análise do mérito da RevDis n. 0003603-76.2021.2.00.0000.

Na espécie, trata-se de Revisão Disciplinar, proposta pelo Juiz de Direito Marcelo Borges Barbosa, que impugna decisão do e. TJRJ que julgou procedente os PAD n. 0017163-27.2019.8.19.0000, PAD n. 00171165-94.2019.8.19.0000 e PAD n. 0075040-22.2019.8.19.0000, e aplicou-lhe duas penas de aposentadoria compulsória, por violar os deveres funcionais previstos no art. 35, I, II, III e VIII da LOMAN, e nos art. 20 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional.

Nesse caso, o magistrado requerente foi acusado de negligenciar o andamento de processos que envolviam policiais militares do Rio de Janeiro, retardando o andamento dos feitos em benefício da manutenção dos autores nos quadros da corporação, além de adotar outros procedimentos incorretos.

Em sua inicial, o magistrado requer que a penalidades sejam declaradas nulas, diante de total ausência de provas e de flagrantes ilegalidades suscitadas, não havendo que se falar, portanto, na violação dos deveres funcionais. Subsidiariamente, pleiteia a reconsideração da pena de aposentadoria compulsória, a fim de que seja aplicada penalidade mais branda, em respeito ao princípio da proporcionalidade e ao disposto nos art. 40 e 41 da LOMAN, e 21, parágrafo único, da Resolução CNJ n. 135/2011.

Eis o trecho do acórdão que julgou conjuntamente os Processos Administrativos Disciplinares n. 0017163-27.2019.8.19.0000 e n. 17165-94.2019.8.19.0000 e que aplicou a penalidade de aposentadoria compulsória (Id. 4355870):

[...] Verificou-se que inúmeras ações foram ajuizadas e processadas na Vara Única de Mangaratiba por autores que sequer comprovaram o domicílio na Comarca, além de responderem a processos em outras localidades. Em alguns casos, os autores da ação estavam segregados cautelarmente, não tendo apresentado qualquer documento válido de residência, na Jurisdição da Vara Única de Mangaratiba.

No relatório de Fiscalização Judicial realizada na Vara Única de Mangaratiba foi constatada a distribuição de dezenas de processos envolvendo Policiais Militares. É inusitado o fato de muitos autores não apresentarem qualquer comprovante de residência ou apresentarem comprovante em nome de terceiros – pasta 7. No mínimo causa perplexidade o número expressivo de policiais militares expulsos da Corporação residentes na Comarca de Mangaratiba. (Grifou-se)

 

No caso, além de outras condutas, o magistrado foi acusado de conceder liminares de reintegração e suspensão de PAD e, posteriormente, não dar andamento aos processos em que a tutela de urgência foi deferida e negar cumprimento a decisões e acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça em recursos que impugnavam as liminares concedidas pelo representado.

Segundo inspeção realizada, no período de janeiro de 2015 a abril de 2016 foram propostas 35 ações, dos quais 30 com pedidos de reintegração às fileiras da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ); 01 para sobrestar o PAD até o transito em julgado de processo criminal em trâmite e 04 relativos a concurso público para ingresso na PMERJ.

Reitero, preambularmente, que a comarca de Mangaratiba/RJ é atendida por uma vara única, com competência ampla para conhecer de ações que versem sobre: “Acidente de Trabalho; Cível; Criminal; Infância e Juventude (Infratores); Dívida Ativa; Empresarial; Família; Fazenda Pública; Infância, Juventude e Idoso; Órfãos e Sucessões; Privativa do Júri; RCPN; Registros Públicos[10].

Dito isso, tenho que o Juízo da Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, em abstrato, é competente para processar e julgar demandas de policiais militares que por ventura residam no município, não se tratando, portanto, de erro grosseiro a admissão de demandas deste gênero pelo magistrado, em razão da competência do órgão judicial, mormente porque, no lastro do princípio da cooperação, a parte contrária pode arguir a incompetência territorial do Juízo, nos termos do art. 337, II, do CPC[11], notadamente quando o estado-membro possui maiores elementos para aferir o real domicílio dos próprios servidores – por intermédio de suas fichas funcionais – por exemplo.

Não obstante, quanto ao mérito dos atos judiciais fustigados, a despeito de em regra restarem impassíveis de sindicância pelo CNJ, o requerente comprovou que várias decisões liminares concedidas em favor de policiais militares foram mantidas pelo e. TJRJ, na oportunidade de julgamento de agravos de instrumentos interpostos pelo Estado do Rio de Janeiro, conforme acórdãos acostados aos autos (Id. 4355758). A vingar, pois, a tese acusatória, desembargadores do Tribunal de Justiça fluminense também teriam envidado na conduta perniciosa, situação notoriamente inverossímil.

Senão, vejamos alguns exemplos de processos dessa natureza.

Tem-se, a título inicial, o processo n. 0006320-49.2015.8.19.0030, distribuído em 19/11/2015no Cartório da Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, com pedido de antecipação de tutela, para que fosse determinada a reintegração do autor nos quadros da polícia militar do estado.

Após a concessão da tutela provisória de urgência, a Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro interpôs recurso de Agravo de Instrumento n. 0016336-21.2016.8.19.0000, autuado em 31/03/2016, com decisão colegiada da Décima Nona Câmara Cível do e. TJRJ, proferida em 02/05/2017in verbis:

No caso em exame, o agravado foi excluído das fileiras da PMERJ a bem da disciplina, na forma dos artigos 47, §1º, 91, VI e 121 da Lei 443/81 e artigo 13, IV, “a” do Decreto Estadual nº2155/78 em virtude de ter sido pronunciado, junto com outros três, pela prática do crime constante no artigo 121, §2º, IV do CP.

Contudo, reitere-se, veio os autos, NA DATA DA SESSÃO DE JULGAMENTO PETIÇÃO DO AGRAVADO, QUE DEIXOU PASSAR IN ALBIS SEU PRAZO PARA MANIFESTAÇÃO EM CONTRARRAZÕES, CONFORME CERTIDÃO DE FLS.31, a informação da absolvição do agravado em sede criminal por decisão soberana do Tribunal do Júri, nos seguintes termos, verbis:

[...]

Por conseguinte, tendo em vista a sentença criminal soberana do Tribunal do Júri, o qual entendeu por absolver o aqui recorrido, a decisão vergastada passou a estar em alinho com a prova dos autos, razão por que resta atendido o conteúdo do verbete nº59 da súmula do TJRJ que assim diz:

“Nº. 59 “Somente se reforma a decisão concessiva ou não da antecipação de tutela, se teratológica, contrária à Lei ou à evidente prova dos autos." Referência: Súmula da Jurisprudência Predominante nº. 2001.146.00007. Julgamento em 04/11/2002. Relator: Desembargador Amaury Arruda de Souza. Votação unânime. Registro do Acórdão em 26/11/2002”

Por tais fundamentos, VOTO NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. (Grifou-se)

 

Nessa perspectiva, a Décima Nona Câmara Cível do e. TJRJ manteve a tutela provisória de urgência concedida pelo magistrado, em razão de que, as acusações que pesavam em desfavor do policial militar em questão – que deu origem a instauração do PAD e a consequente expulsão da corporação –, foram julgadas improcedentes no âmbito criminal.

Mesma conclusão obtida no julgamento do Agravo de Instrumento n. 0016555-34.2016.8.19.0001. No caso, o órgão colegiado entendeu por manter a decisão liminar deferida pelo magistrado, em razão da presença dos elementos autorizadores da tutela provisória. Eis trecho do acórdão da Vigésima Câmara Cível do e. TJRJin verbis:

No presente caso, o Estado do Rio de Janeiro, ora agravante busca a reforma da decisão que determinou o retorno do agravado aos quadros da PMERJ, sob o argumento de o Processo Administrativo Disciplinar que culminou com a exclusão do agravado das fileiras da Corporação da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro seguiu todos os trâmites legais não possuindo o mesmo qualquer direito quanto à sua reintegração, ao menos liminarmente.

Com efeito, em sede de cognição sumária, com base nas provas acostadas aos autos, há prova inequívoca capaz de gerar juízo de verossimilhança da alegação autoral, uma vez que foi absolvido no Processo Administrativo Disciplinar que apurava os crimes de porte ilegal de arma de fogo e quadrilha, a ele impostos.

Verifica-se pelos documentos juntados aos autos, a nota fiscal de compra da arma de fogo, registrada em nome do autor, à pasta nº 00031, o que, por ora, descaracteriza o crime de porte ilegal de arma de fogo, bem como cópia da ata da sessão deliberativa, consoante pasta 00031, que absolveu o autor por unanimidade.

Outrossim, convém destacar, não foi o autor alvo de denúncia do Ministério Público acerca dos fatos elencados, inexistindo ação penal em curso em relação a ele sobre o noticiado.

Neste contexto, diante dos fatos narrados e da documentação acostada aos autos, verifico, a incongruência entre a absolvição do autor pelo Conselho de Disciplina e sua exclusão ex officio dos quadros da Instituição, por ato monocrático do Sr. Comandante Geral, sem a produção de qualquer prova.

Neste passo, se extrai do ato praticado pela administração pública, em contraponto a ausência de indícios de prática da apontada conduta por parte do ora agravado, a precipitação na exclusão do Policial Militar.

Percebe-se que restou prematura a exclusão do agravado do quadro da PMERJ, pois além de ter sido desproporcional face ausência de indícios da prática da apontada conduta por parte do ora agravado, foi tomada em contrariedade ao parecer da Comissão de Revisão Disciplinar, Órgão Colegiado da Polícia Militar.

Portanto, além da presença do fumus boni iuris, verifica-se o periculum in mora que, diante da exclusão do agravado dos quadros da PM, por consequência, acarreta o não recebimento de verba de caráter alimentar.

Assim, analisando as provas trazidas aos autos, e diante da natureza alimentar da remuneração do agravado, havendo o perigo na demora, com risco de dano irreparável ou de difícil reparação à manutenção da própria subsistência, agiu com acerto o juízo de Primeiro Grau ao antecipar os efeitos da tutela.

Cumpre esclarecer que em sede de cognição sumária, está o magistrado que preside o feito mais apto para avaliar as provas produzidas, havendo de se manter a decisão por seus próprios fundamentos.

Cabe consignar, ainda, que a decisão agravada tem natureza provisória e pode ser revista pelo juízo a quo após a instrução probatória.

Desta forma, impõe-se a manutenção da decisão agravada.

[...]

POR TAIS FUNDAMENTOS, voto no sentido de negar provimento ao recurso, para manter a decisão impugnada, diante da presença dos requisitos legais para o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela. (grifou-se)

 

De igual maneira, o acórdão prolatado pela Oitava Câmara Cível do e. TJRJ, no Agravo de Instrumento n. 0040192-14.2016.8.19.0000, manteve a decisão interlocutória que concedeu a medida liminar em favor de policial militar excluído dos quadros da PMERJ. Eis trecho do julgado:

Trata-se de agravo de instrumento dirigido contra a r. decisão que, em ação anulatória de ato administrativo cumulada com pedido de obrigação de fazer, deferiu requerimento de antecipação dos efeitos da tutela para determinar a reintegração do Agravado nas fileiras da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, sustentando o Agravante que o processo administrativo a que foi submetido o militar não se resumiu às acusações descritas na peça acusatória mas, igualmente, à prática de conduta contrária à exigida para policiais militares, demonstrada através das provas produzidas em âmbito administrativo. Salienta que ao concluir de modo contrário ao relatório dos membros do Conselho de Disciplina, o Comandante-Geral da Corporação agiu de forma fundamentada, avaliando o conjunto da vida funcional dos policiais para punir aqueles que revelaram conduta ofensiva ao pundonor da classe, o que afasta o controle judicial sobre o mérito da medida. Argumenta que o ato praticado não contém nenhum vício, pois que revestido de razoabilidade à vista do reprovável comportamento do policial como agente da segurança e da ordem pública, conforme entendimento pacificado pelos Tribunais Superiores. Aduz, por fim, que o procedimento administrativo foi regularmente instruído, sendo certo que a prática de crime por policial militar constitui fato gravíssimo, tornando possível sua exclusão da corporação, sobretudo diante da independência das instâncias administrativa, cível e criminal, como corolário do princípio da separação dos poderes, razões pelas quais requer a reforma do ato judicial impugnado.

[...]

A r. decisão proferida não merece reforma. De fato, nos termos do verbete da Súmula nº 59 desta Corte, somente se reforma a decisão concessiva da antecipação da tutela se teratológica, contrária à lei ou à prova dos autos, hipóteses inocorrentes, pois que o ilustre magistrado, em juízo de cognição sumário, após examinar com proficiência a presença dos requisitos necessários ao  deferimento da tutela antecipatória, vislumbrou a existência de provas suficientes a demonstrar os pressupostos exigidos para a concessão da medida, valendo ressaltar que, no curso da lide, com a dilação probatória, a questão poderá ser objeto de reapreciação, o que, no momento, é descabido.

Pelo exposto, é de se negar provimento ao recurso. (grifou-se)

 

Em somatório, o recurso de Agravo de Instrumento n. 0011052-61.2018.8.19.0000 foi julgado pela Décima Nova Câmara Cível do e. TJRJ, esclarecendo que:

[...] Desta forma, não se afigura relevante a fundamentação do Estado do Rio de Janeiro, ora agravante, de forma a ensejar o provimento recursal, eis que aqui, está configurada a existência de risco de dano grave ou de difícil reparação para o Servidor agravado que poderia ser indevidamente excluído dos quadros da corporação, caso afastada, neste momento processual, a decisão agravada.

Por todo o exposto, VOTO EM CONHECER E EM NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (grifou-se)

 

Transcrevo, por derradeiro, a ementa do julgado proferido pelo relator Antônio Iloízio Barros Bastos, no Agravo de Instrumento n. 0064788-96.2015.8.19.0000:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DEFERIDA. REINTEGRAÇÃO DE POLICIAL MILITAR. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. SÚMULA 59 DO TJRJ. MANUTENÇÃO.

1. Agravo interposto contra decisão que, em ação anulatória, determinou que o agravante reintegrasse o agravado nos quadros da Polícia Militar, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00.

2. Inexistência de sentença criminal condenatória transitada em julgado. Ofensa ao princípio da presunção de inocência.

3. A concessão ou não da tutela antecipada submete-se ao prudente arbítrio do Juiz, fundado no princípio do livre convencimento.

4. Aplicável a Súmula 59 do TJRJ.

5. Comando judicial bem fundamentado.

6. Recurso a que se nega seguimento com fulcro no artigo 557, caput, do Código de Processo Civil. (grifou-se)

 

É possível enumerar, ainda, diversos recursos de Agravo de Instrumento em que as decisões liminares de antecipação de tutela foram mantidas pelo e. TJRJ: 0033865-19.2017.8.19.0000; 0056645-21.2015.8.19.0000; 0061571-45.2015.8.19.0000; 0019604-83.2016.8.19.0000; 0021029-82.2015.8.19.0000; 0063711-52.2015.8.19.0000, dentre outros.

Mas, não é só.

Revela-se, da análise dos andamentos processuais, que o magistrado atuou com diligência, mesmo diante das limitações fáticas impostas pela situação de congestionamento da vara.

Cito o Processo autuado sob n. 0004101-63.2015.8.19.0030, distribuído em 07/07/2015, no Cartório da Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, em que a parte autora requereu antecipação dos efeitos da tutela para que fosse determinada sua reintegração nos quadros da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.

Em decisão interlocutória, o magistrado requerente deferiu a antecipação dos efeitos da tutela em 02/09/2015, conforme certidão processual. No entanto, compulsando-se os autos, o Estado do Rio de Janeiro não interpôs recurso da referida decisão que concedeu os efeitos da tutela provisória de urgência.

Posteriormente, em 11/05/2016, certificou-se que o Estado do Rio de Janeiro apresentou contestação e exceção de incompetência.

De forma diligente, a fim de evitar quaisquer nulidades, o magistrado determinou a expedição de mandado de verificação a ser cumprido no endereço indicado pelo autor, onde alega residir na Comarca de Mangaratiba. Contudo, o referido mandado mostrou-se infrutífero.

Nesse sentido, o magistrado acolheu a preliminar de incompetência relativa do Juízo, em 05/12/2017, e declinou a competência para uma das Varas da Fazenda Pública do Estado, uma vez que, após expedição de mandado de verificação, comprovou-se que o autor não residia na comarca, in verbis:

Trata-se de ação anulatória de ato administrativo com pedido de tutela antecipada. Devidamente citado, o Réu apresentou contestação e exceção de incompetência, onde argui a incompetência territorial do Juízo da Comarca de Mangaratiba, sob a alegação de que o autor não comprova sua residência na Comarca, tão pouco que esteja lotado no 33º BPM, o que fixaria a competência pelo domicílio necessário. Auto de verificação juntado às fls. 80 com certidão negativa do Oficial de Justiça. Às fls. 72 foi determinada a expedição de mandado de verificação a ser cumprido no endereço indicado pelo autor, onde alega residir na Comarca de Mangaratiba. Às fls. 80 foi juntado Auto de Verificação onde o Sr. Oficial de Justiça certifica que o endereço indicado pela parte autora não existe. Às fls. 81/90 a parte autora junta petição requerendo nova diligência de verificação e juntando novo contrato de locação, o que ora indefiro, por ter sido apresentada a destempo e por tratar-se de cópia sem qualquer prova de sua autenticidade. Pelo exposto, ACOLHO a preliminar argüida para DECLARAR A INCOMPETÊNCIA deste Juízo e DETERMINAR a baixa da distribuição e remessa do presente feito para uma das varas de Fazenda Pública da Capital com as homenagens deste Juízo. Intimem-se. (grifou-se)

 

Tem-se, a despeito das alegações contrárias, indubitavelmente, que o magistrado requerente deu o devido andamento aos processos em que a tutela de urgência fora deferida em favor de policiais militares, inclusive expedindo mandados de verificação a respeito do domicílio do autor da demanda.

Outrossim, mesmo após o declínio de competência, o Juízo da Vara de Auditoria da Justiça Militar da Comarca da Capital manteve a concessão de antecipação de tutela concedida anteriormente pelo magistrado, que apenas fora revogada na oportunidade de prolação da sentença de mérito em 30/06/2021:

[...] JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, na forma do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Por conseguinte, REVOGO a decisão de fls. 33/37, proferida pelo Juízo da Comarca de Mangaratiba, que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela. (Grifo nosso)

 

Logo, caso evidente a teratologia da decisão de antecipação de tutela concedida anteriormente, o Juízo da Vara de Auditoria da Justiça Militar da Comarca da Capital a revogaria de imediato, uma vez que cabe ao juiz competente confirmar as decisões proferidas pelo juízo declinante, inclusive as decisões precárias de urgência, conforme preceitua o art. 64, §4º, do CPC[12].

Ressalto do caso, que a decisão que concedeu a tutela provisória se protraiu no tempo em virtude da não interposição de recurso cabível pela Procuradoria do Estado, bem como da manutenção da decisão liminar após o declínio de competência, circunstâncias que não se pode imputar ao magistrado rigorosamente.

Situação análoga ocorreu em relação ao Processo n. 0004100-78.2015.8.19.0030. Na hipótese, os autos foram distribuídos em 07/07/2015. Após conclusão do feito, o magistrado concedeu a tutela provisória de urgência, em 16/09/2015, em favor de policial militar, reintegrando-o ao cargo.

O Estado do Rio de Janeiro interpôs recurso de agravo de instrumento da decisão que deferiu a tutela de urgência; no entanto, a Segunda Câmara De Direito Público do TJRJ negou provimento ao recurso interposto pelo ente federativo, em 16/06/2016.

Por seu turno, em 08/06/2016, o Estado do Rio de Janeiro apresentou contestação e exceção de incompetência.

Igualmente, o magistrado acolheu a preliminar de incompetência relativa do Juízo, em 13/05/2019, e declinou a competência para uma das Varas da Auditoria Militar da Comarca da Capital, dado que se comprovou que o autor não residia na comarca, in verbis

Trata-se de ação anulatória de ato administrativo, movida por RAFAEL RENAN COSTA PONTES, em face do Estado do Rio de Janeiro em que postula sua reintegração às fileiras da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Da análise dos autos verifico que na verdade a competência para processar e julgar os presentes autos é da Auditoria Militar, conforme determinação contida no artigo 60, inciso IV da Lei Estadual nº 6956 de 13/01/2015, sendo este, inclusive, o entendimento de Nosso Egrégio Tribunal de Justiça, conforme se constada do Julgado a seguir: 0069905-97.2017.8.19.0000 - CONFLITO DE JURISDIÇÃO - Des(a). NAGIB SLAIBI FILHO - Julgamento: 07/05/2018 - OE - SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ORGAO ESPECIAL Direito Administrativo. Ação de reintegração de Policial Militar. Pretensão de anulação de ato administrativo que o excluiu dos quadros da PMERJ. Conflito de competência suscitado pelo Juízo de Direito da Auditoria Militar em face do Juízo de Direito da 14ª Vara da Fazenda Pública. Desacolhimento. Precedentes deste Órgão Especial pela competência da Justiça Especial. Aplicação direta da regra contida no art. 125, § 4º, da Constituição da República, que independe de regulamentação por se tratar de regra de eficácia plena. Incidência do art. 60 da Lei de Organização e Divisão Judiciária do Estado do Rio de Janeiro (Lei nº 6.956/2015). Improcedência do conflito para declarar a competência do Juízo de Direito da Auditoria Militar da Comarca da Capital Diante do exposto, DECLINO DA COMPETÊNCIA DESTE JUÍZO ao Juízo de Direito da Auditoria Militar do Estado do Rio de Janeiro. DÊ-SE BAIXA E REMETAM-SE OS AUTOS. P.R.I. (Grifou-se)

 

No entanto, embora nominada como teratológica pelo acórdão do PAD originário, a Segunda Câmara De Direito Público do TJRJ e o Juízo da Vara de Auditoria da Justiça Militar da Comarca da Capital mantiveram a antecipação de tutela concedida anteriormente pelo magistrado, que apenas fora revogada na oportunidade de prolação da sentença de mérito em 12/09/2022in verbis:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, na forma do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Por conseguinte, REVOGO a decisão de fls. 49/53, proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Mangaratiba, que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela. OFICIE-SE À CINTPM E AO COMANDO-GERAL DA POLÍCIA MILITAR DESTE ESTADO DO RIO DE JANEIRO PARA CIÊNCIA DA PRESENTE SENTENÇA, BEM COMO PARA TOMADA DAS PROVIDÊNCIAS CABÍVEIS. (grifou-se)

 

Por seu turno, o processo n. 0004157-96.2015.8.19.0030, distribuído em 13/07/2015, teve sua tutela liminar deferida em 09/09/2015. O estado do Rio de Janeiro não interpôs recurso de Agravo de Instrumento em face dessa decisão interlocutória.

O réu ofereceu contestação e exceção de incompetência na data de 20/05/2016.

Em seguida, de forma diligente, o magistrado ordenou a expedição de mandado de verificação, para determinar ao Oficial de Justiça que compareça ao endereço indicado na inicial pelo autor, a fim de constatar o real domicílio do policial militar, em 20/07/2017in verbis:

Expeça-se mandado de verificação para que o sr. Oficial de Justiça compareça ao endereço indicado na inicial, a fim de verificar se o autor reside no mesmo. Após, diante das matérias e fatos alegados pelo réu na sua contestação, diga o autor em réplica, no prazo de até 15 dias, na forma dos artigos 350 e 351 do CPC. (grifou-se)

 

Por derradeiro, o magistrado novamente declinou sua competência, em virtude da constatação de que o policial militar não residia no município, remetendo o feito ao Juízo de Direito da Auditoria Militar do Estado do Rio de Janeiro.

Em outros feitos em trâmite naquela comarca, a tutela antecipada de urgência sequer foi deferida pelo magistrado.

Assinalo, nesse sentido, o processo n. 0000840-56.2016.8.19.0030, distribuído em 01/03/2016, no Cartório da Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, em que a parte autora requereu a concessão de tutela provisória para determinar a sua reintegração nos quadros da Polícia Militar.

Nessa hipótese, o magistrado indeferiu o pedido de tutela provisória, em 26/08/2016, e posteriormente declinou sua competência na data de 06/08/2018. Eis o teor das decisões interlocutórias:

Tendo em vista que as Câmaras Cíveis do Egrégio Tribunal de Justiça firmaram entendimento no sentido da impossibilidade de concessão de tutela de urgência em demandas similares, reservo o meu entendimento e passo a adotar o das referidas câmaras. Assim, indefiro a liminar. Cite-se e intime-se.

Trata-se de ação de Ordinária com Pedido de antecipação de Tutela proposto por ALEXANDRE DOS SANTOS, em face do Estado do Rio de Janeiro em que postula reintegração aos quadros da PMERJ. Devidamente citada a ré apresentou Contestação às 103/114, com preliminar de Exceção o de Incompetência sob a alegação de que os autores não residem na comarca de Mangaratiba. ' Determinada a expedição de mandado de verificação (fls. 117/119), com certidão negativa, informando que os autores não foram encontrados nos endereços desta Comarca indicados na inicial. Relatados. Decido. Considerando o teor da Certidão do OJA, entendo estar com a razão a D. Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro. Assim, declino da competência e determino a baixa da distribuição e remessa dos autos do processo, a uma das Varas de Fazenda Pública da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, com as homenagens deste Juízo. (grifou-se)

 

Nesse caso, conforme demonstrado, o autor sequer foi reintegrado às fileiras da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, em razão do indeferimento da tutela provisória de urgência. Em acréscimo, o magistrado declinou de sua competência e determinou a remessa dos autos, a uma das Varas de Fazenda Pública da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.

Nesse mesmo diapasão, tenho como caso análogo o processo n. 0001518-71.2016.8.19.0030, distribuído em 14/04/2016, e com medida liminar indeferida em 19/10/2016. Eis o teor do indeferimento da decisão liminar:

Tendo em vista que as Câmaras Cíveis do Egrégio Tribunal de Justiça firmaram entendimento no sentido da impossibilidade de concessão de tutela de urgência em demandas similares, reservo o meu entendimento e passo a adotar o das referidas câmaras. Assim, indefiro a liminar. Cite-se e intime-se. (grifo nosso)

 

Em 08/04/2019, o magistrado declinou sua competência para o Juízo de Direito da Auditoria Militar do Estado do Rio de Janeiro.

De igual maneira, o processo n. 0001250-51.2015.8.19.0030, ajuizado por policial militar do Rio de Janeiro, em 20/02/2015, com pedido de tutela provisória.

Em decisão interlocutória, de 19/10/2016, a medida liminar foi indeferida nos seguintes termos:

Inicialmente recebo a emenda à inicial de fls. 43/53. Sem prejuízo, tendo em vista que as Câmaras Cíveis do Egrégio Tribunal de Justiça firmaram entendimento no sentido da impossibilidade de concessão de tutela de urgência em demandas similares, reservo o meu entendimento e passo a adotar o das referidas câmaras. Assim, indefiro a liminar. Cite-se e intime-se. Defiro a Justiça Gratuita requerida. Altere-se o patrono do autor conforme requerido às fls. 1128/129. (Grifou-se)

 

Desse mesmo modo, é possível citar outros processos cujas liminares não foram deferidas: 0000420-51.2016.8.19.0030; 0005179-63.2013.8.19.0030; 0000532-20.2016.8.19.0030; 0001520-41.2016.8.19.0030; 0005834-64.2015.8.19.0030; dentre outros.

Nesta senda, não vislumbro qualquer prejuízo em relação à tramitação dos aludidos feitos, já que o próprio magistrado requerente indeferiu a concessão de antecipação de tutela in limine.

Por outro ângulo, é possível denotar que, do cenário relatado pela Corregedoria Geral de Justiça, após uma detida análise dos autos, caso a caso, evidencia, pois, um açodamento em relação às conclusões alcançadas, que, por conseguinte, culminaram na aplicação da penalidade de aposentadoria compulsória ao magistrado.

Prossegue o acórdão impugnado quanto à conduta de não dar imediato cumprimento às decisões e aos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça que revogavam algumas das liminares deferidas pelo requerente (id. 4355870):

Verificamos uma diferenciação no andamento, entre os processos com tutela antecipada a serem efetivadas e os feitos em que as tutelas antecipadas tinham sido efetivadas ou foram cassadas.

[...]

Em todos esses processos, o Representado não deu o devido cumprimento às decisões do Tribunal, mesmo cientificado da concessão de efeito suspensivo. Ora cabe ao magistrado determinar o cumprimento das decisões superiores, mediante o “cumpra-se”. E não esperar que as partes comuniquem ao Órgão competente para fazer cumprir a decisão. (Grifou-se)

 

Aponto, no entanto, a título de exemplo, o Processo n. 0004142-30.2015.8.19.0030, distribuído em 10/07/2015, no Cartório da Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, em que a parte autora também requereu antecipação da tutela cautelar para que fosse determinada sua reintegração ao cargo de policial militar.

Compulsando-se os autos, em decisão interlocutória, o magistrado requerente deferiu a antecipação dos efeitos da tutela em 09/09/2015, conforme certidão processual.

Dessa decisão, o Estado do Rio de Janeiro interpôs recurso de Agravo de Instrumento em 12/02/2016; posteriormente, o relator julgou monocraticamente o recurso em 25/02/2016. A decisão no Agravo de Instrumento foi juntada aos autos da 1ª instância em 14/04/2016. Já, em 20/10/2016, o magistrado determinou o cumprimento da decisão do TJRJ, in verbis:

Verificado nos autos o trânsito em julgado (fls. 161), cumpra-se a V. Decisão (fls. 156/160). Abra-se vista à Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro para manifestação acerca do teor da petição de fls. 92/107. Promova o cartório a alteração do patrono da parte autora, conforme o informado na petição de fls. 163/167. (grifou-se)

 

Outrossim, não se poderia deixar de pontuar a respeito do processo n. 0004158-81.2015.8.19.0030, distribuído em 13/07/2015, em que a parte autora também requereu antecipação dos efeitos da tutela para que fosse determinada sua reintegração nos quadros da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.

A tutela antecipada de urgência foi deferida em 09/09/2015.

Conforme consta no andamento processual, o Estado do Rio de Janeiro interpôs recurso de Agravo de Instrumento em 09/06/2016.

Sobreveio decisão monocrática do relator que conferiu efeito suspensivo ao recurso de Agravo de Instrumento, proferida em 11/07/2016.

Imediatamente, em 20/10/2016, o magistrado determinou a sua secretaria o cumprimento da decisão respectiva.

Assim, a partir da análise dos andamentos processuais, tenho como inconsistentes as alegações de que o magistrado requerente, em sua conduta, não providenciava o imediato cumprimento das decisões e dos acórdãos proferidos pelo TJRJ, sem desconsiderar o grande volume de processos paralisados que tramitavam naquela vara, conduta já devidamente apurada no PAD n. 0065016-32.2019.8.19.0000, objeto da RevDis n. 0003199-25.2021.2.00.0000, em que restou aplicada a penalidade de censura.

Em relação à conduta de conceder liminares a autores, cuja pretensão já havia sido indeferida em processos idênticos ajuizados anteriormente em comarcas diversas, transcrevo trecho do acórdão (Id. 4355870):

[...] Os autos revelam a ocorrência de fatos que demonstram um modo de proceder habitual do Representado, incompatível com a conduta imparcial de um Magistrado, em descumprimento aos seus deveres funcionais previstos no artigo 35, incisos I, II, III e VIII da Lei Complementar nº 35/799 - Lei Orgânica da Magistratura Nacional, e nos artigos 20 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional.

[...]

As escusas do Representado são insuficientes ou incompletas, tais circunstâncias, aliadas aos demais elementos dos autos, revelam que o magistrado, tinha a intenção de deferir medidas em benefício a determinado grupo de autores, policiais militares.

Ao final resta evidente que a conduta do Representado viola lei estatutária que exige em qualquer circunstância comportamento irrepreensível na vida privada como na vida pública. (Grifou-se)

 

De igual forma, inviável ao requerente declarar de ofício eventual litispendência ou coisa julgada, já que não há ferramentas postas à disposição dos magistrados para aferir esse tipo de análise prévia em toda e qualquer ação proposta perante o Juízo. Ademais, a legislação processual atribui à parte contrária o ônus de arguir a litispendência ou coisa julgada, antes do mérito, em contestação, nos termos do art. 337, VI e VII, do Código de Processo Civil (CPC)[13], uma vez que a parte ré detém mais recursos administrativos para apontar a existência de outro processo idêntico anteriormente ajuizado.

No entanto, cito, a título de exemplo, o processo n. 0000420-51.2016.8.19.0030, distribuído em 03/02/2016, em que o autor postula, então, a anulação do ato administrativo que determinou sua demissão, com a reintegração definitiva aos quadros da PMERJ. Nesse caso, em sentença proferida em 24/09/2021, acolheu a preliminar de coisa julgada, uma vez arguida pelo Estado do Rio de Janeiro em contestação, em razão de sentença de improcedência prolatada nos autos de n. 0045964-23.2014.8.19.0001, que tramitou perante a 14ª Vara de Fazenda Pública da Capital, in verbis:

Como bem ressaltado pelo órgão do Ministério Público e pelo Estado do Rio de Janeiro, o demandante repetiu ação anteriormente processada e julgada, com a formação de coisa julgada em 01/10/2014 (1 ano e 8 meses antes do ajuizamento deste feito), sem que ainda tivesse advindo fato superveniente.

[...]

Ante o exposto, nos termos do art. 485, V do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, diante da ocorrência de coisa julgada [...]. (grifou-se)

 

Contudo, o magistrado sequer deferiu a medida de antecipação de tutela requerida pelo autor, não havendo qualquer prejuízo observado na tramitação deste processo judicial:

Tendo em vista que as Câmaras Cíveis do Egrégio Tribunal de justiça firmaram entendimento no sentido da impossibilidade de concessão de tutela de urgência em demandas similares, reservo o meu entendimento e passo a adotar o das referidas câmaras. Assim, indefiro a liminar requerida às fls. 51/53. Visando evitar qualquer prejuízo às partes e não sendo caso de julgamento antecipado da lide, digam, justificadamente, no prazo sucessivo de dez dias, quais as provas que ainda desejam produzir. Decorrido esse prazo, com ou sem manifestação das partes, voltem conclusos para saneamento do feito. (grifou-se)

 

Assim, tenho que a análise pormenorizada dos processos não indica sobremodo qualquer favorecimento ou atuação dolosa do magistrado em favor de policiais militares do Rio de Janeiro, porém, em verdade, comprova uma gestão cartorária ineficiente por parte do magistrado, sem indícios de comprometimento de sua independência funcional.

Em suma, a fundamentação utilizada pelo Tribunal para aplicação da pena de aposentadoria compulsória se perfaz, quase que exclusivamente, na morosidade injustificada da prestação jurisdicional – mais especificamente em relação a policiais militares – no mesmo contexto fático já considerado em decisão anterior, que impôs a sanção de censura ao juiz de direito.

É despiciendo, pois, que os processos analisados nos outros dois PADs sejam distintos deste, pois a conduta imputada ao requerente é a mesma: morosidade no andamento de processos e procedimento incorreto adotado pelo magistrado.

Ainda, o voto da relatora narra outras condutas, a fim de justificar a aplicação de penalidade mais gravosa, tais como: a retenção de processos no gabinete, sem justo motivo, cuja competência já havia sido declinada; a irregularidade no julgamento das exceções de incompetência em que figuravam policiais militares; e a anotação irregular na capa dos autos para identificar processos em que fossem partes os policiais militares.

Bem, algumas das condutas descritas sequer podem ser consideradas irregulares, tais como a dita anotação “PM” nas capas dos processos, muito provavelmente realizada por um colaborador do cartório, à vista de melhor organizar o acervo processual.

As outras inculpações, de igual forma, não ultrapassam as raias da má gestão cartorária presidida pelo magistrado, que a meu ver, integram a mesma circunstância fática e constituem parte integrante do mesmo desvio funcional, já devidamente sancionado, por meio da aplicação da penalidade de censura.

Por oportuno, transcrevo trecho do acórdão do PAD n. 0075040-22.2019.8.19.0000 que evidencia a interpretação aqui exposta, caracterizada pela não comprovação de quebra do dever de imparcialidade, mas apenas fatos circunstanciais que implicariam a responsabilidade funcional do requerente (Id. 4355881):

Tanto nos processos investigados neste procedimento como aqueles investigados nos dois citados procedimentos, os autores eram todos policiais militares, com a mesma causa de pedir e pedido em tramites na mesma época, no juízo da Vara Única de Mangaratiba em que é titular o Representado.

A conduta imputada ao Representado é uma só: procrastinar certos tipos de processos, com liminares deferidas para reintegração de policiais militares a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro ou suspender procedimentos administrativos disciplinares em curso na Corregedoria da Polícia Militar.

[...]

A anotação nas capas dos autos da inscrição “PM”, como visto na pasta 479, por exemplo, indica o tratamento diferenciado dispensado pelo Representado às ações de policiais militares buscado a reintegração ou a suspensos de procedimento administrativos disciplinares. (Grifou-se)

 

Destarte, verifica-se que todas as imputações ao magistrado são desdobramentos de sua má gestão processual e/ou da morosidade no andamento dos processos, circunstâncias apuradas na inspeção realizada em 2019. Não diviso, porém, qualquer elemento nos autos que indique atuação dolosa do magistrado, a fim de favorecer ilicitamente policiais militares, circunstância esta utilizada no voto da i. relatora para justificar a aplicação da penalidade de aposentadoria compulsória.

A argumentação desenvolvida no acórdão progride com base, apenas, em elementos dedutivos, desprovidos de força probatória suficientes para a comprovação dos fatos imputados, situação necessária para justificar a gravidade da pena imposta.

Na hipótese, após o cotejo das circunstâncias fáticas com as provas carreadas nestes autos, não restou comprovado qualquer evidência de conluio ou ânimo de favorecimento por parte do magistrado. Em nenhuma das decisões proferidas pelo Tribunal de origem, que ensejaram a aplicação de pena de aposentadoria compulsória, foi possível comprovar e justificar a aplicação de severa punição.

Assim como nos demais, os fatos apurados nestes PADs dizem respeito à produtividade do Magistrado de forma geral, como titular da Vara Única de Mangaratiba/RJ, o que acaba por prejudicar também o andamento e o procedimento judicial das ações que figuram como partes policiais militares do estado, sem indicar necessariamente alguma seletividade ou favorecimento, visto que a situação de morosidade cartorária era generalizada.

Ao fim e ao cabo, apenas subsiste as infrações que ocasionaram a penalidade de censura, por se tratar de condutas praticadas no mesmo contexto fático.

Não há dúvida da conexão fática entre todos os 5 PADs, tanto que foram instaurados a partir da mesma inspeção judicial, sempre como pano de fundo à má condução dos processos judiciais, havendo grande identidade entre as condutas apuradas, que não são distintas, mas sim derivações (ou decorrências) diretas do problema de gestão constatado pela inspeção e devidamente sancionado.

Portanto, revela-se descabida e desproporcional à aplicação da pena de aposentadoria compulsória, em razão da ausência de comprovação do dolo de favorecimento do magistrado. Trata-se, na espécie, de decisão contrária à evidência dos autos, a justificar a procedência da presente revisão disciplinar, com fulcro no art. 83, I, do RICNJ.

 Ante o exposto conheço da RevDis n. 0003603-76.2021.2.00.0000 e a julgo procedente, para deixar de aplicar as duas penalidade de aposentadoria compulsória, proferidas no PAD n. 0017163-27.2019.8.19.0000, PAD n. 00171165-94.2019.8.19.0000 e PAD n. 0075040-22.2019.8.19.0000, ao magistrado Marcelo Borges Barbosanos termos da fundamentação supra.


Dosimetria da pena

Diante do exposto e levando em consideração a comprovação tão somente de deficiência de organização cartorária, o que proporcionou, inclusive, a reiterada morosidade processual, entendo que o magistrado deixou de observar os deveres impostos ao cargo, em especial os constantes do art. 35, I, II, III, da LOMAN e do art. 20 do Código de Ética da Magistratura.

No entanto, a aplicação da pena de censura pelo Órgão Especial do TJRJ ao caso em comento, por si só, passa ao largo de sua função pedagógica, diante do quadro de reiterada violação de deveres funcionais pelo magistrado em seu mister judicante.

Desse modo, considerando o julgamento conjunto das três revisões disciplinares, compartilho do entendimento alinhavado pelo ilustre Corregedor Nacional de Justiça, uma vez que o citado quadro generalizado de má gestão cartorária não permite a cominação da penalidade de censura, mas sim a aplicação de pena mais grave de disponibilidade, cotejando a proporcionalidade entre a conduta apurada e o efeito coercitivo da pena, haja vista que o magistrado não agiu com a dedicação, a diligência e a prudência necessárias à condução dos processos submetidos a sua jurisdição.

Destarte, ponderado o arcabouço probatório com os fatos apurados, tenho que a aplicação de uma única pena de disponibilidade por um ano, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, prevista no art. 42, IV e art. 45, II, ambos da LOMAN, se mostra mais adequada para o caso em exame, pois comprovada a reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo e o procedimento incorreto adotado pelo magistrado na condução dos processos judiciais de sua competência.

 

Dispositivo

Ante o exposto, em julgamento conjunto, conheço das RevDis n. 0003199-25.2021.2.00.0000, RevDis n. 0001959-98.2021.2.00.0000 e RevDis n. 0003603-76.2021.2.00.000003 e, no mérito, pedindo vênia à ilustre relatora, voto por julgar parcialmente procedentes as três revisões disciplinares para impor ao magistrado Marcelo Borges Barbosa uma única pena de disponibilidade por um ano (com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço), em virtude do quadro generalizado de má gestão cartorária detectado na Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, com fundamento no art. 42, IV, e no art. 45, II, ambos da LOMAN, por violação aos deveres insertos no art. 35, I, II e III da LOMAN e no art. 20 do Código de Ética da Magistratura.

Por oportuno, voto também para determinar que o TJRJ considere obrigatoriamente a detração do período em que o magistrado ficou afastado em virtude do cumprimento da pena de aposentadoria compulsória ora substituída pela pena de disponibilidade, bem como o retorno imediato do magistrado às funções judicantes, na hipótese de cumprimento integral da pena de um ano.

É como voto.


Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues



[1]   Art. 35 - São deveres do magistrado:

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

II - não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar;

III - determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais;

[...]

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

[2] Art. 20. Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a máxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um prazo razoável, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé processual.

[3]  Art. 42 - São penas disciplinares:

[...]

II - censura;

[4]  Art. 44 - A pena de censura será aplicada reservadamente, por escrito, no caso de reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo, ou no de procedimento incorreto, se a infração não justificar punição mais grave. (grifou-se)

[5] Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

[6] https://www3.tjrj.jus.br/consultaprocessual/#/consultapublica#porNumero (Acesso em 29/02/2024).

[7] Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. [...] § 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.

§ 8º Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. (grifou-se)

[8] Art. 240. A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

§ 1º A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação.

§ 2º Incumbe ao autor adotar, no prazo de 10 (dez) dias, as providências necessárias para viabilizar a citação, sob pena de não se aplicar o disposto no § 1º. (grifou-se)

[9] Art. 41 - Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir.

[10] Resolução Órgão Especial n. 35/2022 - Consolida os Juízos de Direito e Unidades Judiciárias do PJERJ, na forma do artigo 3º, § 3º da Lei 6.956/2015, com as alterações de competência realizadas pelo TJERJ, em observância ao §4º do mesmo artigo.

[11] art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: [...] II - incompetência absoluta e relativa;

Súmula n. 33, STJ: A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício.

[12] Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação. [...] §4º Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente. (grifou-se)

[13] Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: [...] VI - litispendência; VII - coisa julgada; (grifo nosso)

VOTO CONVERGENTE 

 

O EXMO. CONSELHEIRO ALEXANDRE TEIXEIRA (VISTOR): 

 

Cuida-se de revisões disciplinares instauradas pelo Magistrado Marcelo Borges Barbosa, que pugna pela revisão das penas que lhe foram aplicadas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao qual está vinculado. 

Na primeira revisão disciplinar, a então relatora, conselheira Salise Sanchotene, após analisar detidamente as provas dos autos, entendeu por bem manter a pena de censura aplicada ao magistrado no PAD 0065016-32.2019.8.19.0000O conselheiro vistor, cons. Marcos Vinícius, igualmente não vislumbrou razões para a modificação da pena. 

Desse modo, não havendo qualquer divergência, acompanho integralmente o voto da Relatora. 

Na segunda revisão disciplinar, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro concluiu pela aplicação da pena de remoção compulsória ao magistrado no PAD n. 0022707-93.2019.8.19.0000. O conselheiro vistor, inobstante, julga procedente o pedido revisional do autor, para deixar de aplicar a pena, por entender não comprovada a conduta omissiva do magistrado, que, em tese, teria beneficiado grupo político capitaneado por ex-prefeito do município de Mangaratiba/RJ. 

Nessa segunda revisão disciplinar, foram imputadas ao magistrado, conforme o TJRJ, as seguintes condutas:  

1.     Demora de mais de 4 anos para decidir sobre o recebimento ou não da Ação Civil Pública n. 0004281-79.2015.8.19.0030, em que proferida decisão inicial de bloqueio de bens dos investigados 

2.     Proferido, no período assinalado, exclusivamente decisões de liberação de valores e bens pertencentes aos réus, que não se enquadram na categoria de bens impenhoráveis, sem a oitiva prévia do Ministério Público e sem qualquer fundamentação.  

3.     Constatação de condutas omissivas em outras ações civis públicas que envolviam o mesmo grupo político, também objeto de apuração disciplinar, em que inexistente sequer o despacho inicial (ACP n. 0005738-49.2015.8.19.0030; ACP n. 0002418-88.2015. 8.19.0030; ACP n. 0005888-64.2014. 8.19.0030; ACP n. 000703-74.2016. 8.19.0030 e ACP n. 0005336-70.2012. 8.19.0030). 

 

Consoante o TJRJ e a então relatora da REVDIS, a atuação omissiva e irregular na condução das referidas ACP’s indica o beneficiamento de determinado grupo político da região de Mangaratiba, no Estado do Rio de Janeiro, que teria ocasionado desfalque milionário aos cofres públicos. 

O então Conselheiro Marcos Vinícius, em minudente voto vista, entende que: 

o   Não houve conduta dolosa do magistrado; 

o   A estagnação processual se deu notadamente pela dificuldade de efetivação da citação de 37 réus para a apresentação da defesa prévia, em face da não localização dos endereços informados na petição inicial; 

o   O magistrado teria, ao longo dos anos, empreendido medidas para a efetivação da citação dos réus, ainda que as tentativas tenham sido infrutíferas; 

o   O MP tampouco colaborou para oferecer celeridade ao feito; 

o   A petição inicial da ação civil pública só foi recebida no dia 13/04/2022, ou seja, 03 anos após a realização da inspeção judicial, após o afastamento do magistrado, o que sugere que a responsabilidade pela demora na tramitação do feito não pode ser imputada exclusivamente ao magistrado. 

Apesar de reconhecer que os fatos narrados na petição inicial daquela ação civil são gravíssimos e que, se verdadeiros, implicam substancial dilapidação do patrimônio público do município de Mangaratiba, o Conselheiro vistor não vislumbra violação à independência funcional do magistrado, parcialidade decorrente de má-fé, nem benefício a determinado grupo político atuante na referida região. 

Entende que só restou comprovada a flagrante incapacidade de organização do acervo e que os desvios funcionais descritos se enquadram no mesmo contexto fático no qual o magistrado já fora sancionado com a pena de censura. 

Concluiu restar comprovado o comportamento omissivo e desidioso do magistrado, pois todo o acervo da serventia tramitava de forma morosa, sem a eficiência necessária, e atribui parte da responsabilidade à falta de servidores. 

Após a leitura detida e o cotejo entre o voto da então relatora desta REVDIS e o do vistor, entendo necessário realizar algumas observações. 

Embora o voto vistor tenha apresentado informações importantes sobre a dificuldade enfrentada pela unidade judiciária na notificação dos réus na ACP ao longo dos anos, a meu ver, com todo respeito, não enfrentou especificamente a questão das decisões de liberação de bens e valores bloqueados pertencentes aos réus, o que me pareceu bastante grave. 

Conforme se depreende dos elementos dos autos, em relação à liberação dos bens e valores, o magistrado:

 1. Proferiu reiteradas decisões sem oitiva prévia nem posterior do Ministério Público, deixando de apresentar justificativa plausível para tal omissão, o que obstaculizou interposição de eventual recurso

 2. Dentre as decisões de liberação de bens e valores, algumas foram proferidas no mesmo dia em que o pedido fora formulado pelo réu da ACP, com celeridade incomum ao juízo e contrastante com a morosidade na condução do próprio feito;

 3. Outras decisões de liberação de bens e valores se limitaram a acatar o pedido de desbloqueio do bem, mencionando apenas a folha do pedido, sem sequer determinar a substituição por outro objeto, gerando risco de frustração de ocasional execução.

 4. Determinou o desbloqueio de bens que eram objeto de penhora anterior e estavam sujeitos a outras limitações.

 5.     Determinou o desbloqueio de contas correntes sob a alegação de que os réus perceberiam remunerações, sem que houvesse nos autos prova acerca do alegado; 

 6.     De forma inexplicável, utilizou-se, para a solicitação de bloqueio de contas correntes, poupanças e aplicações/investimentos, de ofícios em papel, o que “gerou um despropositado lapso temporal de aproximadamente um mês ou mais, entre a execução das medidas e a consecução dos seus resultados”, ocasionando, com isso, respostas pulverizadas juntadas ao processo, o que dificultou a análise do alcance e eficácia da providência.

 

 

Verifica-se, assim, que não se condenou o magistrado exclusivamente em decorrência da atuação morosa do feito, mas também porque empreendeu celeridade incomum e destoante a determinados atos de liberação de bens e valores, no mesmo feito, em benefício dos réus, sem fundamentação e sem facultar qualquer manifestação ao MP. 

Pior. 

Como já afirmado, “a rapidez com que os pedidos de desbloqueio de bens foram analisados contrasta com a lentidão dos procedimentos relacionados às notificações dos demandados e ao recebimento ou rejeição da petição inicial.” 

A leitura contextualizada dos fatos, tanto de omissão quanto de celeridade incomum, conduziu o TJRJ a, acertadamente, concluir que a atuação do magistrado representa perigo real de descrédito para toda a Justiça, pois conduziu de forma inadequada processos de relevante interesse social, conduta que produziu prejuízos de difícil reparação aos jurisdicionados. 

Ante o exposto, com a vênia da divergência, acompanho o voto da Eminente relatora, para a manutenção da pena de remoção compulsória ao magistrado, prestigiando a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.   

Por fim, a terceira revisão disciplinar refere-se a 3 PAD’s em que o TJRJ aplicou ao magistrado 2 penas de aposentadoria compulsória.

Sintetizo as imputações descritas pela Relatora, então Conselheira Salise Sanchotene, para facilitar a análise:

1.     No primeiro procedimento (PAD n. 17163-27), foram imputadas as seguintes condutas:

a.     Apuração da admissibilidade de petições iniciais e concessão de liminares em diversas ações de autoria de policiais militares não residentes em Mangaratiba, expulsos da Corporação ou respondendo a procedimentos administrativos disciplinares, porém não residentes na Comarca.

b.     Expressiva quantidade de decisões com tutelas antecipadas concedidas para suspender processos administrativos disciplinares instaurados em desfavor dos autores ou para a reintegração à Corporação - em 37 ações, 5 autores tiveram seus PADs suspensos e 58 autores foram reintegrados, liminarmente, à Corporação Militar.

c.      Decisão de admissão de litisconsortes facultativos ativos ulteriores, com imediata extensão dos efeitos da tutela já concedida aos novos litisconsortes. Direcionamento proposital, dos autores das ações, para a Vara Única de Mangaratiba (...).

d.     Distinção de tratamento entre processos com tutelas antecipadas a serem efetivadas e aqueles processos com as tutelas efetivadas ou cassadas”.

No PAD n. 0075040-22 foram consignadas as seguintes condutas, a saber:

e.     Retenção de processos cuja competência foi declinada, no gabinete do Representado, apesar de constarem no sistema Informatizado do Tribunal de Justiça como enviados à Fazenda Pública;

f.       Violação ao disposto no artigo 189, do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do ERJ;

g.      Certidões dos mandados de verificação irregulares, sem a qualificação da parte a ser diligenciada e tampouco as respectivas assinaturas digitais, em vários processos, descumprindo o disposto nos artigos 342 e 252-G, da Consolidação Normativa e artigo 367, do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro;

h.     Processos com anotação nas capas da inscrição ‘PM’ – violação ao artigo 187, da Consolidação Normativa da CGJRJ e indica o tratamento diferenciado verificado, neste PAD, dispensado pelo Representado às ações de policiais militares para a reintegração ou a suspensão de procedimentos administrativos disciplinares”.

A então relatora julgou improcedente a REVDIS n. 0003603-76.2021.2.00.0000, por entender que as penas de aposentadoria compulsória com proventos proporcionais aplicadas pelo Tribunal Requerido estariam em compasso com a lei e a prova dos autos. 

Posteriormente, o então Conselheiro Marcos Vinícius apresentou voto divergente para julgar procedente a presente pretensão e absolver o magistrado das imputações, destacando que:

 

 

ü acolheu preliminares de incompetência relativas do Juízo, e declinou a competência para uma das Varas da Fazenda Pública do Estado ou mesmo para o Juízo da Vara de Auditoria da Justiça Militar da Comarca da Capital;

ü revogou a liminar na sentença de mérito, julgando improcedente a ação; 

ü sequer deferiu a tutela antecipada de urgência. 

 

 

ü entende inviável exigir que o requerente declare de ofício eventual litispendência ou coisa julgada, pois a legislação processual atribui à parte contrária o ônus de arguir a litispendência ou coisa julgada;

ü inexistem ferramentas no sistema eletrônico do Tribunal que lhe possibilitem proceder dessa forma;

ü identificou processos em que o magistrado acolheu a preliminar de coisa julgada

 

 

Ao final, conclui não haver indícios de favorecimento ou atuação dolosa do magistrado em favor de policiais militares do Rio de Janeiro, julgando procedente a REVDIS para absolvição do interessado.

Após a leitura do bem fundamentado voto divergente lançado pelo Conselheiro vistor, pedi vista dos autos para analisar a extensa documentação juntada aos autos, de modo a dirimir a flagrante divergência de versões entre os votos lançados.

Percebe-se, desde logo, que há uma sequência de irregularidades na tramitação dos feitos que, se analisadas separadamente, podem dar ensejo à conclusão de que nada de grave ocorreuContudo, quando consideradas em perspectiva conjunta, de fato, revelam um esquema de direcionamento de processos para a comarca de Mangaratiba, visando à concessão de liminares em processos relativos à reintegração policiais militares expulsos da corporação.

Isso pode ser afirmado, em suma, porquanto liminares eram concedidas de forma rápida e sem a verificação adequada da documentação juntada aos autos a elas correspondentes. Tampouco era processada a oitiva prévia do Estado. Por fim, os autos eram posteriormente mantidos praticamente inertes na unidade.

Para fundamentar essa grave constatação, inicialmente entendo fundamental resgatar o resultado das 3 inspeções realizadas na unidade, levadas a efeito pela Diretoria Geral de Fiscalização e Assessoramento judicial de divisão de fiscalização judicial do TJRJ, realizadas por determinação dos desembargadores das 15ª e 18ª Câmaras Cíveis do TJRJ.

Com efeito, os Desembargadores estranharam o expressivo número de recursos interpostos pelo Estado do Rio de Janeiro em face de decisões de tutelas antecipadas deferidas em ações ordinárias, determinantes do sobrestamento de procedimentos administrativos disciplinares em trâmite na Auditoria da Justiça Militar do Estado do Rio de Janeiro, ou de ações de reintegração de policiais militares, todas oriundas da Vara Única da Comarca de Mangaratiba. Em diversas ações, não se constatava a comprovação de domicílio dos demandantes na Comarca, sendo certo que vários autores respondiam a processos noutras localidades – inclusive estando alguns segregados cautelarmente.

Na primeira inspeção, realizada em 29 de agosto de 2016, o grupo de servidores destacado acabou por constatar os fatos a seguir descritos (Id 4355761 - Pág. 6 e segs).

No período de janeiro de 2015 a abril de 2016 foram propostas 35 ações, das quais 30 com pedidos de reintegração às fileiras da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro; 1 para sobrestar o PAD até o trânsito em julgado de processo criminal em trâmite e 4 relativos a concurso público para ingresso na corporação da Polícia Militar do Rio de Janeiro - PMERJ.

Foram identificados, ainda, 4 autores com o PAD suspenso e outros 57 liminarmente reintegrados nas fileiras da PMERJ, que assim permaneceram mesmo após com cassação da liminar devido a agravos providos.

O quadro seguinte permite identificar os processos apurados na referida inspeção:

 

O Magistrado, em sua defesa, alegou que não se apercebeu do volume exacerbado de ações, já que foram propostas ao longo do tempo, diluindo-se num acervo gigantesco de processos pelo qual respondia.

Entretanto, pela tabela anterior, verifica-se que as ações eram distribuídas estrategicamente em datas especificas, destacando-se a propositura de 14 ações somente em julho de 2015, muitas ajuizadas conjuntamente na mesma data, o que contradiz frontalmente a afirmação do Requerido de que o suposto direcionamento das ações para sua unidade judiciária não poderia ser notado. 

Aliás, tanto podia que magistrados da instância superior perceberam claramente o movimento incomum.

Deveras difícil é crer que, se as 15ª e 18ª Câmaras Cíveis do TJRJ – que contam com grande número de processos provenientes de todas as comarcas do Estado – estranharam o expressivo número de ações com objeto tão específico, instaurados numa mesma comarca, o Magistrado não percebeu tal fenômeno na unidade sob sua responsabilidade.

O relatório da inspeção também identificou um número significativo de autores que não cuidaram de apresentar comprovante de residência ou o fizeram em nome de terceiros.

 

Confira-se o ocorrido nos autos dos processos a seguir relacionados:

 

A propósito, em sua defesa, o magistrado alegou que a competência territorial é relativa, não lhe sendo dado reconhecer sua própria incompetência de ofício. Ainda segundo ele, Mangaratiba é uma cidade praiana e muitas pessoas, embora lá não residam, possuem casa de veraneio, o que as habilita a demandarem na comarca.

Mais uma vez, o fato não pode ser analisado isoladamente.

Em face dos veementes indícios de direcionamento dos processos, o magistrado deveria ter adotado cautelas em relação à análise dos processos, inclusive informando à Corregedoria local sobre a ocorrência de eventual fraude processual. Contudo, preferiu permanecer inerte.

Em relação à concessão das liminares, a inspeção identificou o deferimento de 33 antecipações de tutela, restando apenas 2 pendentes de apreciação.

Somente no mês de setembro de 2015 foram concedidas 20 liminares em favor dos autores, a maioria delas sem oitiva da contraparte, nem a devida aferição dos pressupostos processuais de competência e capacidade. Os atos concessórios se deram exclusivamente com base nos argumentos deduzidos pelos autores.

 

A tabela seguinte identifica os autos correlatos:

 

A título de exemplo, pode ser mencionado o Processo nº 4717- 38.2015.8.19.0030, em que o magistrado proferiu a seguinte decisão:

“Inicialmente, defiro JG. A parte autora requereu antecipação dos efeitos da tutela para que fosse determinada sua reintegração nos quadros da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Alega o autor que foi excluído com base Processo Administrativo Disciplinar que apurava os mesmos fatos constantes na denúncia que iniciou a ação penal na 1ª Vara Criminal de Bangu. Aduz que requereu a suspensão do processo, a produção de prova técnica e a produção de prova pericial, sendo tudo negado na esfera administrativa. Para a concessão de antecipação da tutela são necessários o fummus bonni juris e o periculum in mora. A verossimilhança das alegações decorre dos documentos acostados pela parte autora, especialmente pela cópia da denúncia constante no CD acostado a contracapa dos autos que apura na esfera criminal os mesmos fatos que foram apurados pelo Procedimento Administrativo Disciplinar, consoante consta a fls.26/27.

É certo que vigora em nosso ordenamento jurídico a independência entre as instâncias administrativa e judicial. Por outro lado, certo é que a absolvição por negativa de autoria e inexistência do fato repercute na esfera administrativa, consoante disciplina o artigo 126 da Lei 8.112/90.

Desse modo, é uma temeridade a exclusão do servidor antes da sentença penal, sob pena de ter que reconduzi-lo ao cargo posteriormente. Ora, é evidente que se o requerente for absolvido fará jus ao seu retorno ao cargo. (...) Desse modo, defiro a antecipação de tutela para determinar que o réu REINTEGRE OS AUTORES EDUARDO CANDIDO DE MORAES, FABIO DA SILVA BRITO, LUIZ AUGUSTO DOS SANTOS FIRMINO, CLAUDIO AUGUSTO RODRIGUES DA SILVA e LEONARDO COSTA às fileiras da Corporação da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, no prazo de 48 horas, até o término da ação penal, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), para cada autor. Cite-se e Intime-se.”

Chamou a atenção dos servidores da inspeção judicial o tratamento célere dado à concessão e cumprimento das liminares deferidas, numa unidade congestionada, em que identificados processos paralisados há mais de 3500 dias - como é o caso do processo 000153-70.2002, com o patrono desde 2006 (ID 4355761 - Pág. 31).

Ou seja, constatou-se a existência de processos parados há mais de 10 anos!

Não obstante, identificou-se que o processo n.º 4717- 38.2015, após menos um de mês do deferimento da tutela antecipada, retornou à conclusão para decisão de habilitação de litisconsortes ulteriores, rapidamente despachado pelo Requerido.

Em outros casos, concedida a tutela antecipada em menos de um mês, retornarando os autos para a conclusão (processos n.º 4965- 04.2015 e n.º 4230-68.2015).

O Ministério Público local, em manifestação realizada nos processos disciplinares, ressaltou que o magistrado possuía plena ciência do seu acervo, mas deu andamento processual mais célere do que o normal para os feitos sob análise.

Desse modo, cabia-lhe aferir os requisitos e pressupostos de admissibilidade das ações, em especial porque o objetivo dos processos era atacar a presunção de legalidade e legitimidade de atos administrativos praticados pelo órgão competente, em diversas ações similares.

Do quadro delineado, resulta que as liminares eram concedidas em curto espaço de tempo - consideradas as condições da unidade jurisdicional - sem a oitiva do Estado, apesar das irregularidades apontadas. Após a expedita medida de urgência, os autos permaneciam em letargia na serventia, até que fossem interpostos os respectivos agravos de instrumento ou opostas as exceções de incompetência, que igualmente tramitavam permeadas por irregularidades.

 

À época da primeira inspeção, constatou-se que a Procuradoria do Estado havia interposto agravos de instrumento contra 22 liminares, dos quais: 7 foram providos; 4 possuíam efeito suspensivo deferido; 2 com solicitação de informação ao juízo1 com decisão saneadora proferida; 1 com o Relator; 3 intempestivas, e; 4 agravos denegados, conforme quadro abaixo:

 

 

 

Os servidores integrantes da inspeção destacaram, no relatório, o último movimento e a localização dos feitos cujos agravos haviam sido providos, bem como aqueles que liminarmente concederam efeito suspensivo ao agravo:

 

 

Ao final, esses mesmos servidores observaram que exclusivamente num único feito (Processo 0005407-67.2015) o acórdão do Agravo de Instrumento (n. 0006055-06.2016) havia efetivamente produzido efeitos. Nos demais processos não encontraram o "cumpra-se" do magistrado.

A conduta de não haver dado, como lhe cabia, imediato cumprimento às decisões e aos acórdãos proferidos pelo TJ, que revogavam liminares deferidas, também foi objeto de discussão nos PADs que se pretende rever.

Na maioria dos processos identificados, o magistrado deixou de cumprir as decisões do Tribunal, ainda que inequivocamente cientificado da concessão de efeito suspensivo. 

Em decorrência desse proceder, mesmo após a cassação da liminar pelo TJRJ, os demandantes permaneciam reintegrados à Polícia Militar, em determinados casos por anos.

A Eminente Relatora deste feito, a então Conselheira Salise Sanchotene, transcreveu trecho do parecer ofertado pelo então Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça, comprobatório de tal assertiva (Id 4355868, Pág. 102 e seguintes):

 60- Merece atenção também o processo n. 0004230-68.2015.8.19.0030 (fl. 39 e 39-v), tendo como autor MARCELO MACHADO (comprovante de residência: declaração de residência em nome próprio e conta de fornecimento de gás em nome de terceiro), no qual foi deferida a liminar para reintegração à PMERJ.

61- No agravo de instrumento n. 0060142-43.2015.8.19.0000, interposto pelo Estado do Rio de Janeiro, foi cassada a liminar em 27/07/2016.

62- Juntada do malote digital com acordão­ referente ao agravo n. 0060142-43.2015 de 19/10/2015 e abertura de conclusão, tendo sido proferido o seguinte despacho:

 "Uma vez transitado em julgado, cumpra-se o V. Acórdão.

Corroborando o despacho de fls. 104, diga a parte autora em réplica". 

63- Ocorre que não há certidão sobre o trânsito do Acórdão e não há qualquer manifestação do juiz representado no sentido de seu cumprimento.

64- Assim, em 07 de julho de 2017, ou seja, quase dois anos depois do julgamento do agravo, permanecia o policial militar reintegrado à PMERJ.

65- Evitando repetições ad nauseam, registramos que situações idênticas a esta do item anterior ocorreram nos processos n. 0004213-32.2015.8.19.0030; 0004142-30.2015.8.19.0030; 0004158-81.2015.8.19.0030 e 0004190-86.2015.8.19.0030.

66- Neste ponto, se mostra necessário um questionamento sobre o reiterado despacho do juiz representado, no sentido de determinar que se aguardasse o trânsito em julgado dos Acórdãos que cassavam as liminares de reintegração ou suspensão de PAD.

67- Ora, se os recursos extraordinário e especial não têm efeito suspensivo, conforme os artigos 995 e 1029, parágrafo 5°, ambos do Código de Processo Civil, qual o motivo para se negar reiteradamente eficácia aos Arestos e se manter a força de liminares já cassadas?

68- Dando continuidade, passamos a examinar caso lapidar de descumprimento frontal a Acórdão da Décima Sexta Câmara Cível.

69- Efetivamente, no processo n. 0001082-15.2016.8.19.0030 (fl. 60/65-v), com liminar concedida para reintegração do autor à PMERJ, foi interposto o agravo de Instrumento n. 0002586-15.2017.8.19.0000, no qual, à unanimidade, foi dado provimento para cassar a tutela concedida.

70- Em 23 de maio de 2017, a Décima Sexta Câmara, à unanimidade, deu provimento ao agravo interposto pelo Estado do Rio de Janeiro.

71- Em 9 de agosto de 2017, às 16h, 13min e 15 segundos, foi expedido pela Secretaria da Décima Sexta Câmara Cível, o malote digital para ciência no juízo a quo do teor do julgado, tendo a Responsável pelo Expediente da Vara Única de Mangaratiba, Jaqueline Alves Godinho, acessado com sua senha pessoal este malote digital no dia 11 de agosto de 2017.

72- Apesar desta comunicação, reinou no processo o mais absoluto silêncio sobre a existência do Acórdão, o qual foi simplesmente ignorado e, por consequência, mais um policial militar excluído regularmente da corporação, permanecia ilegalmente em suas fileiras, por força de liminar cassada.

73- Já em 5 de dezembro de 2017, foi proferido novo despacho:

"Junte-se a petição pendente no sistema. Após, voltem conclusos".

74- Depois disto o processo dormitou sossegadamente por quase um ano, e somente em 28 de outubro de 2018 foi lançado novo despacho:

"Certifique o cartório se o agravo apontado às fls. 91 já foi julgado".

75- Mas qual o sentido de tal despacho se foi comunicado, por malote digital, em 9 de agosto de 2017 o resultado do julgamento do agravo?

76- Em seguida, em 29 de novembro de 2018, o cartório lança certidão de trânsito do agravo, porém, como se vê na consulta processual, o juiz representado, seguindo um padrão, não determina qualquer providência para cumprimento do agravo e até esta data, o que impera é a liminar de reintegração do militar à PMERJ.

(...)

 Em sua defesa, o magistrado afirmou que não lhe competia determinar o cumprimento das decisões oriundas do juízo a quo, pois teriam executoriedade imediata. Acrescentou que os acórdãos não eram a ele dirigidos, mas às partes.

O magistrado chega a declarar, em seu interrogatório, que quem teria interesse em dar cumprimento ao acórdão não seria ele próprio, mas a PGE.

Contudo, a recalcitrância em fazer cumprir as decisões do Tribunal ao qual hierarquicamente subordinado, quando a situação era desfavorável a policiais miliares, mostra-se frontalmente contraditória com a operosidade demonstrada na determinação de cumprimento de suas próprias liminares.

Conforme destacou o Ministério Público na origem (Id 4355870, pág. 50), foram verificadas hipóteses em que o magistrado agiu proativamente em situações em que o agravo foi extinto sem resolução do mérito, reiterando a expedição de ofício para reintegração no cargo do autor do processo n. 0004193-41.2015.8.19.003. 

Neste ponto, não pode ser desconsiderado o testemunho de Alan Costa Silva, servidor da secretaria da unidade judiciária, quando afirmou que a rotina do gabinete consistia em determinar-se o imediato “cumprimento das decisões de instâncias superiores, utilizando-se de expressões como ‘cumpra-se a v. decisão’ ou ‘cumpra-se o v. acórdão’ (15’41”-15’52” da oitiva)”.

 

Prosseguindo na análise do acervo, os servidores da 1ª inspeção judicial identificaram 8 exceções de incompetência, todas sem resolução do mérito, listadas na tabela a seguir: 

 

 

Um importante ponto identificado pela equipe de inspeção relaciona-se aos despachos proferidos pelo magistrado para a expedição de mandados de verificação, com a finalidade de certificar a residência dos autores (policiais militares) naquela Comarca e, consequentemente, firmar ou não a competência territorial do juízo de Mangaratiba, a partir de exceções de incompetência opostas pelo Estado.

Após o cumprimento dos mandados, a maior parte das certidões confirmava a residência do autor no endereço declinado na ação, contudo sem a aposição da assinatura do diligenciado.

Assim, o Oficial de Justiça comparecia ao local, certificava que a pessoa diligenciada residia no endereço informado, embora sem a colheita da assinatura do autor, procedendo à devolução do mandado.

O juiz Marcelo Borges, com base nas certidões inválidas, julgava improcedente a exceção de incompetência, apesar da previsão contida no art. 275, inciso III do CPC, no sentido de que a certidão de intimação deve conter “a nota de ciente ou a certidão de que o interessado não a apôs no mandado”.

A providência afigura-se ainda mais relevante, quando considerado o objetivo do mandado de verificação, destinado exclusivamente a confirmar, ou infirmar a residência do autor.

 Para efeito meramente ilustrativo, podem ser conferidos os seguintes feitos:

·      Processo 0001057-02.2016.8.19.0030

o   mandado de verificação positivo (oficial confirma que reside no endereço, mas não há assinatura do autor, confirmando que reside no endereço) (fls. 305/306) - improcedência da exceção com base no mandado sem aposição de assinatura pelo autor:

·      Processo 0006320-49.2015.8.19.0030

o   mandado de verificação positivo (f Is. 307/308)

o   sentença de improcedência da exceção de incompetência com base na certidão sem assinatura.

·      Processo 0000536-57.2016.8.19.0030

o   mandado de verificação positivo (fls. 302/303)

o   sentença de improcedência da exceção de incompetência sem a assinatura do autor:

·      Processo n. 00004099-93.2015.8.19.0030 –

o   mandado nº 2017005811 - há certidão negativa, datada de 22.01.2018, com a informação de que os vizinhos nada disseram sobre o autor.

o   mandado nº 2017005943 - nova certidão negativa, em 27.02.2018, com a informação de que o imóvel se destinava a veraneio.

o   mandado 2018000402 – nova certidão, desta vez, positiva, com a informação: “verifiquei que a parte autora reside no referido endereço”. Contudo, sequer há assinatura do autor

o   em 22.08.2018, ou seja, quase 6 meses depois da diligência, o juiz não sem manifesta sobre a exceção de incompetência, dá prosseguimento ao processo, abrindo prazo para réplica da autora. 

Segundo dados colhidos nas inspeções, o único mandado de verificação que continha assinatura referia-se a pessoa já falecida à época do cumprimento do próprio mandado.

Em face das irregularidades, o Corregedor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro determinou, mais uma vez, a verificação nos endereços, havendo constatado diversas contradições em relação às informações colhidas pelo oficial de justiça que havia cumprido os mandados de verificação expedidos pelo juiz.

Mais.

Em alguns casos, os mandados cumpridos retornaram com certidão negativa. Contudo, o magistrado manteve esses processos em cartório, sem providenciar o julgamento imediato das exceções de incompetência, segundo pode ser visto nos processos seguintes:

o   Processo 0005516-81.2015.8.19.0030

o   magistrado despacha em 20/02/2018 para que seja expedido mandado de verificação

o   mandado retorna com resultado negativo em 02/04/2018

o   somente em 05/11/2018 o juiz declina da competência

o   contudo, o processo permanece   em cartório até 22/07/2019, data posterior a realização da inspeção pela CGJ;

o   Processo 0000840-56.2016.8.190030

o   determinação de expedição de mandado de verificação em 20/02/2018,

o   devolução do mandado com resultado negativo

o   decisão de declínio em 06/08/2018

o   permanência do processo em cartório até 12/06/2019

o   Processo 0003835-42.2016.8.19.0030

o   Determinação de expedição de mandado de verificação em 10/10/2018

o   devolução do mandado negativo em 26/02/2019

o   declínio de competência somente em 19/07/2019, permanecendo o feito em cartório ainda depois desta data.

Ainda que se possa pretender responsabilizar o oficial de justiça que cumpriu os mandados - como de fato procedeu o magistrado em sua defesa - não se pode desconsiderar que tais irregularidades são graves, comprometeram o hígido andamento dos processos para além dos vícios anteriores apontados, indicando que o julgador deveria ter mantido postura ainda mais cautelosa na apreciação das informações colhidas, sobretudo porque já pairavam suspeitas de irregularidades sobre o andamento de tais demandas.

Prosseguindo na análise da documentação contida nos autos, verifica-se que uma 2ª inspeção foi realizada pelo Tribunal de Justiça na unidade judiciária de Mangaratiba, no dia 17 de outubro de 2016, (ID 4355761 - Pág. 13), oportunidade em que a equipe conseguiu identificar 4 processos antigos que não haviam sido localizados na serventia, além outras 4 novas ações sobre a mesma matéria.

Os processos identificados igualmente apresentavam irregularidades relativas aos comprovantes de residência dos autores respectivos.

 

A equipe da referida inspeção apresentou, então, uma extensa e impressionante relação de 39 ações, elencadas a seguir:

A equipe também constatou, nos autos do processo n° 4717-38.2015.8.19.0030, que o Magistrado havia admitido novos litisconsortes, apesar de já proferida decisão de antecipação de tutela, estendendo seus efeitos a Marcelo Andrade Coelho, Marcus Vinicius Lima Bindi, Luiz Américo Souza Da Silva e César André Loyola, Radson de Oliveira Bispo; Marcelo José Conceição de Souza e Marcos André da Silva.

Apurou-se, contudo, que nenhum dos 6 litisconsortes habilitados residia na Comarca de Mangaratiba.

Ou seja, numa ação inicialmente proposta por 5 pessoas, passaram a figurar, no total, 12 autores, confirmando-se, assim, a hipótese de direcionamento indevido de demandas ao juízo da Vara Única de Mangaratiba, que, apesar das inúmeras irregularidades existentes, não hesitava em conceder as antecipações de tutela requeridas.

Na última inspeção realizada, em 09/06/2017, a equipe do TJRJ registrou o altíssimo acervo de processos identificado na unidade, assim como o caos existente no fluxo de trabalho da secretaria e do próprio gabinete do magistrado.

A unidade apresentava um total de 1.399 autos eletrônicos e 7.111 autos físicos, dos quais 56,45% estavam paralisados por mais de 60 dias.

O gráfico seguinte é elucidativo.

 

 

 

 

O relatório produzido, que abarcou também do ano de 2017, elencou diversas situações peculiares, tais como:

(i)                 delonga no processamento do feito quanto às pretensões da PGE e juntada rápida de petições dos autores, inclusive durante o período de recesso forense;

(ii)              concessão de liminares para reintegração ou suspensão do PAD e posterior paralisação completa do andamento processual.

(iii)            determinação de entrega em mãos de oficio comunicando o deferimento de liminar para reintegração.

Naquela altura, a Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já havia instaurado uma série de procedimentos voltados à apuração dos fatos relatados.

Contudo, nova inspeção foi realizada em 13 de maio de 2019, ocasião em que a equipe identificou uma lista de 24 processos no sofá do gabinete do magistrado, relativos à reintegração de policiais militares (ID . 4355880 - Pág. 265)

Como o magistrado não se encontrava na unidade, naquela oportunidade, o servidor responsável informou que se tratava de processos pendentes de remessa à Fazenda Pública, embora não soubesse porque ali se encontravam.

Em sua defesa, o magistrado alegou que os processos estavam em seu gabinete para elaboração de sua própria defesa no âmbito de procedimentos disciplinares que, à época, já haviam sido instaurados perante a Corregedoria local, junto ao Órgão Especial que estava designada para o mesmo dia da inspeção realizada.

Contudo, não era assim.

Segundo informações da Corregedoria local, apenas 7 processos eram objeto do procedimento relativamente ao qual o magistrado se defendia, sendo certo que a defesa do juiz não logrou justificar a separação dos demais 17 processos paralisados no gabinete.

O Tribunal também constatou que não houve qualquer manifestação do investigado em data próxima à sessão do Órgão Especial, ocorrida em 13.05.2019.

A essa altura, o Magistrado já havia proferido inúmeras decisões em que declinava da competência para atuar nos feitos e determinava a remessa dos autos. Contudo, os processos continuavam na unidade, mais especificamente no gabinete do juiz, sem qualquer movimentação.

Pode-se mencionar como exemplo o processo nº 0004190-86.2015.8.19.0030, localizado no gabinete em 13.05.2019, cuja decisão de declínio de competência fora proferida em 02.05.2018. Igualmente, o processo nº 6320-49.2015.8.19.0030, em que proferida decisão de declínio de competência em 13.02.2019.

Ainda no grupo de processos encontrados no “sofá no gabinete do juiz”, vários deles possuíam liminares concedidas para a reintegração de policiais militares sem andamento há mais de 1 ano.

Diante do exposto, é possível sintetizar os seguintes achados nas 3 inspeções realizadas pelos servidores do TJRJ na unidade pela qual respondia o juiz:

 

  1.      Número excessivo de processos relativos a reintegração de PMs, dirigidos à comarca de Mangaratiba;
  2.      Número excessivo de processos em que autores não apresentam comprovante de residência válidos;
  3.      Inclusão de litisconsortes ativos ulteriores, com extensão dos efeitos de liminares concedidas;
  4.      Rapidez na concessão das liminares, sem oitiva da parte contrária, contrastada, em contrapartida, à letargia no andamento posterior dos processos correspondentes, de modo a perenizar as medidas de urgência;
  5.      Irregularidade no cumprimento dos mandados de verificação dos endereços dos autores, nos processos em que opostas exceções de incompetência;
  6.      Não aposição do cumpra-se na oportunidade da ciência das decisões e acórdãos dos agravos de instrumentos em que cassadas as decisões liminares;
  7.      Reconhecimento da incompetência para julgar os feitos somente em 2018, anos após a concessão das liminares, estendendo, assim, indevidamente, seus efeitos;
  8.     Manutenção dos processos na unidade até 2019, mesmo após o declínio da competência em 2018, na maioria deles.

 

Os argumentos que pretendem afastar qualquer irregularidade na atuação do magistrado atribuem a responsabilidade pelos fatos ao enorme acervo, assim como à desorganização generalizada do fluxo dos processos encontrada na secretaria da unidade.

O magistrado chegou a imputar toda a responsabilidade dos fatos aos servidores a ele subordinados, o que mostra, porém, bastante inapropriado.

Assim o é, a uma, devido ao fato de o juiz ser responsável pela supervisão da atuação de seus subordinados, cabendo-lhe zelar pela ordem dos trabalhos, estabelecer rotina de atividades e orientar os servidores na forma de proceder. Pela situação encontrada nas inspeções, não havia qualquer supervisão e orientação do magistrado em relação à organização dos trabalhos da secretaria. Inobstante, o magistrado utilizou-se do depoimento dos servidores a quem acusou, visando chancelar sua própria idoneidade.

E, a duas, por não haver informações de que o magistrado tenha solicitado qualquer ajuda do Tribunal para resolver ou dirimir a situação caótica identificada. Tal quadro leva a concluir que a situação caótica como justificativa das ações irregulares praticadas pelo próprio juiz.

As condutas acima descritas podem parecer, se consideradas isoladamente, apenas o resultado da falta de zelo e diligência do representado.

Contudo, uma análise do contexto geral dos fatos, em perspectiva contextual, aponta para a participação do magistrado num esquema de favorecimento de certos autores em demandas judiciais específicas.

O que se percebe é que o Magistrado – seja por falta de prudência, seja por dolo - arvorou-se como juízo universal das questões discutidas em diversos processos, violando o princípio do juiz natural, adotando procedimento incorreto, conduta que este Conselho tem refutado com veemência, com suporte na orientação do Supremo Tribunal Federal. 

Há inúmeros precedentes desta casa afirmando a punibilidade, com a pena capital, de posturas processuais contraditórias e teratológicas, que geram prejuízos irreparáveis em decorrência das decisões proferidas, tudo agravado pelo modus operandi que se protraiu no tempo, revelando postura dolosa e a evidente quebra da imparcialidade do julgadorPara além dos prejuízos materiais, tal comportamento configura inequívoco abalo à credibilidade do Poder Judiciário.

Cabe mencionar precedentes deste Conselho, em respaldo a tal assertiva:

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS. DECISÃO COLEGIADA. PROCEDÊNCIA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO EM DESFAVOR DE MAGISTRADO. ACOLHIMENTO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS COM EFEITOS INFRINGENTES. CONTRARIEDADE ÀS EVIDÊNCIAS DOS AUTOS. INFRAÇÃO DISCIPLINAR COMPROVADA. MANUTENÇÃO DA PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. PROCEDÊNCIA DA REVDIS.

I – A Revisão Disciplinar proposta de ofício, a teor de autorização expressa contida no art. 86 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ), comporta conhecimento, uma vez que as condicionantes estabelecidas nos artigos 82 e 83 do mesmo diploma foram devidamente analisadas pelo Plenário do CNJ quando de sua instauração.

II – Pacificou-se no âmbito deste Conselho a tese de que o dies ad quem a ser considerado na aferição do prazo decadencial é a data da primeira manifestação formal de qualquer dos legitimados descritos no art. 86 do RICNJ, que expresse o interesse público de instauração da revisão disciplinar, não havendo falar em intempestividade. 

III – O CNJ entende que não deve ser perquirido, no julgamento de revisões disciplinares, a correção ou não da deliberação originária a partir da retomada da discussão em si, mas que deva ser processada tão somente para verificar as estritas hipóteses de cabimento que, neste caso, esteve adstrito ao inc. I do art. 83 do Regimento Interno, o qual tem por pressuposto a flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Tribunal.

IV – O Magistrado requerido julgou improcedentes pedidos de reintegração aos quadros da Polícia Militar do Estado de Alagoas e, muitos anos após o trânsito em julgado das ações ajuizadas, sentenciou em demandas congêneres, propostas pelos mesmos ex-policiais, em sentido diametralmente oposto.

V – As novas sentenças foram reformadas, em sede de apelação, restando assentado que já havia operado o trânsito em julgado, bem como que as ações tinham partes, pedido e causa de pedir idênticas.

VI – O TJAL, à unanimidade, julgou procedente o Processo Administrativo Disciplinar instaurado, aplicando a pena de aposentadoria compulsória ao Magistrado, decisão que foi confirmada, também por unanimidade, em Embargos de Declaração.

VII – Opostos novos Embargos de Declaração, o Tribunal, por maioria, conheceu e acolheu o pedido, atribuindo efeitos infringentes para modificar o julgado embargado e julgar improcedente o Processo Administrativo Disciplinar.

VIII – A independência e a imunidade funcionais não são absolutas, admitindo-se a punição de magistrados nas hipóteses em que o exercício da atividade jurisdicional revelar a adoção de procedimentos incorretos, o agir imprudente e desacautelado ou a prolação de decisões teratológicas, contaminadas por dolo ou má-fé.

IX – Considerando que o Magistrado requerido sentenciou de forma teratológica, refutou a fundamentação de decisões por ele proferidas em ações anteriores, ignorou os efeitos da coisa julgada e favoreceu deliberadamente os ex-policiais militares, impõe-se concluir que há flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Tribunal de origem.

X – A maioria do Órgão Pleno do TJAL ignorou inúmeras provas do cometimento de faltas funcionais pelo Magistrado requerido e decidiu em contrariedade à evidência dos autos quando, em sede de embargos de declaração, atribuiu efeitos infringentes, desconstituiu o entendimento sobre a identidade entre pedidos e causas de pedir das ações, entendeu que as sentenças prolatadas pelo Magistrado processado estavam acobertadas pelo princípio do livre convencimento motivado e julgou improcedente o Processo Administrativo Disciplinar.

XI – Impõe-se a anulação do Acórdão proferido nos segundos Embargos de Declaração e o retorno ao status quo ante, em que a condenação do Magistrado foi confirmada no julgamento dos primeiros Embargos de Declaração.

XII – A pena de aposentadoria compulsória é proporcional e adequada, uma vez que ancorada em três pilares: a gravidade da conduta, a reincidência do Magistrado no descumprimento dos deveres funcionais e o desprezo por ele revelado a princípios e deveres caríssimos ao sistema de justiça.

XIII – A incompatibilidade permanente do magistrado para o exercício da jurisdição e a inexistência de prescrição pela pena em concreto impõem a manutenção da pena inicialmente aplicada.

XIV – Revisão Disciplinar que se julga procedente para anular a decisão proferida nos segundos Embargos de Declaração, restabelecer a eficácia da decisão proferida pelo Órgão Pleno do TJAL nos primeiros Embargos de Declaração, mantendo incólume o Acórdão proferido no Processo Administrativo Disciplinar, que aplicou ao Magistrado processado a pena de aposentadoria compulsória.(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0002512-77.2023.2.00.0000 - Rel. GIOVANNI OLSSON - 4ª Sessão Ordinária de 2024 - julgado em 02/04/2024 ).

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. JUIZ FEDERAL. DECISÕES JUDICIAIS. SUBSTITUIÇÃO AUTOMÁTICA. ENTENDIMENTO DO JUIZ TITULAR. ALTERAÇÃO. AUSÊNCIA DE FATOS NOVOS. REVOGAÇÃO DE PRISÕES PREVENTIVAS. DEVOLUÇÃO DE BENS APREENDIDOS. CONTRARIEDADE A ORIENTAÇÕES CONSOLIDADAS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTOS, INCLUSIVE EM DECISÕES TRANSITADAS EM JULGADO. INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS. EMBARAÇO. EFEITOS IRREVERSÍVEIS. DENÚNCIA. DEMORA NA ANÁLISE QUANTO AO SEU RECEBIMENTO. SUPOSTA PERDA DE PROCESSO FÍSICO, COM INÚMEROS VOLUMES. FÉRIAS. PROLAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS DURANTE SEU GOZO. OFÍCIO. REQUISIÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE AUTOS COM VISTA AO MPF. AUSÊNCIA DE URGÊNCIA. SUSPEIÇÃO. SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA, A DESPEITO DO ÓBICE PROCESSUAL. PROXIMIDADE COM ADVOGADOS POSTULANTES. COMPROVAÇÃO. CONTATOS TELEFÔNICOS. TRANSAÇÕES BANCÁRIAS. USO CONSTANTE DE DINHEIRO EM ESPÉCIE. PADRÃO SOCIAL INCOMPATÍVEL COM A RENDA AUFERIDA E DECLARADA AOS ÓRGÃOS FISCAIS. CREDIBILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO. RISCO. DECISÕES TERATOLÓGICAS. FUNDAMENTAÇÃO LASTREADA EM MOTIVAÇÃO ANTIJURÍDICA. ELEVADA REPROVABILIDADE DAS CONDUTAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL DAS IMPUTAÇÕES.  APLICAÇÃO DA PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA.

1.  Processo Administrativo Disciplinar instaurado para apurar um conjunto de 12 fatos relacionados à atuação judicante de magistrado federal, praticados na vara em que titular e na serventia na qual exercia substituição automática, consistentes em modificação de decisões proferidas pelo juiz titular quanto a soltura de presos; restituição de bens apreendidos; absolvições sumárias;  escolha de processos sem urgência para atuar durante as substituições; prolação de decisão judicial em processo gravado de suspeição; demora no recebimento de denúncia; e requisição de devolução de autos com vista ao MPF, fatos circundados pela indevida aproximação com advogados que patrocinavam as causas.

2. A despeito da independência funcional do julgador, a prolação de decisões teratológicas, em contrariedade à lei, à boa técnica e às orientações dos tribunais superiores,  é passível de reprimenda em sede disciplinar, notadamente quando se verifica a utilização de frágil fundamentação, posturas processuais contraditórias e prejuízos irreparáveis em decorrência da decisão tomada, agravados pela constatação de modus operandi continuado no tempo, que revelam postura dolosa, e pela evidente quebra da imparcialidade ao julgar processos patrocinados por advogados com quem possui proximidade.

3. Para fins disciplinares, a mensuração da gravidade da decisão teratológica tomada deve levar em conta não apenas o prejuízo concretamente causado, como também o abalo à credibilidade do Poder Judiciário.

4. Comprovação, por meio de prova emprestada, de contatos telefônicos recorrentes com advogados, seja diretamente, seja por meio de interposta pessoa, transações bancárias suspeitas, uso constante de dinheiro em espécie, e padrão de vida incompatível com a renda declarada às autoridades fiscais.

5. Irrefutável motivação antijurídica na prolação de decisões judiciais, com quebra do dever de imparcialidade, serenidade, exatidão, prudência e cautela.

6. Procedência parcial das imputações. Aplicação da pena de aposentadoria compulsória.

(CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0000074-15.2022.2.00.0000 - Rel. SALISE SANCHOTENE - 10ª Sessão Ordinária de 2023 - julgado em 20/06/2023 ).

Por fim, não me posso me furtar de reiterar o entendimento, largamente utilizado por este Conselho, no sentido de que as revisões disciplinares não podem ser utilizadas para a verificação da correção ou não da pena aplicada pelos Tribunais, em eventual desproporcionalidade. Deve-se prestigiar a atuação séria e firme do Tribunal de origem, que, após exauriente apuração, concluiu pela aplicação da pena de aposentadoria compulsória ao magistrado nos PADs referidos.

Mais uma vez, mostra-se oportuna a transcrição de precedentes neste mesmo sentido:

REVISÃO DISCIPLINAR. DECISÃO QUE APLICOU À MAGISTRADA A PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. TEMPESTIVIDADE. CONHECIMENTO. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS. PROPORCIONALIDADE. IMPROCEDÊNCIA DA REVISÃO DISCIPLINAR.

I. O procedimento de Revisão Disciplinar comporta conhecimento sempre que cumprido o prazo constitucional para a proposição e indicada, em tese, uma das hipóteses previstas no art. 83 do RICNJ.

II. O prazo constitucional de menos de um ano para a proposição da revisional foi observado pela Magistrada requerente, uma vez que o trânsito em julgado do Acórdão condenatório ocorreu em 28/9/2020, e a presente REVDIS foi proposta em 22/9/2021, sendo, portanto, tempestiva. Revisão Disciplinar conhecida.

III. O CNJ vem consolidando sua jurisprudência no sentido de não perquirir, no julgamento de revisões disciplinares, acerca da correção ou não da deliberação originária a partir da retomada da discussão em si, mas tão somente sob o enfoque das estritas hipóteses de cabimento.

IV. A independência e a imunidade funcionais não são absolutas, admitindo-se a punição de magistrados nas hipóteses em que o exercício da atividade jurisdicional revelar a adoção de procedimentos incorretos, o agir imprudente e desacautelado, a prolação de decisões teratológicas ou contaminadas por dolo ou má-fé.

V. Considerando que os magistrados têm o dever de cumprir, com exatidão e serenidade, os atos de ofício, não lhes cabendo julgar o acerto ou desacerto da decisão proferida por órgão jurisdicional hierarquicamente superior, a patente desobediência à ordem judicial de instância superior configura violação do art. 35, I, da LOMAN e dos arts. 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura.

VI. Não há flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Tribunal; os fatos são incontroversos, e as condutas foram exaustivamente analisadas pelos Desembargadores, os quais, ao valorá-las, entenderam por sua subsunção às vedações legais, não estando o CNJ autorizado a se imiscuir no juízo valorativo para alterar a conclusão jurídica a que o Tribunal chegou, fundada em razoável interpretação.

VII. A gravidade da infração disciplinar cometida e a reincidência da Magistrada no descumprimento dos deveres funcionais indicam que a aposentadoria compulsória é a pena que melhor se amolda ao caso.

VIII. Revisão Disciplinar que se julga improcedente.(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0007283-69.2021.2.00.0000 - Rel. GIOVANNI OLSSON - 9ª Sessão Virtual de 2023 - julgado em 16/06/2023 ).

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS. HIPÓTESE DE CABIMENTO. ARTIGO 83 DO REGIMENTO INTERNO DO CNJ. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE ÀS EVIDÊNCIAS DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. REVDIS UTILIZADA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPROCEDÊNCIA.

1. A Revisão Disciplinar tem como requisitos de admissibilidade o cumprimento do prazo constitucional de um ano e a indicação, em tese, feita pela parte, de umas das hipóteses previstas no artigo 83 do Regimento Interno do CNJ.

2. Para efeito de admissibilidade, a análise das hipóteses previstas no art. 83 é meramente formal, feita in statu assertionis, isto é, à vista daquilo que é alegado pelo requerente e sem qualquer consideração acerca da efetiva configuração das premissas em que se sustentam tais afirmações.

3. Alegação de que a matéria apreciada pelo Tribunal possuía cunho jurisdicional, porquanto analisava a competência do juízo da 4ª Vara Cível de Arapiraca/AL para julgar demandas envolvendo militares no Estado de Alagoas. Além disso, o magistrado sustenta que aplicou corretamente as regras existentes no ordenamento jurídico que tratam da competência territorial.

4. Cabe afastar qualquer alegação de que o Tribunal não poderia analisar as condutas do magistrado na condução dos processos por força do art. 41 da LOMAN, uma vez que o TJAL não analisou o mérito das decisões proferidas pelo magistrado requerente, mas apenas e tão somente a conduta “consubstanciada na imprudência, falta de serenidade e rigor técnico em relação aos indícios de ofensa ao princípio do juiz natural, além do descumprimento das regras legais de competência, ao processar e julgar perante a 4º Vara Cível da Comarca de Arapiraca vários processos de promoção de militares residentes em outras Comarcas”.

5. O magistrado, mesmo alertado por partes e pelo próprio Tribunal que autores estariam optando pela propositura na 4ª Vara de Arapiraca/AL, fora das regras processuais de competência, pelo fato de o entendimento do magistrado ser o mais favorável, manteve sua conduta, desrespeitando os princípios da prudência e da diligência expressos no art. 35, I, da LOMAN e nos arts. 1º, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

6. A Revisão Disciplinar não é um recurso contra decisão do tribunal, por isso que não há devolutividade ampla de toda a matéria apreciada pelo tribunal de origem, dado que se trata de modalidade de controle da validade da decisão em que o efeito devolutivo tem argumentação vinculada, somente sendo admitidas as matérias expressamente previstas no art. 83 do RICNJ.

7. Pedidos julgados improcedentes. (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0002674-09.2022.2.00.0000 - Rel.  MARCIO LUIZ FREITAS - 18ª Sessão Virtual de 2023 - julgado em 15/12/2023 ).

Após a leitura e o cotejamento atento dos votos proferidos, rogo vênia à divergência para acompanhar o voto da então Relatora, a Eminente Conselheira Salise Sanchotene, de modo a manter íntegras as penas aplicadas ao magistrado Requerido. 

É como voto.

 

ALEXANDRE TEIXEIRA

 

Conselheiro Vistor

 

 

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (PRESIDENTE):


1.      Trata-se de questão de ordem apresentada pelo Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, para que “o Plenário deste Conselho Nacional de Justiça permita que, nesse caso concreto, sejam colhidos os votos da Conselheira Mônica Nobre, nova relatora do caso por sucessão, e dos conselheiros Caputo Bastos, José Edivaldo Rocha Rotondano e Daniela Pereira Madeira, para que possam se manifestar quanto aos votos proferidos pelos i. Conselheiros que sucederam”.

 

2.      Sustenta que o surgimento de novas teses não examinadas pela relatora originária e pelos Conselheiros que a acompanharam justifica a substituição do seu voto pelo da Conselheira que a sucedeu, além de possibilitar que os novos Conselheiros possam votar.

 

3.      Considerando o disposto no art. 6.º, inciso VII, do Regimento Interno deste Conselho Nacional de Justiça, que atribui ao Presidente da Casa a decisão sobre questões de ordem, passo a examiná-la.

 

4.      Inicialmente, ressalto que o regramento acerca do cômputo de votos diante da sucessão de Conselheiros, após pedido de vista formulado no Plenário, está previsto no §1º do art. 127 do RICNJ, segundo o qual, “ao reiniciar-se o julgamento, serão computados os votos já proferidos pelos Conselheiros, ainda que não compareçam ou hajam deixado o exercício do cargo.” Por evidente, tal cômputo impede a prolação de outros votos pelos novos ocupantes das cadeiras dos Conselheiros que votaram e deixaram seus cargos.

 

5.      O Plenário, inclusive, quando do início do julgamento presencial deste caso na 19.ª Sessão Ordinária de 2023, decidiu que: (i) a votação seria iniciada com a manifestação da relatora; (ii) seriam desconsiderados os votos antes proferidos em sessões virtuais; e (iii) não seria aplicável a inovação trazida pelo art. 118-A, § 6º-B, do RICNJ (ID 5393373).

 

6.      Sendo assim, considerando que o Plenário já deliberou sobre a sistemática de votação a ser adotada no caso dos autos, e havendo regra regimental expressa sobre o cômputo dos votos proferidos em sessão presencial (art. 127, §1º, do RICNJ), indefiro a questão de ordem formulada, por entendê-la manifestamente improcedente.

 

7.      Consultados os únicos conselheiros que poderiam modificar o voto e alterar o resultado, reafirmaram enfaticamente sua posição.

 

8.      Por fim, já havendo registro de voto de todos os Conselheiros desde a última sessão virtual sem alterações, determino que a Secretaria certifique, de imediato, o resultado da votação, contabilizando os votos já proferidos na forma regimental acima indicada e dando-se por encerrado o julgamento. 


 

Ministro Luís Roberto Barroso

Presidente

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001959-98.2021.2.00.0000
Requerente: MARCELO BORGES BARBOSA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - TJRJ

 

 

VOTO-VISTA

 

O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:

 

1. Cuida-se de três revisões disciplinares propostas por MARCELO BORGES BARBOSA, Juiz de Direito Titular da Vara Única da Comarca de Mangaratiba, com o objetivo de questionar decisões administrativas do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), que lhe impuseram as penas de remoção compulsória, de censura e mais duas de aposentadoria compulsória.

A pena de censura foi cominada ao ora requerente nos autos do PAD n. 0065016-32.2019.8.19.0000 (objeto da RevDis n. 0003199-25.2021.2.00.0000), julgado em 19/10/2020, ocasião em que o referido colegiado considerou demonstrada a baixa produtividade e a morosidade excessiva (e injustificada) da prestação jurisdicional na Vara Única da Comarca de Mangaratiba.

Nos autos do PAD n. 0022707-93.2019.8.19.0000 (objeto da RevDis n. 0001959-98.2021.2.00.0000) – julgado em 1º/3/2021 –, o TJRJ aplicou ao magistrado a sanção disciplinar de remoção compulsória, em virtude do descumprimento do seu dever de velar pela observância do prazo razoável na tramitação de seis ações civis públicas de improbidade (ajuizadas pelo Ministério Público em face de grupo político local), além da irregularidade consubstanciada na liberação de bloqueios acautelatórios de bens dos réus de uma das referidas demandas sem a oitiva prévia do parquet.

As duas penas de aposentadoria compulsória resultaram do julgamento, em 3/5/2021, dos PADs n. 00171163-27.2019.8.19.0000, 00171165-94.2019.8.19.0000 e 0075040-22.2019.8.19.0000, que estão sendo questionados no âmbito da RevDis n. 0003603-76.2021.2.00.0000.

Os dois primeiros (PADs n. 00171163-27.2019.8.19.0000 e 00171165-94.2019.8.19.0000) foram julgados em conjunto pelo TJRJ, que aplicou a pena mais severa ao magistrado, por, basicamente, ter admitido o processamento, na comarca de Mangaratiba, de dezenas de demandas contra a Fazenda Pública, cujos autores (policiais militares submetidos a procedimentos disciplinares por faltas ou crimes graves praticados no exercício de suas funções) não eram residentes na circunscrição.

A segunda pena de aposentadoria compulsória foi cominada nos autos do PAD n. 0075040-22.2019.8.19.0000, em razão de condutas consideradas violadoras dos deveres de imparcialidade, transparência, prudência e decoro no exercício da função judicante.

No âmbito da RevDis n. 0003199-25, o magistrado aduz que a censura é pena extremamente gravosa, devendo incidir exclusivamente em caso de “negligência reiterada (leia-se: reconhecida em outros processos administrativos)”, exigência que não se verifica na hipótese, sendo certo, outrossim, que: (i) “a produtividade da Vara Única de Mangaratiba [com acervo de 10.277 processos] foi contrastada com os indicadores de Varas que possuem um número muito menor de processos tombados”; (ii) “dentre as serventias que contam com mais de 5.000 (cinco mil) processos tombados, o percentual de feitos paralisados há mais de 60 dias na Vara Única de Mangaratiba é apenas o sexto”, portanto “dentro dos padrões do judiciário fluminense”; (iii) ainda que assim não fosse, “a Vara Única de Mangaratiba é a que mais recebe processos dentre os Juízos ali descritos (o dobro que alguns deles), o que prejudicaria o desempenho de qualquer magistrado”; e (iv) inexiste prova de comportamento doloso da sua parte no que diz respeito ao suposto lançamento de dados inverídicos em relatório de correição efetuada em 2018, notadamente porque, dos oito livros obrigatórios, sete estavam no cartório, encontrando-se regularmente preenchidos, à exceção do Livro de Registro de Colocação em Família Substituta, cuja regularização foi oportunamente determinada.

Na RevDis n. 1959-98, o requerente insurge-se contra a penalidade de remoção compulsória que lhe foi imposta, ao argumento de que: (i) caracterizado grave bis in idem, pois se já havia sido apenado com censura – no âmbito do PAD n. 0065016-32.2019.8.19.0000 – pela demora na tramitação de processos perante a sua Vara de atuação, é certo que as ações civis públicas (citadas no PAD 0022707-93.2019.8.19.0000) encontravam-se englobadas naquela condenação; (ii) nos termos da jurisprudência do STF, não podia admitir as iniciais das ACPs – que contavam com dezenas de réus – “sem que todos os acusados fossem devidamente notificados para apresentar sua defesa prévia ou, quando menos, tivessem deixado transcorrer in albis o prazo para manifestação”; (iii) “jamais agiu com o intuito de ‘atrasar’ o processo ou supostamente – uma vez que não restou provado – favorecer quaisquer grupos políticos que governavam a região”; (iv) a constrição de bens móveis e imóveis dos réus decorreu de decisão de sua própria lavra, motivo pelo qual lhe cabia, até mesmo de ofício, determinar o desembaraço dos bens impenhoráveis indevidamente bloqueados; (v) em nenhum momento, a garantia da futura execução dos processos foi comprometida, já que os bens remanescentes eram suficientes para cobrir os danos ao erário apontados nas ACPs; (vi) “a responsabilização do requerente por violação ao princípio do devido processo legal não pode se dar objetivamente, devendo haver prova inequívoca de que agiu com dolo ou fraude para que a ação civil pública tramitasse por longo período”; (vii) “em julgados idênticos, que abordavam violação à razoável duração do processo, o CNJ aplicou somente sanções de advertência ou censura, reservada a remoção para casos gravíssimos”, a exemplo de vantagem indevida e clientelismo; e (viii) “a mera afirmação de que a pena deveria ser exemplar é claro tratamento diferenciado e desrespeitoso ao princípio da impessoalidade e da proporcionalidade, ferindo de morte a inamovibilidade jurisdicional, que também é princípio de envergadura constitucional (artigo 95, II, CF/88)”.

Por fim, na RevDis n. 3603-76, o magistrado pugna pelo afastamento das duas penas de aposentadoria compulsória, sustentando que: (i) “foi de extrema estranheza, para se dizer o mínimo, o desmembramento de uma mesma conduta (suposta negligência cartorária) em vários processos administrativos disciplinares, sendo, em cada um deles, aplicada sanção distinta que, somadas, atingiram o fim desejado desde o início pela Corregedoria-Geral [de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, na pessoa do ex-Corregedor Bernardo Garcez]: aposentar prematura e ilegalmente o requerente”; (ii) a nulidade dos acórdãos, pois violadas as regras de dosimetria da pena, ao se cominar aposentadoria compulsória com base em julgamento anterior (no qual aplicada remoção compulsória) cuja suspensão havia sido determinada pelo CNJ; (iii) “não poderia ter declarado sua incompetência territorial, na medida em que se tratava de incompetência relativa, impossível de ser invocada de ofício, nos termos da Súmula n. 33 do STJ e do artigo 64, § 1º, do CPC e, ainda, em alguns casos, determinou a expedição de mandado de verificação para ter ciência de que os autores residiam na comarca de Mangaratiba”; (iv) “as liminares deferidas estavam de acordo com a legislação, doutrina e jurisprudência uníssona, sendo que diversas decisões não tiveram recursos e outras foram mantidas em segunda instância”; (v) não lhe cabia “dar cumprimento às decisões proferidas pelo TJRJ, já que os acórdãos proferidos têm eficácia imediata, condicionada apenas à respectiva publicação do decisum”; (vi) era inviável “declarar de ofício eventual litispendência, pois não há ferramentas postas à disposição dos magistrados para fazerem esse tipo de análise prévia, ainda mais quando considerados processos em trâmite perante outras comarcas, tratando-se de matéria a ser arguidas pelas partes”; (vii) “as anotações nas capas dos processos, com a inscrição ‘PM’ não foram efetuadas e tampouco autorizadas pelo magistrado, tendo sido feitas, provavelmente, por algum dos servidores do cartório, com vistas a organizar os processos”; (viii) “na oitiva de testemunhas, restou nítida a ausência de dolo, ressaltando-se que, em nenhum momento, o magistrado agiu com intenção de favorecer quem quer que seja”; e (ix) “as gravíssimas penalidades somente foram cominadas ao magistrado por conta de suas duas condenações anteriores, uma de censura e outra de remoção compulsória, ambas sob revisão do CNJ, e a última com liminar deferida suspendendo sua aplicação imediata”.

Na sessão ordinária realizada em 12/12/2023, a Conselheira Salise Sanchotene (então relatora) apresentou votos no sentido de julgar improcedentes as três revisões disciplinares, nos termos das seguintes ementas:

REVISÃO DISCIPLINAR. PAD. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. GRAVES PROBLEMAS DE GESTÃO CARTORÁRIA. INFORMAÇÕES INVERÍDICAS PRESTADAS À CORREGEDORIA. DELEGAÇÃO DE ATOS INSTRUTÓRIOS A JUIZ AUXILIAR DA CORREGEDORIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO JUIZ NATURAL. CABIMENTO DO PEDIDO REVISIONAL. ART 83 DO REGIMENTO INTERNO DO CNJ. IMPOSSIBILIDADE DE MANEJO COM VIÉS RECURSAL. PENA DE CENSURA. PROPORCIONALIDADE. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA APLICAÇÃO DE ADVERTÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. Processo Administrativo Disciplinar em que se aplicou pena de censura. Prestação de informações inverídicas à Corregedoria em relatório de Correição, no qual se noticia regularidade dos trabalhos da serventia. Quadro generalizado de má gestão cartorária.

2. A delegação de atos instrutórios do processo administrativo disciplinar a juiz de primeiro e segundo graus é prevista no art. 18, §1°, da Resolução CNJ n. 135/2011.

3. Possibilidade de atos instrutórios serem delegados a juízes auxiliares da Corregedoria sem violação ao princípio do juiz natural.

4. Aplicação de pena lastreada no acervo probatório. Impossibilidade de manejo de Revisão disciplinar com viés recursal. Hipóteses restritas contidas no art. 83 do RICNJ.

5. A pena de censura não pressupõe prévia aplicação de advertência.

6. Ainda que o servidor responsável pela gestão cartorária cometa faltas funcionais, adote práticas que contrariem os normativos ou simplesmente não apresente resultados satisfatórios na organização das tarefas, é do magistrado o dever de fiscalização de seus subordinados (art. 35, VII, LOMAN).

7. A reiterada negligência apta a ensejar a pena de censura pode ser comprovada no mesmo contexto fático, mormente quando a inspeção à serventia evidencia generalizado quadro de ineficiência de gestão e de fiscalização sobre os subordinados, fatos que, isoladamente, poderiam ensejar a abertura de vários processos disciplinares.

8. Improcedência do pedido. (RevDis n. 3199-25) 

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REVISÃO DISCIPLINAR. PAD. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. IMPOSSIBILIDADE DE MANEJO COM VIÉS RECURSAL. PENA DE REMOÇÃO COMPULSÓRIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. Processo Administrativo Disciplinar em que se aplicou pena de remoção compulsória, em razão de o magistrado ter deixado de decidir sobre o recebimento da Ação Civil Pública n. 0004281-79.2015.8.19.0030, bem como por autorizar liberação ou a substituição de bens bloqueados por outros, a pedido dos interessados, sem manifestação do Ministério Público, além de ter mantido diversas ações civis públicas propostas contra o mesmo grupo político local, sem receber, sequer, o despacho inicial.

2. A conduta omissiva do magistrado, aliada à reiterada e injustificada preterição do Ministério Público no contexto de desbloqueio de bens, em demanda com evidente repercussão social e econômica, conduz objetivamente à percepção de que o magistrado estava inclinado a beneficiar o grupo político capitaneado pelo ex-prefeito do município de Mangaratiba/RJ, Evandro Capixaba.

3. Aplicação de pena lastreada no acervo probatório. Impossibilidade de manejo de Revisão disciplinar com viés recursal. Hipóteses restritas contidas no art. 83 do RICNJ.

4. Improcedência do pedido. (RevDis n. 1959-98)

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REVISÃO DISCIPLINAR. PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. IMPOSSIBILIDADE DE MANEJO COM VIÉS RECURSAL. APLICAÇÃO DE DUAS SANÇÕES DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA LASTREADA NO ACERVO PROBATÓRIO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. Processos Administrativos Disciplinares em que foram aplicadas duas penas de aposentadoria compulsória ao magistrado em razão dos seguintes fatos: (i) direcionamento proposital de ações à vara que titularizava, seguida da concessão de liminares em benefício de policiais militares milicianos não residentes na comarca; (ii) admissão de litisconsortes facultativos ativos ulteriores, com imediata extensão dos efeitos da tutela já concedida aos novos litisconsortes; (iii) retenção de processos no gabinete, sem justo motivo, cuja competência já havia sido declinada e que, segundo o sistema do Tribunal de Justiça, deveriam estar localizados na Fazenda Estadual; (iv) irregularidade no julgamento das exceções de incompetência suscitadas pela Fazenda Estadual - em processos ajuizados por policiais militares que visavam a reintegração às fileiras da Corporação, com base em mandados de verificação no endereço dos autores, apesar da ausência de assinatura das partes e (v) anotação irregular da sigla “PM” na capa dos autos para identificar processes em que fossem partes os policiais militares.

2. É plenamente possível a responsabilização disciplinar de juízes(as) por atos praticados durante o exercício da jurisdição, desde que constatada a presença de elementos capazes de demonstrar a ocorrência de vícios na sua atuação subjetiva, de maneira a configurar o descumprimento do dever de imparcialidade.

3. O litisconsórcio facultativo ativo ulterior é figura que não encontra qualquer respaldo doutrinário ou jurisprudencial sólido na atual quadra da ciência jurídica processual, visto que equivale, indisfarçadamente, a conceder à parte a possibilidade de selecionar o julgador que apreciará a sua demanda. A sua admissão constitui flagrante afronta ao princípio do juiz natural, além de ensejar, por seu caráter personalista e antirrepublicano, evidente abalo à imagem e à credibilidade do Poder Judiciário.

4. Sob qualquer ponto de vista, não há como sustentar, em um Estado Democrático de Direito, que os jurisdicionados possam submeter suas demandas a um juiz que, pelo seu histórico de julgamentos, mostra-se inclinado a proferir uma decisão que lhes seja favorável. Instituto há muito rechaçado pelo Superior Tribunal de Justiça, que possui precedentes sobre o tema que remontam às décadas de 1990 e 2000 (v.g.: REsp n. 24.743/RJ, Relator Ministro EDSON VIDIGAL, DJ de 14/09/1998, p. 94; STJ: REsp n. 796.064/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 22/10/2008, DJe 10/11/2008; AgRg no REsp n. 1.022.615/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 10/3/2009, DJe de 24/3/2009; REsp n. 931.535/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25.10.2007, DJ 05.11.2007 p. 238; REsp n. 230.487/SP, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 6.6.2005; REsp n. 658.174/RJ, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 21.08.2007).

5. Aplicação de pena lastreada no acervo probatório. Impossibilidade de manejo de Revisão disciplinar com viés recursal. Hipóteses restritas contidas no art. 83 do RICNJ.

6. Improcedência do pedido. (RevDis n. 3603-76)

 

Na sequência, o Conselheiro Marcos Vinicius Jardim Rodrigues pediu vista regimental dos autos e, na sessão extraordinária de 12/3/2024, divergiu parcialmente da relatora, pugnando pela manutenção da pena de censura, julgando-se improcedente a RevDis n. 3199-25, e pelo afastamento das penalidades de remoção compulsória e de aposentadoria compulsória, julgando-se procedentes a RevDis n. 1959-98 e a RevDis n. 3603-76.

Eis a ementa apresentada pelo referido vistor:

REVISÕES DISCIPLINARES. PAD. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. PENALIDADES. APLICAÇÃO. SUCESSIVA. CENSURA. REMOÇÃO COMPULSÓRIA. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. MESMO CONTEXTO FÁTICO. JULGAMENTO CONJUNTO. SUPOSTO FAVORECIMENTO. GRUPO POLÍTICO LOCAL. POLICIAIS MILITARES. VIOLAÇÃO. INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL. IMPARCIALIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. REITERADA NEGLIGÊNCIA. PROCEDIMENTO INCORRETO. MANUTENÇÃO. PENA. CENSURA. PARCIAL DIVERGÊNCIA.

1. Procedimento de inspeção em que as condutas imputadas foram segregadas, resultando na abertura de 05 distintos processos administrativos disciplinares em desfavor do magistrado, que ensejaram a aplicação das penas de censura, remoção compulsória e aposentadoria compulsória, de forma sucessiva.

2. Não comprovação de conduta omissiva do magistrado, que, em tese, beneficiaria grupo político capitaneado por ex-prefeito do município de Mangaratiba/RJ e policiais militares do estado do Rio de Janeiro, circunstâncias que individualizam as condutas.

3. Revisão da pena aplicada lastreada na ausência de comprovação de violação à independência funcional ou imparcialidade do magistrado. Aplicação da pena de censura para todos os fatos apurados por se tratar de mesmo contexto de gestão processual ineficiente de procedimentos cartorários incorretos. Inteligência do art. 44 da LOMAN.

4. Em relação à RevDis n. 0003199-25.2021.2.00.0000, julgo improcedente o pedido revisional, com a manutenção da pena de censura.

5. Quanto à RevDis n. 0001959-98.2021.2.00.0000, julgo procedente o pedido revisional do autor, para deixar de aplicar a pena de remoção compulsória.

6. Por fim, no tocante à RevDis n. 0003603-76.2021.2.00.0000, julgo procedente o pedido revisional do autor, para deixar de aplicar as duas penalidades de aposentadoria compulsória.

 

Pedi vista regimental dos autos para melhor aferição da proporcionalidade das sanções disciplinares que foram cominadas pelo TJRJ ao magistrado em virtude das condutas irregulares constatadas na origem.

2. De início, cumpre assinalar que as investigações sobre a conduta do Juiz de Direito MARCELO BORGES BARBOSA – na direção da Vara Única da Comarca de Mangaratiba – iniciaram-se devido a: (i) reclamações por morosidade na tramitação de processos (ID 4341329 da RevDis n. 3199-25); (ii) pedido de providências apresentado pela Desembargadora Giselda Leitão Teixeira, segundo a qual o requerente vinha autorizando produção de provas de defesa a réus que respondiam à ação penal de competência originária do TJRJ, sem dar o devido andamento à ação civil pública de improbidade em que tais pessoas eram demandadas, não obstante autorizasse a liberação de bloqueios acautelatórios dos seus bens (ID 4291994, fls. 3-7, da RevDis n. 1959-98); e (iii) suspeitas levantadas por Desembargadores do TJRJ, que, em 2017, manifestaram estranheza diante do elevado número de processos de reintegração de policiais militares à PMERJ em uma comarca tão pequena (ID 4355761, fl. 2, da RevDis n. 3603-76).

Tais investigações ensejaram a realização de inspeções na Vara Única de Mangaratiba nos dias 18 a 22/7/2016, 18/10/2016, 9/6/2017 e 13/5/2019, que culminaram na instauração dos PADs n. 0022707-93.2019.8.19.0000 (em 3/6/2019), 00171163-27.2019.8.19.0000 e 00171165-94.2019.8.19.0000 (ambos em 24/6/2019), 0065016-32.2019.8.19.00 (em 4/11/2019) e 0075040-22.2019.8.19.0000 (em 9/12/2019).

Em 19/10/2020, o Órgão Especial do TJRJ julgou procedente o PAD n. 0065016-32.2019.8.19.00, aplicando a pena de censura ao magistrado, tendo em vista a baixa produtividade e a morosidade excessiva (e injustificada) da prestação jurisdicional na Vara Única da Comarca de Mangaratiba, atestadas em virtude: (i) do “grande volume de processos paralisados, parte deles aguardando provimento por parte do magistrado e outros aguardando processamento”; (ii) da “existência de processos físicos e eletrônicos em locais de ‘pré-conclusão’, sem que o processante tenha providenciado a abertura da conclusão no Sistema de Distribuição e Controle de Processos – DCP”; (iii) da “abertura de conclusão no sistema DCP realizada, em sua maioria, pela equipe do gabinete do juízo, como forma de controle da quantidade de processos que iam à conclusão”; (iv) da “movimentação indevida de processos, com atos ordinatórios ou despachos indicando apenas ‘autos relatados’ ou ‘relatados, voltem conclusos’”; (v) da demora “no processamento e na juntada de petições, inclusive com petições apenas encartadas aos autos físicos, sem a correspondente juntada no sistema”; (vi) da taxa de congestionamento de processos acima da média; (vii) da “ausência de cumprimento integral das metas do CNJ”; (viii) do “crescente aumento no número de processos não sentenciados”; (ix) da desídia do requerente em cumprir o seu dever de acompanhar e de fiscalizar, constantemente, as atividades cartorárias; (x) do “registro de reclamações na Ouvidoria do TJRJ sobre a morosidade na prestação jurisdicional”; e (xi) da “prestação de informações dissonantes à Corregedoria-Geral de Justiça no relatório de Correição de 2018, que contém afirmações que não correspondiam à realidade da Vara Única da Comarca de Mangaratiba à época” (ID 4357591, fls. 25-61, da RevDis n. 3199-25).

Na oportunidade, o citado colegiado assim justificou a aplicação da pena de censura: 

A sanção de censura, prevista no artigo 42, II, da LOMAN, se revela a mais adequada à presente hipótese, uma vez que a mesma deve incidir, conforme disposto no artigo 44, nos caso de reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo, ou no de procedimento incorreto, se a infração não justificar punição mais grave.

Cabe considerar que a pena de advertência, mais leve, não se enquadra à hipótese, uma vez que os fatos apurados não foram “isolados”, mas traduziram conduta reiterada, que culminou no cenário encontrado pela equipe da Corregedoria na ocasião da inspeção, realizada em maio de 2019, devendo-se considerar, ainda, o fato de terem sido prestadas informações inverídicas pelo Magistrado no relatório de Correição Geral Ordinária, referente ao exercício de 2018, situação essa que ultrapassa a mera negligência no cumprimento dos deveres do cargo.

Nesse sentido, refira-se o disposto no artigo 4º da Resolução n. 135/2011, do Conselho Nacional de Justiça:

Art. 4º O magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo, está sujeito à pena de advertência. Na reiteração e nos casos de procedimento incorreto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave.

Por outro lado, a aplicação de penalidade mais gravosa, remoção compulsória, se mostra, ao menos até o momento, excessiva, uma vez que o Magistrado não registra punição prévia em sua ficha funcional, conforme se vê à fl. 718, e porque restou demonstrada sua assiduidade na realização de audiências, e estando a produtividade do gabinete satisfatória, em comparação com as Varas integrantes dos demais grupos, não estando a Vara Única de Mangaratiba entre as dez mais reclamadas junto à Ouvidoria do Tribunal de Justiça. (ID 4357591, fls. 53-54, da RevDis n. 3199-25)

 

Sem indicar qualquer prova do dolo do magistrado em desvirtuar a função judicante com o propósito de favorecer grupo político vinculado ao ex-prefeito de Mangaratiba, o TJRJ julgou procedente o PAD n. 0022707-93.2019.8.19.0000, apontando o descumprimento do dever de velar pela observância do prazo razoável na tramitação dos processos – em especial de seis ações civis públicas de improbidade (com repercussão social e econômica evidentes), cujo andamento foi negligenciado injustificadamente –, além da irregularidade consubstanciada na liberação de bloqueios acautelatórios de bens dos réus de uma das referidas demandas sem a oitiva prévia do Ministério Público (ID 4292018, fls. 1-11, da RevDis n. 1959-98).

Eis os fundamentos que serviram de base para aplicação da pena de remoção compulsória:

A permanência do Representado à frente da Comarca de Mangaratiba representa perigo real de descrédito para toda a Justiça, além de manter sob sua condução processos de relevante interesse social; sendo juízo único, a manutenção do Representado na Comarca enseja prejuízos de difícil reparação aos jurisdicionados, pois seria deixar intocada situação que perdura no tempo por período já longo.

Embora drástica, a remoção compulsória deve ser imposta ao Representado como punição exemplar, uma vez que já foi apenado com penas mais leves e, ainda assim, manteve-se irredutível em suas faltas funcionais.

A mudança de jurisdição, ainda que forçada, quiçá sirva para que o Representado, doravante, emende sua atividade funcional e, ao mesmo tempo, garante que a Comarca será objeto de atuação de um novo magistrado que poderá impor novo ritmo a tão importantes ações públicas. (ID 4292018, fl. 10, da RevDis n. 1959-98)

 

Por ocasião do julgamento dos PADs n. 00171163-27.2019.8.19.0000 e 00171165-94.2019.8.19.0000 (em 3/5/2021), o Órgão Especial corroborou as suspeitas de “direcionamento de processos” – relacionados à reintegração de policiais militares afastados – para a Vara Única da Comarca de Mangaratiba, consignando que: (i) houve mesmo um “direcionamento proposital, por parte dos autores das ações, para o referido juízo”; (ii) o magistrado não agiu com a devida cautela ao aferir os requisitos e os pressupostos de admissibilidade das diversas ações similares ajuizadas por policiais militares que não residiam na comarca; (iii) a citada incúria levantou fundadas dúvidas acerca da sua independência e imparcialidade, o que comprometeu a respeitabilidade da função jurisdicional; (iv) houve falha do magistrado ao não adotar medida concreta para o cumprimento das decisões superiores revogadoras das antecipações de tutela que deferira; e (v) o seu proceder habitual – no sentido de conceder liminares a autores cuja pretensão havia sido indeferida em processos idênticos ajuizados anteriormente em comarcas diversas – revela-se incompatível com a conduta imparcial exigida de um magistrado (ID 4355874, fls. 128-164, da RevDis n. 3603-76).

Ao aplicar a pena de aposentadoria compulsória ao caso, o colegiado assinalou o seguinte:

[...] diante da gravidade dos fatos apurados neste procedimento, é mais adequada e proporcional à conduta do Representado, a sanção mais grave, de aposentadoria compulsória, por interesse público, nos termos do artigo 42, V, e 56 da LC n. 35/79 e art. 7º da resolução n. 135/2011 do CNJ, pois demonstrada a manifesta negligência do Representado no cumprimento dos deveres de seu cargo, o procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções e a insuficiente ou escassa capacidade de trabalho, cujo proceder funcional é incompatível com o bom desempenho da atividade jurisdicional.

A pena aposentadoria compulsória, por interesse público tem sido aplicada pelo CNJ nas hipóteses a seguir:

PAD 200910000007880 – Rel. Cons. Felipe Locke Cavalcanti – DJE 28-4-2010 - Aposentadoria Compulsória com Vencimentos Proporcionais ao Tempo de Serviço - Manutenção de presa do sexo feminino em carceragem única ocupada por detentos de sexo masculino.

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REVDIS 200810000024551 – Rel. Cons. Leomar Barros Amorim de Sousa – DJE 2-7-2010 - Aposentadoria Compulsória com Vencimentos Proporcionais ao Tempo de Serviço - Relacionamento estreito com criminosos (uso de criminoso como motorista, apropriação indevida de arma apreendida, favorecimento de fuga de criminoso e concessão de trabalho externo a criminoso ao arrepio da lei).

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PAD 200910000007879 – Rel. Cons. Felipe Locke Cavalcanti – DJE 16-12-2010 Aposentadoria Compulsória com Vencimentos Proporcionais ao Tempo de Serviço - Manipulação de julgamentos para favorecer determinada parte, com recebimento de vantagens, para si e para terceiros.

O Representado descumpriu os preceitos insculpidos nos incisos I, II, III e VIII do artigo 35 da LOMAN e aos artigos 20 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, procedeu reiteradas vezes de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções, aplicadas as sanções de censura e remoção compulsória em outros PADs e, por esse motivo, aplicamos a pena de aposentadoria compulsória, por interesse público, prevista no artigo 93, VIII, da Constituição Federal, artigo 42, V, e artigo 56 da Lei Orgânica da Magistratura - LOMAN, artigo 7º da Resolução 135/2011. (ID 4355874, fls. 128-164, da RevDis n. 3603-76)

 

Na mesma sessão de 3/5/2021, o TJRJ julgou procedente o PAD n. 0075040-22.2019.8.19.0000 (cujo conteúdo foi considerado conexo ao dos PADs n. 00171163-27.2019.8.19.0000 e 00171165-94.2019.8.19.0000), cominando, mais uma vez, a pena de aposentadoria compulsória ao magistrado, que teria descumprido os deveres de imparcialidade, de transparência, de diligência, de prudência e de dignidade, honra e decoro, ao incorrer nas seguintes irregularidades: (i) retenção de processos físicos no gabinete (com decisões de declínio de competência) que, segundo o sistema informatizado do TJRJ, deveriam estar na Vara da Fazenda Pública do Estado; (ii) falta de qualificação da parte (a ser diligenciada) e das necessárias assinaturas digitais em mandados de verificação expedidos por força de exceções de competência apresentadas pelo Estado do Rio de Janeiro em demandas ajuizadas por policiais militares; e (iii) “anotação nas capas dos autos da inscrição ‘PM’”, o que revelou “o tratamento diferenciado dispensado pelo magistrado às ações de policiais militares buscando reintegração ou suspensão de procedimentos administrativos disciplinares” (ID 4355881, fls. 217-259, da RevDis n. 3603-76).

3. Da análise dos acórdãos supracitados, observa-se que, para além do quadro de desorganização generalizada da serventia – com autos paralisados e irregularidades na tramitação dos processos –, as imputações mais graves feitas ao magistrado (consubstanciadas no suposto favorecimento deliberado de grupo político e de policiais militares submetidos a procedimentos disciplinares) não foram comprovadas pela Corregedoria local, existindo, outrossim, informações sobre: (i) o grande volume de processos na comarca (que, por ser Juízo Único, tem competência cível, criminal – inclusive Júri –, fazendária e a dos Juizados Especiais); (ii) a assiduidade do magistrado na realização de audiências; e (iii) a produtividade satisfatória do gabinete “em comparação com as varas integrantes [do mesmo grupo de atribuição], não estando a Vara Única de Mangaratiba entre as dez mais reclamadas junto à Ouvidoria do TJRJ” (ID 4341336, fl. 214, da RevDis n. 3199-25).

Diante desse contexto, penso que a aplicação da pena de disponibilidade – pelo período de um ano – revela-se mais consentânea com o quadro de irregularidades no exercício da função judicante atribuído ao magistrado, que, à luz da LOMAN e do Código de Ética da Magistratura, transgrediu os deveres: (i) de cumprir e de fazer cumprir, com exatidão, as disposições legais e os atos de ofício; (ii) de não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar; (iii) de determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais;  (iv) de exercer assídua fiscalização sobre os subordinados; e (vi) de atuar de forma transparente, documentando fidedignamente os seus atos.

Como se sabe, o artigo 6º da Resolução CNJ n. 135/2011 preconiza que o magistrado será posto em disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação da pena de censura ou de remoção compulsória.

O quadro de generalizada desorganização da gestão cartorária detectado na Vara Única da Comarca de Mangaratiba ostenta gravidade superior aos casos de mera negligência reiterada, revelando-se adequada, a meu ver, a cominação da pena de disponibilidade, e não de aposentadoria compulsória, notadamente por não ter sido demonstrado o intuito deliberado do magistrado de beneficiar grupo político – capitaneado por ex-prefeito do Município – e/ou policiais militares do Estado do Rio de Janeiro, não se cogitando, portanto, em violação dos deveres de imparcialidade e de independência funcional.

A ausência de comprovação do dolo do requerido de favorecer grupo político local foi bem destacada no voto divergente apresentado pelo Conselheiro Marcos Vinícius Jardim. Confira-se:

[...] a morosidade encontrada [no trâmite das ações civis públicas de improbidade administrativa] não se tratava especificamente de alguma questão subjetiva do magistrado, mas das condições objetivas da[s] demanda[s], em razão das dificuldades de localização dos [37] réus. Tanto o é que mesmo após o afastamento do magistrado de suas funções na Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, em razão da efetivação da pena de aposentadoria compulsória, aplicada em 3/5/2021, a petição inicial da ação civil pública n. 0004281-79.2015.8.19.0030 apenas foi recebida no dia 13/4/2022, ou seja, 01 ano após a penalidade do magistrado, conforme decisão obtida no sítio do tribunal fluminense.

[...] a morosidade processual, neste caso, não é decorrência da simples atuação do requerente, mas de entraves encontrados pelo órgão judicial no momento da notificação dos 37 réus da ação coletiva de improbidade administrativa, de modo a não implicar responsabilidade funcional do magistrado.

[...]

Realizada análise pormenorizada do acórdão, em cotejo com as provas dos autos, não é possível observar qualquer comprovação de parcialidade do magistrado na sua atuação jurisdicional em benefício a determinado grupo político atuante na região, mormente quando as alegações de favorecimento a grupo político do ex-prefeito do município originaram-se de denúncias anônimas, isto é, potencialmente de outros grupos políticos interessados nos processos.

[...]

Importante salientar que ademais da ausência de prova idônea da quebra da imparcialidade, vigora em favor do magistrado requerente a decisão final constante no procedimento disciplinar instaurado em desfavor da servidora pública Jaqueline Alves Godinho, Chefe da Serventia da Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ à época dos fatos, no qual foram apuradas as mesmas condutas aqui assinaladas, isto é, que também estaria atuando irregularmente no esteio de proteger ilicitamente políticos locais, de modo a delongar o andamento de processos judiciais.

Segundo o acórdão que julgou o recurso administrativo interposto pela servidora, não restou comprovado qualquer tipo de favorecimento ou de má-fé na condução dos processos em benefício de políticos da municipalidade, embora se tenha comprovado o comportamento omissivo e desidioso da servidora na administração do acervo judicial.

Ao fim, o Conselho da Magistratura do e. TJRJ, por unanimidade, entendeu que não havia dúvidas quanto à conduta da servidora, que não gerenciava ou administrava satisfatoriamente o cartório, contudo, não se comprovou a falta de maior gravidade, que seria a atuação dolosa em favor de grupo político local.

[...]

Ora, impossível entender que o magistrado atuou de forma pérfida na condução de processos sob a sua jurisdição, visando proteger ilicitamente políticos de sua predileção, quando, por unanimidade, o Conselho da Magistratura do TJRJ deixou expresso que as irregularidades descritas em nada envidam na acusação posta.

[...]

[...] a decisão interlocutória, prolatada inaudita altera pars, que deferiu a indisponibilidade de bens dos réus, a quebra de seus sigilos bancários e fiscais, bem como a suspensão dos contratos administrativos suspeitos de fraude, fulmina a alegação de que o magistrado atuou de forma a privilegiar determinado grupo político, visto que, logo após o ajuizamento da ação, o magistrado, de imediato, já ordenou o bloqueio dos bens dos acusados, com fulcro na tutela de evidência do artigo 16 da Lei n. 8.429/1992.

De mais a mais, em relação à indisponibilidade de bens, observo que a ressalva feita pelo magistrado, ao excepcionar as verbas consideradas impenhoráveis, reiterou entendimento jurisprudencial bastante razoável [...].

[...]

A indigitada não intimação do Ministério Público estadual se deu em virtude da própria natureza alimentar das verbas bloqueadas, uma vez que a intimação do parquet geraria mais prejuízos aos acusados, em razão da demora no desbloqueio das verbas.

Com efeito, entendo que a atuação processual do magistrado que ensejou a representação foi, na verdade, desidiosa e não propriamente seletiva, sem a intenção de favorecer diretamente grupo político, uma vez que não restou comprovado qualquer comprometimento da independência funcional do magistrado requerente. 

 

Na mesma esteira, a alegada quebra da imparcialidade e da independência do magistrado em demandas envolvendo policiais militares foi devidamente afastada pelo referido vistor:

[...] o Juízo da Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, em abstrato, é competente para processar e julgar demandas de policiais militares que porventura residam no município, não se tratando, portanto, de erro grosseiro a admissão de demandas deste gênero pelo magistrado, em razão da competência do órgão judicial, mormente porque, no lastro do princípio da cooperação, a parte contrária pode arguir a incompetência territorial do Juízo, nos termos do artigo 337, II, do CPC, notadamente quando o estado-membro possui maiores elementos para aferir o real domicílio dos próprios servidores – por intermédio de suas fichas funcionais – por exemplo. 

Não obstante, quanto ao mérito dos atos judiciais fustigados, a despeito de em regra restarem impassíveis de sindicância pelo CNJ, o requerente comprovou que várias decisões liminares concedidas em favor de policiais militares foram mantidas pelo e. TJRJ, na oportunidade de julgamento de agravos de instrumento interpostos pelo Estado do Rio de Janeiro, conforme acórdãos acostados aos autos (ID 4355758). A vingar, pois, a tese acusatória, desembargadores do Tribunal de Justiça fluminense também teriam envidado na conduta perniciosa, situação notoriamente inverossímil.

[...]

De igual forma, inviável ao requerente declarar de ofício eventual litispendência ou coisa julgada, já que não há ferramentas postas à disposição dos magistrados para aferir esse tipo de análise prévia em toda e qualquer ação proposta perante o Juízo. Ademais, a legislação processual atribui à parte contrária o ônus de arguir a litispendência ou coisa julgada, antes do mérito, em contestação, nos termos do artigo 337, VI e VII, do CPC, uma vez que a parte ré detém mais recursos administrativos para apontar a existência de outro processo idêntico anteriormente ajuizado.

[...]

Assim, tenho que a análise pormenorizada dos processos não indica sobremodo qualquer favorecimento ou atuação dolosa do magistrado em favor de policiais militares do Rio de Janeiro, porém, em verdade, comprova uma gestão cartorária ineficiente por parte do magistrado, sem indícios de comprometimento de sua independência funcional.

 

Desse modo, assim como propugnado no voto divergente, considero desarrazoada a aplicação da pena de aposentadoria compulsória na espécie, por não reputar gravíssimas as infrações cometidas pelo magistrado – cujo dolo não foi demonstrado –, bem como divisar antecedentes funcionais que lhe são favoráveis, a exemplo da assiduidade na realização de audiências e a constatação da “produtividade satisfatória” do gabinete (ID 4341336, fl. 214, da RevDis n. 3199-25).

Nada obstante, penso que, à luz do princípio da proporcionalidade, o citado quadro generalizado de má gestão cartorária (que, evidentemente, causa prejuízos aos jurisdicionados) não comporta a mera cominação da pena de censura – conforme proposto pelo Conselheiro Marcos Vinícius Jardim –, mas sim a de disponibilidade (pelo período de um ano) a fim de se produzir o necessário efeito pedagógico no espírito do magistrado, que não agiu com a dedicação, a diligência e a prudência necessárias à condução dos processos submetidos a sua jurisdição, dosimetria essa que se coaduna, mutatis mutandis, com os seguintes precedentes deste Plenário:

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO EM DESFAVOR DE DESEMBARGADOR. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO. VIOLAÇÃO DOS DEVERES IMPOSTOS PELOS ARTS. 35, I, DA LOMAN, BEM COMO PELOS ARTS. 1º, 24 E 25 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. INOBSERVÂNCIA DA PRUDÊNCIA E CAUTELA NECESSÁRIAS À ATUAÇÃO JURISDICIONAL. HOMOLOGAÇÃO INDEVIDA DE ACORDOS DECORRENTES DE LIDES SIMULADAS. INEXISTÊNCIA DE DOLO E DE QUEBRA DA IMPARCIALIDADE. PARCIAL PROCEDÊNCIA DAS IMPUTAÇÕES. INFRAÇÃO DISCIPLINAR COMPATÍVEL COM A APLICAÇÃO DA PENA DE DISPONIBILIDADE PELO PRAZO DE 90 DIAS.

1. Processo administrativo disciplinar instaurado em desfavor de desembargador, por suposta violação dos deveres de imparcialidade e prudência, em virtude da homologação de aproximadamente 700 acordos trabalhistas decorrentes de lides simuladas.

2. Assentado, no ato de instauração do PAD, que inexiste vício resultante da reclamação disciplinar e que não transcorreram 5 anos entre a data de conhecimento dos fatos e a de abertura deste processo disciplinar (art. 24 da Resolução CNJ 135/2011), fica evidente que a tese de extinção liminar do feito se encontra preclusa e acobertada pela coisa julgada administrativa, a impossibilitar o reexame pelo CNJ. Precedentes.

3. Robustas são as provas que revelam que, embora tenha contribuído (com a homologação dos acordos) para que a transação simulada fosse exitosa, o processado não fez parte da negociata, não laborou com dolo nessas homologações, tampouco atuou em afronta ao seu dever de imparcialidade.

4. Por outro lado, também se mostram contundentes os elementos que evidenciam que, mesmo se tratando de um magistrado experiente, deixou de agir com a dedicação, diligência e prudência necessárias à condução dos processos submetidos à sua jurisdição.

5. A magnitude da conduta, que deu azo à lesão de um número considerável de trabalhadores, enseja a imposição da pena de disponibilidade, por revelar uma incompatibilidade temporária para o exercício das funções.

6. Imputações julgadas parcialmente procedentes, para aplicar ao magistrado a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, pelo prazo de 90 dias. (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0007699-37.2021.2.00.0000 - Rel. JOSÉ ROTONDANO - 1ª Sessão Ordinária de 2024 - julgado em 20/2/2024)

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REVISÃO DISCIPLINAR PROPOSTA POR MAGISTRADO FEDERAL E REVISÃO DISCIPLINAR INSTAURADA DE OFÍCIO. CONEXÃO. ANÁLISE CONJUNTA. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR QUE NA ORIGEM APENOU O JUIZ FEDERAL DA 39ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO COM SANÇÃO DE ADVERTÊNCIA. QUESTÃO DE ORDEM. LEVANTAMENTO DO SIGILO. OBSERVÂNCIA DO PRAZO DECADENCIAL. PRELIMINARES E PREJUDICIAIS SUSCITADAS PELA DEFESA REJEITADAS. PRESCRIÇÃO NÃO CONSUMADA. PRETENSÃO FORMULADA PELO JUIZ REVISIONANTE QUE SE APRESENTA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. AUSÊNCIA DE ENQUADRAMENTO ÀS HIPÓTESES DISCRIMINADAS NO ART. 83 DO RICNJ. REVISÃO CONHECIDA E JULGADA IMPROCEDENTE. PROCEDIMENTO REVISIONAL INSTAURADO EX OFFICIO. MULTIPLICIDADE DE CONDUTAS QUE INFRINGIRAM O COMANDO VERTIDO NO ART. 35, INCISOS I E III, DA LOMAM E DISPOSITIVOS DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA. INSUFICIÊNCIA DA PENA DE ADVERTÊNCIA (ART. 88, DO RICNJ). REVISÃO CONHECIDA E JULGADA PROCEDENTE PARA MODIFICAR A PENA E APLICAR AO REQUERIDO A SANÇÃO DE DISPONIBILIDADE COM VENCIMENTOS PROPORCIONAIS AO TEMPO DE SERVIÇO POR 180 (CENTO E OITENTA) DIAS.

[...]

11. Pedido revisional formulado pelo magistrado visando a desconstituição da advertência cominada pelo TRF3, em virtude da confirmação de prática de uma única infração funcional (resistência injustificada a cumprimento de acórdão), que se revela como mero sucedâneo recursal e não se amolda às hipóteses taxativas do art. 83, incisos I a III, do RICNJ. Revisão disciplinar conhecida e julgada improcedente.

12. A garantia atrelada à independência funcional (art. 41, da LOMAN) não ostenta caráter absoluto, admitindo-se em caráter excepcional a relativização dos princípios da independência e da imunidade funcionais, a propiciar a responsabilização administrativo-disciplinar do magistrado quando, no exercício da atividade jurisdicional, resultar patenteada a ofensa aos deveres constitucionais e legais que norteiam o exercício da judicatura. Precedentes do CNJ e do STF.

13. Na hipótese, à parte da falta funcional já reconhecida no PAD, os elementos dos autos demonstram a prática de graves transgressões mais abrangentes, consubstanciadas na mora processual injustificada, na desobediência aos comandos exarados dos Órgãos Superiores, na injustificada revogação de ofício de decisões proferidas por outros magistrados investidos do mesmo grau de jurisdição (relaxamento de prisão, anulação de provas e indeferimento de diligências), na rejeição sistemática de denúncias e na sucessiva prolação de outras decisões intuitivamente tumultuárias, desprovidas de fundamentação jurídica idônea, em detrimento da cautela, da prudência e da imparcialidade indissociáveis ao exercício da magistratura.

14. Multiplicidade de condutas que refletem a ampla e reiterada infringência ao art. 35, incisos I e III, da LOMAN, bem assim ao art. 1º e a diversos enunciados do Código de Ética da Magistratura, evidenciando que o representado não cumpriu com serenidade e exatidão as disposições legais e os atos de ofício que lhe competiam, olvidando-se inclusive de determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizassem nos prazos legais.

15. À luz da razoabilidade e da proporcionalidade, assoma imperativo o redimensionamento da sanção (art. 88, do RICNJ), modificando-se a pena de advertência para aplicar ao requerido a disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias (art. 93, VIII, da CF/1988, arts. 42, inc. IV, e 57, parágrafo 1º, da LOMAN, c.c art. 6º, da Resolução CNJ nº 135/2011).

16. Revisão disciplinar proposta de ofício conhecida e julgada procedente. (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0000749-75.2022.2.00.0000 - Rel. JANE GRANZOTO - 1ª Sessão Ordinária de 2024 - julgado em 20/2/2024)

 

Caso acatada a presente proposta de aplicação da disponibilidade pelo período de um ano, não se poderá olvidar a possibilidade de abatimento (detração) do tempo em que o requerente esteve afastado das suas funções judicantes por força da pena de aposentadoria compulsória (ora substituída).

4. Ante o exposto, divergindo integralmente da relatora e parcialmente do Conselheiro Marcos Vinícius Jardim, voto por julgar parcialmente procedentes as três revisões disciplinares para impor ao Juiz de Direito MARCELO BORGES BARBOSA a pena de disponibilidade por um ano (com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço), em virtude do quadro generalizado de má gestão cartorária detectado na Vara Única da Comarca de Mangaratiba/RJ, que, na hipótese, consubstanciou transgressão aos deveres insertos nos artigos 35, incisos I, II, III e VII, da LOMAN e 10, 20 e 25 do Código de Ética da Magistratura.

Caso acatada tal proposição, determino que o TJRJ adote as providências internas necessárias para avaliar o retorno do magistrado às funções judicantes, considerando a detração do período em que ficou afastado em virtude do cumprimento da pena de aposentadoria compulsória ora substituída pela disponibilidade.

 

 É como voto.

 

 

 

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO 

Corregedor Nacional de Justiça