Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0008060-54.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: FRANCISCO DAS CHAGAS FERREIRA

 

 

 

EMENTA 

 

  

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. RESOLUÇÃO N. 135/CNJ. PAD INSTAURADO NA ORIGEM. JUIZ DE DIREITO. VIOLAÇÃO DE DEVERES FUNCIONAIS. CONDUTA QUE AFRONTA O ART. 35, I, DA LOMAN, BEM COMO OS ARTS. 1º, 20, 29 ao 31 E 35, DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. PENA DE CENSURA.  FALTA DE ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DA PENALIDADE APLICADA. MAUS ANTECEDENTES FUNCIONAIS. INSTAURAÇÃO, DE OFÍCIO, DE REVISÃO DISCIPLINAR, SEM AFASTAMENTO CAUTELAR DO MAGISTRADO.  

 

1. Pedido de providências instaurado para dar cumprimento ao disposto na Resolução CNJ n. 135/2011 em virtude de comunicação do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí referente à abertura de PAD em desfavor de magistrado. 

 

2. Constatado que o reclamado deixou de cumprir os deveres que são próprios do magistrado, uma vez que, não observou a regularidade formal da alimentação do sistema de processo judicial - apesar da realização de Correição Ordinária Anual e posterior conversão da correição em diligências configuradas em determinações de cumprimento das metas de movimentação dos processos paralisados na relação de ano-base 2017 - como também desobedeceu às determinações correcionais, remanescendo ao final de 18 meses de procedimento, 138 processos paralisados desde a lista inicial, inclusive com paralisações acima de três mil dias, o TJPI julgou procedente o PAD em decorrência de restar provado que o magistrado agiu com reiterada negligência, sujeitando-o à pena disciplinar de censura, consoante o art. 44 da LOMAN e art. 4º da Res. CNJ 135/2011, por infração ao art. 35, I, da LOMAN, e aos arts. 1º, 20 e 29 ao 31 e 35 do Código de Ética da Magistratura.

  

3.  A jurisprudência deste Conselho Nacional de Justiça admite a instauração de revisão disciplinar, quando da análise das informações prestadas pelo órgão correicional local constata-se que a sanção aplicada é inadequada ao contexto fático-probatório ventilado nos autos.  

 

4. Tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no tema n. 150 da repercussão geral, recentemente alterada, que torna ainda mais claro que o histórico do agente pode ou não influenciar na adequação da reprimenda na esfera penal, o que pode ser invocado, dadas as devidas proporções, ao âmbito administrativo.


5. As penalidades anteriores podem impactar na pena a ser aplicada em sanção futura, não havendo falar em prescrição de tais efeitos, que não se confundem com a reincidência no Direito Penal, havendo margem para que o julgador aprecie se o caso reclama a ponderação dos maus antecedentes.


6. Possibilidade de análise do histórico funcional do magistrado para aplicar a penalidade. 

 

7.  A gravidade dos fatos apurados e o histórico do magistrado, que ostenta mais de 60 representações, com seis penalidades aplicadas ainda não prescritas, a evidenciar que a penalidade de censura, não obstante os fundamentos da decisão proferida, não parece a mais adequada à hipótese dos autos, tornando necessária a abertura de procedimento revisional para análise de uma possível readequação da sanção disciplinar à hipótese dos autos, nos termos do artigo 83, inciso I, do RICNJ. 

 

8. Necessidade de instauração, de ofício, da revisão de processo disciplinar, sem afastamento cautelar do magistrado, fundada no art. 83, inciso I, do RICNJ, para verificação da adequação e da proporcionalidade da penalidade aplicada ao juiz requerido, nos termos dos artigos. 82 e 86 do RICNJ. 

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues (Vistor), o Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração da revisão disciplinar, sem afastamento cautelar do magistrado, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 15 de dezembro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante da Câmara dos Deputados.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0008060-54.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: FRANCISCO DAS CHAGAS FERREIRA


RELATÓRIO


O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):  

   

 

1. Cuida-se de Pedido de Providências instaurado nos termos da Portaria CNJ n. 34, de 13.9.2016, a fim de cumprir o disposto nos artigos 9º, § 3º; 14, §§ 4º e 6º; 20, § 4º; e 28 da Resolução CNJ n. 135, de 13.7.2011, em razão da comunicação do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí à Corregedoria Nacional de Justiça, referente a processo administrativo disciplinar instaurado contra FRANCISCO DAS CHAGAS FERREIRA[1], Juiz de Direito titular, à época, da Vara Única da Comarca de São Pedro do Piauí/PI (TJPI).

O PAD n. 0760737-18.2021.8.18.0000[2] foi instaurado contra o magistrado requerido pelo Tribunal Pleno do TJPI para apurar fatos relatados na Reclamação Disciplinar n. 18.0.000020153-3, em virtude de eventual descumprimento dos deveres funcionais inseridos no art. 35, I, II e III da LOMAN.

Conforme consta do PAD na origem, o magistrado requerido não teria realizado em 2018 a Correição aos serviços judiciários da Comarca de São Pedro do Piauí e demais unidades agregadas, referente ao ano-base 2017.

Embora inaugurada a Correição pelo magistrado por meio da Portaria n. 002/2018 e realizada no período de 05 a 29 de março de 2018, não houve cumprimento total da meta, remanescendo um total de 610 processos pendentes de movimentação.

Considerando que apenas parte dos processos selecionados na Correição foram movimentados, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Piauí converteu o julgamento da Correição em diligência e determinou ao magistrado requerido a movimentação de todos os processos pendentes, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias.

Notificado, o magistrado não se manifestou, sendo, posteriormente ao prazo concedido, constatada a pendência de 268 (duzentos e sessenta e oito) processos.

Após mais de dezoito meses do processo correicional, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Piauí constatou a existência de 138 (cento e trinta e oito) processos sem movimentação, incluindo-se feitos paralisados há mais de 3.000 (três mil) dias, motivo pelo qual houve a reprovação da Correição.

Instaurado o processo administrativo disciplinar no dia 03 de novembro de 2021 contra o magistrado requerido, o julgamento foi realizado e a decisão transitou em julgado no dia 12 de maio de 2023 (ID 5171821), com a aplicação da pena de censura, por votação unânime, em acórdão assim ementado (ID 5084016):

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO. VIOLAÇÃO DE DEVERES FUNCIONAIS. CONDUTA QUE AFRONTA ART. 35, I, DA LOMAN, BEM COMO ARTS. 1º, 20, 29 ao 31 E 35, DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. PAD PROCEDENTE. PENA DE CENSURA.

1.1. Inegavelmente, o magistrado requerido deixou de cumprir os deveres que são próprios do juiz de direito, uma vez que, não só deixou de observar a regularidade formal da alimentação do sistema de processo judicial, apesar da realização de Correição Ordinária Anual e posterior conversão da correição em diligências configuradas em determinações de cumprimento das metas de movimentação dos processos paralisados na relação de ano-base 2017, como desobedeceu as determinações correcionais remanescendo ao final de 18 meses de procedimento correcional 138 processos paralisados desde a lista inicial, inclusive com paralisações acima de três mil dias. 1.2. Deixara de cumprir com o dever de cuidado com os atos formais caros à administração da unidade jurisdicional, encontrando-se a unidade com inúmeros processos sem as respectivas informações necessárias no sistema judicial, negando-se a publicização e por consequência o acesso à justiça, ainda, causando insegurança jurídica pela falta de confiabilidade gerada para o jurisdicionado bem como pela falha na garantia dos direitos da parte. Tal conduta se configura em total desencontro ao previsto na Lei Orgânica da Magistratura, em especial, art. 35, I.

1.3. Necessário se reconhecer, ainda, que o Magistrado Requerido agiu com negligência em sua atuação funcional, deixando de observar o Código de Ética da Magistratura Nacional, especificamente, arts. 1º, 20 e 29 ao 31 e 35.

1.4. Julgo procedente este PAD.

2. Tendo em vista que contra o magistrado foram impostas outras condenações em sede de Processo Administrativo Disciplinar, há de se ponderar que, não incidem sobre a sanção a ser imposta as que foram fulminadas pela extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva, as que resultaram na aplicação de penas, vigentes, mas ostentam datas de julgamento posteriores aos fatos deste PAD. Remanescendo somente um procedimento disciplinar apto a configurar a reincidência/reiteração a ser ponderada na aplicação da sanção, qual seja, PAD nº 2016.0001.006822-2, aplicada a pena disciplinar de censura, com trânsito em julgado em 24 de agosto de 2017.

3. No caso, entendo que os fatos descritos nos autos ensejam a aplicação da pena de censura, posto que restaram configuradas a indiligência no cumprimento dos deveres e a omissão reiterada em promover a regularidade formal dos processos sob sua jurisdição, ainda que provocado por Correição ordinária e posterior conversão em diligências configuradas em determinações da Corregedoria de cumprimento da meta correcional, ademais, agravada pelo reconhecimento da reincidência gerada pela condenação resultante do PAD nº 2016.0001.006822-2, aplicada a pena disciplinar de censura, com trânsito em julgado em 24 de agosto de 2017, ainda, levando-se em consideração que as infrações cometidas pelo magistrado Requerido não dizem respeito ao Juízo no qual trabalha, mas, sim, à sua capacidade técnica e à imprudência no cumprimento dos deveres funcionais.

4. PAD procedente e aplicada a pena de censura em face do Magistrado Reclamado.

(TJPI – PAD 0760737-18.2021.8.18.0000, Des. Rel. Eulália Maria Pinheiro, julgado em 06/03/2023). 

 

Diante disso, reconheceu-se a prática de faltas disciplinares pelo magistrado requerido, com violação ao art. 35, I, da LOMAN e aos artigos 1º, 20 e 29 ao 31 e 35 do Código de Ética da Magistratura Nacional. 

No tocante à penalidade disciplinar, o  tribunal de origem decidiu, por unanimidade, aplicar a censura, considerando, dentre os 14 (quatorze) processos administrativos disciplinares julgados contra o requerido, apenas um para o fim de reincidência, que também teve como penalidade aplicada a censura.

Discordando da conclusão da Corregedoria local em relação à penalidade aplicada, porque insuficiente para reprimir magistrado que ostenta histórico funcional desabonador e insuficiente para reprimir as faltas praticadas pelo magistrado e violadoras dos artigos 35, I, da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979, e 1º, 20 e 29 ao 31 e 35 do Código de Ética da Magistratura Nacional, e considerando a possibilidade de instauração de ofício de revisão disciplinar para um possível redimensionamento da sanção disciplinar, foi determinada a intimação do magistrado, para que, no prazo de 15 (quinze) dias, querendo, apresentasse defesa prévia (ID 5179343).

Conforme documento de Id. 5239910, o magistrado foi devidamente intimado, mas quedou-se inerte, transcorrendo in albis o prazo concedido para apresentação de defesa.

 É o relatório. 

 

J5/F70



[1] Atual Juiz de Direito Titular da 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública da Comarca de Teresina/PI. Mapa das Comarcas do Piauí | Tribunal de Justiça do Piauí (tjpi.jus.br)

 

[2] Portaria (Presidência) Nº 2616/2021 - PJPI/TJPI/SECPRE/PLENOADM, de 03 de novembro de 2021.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0008060-54.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: FRANCISCO DAS CHAGAS FERREIRA

 


VOTO

        

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):   

 

2. O art. 82 do RICNJ estabelece que “poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de Tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão”. 

Assim, tem-se que a pretensão revisional do CNJ, seja por meio de procedimento próprio, seja mediante o prosseguimento da apuração originária, deve ser exercida sob o limite temporal de um ano, a partir do julgamento disciplinar pelo tribunal local, à luz do art. 103-B, § 4º, inciso V, da Constituição Federal.

Na hipótese dos autos, não houve decadência. Isso porque a decisão da Corte local transitou em julgado em 12/05/2023 (ID 5171821) e em 20/06/2023 foi prolatada decisão expressa desta Corregedoria Nacional anunciando o exercício da pretensão revisora (decisão localizada no ID 5179343, com intimação do requerido em 07/08/2023, conforme ID 5239910).

Nesse sentido, aliás, já houve pronunciamento desse Conselho Nacional de Justiça indicando que o marco terminativo do prazo decadencial para a revisão disciplinar de ofício é a primeira manifestação formal de qualquer dos legitimados previstos no art. 86 do RICNJ que expresse o interesse público na sua instauração (CNJ - Pedido de Providências - 0003963-21.2015.2.00.0000 - Rel. Min. NANCY ANDRIGHI - j. 24/05/2016). 

Ultrapassada esta questão, vale lembrar que somente será admitida a revisão disciplinar nas estritas hipóteses previstas no artigo 83 do Regimento Interno do CNJ:

 

Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I – quando a decisão for contrária a texto expresso de lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II – quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III – quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.  

 

Mérito – instauração da REVDIs

3. Cinge-se a controvérsia em saber se a penalidade de censura aplicada ao magistrado, pelo Tribunal local, é suficiente, proporcional e adequada para punir suas infrações disciplinares, levando-se em conta os fatos praticados e o histórico funcional do juiz, que ostenta outras tantas representações, inclusive com penalidades aplicadas.

O PAD na origem foi instaurado em razão da prática das seguintes faltas funcionais pelo magistrado: 

I.    Ausência reiterada de movimentações processuais e alimentação do sistema de processo judicial, negando-se a publicização e por consequência o acesso à justiça;

II.    Ausência de saneamento dos feitos;

III.   Desleixo e inexatidão na atuação jurisdicional;

IV.   Má administração da unidade jurisdicional;

V.    Descumprimento da meta estabelecida para a aprovação da correição processual referente ao ano-base 2017;

VI.   Desobediência às determinações exaradas pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Piauí durante a Correição;

VII.  Ausência de movimentação de 138 processos da lista inicial da Correição, paralisados há pelo menos 500 dias e com processos paralisados há mais de 3.000 (três mil) dias;

VIII.  Negligência na atuação funcional, deixando de observar o Código de Ética da Magistratura Nacional.

 

4. Consta do PAD de origem que o magistrado requerido não teria realizado em 2018 a Correição aos serviços judiciários da Comarca de São Pedro do Piauí e demais unidades agregadas, referente ao ano-base 2017. 

Embora inaugurada a Correição pelo magistrado por meio da Portaria n. 002/2018 e realizada no período de 05 a 29 de março de 2018, não houve cumprimento total da meta, remanescendo um total de 610 processos pendentes de movimentação. 

Considerando que apenas parte dos processos selecionados na Correição foram movimentados, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Piauí converteu o julgamento da Correição em diligência e determinou ao magistrado requerido a movimentação de todos os processos pendentes, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias. 

Notificado, o magistrado não se manifestou, sendo, posteriormente ao prazo concedido, constatada a pendência de 268 (duzentos e sessenta e oito) processos. 

Após mais de dezoito meses do processo correicional, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Piauí constatou a existência de 138 (cento e trinta e oito) processos sem movimentação, incluindo-se feitos paralisados há mais de 3.000 (três mil) dias, motivo pelo qual houve a reprovação da Correição. 

Instaurado o processo administrativo disciplinar no dia 03 de novembro de 2021 contra o magistrado requerido, o julgamento foi realizado e a decisão transitou em julgado no dia 12 de maio de 2023 (ID 5171821), com a aplicação da pena de censura.

 

Pelo que se extrai, após regular tramitação do procedimento, o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí entendeu que a indiligência no cumprimento dos deveres e a omissão reiterada em promover a regularidade formal dos processos sob jurisdição do magistrado, cumulada com a reincidência gerada pela condenação no PAD n. 2016.0001.006822-2, seriam causas para a aplicação da pena de censura. 

Assim, após regular tramitação do procedimento, o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí entendeu que a indiligência no cumprimento dos deveres e a omissão reiterada em promover a regularidade formal dos processos sob jurisdição do magistrado, cumulada com a reincidência gerada pela condenação no PAD n. 2016.0001.006822-2, seriam causas para a aplicação da pena de censura.

 

A Lei Complementar n. 35/1979 estabelece que:

 

Art. 44 - A pena de censura será aplicada reservadamente, por escrito, no caso de reiterada negligência, ou no de procedimento incorreto, se a infração não justificar punição mais grave. 

 

5. Dessa forma, a censura é uma penalidade que deve ser aplicada quando houver reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo e/ou procedimento incorreto, quando não couber pena mais grave.

A escolha da penalidade a ser aplicada deve levar em consideração a gravidade da infração, a intensidade do descumprimento dos deveres funcionais, o grau de reprovabilidade da conduta, a carga coativa da pena e a eficácia da medida punitiva aplicada.

Ademais, conforme ressaltado na própria decisão da Corregedoria local, a escolha da sanção a ser aplicada deve também levar em consideração “o grau de indisciplina do magistrado investigado, dentre outros fatores, pela existência de reincidência no descumprimento de seus deveres funcionais”.

6. No caso dos autos, há indícios de que a penalidade aplicada pela corregedoria local pode não servir ao desiderato do sistema disciplinar, especialmente porque o magistrado interessado já sofreu anteriormente as sanções de censuras e remoções compulsórias, mas, ainda assim, apresentou comportamento de reiteração em condutas faltosas. Senão vejamos:

1) PAD nº 2014.0001.003604-2, julgado improcedente;

2) PAD nº 2016.0001.006822-2, aplicada a pena disciplinar de censura, com trânsito em julgado em 24 de agosto de 2017;

3) PAD nº 2017.0001.002571-9, com reconhecimento da respectiva prescrição punitiva da pena de censura aplicada, com trânsito em julgado;

4) PAD nº 2017.0001006251-0, com reconhecimento da respectiva prescrição punitiva da pena de censura aplicada, com trânsito em julgado;

5) PAD nº 2017.0001.010328-7, aplicada a pena de remoção compulsória, com trânsito em julgado em 28 de outubro de 2021;

6) PAD nº 2017.0001.012960-4, com reconhecimento da respectiva prescrição punitiva da pena de remoção compulsória aplicada, com trânsito em julgado;

7) PAD nº 2018.0001.004046-4, aplicada a pena disciplinar de censura, com trânsito em julgado em 13 de março de 2019;

8) PAD nº 2017.0001.011672-5, com reconhecimento da respectiva prescrição punitiva da pena de remoção compulsória aplicada, com trânsito em julgado;

09) PAD nº 0707563-02.2018.8.18.0000, aplicada a pena de remoção compulsória, com trânsito em julgado em 23 de julho de 2020;

10) PAD nº 0752284-68.2020.8.18.0000, com reconhecimento da respectiva prescrição punitiva da pena;

11) PAD nº 0750198-27.2020.8.18.0000, arquivado por impossibilidade de obtenção de quórum para a aplicação da pena;

12) PAD nº 0750018-11.2020.8.18.0000, julgado improcedente e arquivado;

13) PAD nº 0712442-18.2019.8.18.0000, aplicada a pena de censura, com trânsito em julgado em 25 de outubro de 2022;

14) PAD nº 0753173-85.2021.8.18.0000, aplicada a pena de censura, com trânsito em julgado em 25 de outubro de 2022. 

 

Pelo que se observa, foram aplicadas 6 (seis) sanções ao magistrado, sendo 4 (quatro) censuras e 2 (duas) remoções compulsórias.

Assim, entende-se necessário verificar se a repetição de sanção semelhante à já anteriormente aplicada em caso de reiteração de condutas igualmente semelhantes será suficiente para os objetivos do sistema disciplinar.

Vale assinalar que a dosimetria da penalidade administrativa deve observar os objetivos da sanção, entre eles a necessidade de se mostrar suficiente para a modificação da conduta considerada inadequada.

7É exatamente por essa razão que este Conselho Nacional de Justiça considera o histórico funcional dos magistrados um dos elementos a serem apreciados para a correta mensuração das penalidades, afirmando a “Possibilidade de análise do histórico funcional para balizamento da proporcionalidade da pena de aposentadoria compulsória, sobretudo em razão da aplicação pretérita das sanções de censura e de remoção compulsória” (CNJ - RevDis - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0000594-77.2019.2.00.0000 - Rel. Salise Sanchotene - 357ª Sessão Ordinária - julgado em 04/10/2022).

No mencionado precedente, constou do voto condutor do acórdão (destaques acrescidos):

 

Assim, restaram caracterizados os maus antecedentes funcionais, a permitir a utilização de tais circunstâncias para valorar a proporcionalidade e a individualização da nova sanção.

Em outras palavras, afigura-se perfeitamente razoável o cotejo do histórico funcional do magistrado como fundamento da penalidade aplicada no PAD ora em revisão. 

 

Em outro precedente, já entendeu o CNJ pela “Possibilidade de análise do histórico funcional revisionado, para fundamentar a conclusão do PAD” (RevDis n. 0004715-85.2018.2.00.0000), o que reforça a necessidade de melhor verificação dos parâmetros do caso, a fim de que a sanção aplicada pela falta funcional detectada não se afigure inócua.

8. Cumpre assinalar que mesmo na esfera penal, em que a técnica da aplicação das sanções é balizada por rígidos parâmetros, frequentemente emprestados à seara disciplinar, admite-se a valoração dos antecedentes na dosimetria da pena.

Nesse contexto, cabe mencionar a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no tema n. 150 da repercussão geral, que recentemente recebeu nova redação para tornar ainda mais claro que o histórico do agente pode ou não influenciar na adequação da reprimenda, assim sinalizando:

 

Não se aplica ao reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no art. 64, I, do Código Penal, podendo o julgador, fundamentada e eventualmente, não promover qualquer incremento da pena-base em razão de condenações pretéritas, quando as considerar desimportantes, ou demasiadamente distanciadas no tempo, e, portanto, não necessárias à prevenção e repressão do crime, nos termos do comando do artigo 59, do Código Penal.

 

Portanto, duas conclusões podem ser extraídas: 1) a de que não há falar em prescrição ou impossibilidade de que as sanções anteriores impactem a nova pena a ser aplicada, restando inequívoca a possibilidade de consideração do histórico funcional 2) necessário se apurar se as sanções anteriores são ou não “desimportantes” ou “demasiadamente distanciadas no tempo”, o que exigirá a detida análise de tais sanções a fim de que se possa concluir ou não pela sua utilização no caso concreto.

Repiso, o magistrado requerido já sofreu 6 (seis) sanções disciplinares, sendo 4 (quatro) censuras e 2 (duas) remoções compulsórias, transitadas em julgado entre os anos de 2017 e 2022.

Como se observa, as penalidades anteriores podem impactar na pena a ser aplicada em sanção futura, não havendo falar em prescrição de tais efeitos, que não se confundem com a reincidência no Direito Penal, havendo margem para que o julgador aprecie se o caso reclama a ponderação dos maus antecedentes.

Cumpre também salientar que o juiz requerido possui perante este Conselho Nacional de Justiça mais de 60 (sessenta) procedimentos instaurados.

9. Portanto, verifica-se que o caso em apreço requer a instauração de Revisão Disciplinar, dentro da qual se possa apreciar o histórico funcional do magistrado e todos os demais elementos, de maneira pormenorizada, com a devida instrução e abertura do contraditório e observância da ampla defesa, a fim de que se possa concluir pela suficiência ou não da penalidade aplicada pela Corte de origem.

Cabe ao relator, portanto, aprofundar a análise do caso e verificar se as condutas anteriores do magistrado e as seis penalidades já aplicadas servem como maus antecedentes para fim de modificação da sanção de censura, considerando, ainda, a proporcionalidade e adequação da pena.

Vale registrar que o Conselho Nacional de Justiça, em processo de revisão disciplinar proposto pelo próprio magistrado requerido em outro PAD, concluiu que a aplicação prévia da pena de censura justifica o agravamento da sanção subsequente”. (CNJ. RevDis 0004631-79.2021.2.00.0000, Conselheira Rel. Salise Sanchotene, julgado em 10/02/2023).

A gravidade da reiteração de infrações cometidas pelo magistrado e o seu histórico funcional de maus antecedentes traz prejuízos para a confiança do jurisdicionado no Poder Judiciário. Dessa forma, a penalidade de censura, não obstante os fundamentos da decisão proferida, não parece a mais adequada à hipótese dos autos, tornando necessária a abertura de procedimento revisional para análise de uma possível adequação da sanção disciplinar à hipótese dos autos, nos termos do artigo 83, inciso I, do RICNJ.

A propósito, a jurisprudência deste Conselho Nacional de Justiça admite a instauração de revisão de processo disciplinar, quando da análise das informações prestadas pelo órgão correcional local, constata-se que a sanção aplicada é, em tese, inadequada ao contexto fático-probatório ventilado nos autos. Confira-se: 

  

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 28 DA RESOLUÇÃO 135/CNJ. REVISÃO DE PROCESSO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO DE OFÍCIO, SEM AFASTAMENTO CAUTELAR DO MAGISTRADO. JUIZ DE DIREITO. INDICAÇÃO DE ADVOGADO QUE ATUAVA NO ESCRITÓRIO DO PRÓPRIO FILHO. CONDUÇÃO DE POSTERIOR PROCESSO E DECISÃO EM FAVOR DA PARTE A QUEM SE INDICOU ADVOGADO. VIOLAÇÃO A IMPEDIMENTO LEGAL. PENA DE ADVERTÊNCIA. APLICAÇÃO INADEQUADA. BUSCA PELA ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DA PENALIDADE APLICADA. REVISÃO DISCIPLINAR INSTAURADA DE OFÍCIO.

1. A jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça admite a instauração de revisão de processo disciplinar, quando, da análise das informações prestadas pelo órgão correcional local, constata-se que a sanção aplicada é inadequada ao contexto fático-probatório ventilado nos autos.

2. A pena de advertência deverá ser aplicada reservadamente, por escrito, no caso de negligência no cumprimento dos deveres do cargo.

3. A aplicação da pena de advertência é aparentemente insuficiente e desproporcional em relação à gravidade do fato apurado nos autos, em que o requerido indicou advogado pertencente ao escritório jurídico do qual fazia parte seu filho, despachou no processo  e deferiu pedido de liminar à sociedade empresária autora, quando manifestamente impedido.

4. Quando a conduta do magistrado indicar o descumprimento de deveres intransponíveis impostos aos magistrados e um indevido favoritismo na sua decisão, a gerar uma repercussão extremamente negativa à imagem do Poder Judiciário e uma inegável perda da confiança dos jurisdicionados na sua atuação, deve-se verificar a adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao caso.

5. Conclusão pela necessidade de instauração, de ofício, da revisão de processo disciplinar, sem afastamento cautelar do magistrado, fundada no art. 83, inciso I, do RICNJ, para verificação da adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao juiz requerido, nos termos dos arts. 82 e 86 do RICNJ.   

(CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0002712-55.2021.2.00.0000 - Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO - 3ª Sessão Virtual - julgado em 10/03/2023). 

    

Por derradeiro, malgrado já tenham sido aplicadas 2 (duas) penas de remoção compulsória e 4 (quatro) censuras ao requerido, como se vê dos PAD’s 2017.0001.010328-7, 0707536-02.2018.8.18.0000, 2016.0001.006822-2, 2018.0001.004046-4, 0712442-18.2019.8.18.0000, 0753173-85.2021.8.18.0000 e haja outros mais de 60 (sessenta) procedimentos administrativos disciplinares instaurados em seu desfavor perante este Conselho Nacional de Justiça, alguns ainda sem conclusão, entendo não ser o caso de afastamento cautelar do magistrado ante a ausência de contemporaneidade dos fatos objeto deste procedimento. 

10. Dessa forma, com fundamento no que dispõem os artigos 82 e 86 do RICNJ, julgo procedente o pedido de providências e determino instauração, de ofício, da revisão de processo disciplinar para verificação da necessidade de modificar a penalidade aplicada ao Juiz de Direito FRANCISCO DAS CHAGAS FERREIRA, sem afastamento cautelar do magistrado.

 11. Transitado em julgado, feitas as devidas comunicações e distribuída a REVDIS para o(a) respectivo relator(a), arquivem-se os autos (RICNJ: Art. 74, caput, c/c Res CNJ 135/2011: Art. 14, § 7º).

 É como voto.

  

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO   

Corregedor Nacional de Justiça