Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004235-68.2022.2.00.0000
Requerente: ARTHUR LACHTER
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS - TJDFT

 


 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO ANUAL PARA AFASTAMENTO DO TRABALHO. DIA DO PERDÃO (YOM KIPPUR).  LIBERDADE RELIGIOSA. COMPENSAÇÃO DOS DIAS TRABALHADOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGISLATIVA. COMUNICAÇÃO AO TRIBUNAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 

1. A liberdade religiosa constitui expressão do Estado Democrático de Direito, com feixe de posições radicado em diversos artigos da Constituição Federal de 1988.

2. Observância da Resolução CNJ 440, de 07.01.2022, que institui a Política Nacional de Promoção à Liberdade Religiosa e Combate à Intolerância no âmbito do Poder Judiciário brasileiro.

3. Necessidade de envio de simples comunicação, com antecedência, de quando recairá o dia sagrado, a cada ano, a fim de que a Administração possa adotar as devidas providências para compatibilizar a ausência ao trabalho com a prestação jurisdicional. 

4. Recurso parcialmente provido.

 

 ACÓRDÃO

Após o voto da Conselheira Vistora, o Conselho, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausente, circunstancialmente, o Conselheiro Luis Felipe Salomão. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 8 de agosto de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA (RELATOR): Trata-se de Pedido de Providências (PP), no qual Arthur Lachter, juiz de direito substituto vinculado ao Tribunal de Justiça do Estado do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), requer ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se determine à Corte requerida autorização de ausência ao trabalho (juiz de direito professante da fé judaica) no Dia do Perdão (Yom Kippur), sem que haja necessidade de reiteração de pedido ano a ano.

No dia 30.9.2022, julguei improcedente o pedido (Id 4886576), ao entendimento de que não cabe a este Conselho fixar o Yom Kippur ou datas sagradas do judaísmo como dia(s) oficial(ais) de feriado religioso, por se tratar de matéria que carece de lei em sentido estrito, sob a qual o CNJ não possui ascendência.

Arthur Lachter apresentou Recurso Administrativo (Id 4900727) contra essa decisão. Entende que a exigência imposta pelo TJDFT de solicitação anual para se afastar da jurisdição com vistas a guardar o dia do perdão não se sustenta frente a Constituição Federal.

Afirma inexistir “dispositivo constitucional que condicione o exercício da fé a um determinado ano de mandato administrativo”. Entende que a condição imposta pelo Tribunal, consubstanciada na necessidade de formalização de pedido, se reveste de limitação ao exercício pleno da religião e de “discriminação ao judaísmo”.

Assevera não ter sido observado o precedente mencionado no feito, que consiste em decisão do Plenário do CNJ no PCA 0004536-35.2010.2.00.0000.

Apresenta posição contrária à aplicação do entendimento firmado no ARE 1.099.099, do STF. Entende que não se trata de estabelecer critério alternativo ao exercício do direito, mas, sim, de exacerbação do poder da Administração. Ao final, pede a reforma da decisão monocrática e o provimento do recurso.

O TJDFT apresentou contrarrazões no Id 4930881. Informa “que no corrente ano foi deferida foi deferida ao Requerente o gozo de compensação de plantão na data do Yom Kippur”.

É o relatório.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro

 

 

VOTO

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA (RELATOR): Trata-se de Recurso Administrativo contra decisão que julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos (Id 4886576): 

 

Trata-se de Pedido de Providências (PP), no qual Arthur Lachter, juiz de direito substituto vinculado ao Tribunal de Justiça do Estado do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), requer ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se determine à Corte requerida autorização de ausência ao trabalho (juiz de direito professante da fé judaica) no Dia do Perdão (Yom Kip[p]ur), sem que haja necessidade de reiteração de pedido ano a ano.

Aduz, inicialmente, que nos anos de 2019 e 2020 protocolou procedimentos no âmbito do TJDFT para o exercício de seu direito constitucional de liberdade religiosa. Contudo, os pleitos foram deferidos com condicionantes incompatíveis com o ordenamento jurídico, a saber: compensação de horas e necessidade de submissão de pedido ano a ano à Vice-Presidência do Tribunal.

Defende que “quando o TJDFT veda ao juiz de direito que professe sua fé, obrigando-o a, todos os anos, realizar pedido idêntico para assegurar um direito constitucionalmente garantido, incorre em discriminação ao judaísmo” (Id 4779918).

Sustenta que a ausência justificada (dispensa sem contrapartida laboral) tem amparo no direito de liberdade de crença, de modo que ignorar a peculiaridade das práticas dos seguidores do judaísmo afronta seu direito de prática religiosa.

Pede:

a) que este e. Conselho Nacional de Justiça expeça Pedido de Providências ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, recomendando ao TJDFT que elabore Ato Administrativo autorizando os Juízes de Direito professantes da fé judaica a se afastarem de suas funções no Dia do Perdão (Yom Kippur), sem a necessidade de autorização prévia ou posterior compensação” (Id 4779918);

b) que o Pedido de Providências expedido ao TJDFT recomende a elaboração de Ato Administrativo prevendo que o afastamento laborativo no Dia do Perdão (Yom Kippur) ocorra sem a necessidade de autorização prévia ou renovação anual, porém mediante compensação de horário, com suporte no art. 44, parágrafo único, da Lei nº 8.112/90” (Id 4779893).

c) acolhida qualquer das hipóteses acima, requer-se, ainda, que esse e. CNJ conceda, em caráter de urgência, tutela provisória para que o Requerente possa se ausentar de suas funções durante o Dia do Perdão do corrente ano, previsto para as datas de 4 e 5 de outubro de 2022.

O TJDFT prestou esclarecimentos sob as Ids 4816746/ 4816747.

É o relatório. Decido.

O pedido não merece ser acolhido.

O inconformismo relatado nestes autos está relacionado com a necessidade de o requerente ter de pleitear ano a ano o afastamento de suas funções para o exercício de seu direito constitucional de liberdade religiosa (juiz de direito professante da fé judaica).

O TJDFT esclarece que (Id 4816747):

i) Nos autos do Processo SEI 0020664/2019, esta Primeira Vice-Presidência indeferiu o pedido ao argumento de que “apesar de existir direito ao pleno exercício dos dias de guarda da religião, diante da ausência de previsão legislativa de feriado ou ponto facultativo, permanece a obrigação de compensar os dias não trabalhados, conforme os procedimentos que o e. Requerente relata já adotar”, destacando que, até que sobrevenha norma específica, é incabível a dispensa sem a contrapartida laboral;

ii) No ano seguinte [2020], o magistrado instaurou o processo SEI 10969/2020, no qual pleiteou autorização para se ausentar do exercício das atribuições do cargo em datas sagradas do judaísmo, com a devida compensação e, subsidiariamente, para ausência no dia do Yom Kipur, caso coincidisse com dia útil ou designação para o plantão. Nessa oportunidade, a Primeira Vice-Presidência deferiu, em parte, o pedido para autorizar tão somente o afastamento do magistrado nos dias do Yom Kippur de 2020, com compensação de horário, nos termos do artigo 44 da Lei 8.112/1990, aplicada subsidiariamente aos Magistrados;

iii) Ato contínuo, o requerente solicitou a reconsideração da decisão, para que fosse autorizado o afastamento deferido não apenas para o ano de 2020, mas para os demais anos subsequentes. Todavia, a decisão foi mantida integralmente pela Excelentíssima Senhora Primeira Vice-Presidente à época, Desa. Ana Maria Amarante Brito, ressaltando que a autorização de afastamento "deve ser analisada no exercício em andamento, à luz da conjuntura vigente, a fim de se harmonizar o exercício das atribuições profissionais e o livre exercício da fé, de sorte a se garantir que não haja prejuízo a nenhum dos lados envolvidos".

iv) Não houve pedido formulado no mesmo sentido à Vice-Presidência para o biênio 2022/2024. (grifo nosso).

Não há nos autos argumentos capazes de infirmar os esclarecimentos prestados pelo TJDFT ou a autorizar a intervenção do CNJ.

Com efeito, a liberdade religiosa constitui expressão do Estado Democrático de Direito, com feixe de posições radicado em diversos artigos da Constituição Federal de 1988. Confira-se:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

[...]

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Atento à necessidade de garantir o exercício de todas as liberdades de consciência, de crença e de religião, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução CNJ 440, de 07.01.2022, com o fito de instituir a Política Nacional de Promoção à Liberdade Religiosa e Combate à Intolerância no âmbito do Poder Judiciário brasileiro.

Definiu a liberdade religiosa como “o direito de professar e de se manifestar sobre qualquer religião, crença, doutrina ou culto, sem discriminação, em igualdade de condições com qualquer agente público no âmbito do Poder Judiciário” (art. 2º, I).

Contudo, em que pese os substanciosos argumentos suscitados pelo requerente, há de se reconhecer que ao Conselho Nacional de Justiça não foi atribuída a competência de instituir espécies de feriado ou pontos facultativos nacionais aos órgãos do Poder Judiciário.

É dizer, refoge a este Conselho desbordar do legalismo para fixar o Yom Kippur ou datas sagradas do judaísmo como dia(s) oficial(is) de feriado religioso.

Trata-se de matéria que carece de lei em sentido estrito, sob a qual o CNJ não possui ascendência. Entender de modo diverso, é admitir a usurpação de competência do Poder Legislativo por Órgão eminentemente administrativo.

Reforça essa compreensão a existência das Leis 9.093, de 12.09.1995 e 5.010, de 30.5.1966, que dispõem, respectivamente, sobre os feriados e organização da Justiça Federal de primeira instância.

Lei 9.093/1995

Art. 1º São feriados civis:

I - os declarados em lei federal;

II - a data magna do Estado fixada em lei estadual.

III - os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal. (Inciso incluído pela Lei nº 9.335, de 10.12.1996)

Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da

Paixão.

Lei 5.010/1966

Art. 62. Além dos fixados em lei, serão feriados na Justiça Federal, inclusive nos Tribunais Superiores:

I - os dias compreendidos entre 20 de dezembro e 6 de janeiro, inclusive;

II - os dias da Semana Santa, compreendidos entre a quarta-feira e o Domingo de Páscoa;

III - os dias de segunda e terça-feira de Carnaval;

IV - os dias 11 de agosto, 1º e 2 de novembro e 8 de dezembro.

Acertada, portanto, a decisão do TJDFT que examina ano após ano o pedido formulado pelo requerente. Há nítida compatibilização da ausência de legislação específica (a definir o feriado judeu como hipótese de ausência ao trabalho) com os princípios da liberdade religiosa, da autonomia dos tribunais e da colaboração entre Estado e Igreja.

A jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) corrobora esse raciocínio:

CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL. LIBERDADE RELIGIOSA. OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA. DEVER DO ADMINISTRADOR DE OFERECER OBRIGAÇÃO ALTERNATIVA PARA CUMPRIMENTO DE DEVERES FUNCIONAIS. RECURSO PROVIDO. 1. O princípio da laicidade não se confunde com laicismo. A separação entre Igreja e Estado não pode, portanto, implicar o isolamento daqueles que guardam uma religião à sua esfera privada. A neutralidade estatal não se confunde com indiferença religiosa. A indiferença gera posição antirreligiosa contrária à posição do pluralismo religioso típica de um Estado Laico.

2. O princípio da laicidade estatal deve ser interpretado de forma a coadunar-se com o dispositivo constitucional que assegura a liberdade religiosa, constante do art. 5º, VI, da Constituição Federal. 3. O direito à liberdade religiosa e o princípio da laicidade estatal são efetivados na medida em que seu âmbito de proteção abarque a realização da objeção de consciência. A privação de direito por motivos religiosos é vedada por previsão expressa na constituição. Diante da impossibilidade de cumprir obrigação legal imposta a todos, a restrição de direitos só é autorizada pela Carta diante de recusa ao cumprimento de obrigação alternativa. 4. A não existência de lei que preveja obrigações alternativas não exime o administrador da obrigação de ofertá-las quando necessário para o exercício da liberdade religiosa, pois, caso contrário, estaria configurado o cerceamento de direito fundamental, em virtude de uma omissão legislativa inconstitucional. 5. Tese aprovada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal: “Nos termos do art. 5º, VIII, da CRFB, é possível a Administração Pública, inclusive em estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em face de servidores que invocam escusa de consciência por motivos de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da alteração, não se caracterize o desvirtuamento no exercício de suas funções e não acarrete ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada". 6. Recurso extraordinário provido para conceder a segurança. (ARE 1099099, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-068 DIVULG 09-04-2021 PUBLIC 12-04-2021)

Nessa ordem de ideias, pelo que dos autos constam, não vislumbro fundamentos aptos a ensejar qualquer determinação ao TJDFT pelo CNJ.

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido e, com fundamento no artigo 25, X e XII, do Regimento Interno do CNJ, determino o arquivamento dos autos.

Intimem-se.

Desentranhe-se a petição cadastrada sob a Id 4779918, a teor do pedido formulado pelo magistrado requerente sob o documento de Id 4779892.

Publique-se nos termos do art. 140 do RICNJ. Em seguida, arquivem-se independentemente de nova conclusão.

 

Conheço do recurso administrativo, pois preenchidos os requisitos previstos no Regimento Interno do CNJ.

Como se observa, o que se discute nos presentes autos está restrito à ausência de legislação para que o exercício da liberdade religiosa se concretize de forma automática, como acontece nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que possuem legislações locais que estabelecem o Yom Kippur como feriado religioso.

In casu, como assinalado na decisão monocrática, o magistrado deveria solicitar ao Tribunal sua dispensa, mediante compensação, dos dias em que se ausentaria para exercer seu direito de professar sua fé.

Essa solicitação não significava, contudo, restrição, mas medida necessária para que o Tribunal pudesse se organizar, especialmente em decorrência da ausência do magistrado da jurisdição, já que o feriado em questão não possui data fixa.

A análise promovida pela Vice-Presidência do TJDFT já no ano de 2020 (Id 4930883) é indene de dúvidas quanto ao reconhecimento do direito assegurado pelo texto constitucional (art. 5º, VI):

O livre exercício de prática religiosa é direito fundamental assegurado pelo artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal. Sendo o Brasil um Estado laico (artigo 19-CF), deve, de um lado, prestar proteção e garantia ao livre exercício de todas as crenças, e de outro, proteger o Estado das influências religiosas.

Conforme ficou assente no bem elaborado Parecer 846 (ID 1476767), o direito de liberdade de crença deve ser respeitado mesmo dentro do ambiente laboral, procedendo-se, para tanto, uma acomodação razoável entre o exercício das atribuições profissionais e o exercício da liberdade de crença:

[...]

Assim, a solução que melhor se acomoda ao caso concreto é a compensação de horário, nos termos do artigo 44 da Lei 8.112/1990, aplicada subsidiariamente aos Magistrados, já adotada nesta Corte em caso semelhante.

Posto isso, defiro o afastamento do Excelentíssimo Juiz de Direito Substituto ARTHUR LACHTER nos dias do Yom Kippur de 2020, com compensação de horário, nos termos do artigo 44 da Lei 8.112/1990, aplicada subsidiariamente aos Magistrados. [...]

Após as considerações lançadas pela Conselheira Salise Sanchotene e pelo eminente Corregedor Nacional de Justiça, e para não restarem dúvidas quanto ao direito constitucionalmente assegurado às pessoas de professarem sua fé, entendo ser oportuno a este Conselho assentar a compreensão de que é suficiente a simples comunicação, com antecedência mínima de 60 (sessenta dias), de quando recairá o dia sagrado, a cada ano, a fim de que a Administração possa adotar as devidas providências para compatibilizar a ausência ao trabalho com a prestação jurisdicional.

Por essas razões, dou parcial provimento ao recurso, nos termos da fundamentação acima.

É como voto.

Intimem-se.

Publique-se nos termos do artigo 140 do RICNJ. Em seguida, arquivem-se independentemente de nova conclusão.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Mário Goulart Maia

 

Conselheiro

 

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004235-68.2022.2.00.0000
Requerente: ARTHUR LACHTER
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS - TJDFT

 


 

 

VOTO CONVERGENTE

(COM FUNDAMENTOS DISTINTOS)

 

Trata-se de Pedido de Providências proposto por ARTHUR LACHTER, juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), por meio do qual requereu, em síntese, a possibilidade de ausentar-se do trabalho no Dia do Perdão (Yom Kippur), data sagrada no judaísmo, sem a necessidade de renovação anual do pleito.

O e. relator julgou improcedente o pedido (id. 4886576) ao argumento de que “não cabe a este Conselho fixar o Yom Kippur ou datas sagradas do judaísmo como dia(s) oficial(ais) de feriado religioso, por se tratar de matéria que carece de lei em sentido estrito, sob a qual o CNJ não possui ascendência”.

Em sede recursal, inicialmente, negou-se provimento ao recurso, pela compreensão de que “o que se discute nos presentes autos está restrito à ausência de legislação para que o exercício desse direito se concretize de forma automática, como acontece nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que possuem legislações locais que estabelecem o Yom Kippur como feriado religioso”. Ainda, disse que a solicitação anual “não significa restrição, mas medida necessária para que o Tribunal possa se organizar, especialmente em decorrência da ausência do magistrado da jurisdição, já que o feriado em questão não possui data fixa”.

Na 4ª Sessão Virtual de 2023 (16/03/2023 a 24/03/2023), pedi vista dos autos para melhor análise da matéria, notadamente por envolver providência administrativa relacionada a direito constitucionalmente assegurado. E, ao estudar detidamente o tema, cheguei a conclusões distintas do voto originário do relator, conforme apresentei em meu voto lançado na 5ª Sessão Virtual de 2023  (13/04/2023 a 20/04/2023).

Nos termos regimentais, o Conselheiro Mário Maia, relator, destacou o feito da sessão virtual para a sessão presencial. Na 11ª Sessão Ordinária de 2023, realizada presencialmente em 08/08/2023, o relator proferiu voto oralmente, ajustado às considerações por mim apresentadas. Em virtude de o novo voto não ter sido disponibilizado no sistema, pedi, então, nova vista dos autos, com os ajustes pertinentes.

Inicialmente, pontuo que o caso envolve interesse individual, o que, a rigor, não possibilitaria a apreciação por este Conselho, conforme a sedimentada jurisprudência da Casa, materializada, ainda, no Enunciado Administrativo n. 17, de 10/9/2018. Todavia, os debates aqui desenvolvidos encontram amparo na Política Nacional de Promoção à Liberdade Religiosa e Combate à Intolerância no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, de modo que a situação concreta experimentada pela parte deve ser analisada à luz da Política Judiciária instituída pela Resolução CNJ n. 440/2022.

Por isso, o recurso interposto, além de tempestivo, envolve matéria que merece apreciação de mérito por este Colegiado.

Quanto ao pedido formulado, dissinto do relator nas razões de decidir. Entendo que a controvérsia não envolve o estabelecimento, pelo CNJ, de dias sagrados no calendário oficial, tampouco relaciona-se à tentativa de fazer prevalecer direito textualmente previsto em legislações estaduais não reproduzidas no Distrito Federal, e sim a reflexão sobre como conjugar o pleno exercício de um direito constitucionalmente previsto (a liberdade religiosa), com os trâmites administrativos inerentes à organização do tribunal.

 

A insurgência do recorrente é clara:

 

a exigência imposta pelo TJDFT, de que o Recorrente tenha que, todo ano, implorar para exercer seu direito constitucional de coexistir, como praticante da fé judaica, com a função de juiz de direito, viola o direito ilimitado do Requerente a guardar, anualmente, o Dia do Perdão (Yom Kippur) (id. 4900727, p. 3);

 

“quando o TJDFT veda ao juiz de direito que professe sua fé, obrigando-o a, todos os anos, realizar pedido idêntico para assegurar um direito constitucionalmente garantido, incorre em discriminação ao judaísmo (id. 4900727, p. 4).

 

 

Extrai-se dos autos que o TJDFT não proibiu o exercício do direito ao postulante, mas condicionou tal exercício a renovações anuais do pedido. Tampouco cuida o impasse a respeito da obrigação alternativa ao magistrado que invocou objeção de consciência, e sim do embaraço suportado pela parte ao ter de deflagrar, anualmente, processo administrativo para fazer valer seu direito constitucional à liberdade religiosa.

Essa dinâmica fica bastante clara ao ser analisado o processo administrativo que tramitou no TJDFT. Vejamos:

Em 27 de agosto de 2019, postulou o requerente ao TJDFT (id. 4779923, p. 2):

 

Desde a posse do requerente no TJDFT, em todos os anos, no dia do perdão, que pela não coincidência de calendários muitas vezes abarca dois dias do calendário gregoriano, tem-se utilizado dias de compensação de plantão para que não exerça trabalho e possa professar sua fé, na forma descrita acima, com jejum e comparecimento à sinagoga.

Não se mostra razoável que um fiel seja obrigado a trabalhar ou a dispor de dias de férias ou ainda de compensação de plantão para poder cumprir os preceitos do dia mais santo de sua religião.

O requerente vem pedir então que seja proferida decisão por essa vice-presidência liberando a atuação profissional nos dias do ano que coincidam com o dia do perdão, os quais o requerente se compromete a informar com antecedência de pelo menos dois meses.

 Por fim, vem informar que no ano de 2019, os dias de serviço religioso pelo dia do perdão começam em 08/10/2019 e acabam em 09/10/2019.

 Destaco que me comprometo a adequar a pauta de audiências caso esteja designado para algum Juízo nas datas declinadas enquanto for juiz substituto ou pelo período que for juiz titular.

 

O feito foi remetido, em 3/9/2019, à Assessoria da Primeira Vice-Presidência do tribunal para emissão de parecer (id. 4779923, p. 5).

Assinou-se o aludido parecer em 4/9/2019, com manifestação desfavorável ao acolhimento da proposição, pela impossibilidade de previsão legal de dispensa sem a devida compensação (id. 4779923, pp. 6/10):

 

A norma municipal de São Paulo, Decreto 57.639/2017, cinge-se a considerar justificadas as faltas dos servidores nas datas sagradas das religiões judaica e islâmica.

A liberação do exercício do serviço público, seja por feriado, seja por ponto facultativo, exige manifestação prévia do Poder Legislativo, conforme decisão política. Trata-se de juízo de conveniência e de oportunidade, por oficializar os dias de guarda que seriam observados, de qualquer maneira, por parcela da população.

Não obstante inexistir previsão normativa específica no âmbito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, o princípio da livre expressão de religião e de consciência protege o respeito aos dias de guarda não determinados por lei. Interessante observar a Portaria 444 de 27 de dezembro de 2018 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Embora restrito ao Poder Executivo Federal, o artigo 3º explicita a garantia plenamente vigente por força normativa da Constituição:

Art. 3º Os dias de guarda dos credos e religiões, não relacionados nesta portaria, poderão ser compensados na forma da Instrução Normativa nº 2, de 12 de setembro de 2018, desde que previamente autorizados pelo responsável pela unidade administrativa do exercício do servidor (grifo nosso).

Em conclusão, apesar de existir direito ao pleno exercício dos dias de guarda da religião, diante da ausência de previsão legislativa de feriado ou ponto facultativo, permanece a obrigação de compensar os dias não trabalhados, conforme os procedimentos que o e. Requerente relata já adotar. Até que sobrevenha norma específica, é incabível a dispensa sem a contrapartida laboral. Diante do exposto, manifesta-se esta Assessoria desfavoravelmente ao acolhimento da proposição.

 

O processo foi finalizado em 6/9/2019 com o acolhimento do parecer e indeferimento do pedido (id. 4779923, p. 12).

Em 10 de julho de 2020 (id. 4779924, pp. 9/14), o requerente formulou novo pedido, no qual aduziu, em síntese, que o parecer acolhido no expediente acima citado reconheceu seu direito a professar a fé judaica, a despeito da conclusão pelo indeferimento, dada a ausência de norma para amparar o pleito de ausência do trabalho sem a devida compensação.

Sustentou, então, não se opor à compensação, e assim postulou:

10. Fica claro, portanto, que, unicamente em razão da ausência de previsão legislativa expressa, o parecer concluiu pela impossibilidade do pedido do Requerente tal como havia sido formatado, ou seja, pela impossibilidade de se deferir a ausência justificada (“dispensa sem contrapartida laboral”) nos dias religiosos indicados.

11. Não obstante, o parecer foi claro no sentido de que o direito pleiteado existe e é legítimo, sendo apenas necessário que se observe a obrigação de compensação dos dias não trabalhados.

12. Embora o Requerente já atue de forma a buscar compensar sua eventual ausência nas datas em questão, é de primordial importância que haja uma manifestação dessa Eminente Vice-Presidência do TJDFT no sentido já sustentado, inclusive, pelo parecer em tela, ou seja, determinando a possibilidade de o Requerente se ausentar nas datas religiosas sagradas para sua fé judaica, desde que tais ausências sejam devidamente compensadas.

13. Isso porque, embora esta já seja a prática do Requerente e, inclusive, tenha sido reconhecida como correta pelo parecer ofertado para o PA0020664/2019, o Requerente não deseja permanecer numa situação de informalidade com relação ao seu direito de prática religiosa, sendo fundamental que, mesmo mediante a obrigação de compensação – à qual o Requerente não se opõe – seja reconhecido o seu direito.

14. Diante de todo o exposto, em especial diante das razões e da conclusão adotadas pelo Parecer 2151/2019/APVP, ofertado nos autos do PA0020664/2019, é o presente para requerer a Vossa Excelência que, em homenagem ao princípio da liberdade de manifestação de consciência e liberdade de manifestação religiosa, defira ao Requerente a possibilidade de se ausentar do exercício de suas funções no TJDFT, nos dias sagrados ao judaísmo, mediante prévia autorização do responsável por sua unidade administrativa e da devida compensação dos dias de sua ausência.

15. Para a implementação da decisão ora buscada, sugere-se que a compensação dos dias de ausência seja feita mediante a adoção dos mesmos parâmetros de produtividade já adotados pelo TJDFT para os magistrados do NUPMETAS.

16. Subsidiariamente, pugna-se pela concessão de autorização para ausência no dia do Yom Kipur, caso coincida com dia útil ou designação de plantão do Requerente, compensando-se esta pontual falta em outro dia a ser determinado pela autoridade superior competente.

 

Elaborou-se novo parecer (id. 4779924, pp. 17/27), no seguinte sentido:

 

33. Ante o exposto esta consultoria se posiciona:

a) Pelo indeferimento do pedido principal, já que não é dotado de liquidez (“dias sagrados do judaísmo”) para aferir o ônus excessivo que possibilita a acomodação razoável da prática religiosa.

b) Pelo deferimento do pedido subsidiário, dado que o dever de acomodação razoável impõe que o Estado respeite a liberdade de crença, desde que o ônus imposto seja razoável com efetiva compensação de jornada in natura, dado que a compensação por meta de produtividade é vedada no âmbito desta Corte de Justiça (0303246) e não encontra amparo em lei.

 

A decisão, proferida pela Desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito, Primeira Vice-Presidente do TJDFT, em 4/9/2020, concluiu (id. 4779924, pp. 29/34):

 

Posto isso, defiro o afastamento do Excelentíssimo Juiz de Direito Substituto ARTHUR LACHTER nos dias do Yom Kippur de 2020, com compensação de horário, nos termos do artigo 44 da Lei 8.112/1990, aplicada subsidiariamente aos Magistrados.

Indefiro o pedido de afastamento do Magistrado nos dias dos feriados judaicos.

O Magistrado deverá informar nos autos, no prazo de 5 (cinco) dias, o dia e o mês da data religiosa, considerando tratar-se de data móvel do calendário gregoriano, a fim de que seja mesurada a compensação do afastamento.

 

Posteriormente, peticionou novamente o magistrado (id. 4779924, pp 48/49), a fim de que o direito não fosse garantido apenas no ano de 2020:

4. Desse modo, requer-se a integração da r. decisão desta e. 1ª Vice-Presidência do TJDFT tão somente para que, à vista do pedido subsidiário realizado no requerimento administrativo em tela, passe o dispositivo da decisão a indicar autorização para que o Requerente se afaste nos dias do Yom Kipur, com compensação de horário, sem restringir tal direito ao ano de 2020.

5. Por fim, em atenção à determinação contida na parte final da r. decisão em comento, informa o Requerente que o Yom Kipur, neste ano de 2020, será celebrado nos dias 27.09.2020 e 28.09.2020.

 

Então, em 24/9/2020, proferiu-se nova decisão, mantendo-se os termos da decisão anterior, sob os seguintes fundamentos (id. 4779924, pp. 51/52):

A autorização de afastamento deve ser analisada no exercício em andamento, à luz da conjuntura vigente, a fim de se harmonizar o exercício das atribuições profissionais e o livre exercício da fé, de sorte a se garantir que não haja prejuízo a nenhum dos lados envolvidos.

A competência envolve a delimitação do poder de decidir, não só em razão da matéria, pessoa e lugar, mas também em função de um período.

Assim, examinou-se o pedido do Magistrado no âmbito da competência desta Primeira Vice-Presidência.

Nessa toada, não vislumbro ser razoável decidir o presente caso ultrapassando o tempo de mandato a mim conferido, porquanto transcendendo esse limite estaria invadindo a esfera da atuação administrativa do meu sucessor, sendo mais conveniente que se considere o exercício em andamento.

Por todo o exposto, mantenho integralmente a Decisão 1498993.

 

Em síntese:

 Em 2019 o direito foi reconhecido, mas o pedido negado;

 Em 2020, o direito foi reconhecido e o pedido de afastamento, com compensação, deferido, mas restrito ao ano de 2020.


E é exatamente essa a insurgência, por se sustentar a desnecessidade de, anualmente, submeter um direito constitucionalmente previsto à análise da Administração.


O caso concreto – que não envolve a negativa do direito -, deve ser analisado no patamar adequado de compreensão acerca do tema, com remissão às balizas normativas e jurisprudenciais que erigiram o direito à liberdade religiosa a uma dimensão concreta a ser observada no Judiciário, no bojo da gestão interna das Cortes.

A Resolução CNJ n. 351/2020, que instituiu a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação elencou a distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na religião como uma das expressões da discriminação que deve ser reprimida pelo Poder Judiciário.

Posteriormente, dispôs o inciso IV do art. 3º da Resolução CNJ n. 440/2022, como princípio norteador da Política de Promoção à Liberdade Religiosa, “a adoção de medidas administrativas que garantam a liberdade religiosa no ambiente institucional, adotando medidas de incentivo à tolerância e ao pluralismo religioso entre os seus membros, servidores, colaboradores e público externo, sem comprometimento da prestação jurisdicional e rotinas administrativas”.

Essas políticas ilustram a evolução do tema no CNJ, que caminha na mesma linha de entendimento do Supremo Tribunal Federal.

No Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1099099[1], julgado em 12/4/2021, o e. Ministro Edson Fachin, Relator, assim lecionou (g.n.):

A neutralidade estatal não se confunde com indiferença religiosa. A indiferença gera posição antirreligiosa contrária à posição do pluralismo religioso típica de um Estado Laico. Como afirmado por Jorge Miranda, “(...) o silêncio sobre religião, na prática, redunda em posição contra a religião.” (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 427).

Ademais, o dever de neutralidade se diferencia da ideia de indiferença religiosa, pois pressupõe a adoção de comportamentos positivos quando necessários para afastar sobrecargas que possam impedir ou dificultar determinadas opções em matéria de fé, visando efetivar a garantia da Liberdade Religiosa.

 

No Recurso Extraordinário (RE) 611874[2], julgado em 26/11/2020, que discutiu a possibilidade de realização de etapa de concurso em horário diverso daquele determinado pela Comissão Organizadora do certame, assentou-se, do mesmo modo: “no debate acerca da adequação de atividades administrativas a horários alternativos em respeito a convicções religiosas, deve o Estado implementar prestações positivas que assegurem a plena vivência da liberdade religiosa, que não são apenas compatíveis, como também recomendadas pela Constituição da República, a teor do inciso VII do art. 5º, CRFB”.

Como se nota, não basta a previsão do direito: há necessidade de a Administração adotar medidas concretas para fazer valer a liberdade religiosa. Nesse passo, não há razões a que se imponha constante aflição para simplesmente poder ser exercido um direito constitucionalmente previsto, tendo que anualmente ser submetido a tramitação interna para análise do direito, por meio de parecer da assessoria jurídica, a fim de lastrear deliberação da autoridade competente.

Na espécie, a inexistência de data fixa para a celebração do Yom Kippur não pode amparar a adoção de providências que burocratizam o exercício da religião por seus adeptos. Por mais que, de fato, o tribunal precise ser comunicado da necessidade de afastamento para adequar as substituições da jurisdição, a imposição de abertura anual de processo administrativo, com tramitação em vários setores, gera entrave ao pleno exercício da fé professada.

Imagine-se a hipótese de a tramitação morosa acarretar silêncio da Administração na data sagrada para o postulante. O impasse em profanar a religião seguida ou ausentar-se do trabalho sem autorização certamente se colocaria. E esse desconforto gerado na instância administrativa não me parece compatível com os preceitos constitucionais reproduzidos nas políticas implementadas pelo CNJ.

Na Recomendação CNJ n. 119/2021, que versa sobre a garantia dos direitos à assistência e diversidade religiosa em suas mais diversas matrizes e à liberdade de crença nas unidades de privação e restrição de liberdade, foi trazida orientação bastante razoável a casos como o dos autos.

Previu o inciso I do art. 4º que quando o reeducando ingressa na unidade prisional, deve manifestar se pratica alguma religião, de modo que as providências cabíveis sejam adotadas. Vejamos:

I – a indagação, por parte das autoridades administrativas do estabelecimento, se a pessoa privada ou restrita de liberdade, desde o ingresso na unidade prisional ou socioeducativa, deseja manifestar se pratica alguma crença ou religião, se deseja receber assistência religiosa e se possui vínculo com alguma instituição ou representante religioso, a fim de que sejam adotadas as providências cabíveis para a preservação do vínculo;

 

Essa medida é apenas um exemplo de que é possível a Administração adotar medidas pertinentes com menos obstáculos ao praticante de determinado credo ou religião sem que haja necessidade de renovação anual do pedido, de modo a garantir, assim, a liberdade religiosa em sua plenitude, sem embaraços.

A Constituição Federal estabelece a inviolabilidade da liberdade de crença e de consciência, e confere a possibilidade de prestação alternativa quando a invocação colidir com obrigação legal imposta. O direito subjetivo ao exercício da crença ou religião é, portanto, inequívoco, e ressoa incompatível com as Políticas do CNJ a submissão a incertezas quanto ao deferimento ou não do pedido de afastamento em dia de trabalho representativo da fé seguida.

 Diante da inexistência de data fixa para a celebração do Yom Kippur – data que exige recolhimento e consagração -, cabe a quem professa determinada fé apenas comunicar, com antecedência, quando recairá o dia sagrado em determinado ano, a fim de que a Administração adote as providências necessárias para a substituição e compensação da ausência.

A despeito dos ajustes formulados pelo Relator, entendo que devo acompanhá-lo nas conclusões, no sentido de dar parcial provimento ao recurso, porém por razões de decidir distintas.

 

É que o relator traz, em sua análise, a afirmação de que o cerne da controvérsia envolve “a ausência de legislação para que o exercício desse direito se concretize de forma automática, como acontece nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro”, e afirmou, também, que a “solicitação [do requerente ao TJDFT] não significava, contudo, restrição, mas medida necessária para que o Tribunal pudesse se organizar, especialmente em decorrência da ausência do magistrado da jurisdição, já que o feriado em questão não possui data fixa”. 

Porém, entendo não ser a ausência de legislação específica no Distrito Federal o ponto nevrálgico, e sim o embaraço ao exercício de direito constitucionalmente previsto, causado por procedimentos internos desnecessários. Ainda, entendo que o embaraço provado internamente efetivamente provocava restrição ao direito do recorrente. 

 

Considerando a incorporação, pelo relator, de minhas considerações e das bem lançadas pelo e. Ministro Corregedor, no sentido de que “é suficiente a simples comunicação, com antecedência mínima de 60 (sessenta dias), de quando recairá o dia sagrado, a cada ano, a fim de que a Administração possa adotar as devidas providências para compatibilizar a ausência ao trabalho com a prestação jurisdicional”, ACOMPANHO o relator nas conclusões, com fundamentos distintos.


É como voto.

 

Salise Sanchotene

Conselheira 



[1] (STF - ARE: 1099099 SP, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 26/11/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 12/04/2021)

[2] (STF - RE: 611874 DF, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 26/11/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 12/04/2021)