Conselho Nacional de Justiça


Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0006735-10.2022.2.00.0000
Requerente: CARLOS ALBERTO CAPELETTI
Requerido: SEBASTIÃO DE MORAES FILHO



EMENTA

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO SUMÁRIO. SUPOSTA PARCIALIDADE DO JULGADOR. MATÉRIA DE NATUREZA ESTRITAMENTE JURISDICIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECURSO NÃO PROVIDO. 

1.O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. 

2. Mesmo invocações de erro de julgamento e/ou erro de procedimento não se prestam a desencadear a atividade correicional, salvo exceções pontualíssimas das quais se verifique de imediato infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica na espécie. 

3. Verifica-se que o objetivo do recorrente é a revisão das decisões prolatadas pelo magistrado representado. Em tais casos, sendo matéria estritamente jurisdicional e não se enquadrando nas exceções mencionadas, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça. 

4. Recurso administrativo não provido. 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 19 de maio de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Mário Goulart Maia.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0006735-10.2022.2.00.0000
Requerente: CARLOS ALBERTO CAPELETTI
Requerido: SEBASTIÃO DE MORAES FILHO


RELATÓRIO

 

 

                     O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:  

 

1. Cuida-se de recurso administrativo interposto por CARLOS ALBERTO CAPELETTI contra decisão de arquivamento de reclamação disciplinar apresentada em face SEBASTIÃO DE MORAES FILHO, desembargador da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Mato Grosso/TJMT.

Nas razões do recurso (Id. 5012469), o recorrente alega, em síntese, que a reclamação disciplinar não se trata de matéria estritamente jurisdicional, mas de análise de desvio na prestação jurisdicional praticada na condução de processos da relatoria do reclamado, reiterando a atuação parcial e direcionada do desembargador em benefício da Sra. Rúbia.

Argumenta que no Agravo de Instrumento sob o nº 1010441-45.2020.8.11.0000, “o Recorrido deferiu, em favor da parte contrária, a liberação imediata de 50% dos valores bloqueados nos autos do processo n. 4314- 98.2017.8.11.0005, que correspondia a cerca de R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais), sem considerar fato relevantíssimo posto pelo ora Recorrente – inexistência de caução para levantamento de quantia.”

Afirma que “a determinação apenas não foi cumprida em razão da decisão proferida pelo STJ no pedido de Tutela Provisória do Banco do Brasil no AREsp 1399725/MT, cujo fundamento principal foi justamente o receio de liberação de uma vultuosa quantia de valores sem qualquer espécie de garantia. Ora, a autorização de levantamento de valores antes do trânsito em julgado, a terceiros, e sem a devida segurança do juízo, revela inquestionável prática de procedimento incorreto do Desembargador Reclamado, dada patente possibilidade de modificação do contexto processual, já que não alcançada a estabilização da demanda judicial pela coisa julgada.”

Por seu turno, em relação ao Agravo Regimental sob o nº 1010441-45.2020.8.11.0000, sustenta que “o Recorrido determinou em favor da Sra. Rúbia, que em 72 horas fosse efetuado depósito, por terceiros completamente estranhos à lide, 16 Srs. JOSÉ e sua esposa LOIRACI DOTTO (Id 141375688, fl. 806 - página 5), sem contraditório e sem tal ponto ser objeto da decisão agravada, das prestações do contrato de promessa de compra e venda celebrado entre estes e o Recorrente, CARLOS ALBERTO CAPELETTI, antes da ação ajuizada em face do Recorrente pela Sra. RÚBIA (ação anulatória).”

Além disso, argumenta que “o comportamento do Recorrido indica seu descontentamento pessoal com a lide em comento, e em especial com a pessoa do Recorrente, tornando-o parcial em suas decisões, pois passou a assumir o papel de defensor da Sra. RÚBIA, deferindo sempre, a cada recurso, a totalidade de seus pedidos, ainda que não tenham sido objeto da decisão recorrida, enquanto ameaça o Reclamante ao exercer seu direito de contraditório e ampla defesa.”

Devidamente intimado, o desembargador reclamado apresentou contrarrazões ao recurso no Id. 5096988 e informações no Id. 5099204.

No Id. 5104461, o reclamante informa que, na data de 07/02/2023, nos autos do RAI nº 1023716-90.2022.8.11.0000 foi apresentado o incidente de Exceção de Suspeição em face do Reclamado.

 

É o relatório.

 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0006735-10.2022.2.00.0000
Requerente: CARLOS ALBERTO CAPELETTI
Requerido: SEBASTIÃO DE MORAES FILHO

 


VOTO


            

          O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA: 

 

2. Conforme tratado no decisum ora recorrido, no presente caso, ao que se extrai do texto da reclamação formulada e das informações prestadas pelo magistrado, não há indícios que demonstrem que o reclamado tenha descumprido seus deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.

Com efeito, no que tange à alegada ofensa ao dever de imparcialidade do juízo, da análise dos autos, verifica-se que não houve sequer a instauração pelo representante de qualquer incidente de suspeição, via própria para as questões relativas à eventual parcialidade do magistrado.

Apenas após ter sido proferida a decisão que determinou o arquivamento deste expediente é que o reclamante resolveu apresentar, em 07/02/2023, incidente de Exceção de Suspeição em face do Reclamado, conforme informado no Id. 5104461.

De todo modo, a questão relativa à suposta parcialidade da requerida é matéria de índole jurisdicional e desborda da atuação da Corregedoria Nacional de Justiça.

Isso porque se há suspeição dos julgadores, a princípio, esta deve ser discutida nos instrumentos existentes na legislação e vocacionados a esse desiderato, que, inclusive, permitem a produção probatória, em determinados casos.

Apenas depois de reconhecida judicialmente, em sede de Exceção, a eventual suspeição ou o impedimento do magistrado e a sua atuação nessas condições, é que a Corregedoria Nacional de Justiça pode, eventualmente, atuar, porque não é dado ao CNJ substituir-se aos órgãos jurisdicionais para reconhecer a suspeição ou a parcialidade de magistrados.

3. Nos termos do entendimento do Conselho Nacional de Justiça, é inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.

Decerto, os procedimentos disciplinares não podem ter prosseguimento em hipóteses circunscritas a simples ilações, referências genéricas, conjecturas pessoais, pois a instauração de procedimento disciplinar pressupõe que as imputações tenham sido respaldadas por provas ou indícios que indiquem a prática de condutas ilícitas por parte dos magistrados.

Rememore-se que a demonstração de justa causa é requisito essencial para o prosseguimento de apuração disciplinar conforme reiterada jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. NÃO DEMONSTRADO ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. ART. 8º, INCISO I, DO REGIMENTO INTERNO DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA.

1. Exame de matéria eminentemente jurisdicional. Impossibilidade de análise do acerto ou desacerto das decisões jurídicas pela via correcional.

2. Em âmbito administrativo-disciplinar, é necessário que se leve em conta o caso concreto e o elemento subjetivo da conduta do magistrado para verificação da existência de indícios de desvio de conduta na prática de ato jurisdicional, o que não se verifica neste caso.

3. O art. 8º, inciso I, do Regimento Interno da Corregedoria Nacional de Justiça exige o arquivamento sumário das reclamações que, entre outras, se apresentem manifestamente improcedentes.

4. Não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo disciplinar.

5. Ausência de infringência aos deveres funcionais ou de conduta ilícita da magistrada.

Recurso administrativo improvido” (CNJ. Reclamação disciplinar nº 0008092-30.2019.2.00.0000, 62ª Sessão Virtual – Plenário. Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, v.u., j. 27/03/2020).

 

Por seu turno, nota-se que as demais irresignações se referem a exame de matéria estritamente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

Não se ignora que, travestido de ato jurisdicional, poderia haver abuso de poder, desvio de finalidade ou busca/proteção de interesses escusos.

Contudo, no caso em presença, não há indícios que sinalizem a prática de qualquer perseguição ou conduta indevida.

Com efeito, o Conselho Nacional de Justiça, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das presentes no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

Nesse sentido:

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME.

1. A análise dos fatos narrados neste expediente refere-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

2. Com efeito, a correção do alegado equívoco jurídico do magistrado, na condução do processo, deve ser requerida pela via jurisdicional. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103- B, § 4º, da Constituição Federal. Arquivamento da reclamação disciplinar. (CNJ. Reclamação disciplinar nº 0005027-90.2020.2.00.0000, 77ª Sessão Virtual – Plenário. Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, v.u., j. 20/11/2020).

 

Mesmo invocações de error in judicando e error in procedendo não se prestam a desencadear a atividade censória, salvo exceções pontualíssimas das quais se deduza, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica na espécie.

Aliás, eventual divergência na interpretação ou aplicação da lei não torna o ato judicial, por si só, teratológico, muito menos justifica a intervenção correcional.

A propósito:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. DESVIO DE CONDUTA. INEXISTENTE. ABUSO E TERATOLOGIA DAS DECISÕES JUDICIAIS. INSUFICIENTE.ERROR IN PROCEDENDO. JURISDICIONAL. RECURSO NÃO PROVIDO.

(…) 2. É necessário que se demonstre concretamente o ato abusivo do magistrado, ou seja uma falha de postura do julgador que se coadune a uma das infrações disciplinares tipificadas no Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN.

3. As invocações de erro de procedimento (error in procedendo) e erro de julgamento (error in judicando) impedem a atuação correcional, pois carregadas de conteúdo jurisdicional.

4. Recurso não provido (CNJ. Reclamação disciplinar nº 0000784-474.2018.2.00.0000, 275ª Sessão Ordinária – Plenário. Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, v.u., j. 07/08/2018).

 

4. Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como voto. 

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça

 

 

J3/F31