Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0009028-55.2019.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


PROCEDIMENTO DE CONSULTA. ARTIGO 89 DO REGIMENTO INTERNO DO CONSEHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. QUESTÃO EM TESE APRESENTADA COMO DÚVIDA. CONHECIMENTO. ELEIÇÃO PARA CARGOS DE DIREÇÃO DOS TRIBUNAIS. ARTIGO 102 DA LOMAN. CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA DE MAGISTRADOS AFASTADOS CAUTELARMENTE. AUSÊNCIA. PEDIDO DE DESISTÊNCIA. NÃO ACOLHIMENTO. CONSULTA RESPONDIDA NEGATIVAMENTE.

I Deve ser conhecida a Consulta que trata de dúvida a respeito de situação jurídica abstrata, de interesse geral e repercussão para o Poder Judiciário nacional, à luz do disposto no art. 89 do Regimento Interno do CNJ – RICNJ, razão pela qual não se acolhe pedido de desistência formulado após o início da sessão de julgamento. Precedentes do Conselho e do Supremo Tribunal Federal. 

II – Magistrado afastado cautelarmente do cargo está impedido de exercer a função pública em toda a sua extensão, na qual se insere, para aqueles que são membros efetivos de tribunais, a participação no processo de escolha dos titulares dos cargos de direção de que trata o art. 102 da LOMAN.

III – Consulta respondida negativamente no sentido de que o magistrado afastado cautelarmente do cargo, por decisão judicial ou administrativa, na forma dos artigos 27, §3º, ou 29 da LOMAN, não poderá concorrer aos cargos de direção do tribunal que integra como membro efetivo, enquanto perdurar o afastamento, salvo se de outro modo dispuser a decisão que o afastou.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu, por unanimidade: I - incluir em pauta o presente procedimento, nos termos do § 1º do artigo 120 do Regimento Interno; II - não homologar o pedido de desistência formulado pelo Requerente; III - responder à consulta negativamente, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Dias Toffoli. Plenário, 3 de dezembro de 2019. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Valtércio de Oliveira, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues e André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0009028-55.2019.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de CONSULTA formulada pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA – TJBA por meio da qual suscita dúvida a respeito da aplicação do art. 102 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, em contexto no qual esteja em vigor decisão judicial que determine o afastamento cautelar de Desembargadores do exercício de suas funções.

O questionamento foi formulado nos seguintes termos:

Desembargadores afastados cautelarmente do exercício das respectivas funções por força de decisão judicial possuem capacidade eleitoral passiva, vale dizer, são suscetíveis de serem eleitos para os cargos de direção do Tribunal? ” 

 

O Consulente entende que o questionamento revela questão de interesse e repercussão gerais para o Poder Judiciário Nacional e que compete ao Conselho Nacional de Justiça dirimir dúvida quanto à elegibilidade e à capacidade jurídica – para assumir cargo de direção do Tribunal a que se vincula - de Desembargador afastado cautelarmente de suas funções por decisão judicial. 

O procedimento constou da pauta de julgamento da 301ª Sessão Ordinária, agendada para o dia 3/12/2019 e, no mesmo dia, após o início da sessão, o Consulente atravessou pedido de desistência (ID 3824566).

É o relatório. 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0009028-55.2019.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


VOTO

 

1. PRELIMINAR

Devidamente instruído e analisado, o procedimento Consulta foi incluído na 301ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça.

Iniciada a Sessão de Julgamento, o Consulente formulou pedido de desistência, arguindo não haver “razão para a apreciação e julgamento do presente procedimento” (Ofício n. 1416/2019/CGPRES/TJBA – ID 3824566).

Pois bem.

O Conselho possui precedente específico sobre o não acolhimento de pedido de desistência formulado em procedimento instaurado para dirimir questão “em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência” (inteligência do art. 89 do RICNJ).

No julgamento da Consulta n. 0001131-93.2007.2.00.0000, o Plenário manifestou-se nos seguintes termos:

Em prosseguimento ao julgamento, após questão de ordem levantada pelo Conselheiro Antônio Umberto, referente ao pedido de desistência formulado pelo requerente, o Conselho decidiu: I – por maioria, não acolher o pedido de desistência e prosseguir no exame de mérito, vencido o Conselheiro Rui Stoco, que acolhe a desistência formulada pelo autor, e propõe conhecer de ofício da matéria, sendo acompanhado pelos Conselheiros Andréa Pachá e Paulo Lobo (...)”. (grifo nosso)

(CNJ - CONS - Consulta - 0001131-93.2007.2.00.0000 - Rel. Antônio Umberto Souza Júnior - 88ª Sessão - j. 18/08/2009).

 

O Requerente da Consulta acima destacada, irresignado com a decisão colegiada de não acolhimento de seu pedido de desistência, submeteu a questão à análise do Supremo Tribunal Federal - STF, por meio do MS n. 28.286/DF. A egrégia Corte manifestou-se no seguinte sentido:

Não bastasse o fato de o pedido de desistência haver sido apresentado quando já iniciada a apreciação da consulta, tem-se, também, que vinga, no âmbito do direito público, ao menos como regra, a indisponibilidade no tocante a atos formalizados. A consulta foi formulada pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal não como titular de direito substancial, mas personificando o próprio Tribunal.

Mais do que isso, segundo o artigo 103-B da Constituição Federal, incumbe ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, ‘podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências (...)’ – § 4º, inciso I – e ‘zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstitui-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União’ – § 4º, inciso II.

Então, vejo como harmônico com o ordenamento jurídico o ato por m5eio do qual o Conselho refutou a desistência formalizada, pouco importando que não haja adotado o que preconizaram os Conselheiros Rui Stoco, Andréa Pachá e Paulo Lôbo – a continuidade do exame da matéria mediante o conhecimento de ofício. Improcede esta causa de pedir da impetração.” (grifo nosso). (MS 28286/DF, rel. Min. Marco Aurélio, DJe-001 divulgado em 4/1/2011, publicado em 1/2/2011)[i]

 

Portanto, tendo em vista os precedentes acima indicados, deixo de acolher o pedido de desistência formulado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e passo à análise da questão, em tese, submetida nesta Consulta.

 



[i] http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28MS%24%2ESCLA%2E+E+28286%2ENUME%2E%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/av3d3n8

2. ADMISSIBILIDADE

Conforme relatado, a dúvida apresentada na presente Consulta se refere à aplicação do art. 102 da LOMAN, mais especificamente quanto à possibilidade de magistrado afastado cautelarmente, por força de decisão judicial, ser detentor de capacidade eleitoral passiva em processo de escolha dos titulares dos cargos de direção do tribunal que integra.

À toda evidência, trata-se de questionamento de conteúdo genérico, trazido como tese, de interesse geral e com repercussão para o Poder Judiciário nacional, com suficiente abstração para ensejar o conhecimento da matéria pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, à luz do disposto no art. 89 do RICNJ: 

Art. 89. O Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência. 

§ 1º A consulta deve conter indicação precisa do seu objeto, ser formulada articuladamente e estar instruída com a documentação pertinente, quando for o caso. 

§ 2º A resposta à consulta, quando proferida pela maioria absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral. 

 

A Consulta merece ser conhecida.

 

3. MÉRITO

De início, é importante destacar que o objeto da presente Consulta não se refere a conteúdo de decisão judicial que determina o afastamento cautelar de magistrado. Essa é apenas a premissa fática de que parte o Consulente para suscitar a dúvida quanto ao procedimento, estritamente administrativo, a ser adotado pelos tribunais na análise da elegibilidade dos seus membros no processo de eleição para titulares de seus cargos de direção.

A situação jurídica abstrata posta em discussão é a capacidade eleitoral passiva dos magistrados que se encontram preventivamente afastados dos cargos, e, a partir desse dado posto, como situá-los à luz do art. 102 da LOMAN.

Dentro desse contexto, a questão deve ser analisada sob o ponto de vista da condução administrativa, ressalvando, por óbvio, determinações diversas oriundas das decisões que originaram o afastamento cautelar.

Ainda que a Consulta tenha feito referência apenas aos afastamentos preventivos decorrentes de decisões judiciais, é preciso dizer que a fonte da ordem cautelar é despicienda, pois, como dito, o que importa para o deslinde da controvérsia é a condição jurídica do magistrado à época do processo de eleição para cargos de direção do tribunal, seja ela decorrente de provimento judicial ou administrativo.

Desse modo, impõe-se, para uma prestação mais qualificada da jurisdição pretendida, que a questão seja analisada levando-se em conta os afastamentos cautelares decorrentes tanto de decisões judiciais quanto de decisões administrativas, sem que isso importe em ampliação do objeto da Consulta, uma vez que preservados a premissa fática essencial e os contornos jurídicos da situação exposta.

Fixados esses pontos de balizas, passa-se a análise de mérito da questão suscitada.

A Lei Complementar n. 35/79 (LOMAN), em seu art. 27, §3º, prevê a possibilidade de afastamento cautelar do magistrado do exercício de suas funções, por decisão administrativa do tribunal ou de seu órgão especial na sessão em que ordenar a instauração do Processo Administrativo Disciplinar, ou mesmo no curso dele, sem prejuízo dos vencimentos e vantagens, verbis: 

Art. 27 - O procedimento para a decretação da perda do cargo terá início por determinação do Tribunal, ou do seu órgão especial, a que pertença ou esteja subordinado o magistrado, de ofício ou mediante representação fundamentada do Poder Executivo ou Legislativo, do Ministério Público ou do Conselho Federal ou Secional da Ordem dos Advogados do Brasil.

[...]

§ 3º - O Tribunal ou o seu órgão especial, na sessão em que ordenar a instauração do processo, como no curso dele, poderá afastar o magistrado do exercício das suas funções, sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens, até a decisão final.

[...] 

 

O CNJ também regulamentou a matéria por meio da Resolução CNJ n. 135/2011, nos termos seguintes: 

Art. 15. O Tribunal, observada a maioria absoluta de seus membros ou do Órgão Especial, na oportunidade em que determinar a instauração do processo administrativo disciplinar, decidirá fundamentadamente sobre o afastamento do cargo do Magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral.

[...].

§ 2º Decretado o afastamento, o magistrado ficará impedido de utilizar o seu local de trabalho e usufruir de veículo oficial e outras prerrogativas inerentes ao exercício da função. 

 

Na seara penal, o art. 29 da LOMAN autoriza o afastamento do magistrado pelo tribunal ou seu órgão especial, ainda que não exista processo disciplinar instaurado, nos termos seguintes: 

Art. 29 - Quando, pela natureza ou gravidade da infração penal, se torne aconselhável o recebimento de denúncia ou de queixa contra magistrado, o Tribunal, ou seu órgão especial, poderá, em decisão tomada pelo voto de dois terços de seus membros, determinar o afastamento do cargo do magistrado denunciado. 

 

Ainda no campo criminal, o Código de Processo Penal permite a adoção de medida cautelar de suspensão do exercício de função pública, quando verificado o risco de sua utilização pelo acusado para a continuidade da prática criminosa, verbis: 

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:

[...]

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

[...] 

 

Também a Lei n. 12.850/2013, que trata das organizações criminosas, prevê a possibilidade de afastamento cautelar de servidor público, quando houver indícios de sua participação em ação de crime organizado: 

Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

§ 1º [...]

§ 5º Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual.

[...] 

 

Portanto, o ordenamento jurídico vigente abriga a possibilidade de afastamento cautelar do magistrado de seu cargo, seja no âmbito de processo administrativo-disciplinar, seja, ainda, no âmbito criminal, este último por decisão judicial.

Necessário pontuar, a título ilustrativo, que o egrégio Superior Tribunal de Justiça - STJ tem firmado entendimento no sentido de que, não obstante o disposto no art. 29 da LOMAN, a gravidade dos fatos imputados ao magistrado e os indícios consistentes de prova na fase de investigação prévia também autorizam a medida excepcional de afastamento cautelar do cargo, mesmo antes do oferecimento da denúncia (Inq. 1088/DF, Rel. Min. Raul Araújo; Inq. 558/DF, Rel. Min. Nancy Andrigh).

E quais seriam as consequências da decretação do afastamento preventivo do magistrado?

A primeira e fundamental consequência é a de não permitir que o magistrado exerça as atribuições inerentes ao cargo, sejam elas jurisdicionais ou administrativas, preservando-se, assim, a imagem do Poder Judiciário e evitando suspeitas sobre a probidade e retidão dos seus membros.

Ainda no plano administrativo, o §2º do art. 15 da Resolução CNJ n. 135/2011 tratou de melhor estabelecer o alcance das decisões de afastamentos cautelares, explicitando que o magistrado também fica impedido de comparecer ao local de trabalho, de usufruir do veículo oficial e de “outras prerrogativas inerentes ao exercício da função”.

Nos casos de afastamentos cautelares por decisão judicial, salvo se houver ressalvas ou alargamentos estabelecidos pela própria decisão, os efeitos supressivos de direitos devem ser os mesmos aplicados aos afastamentos preventivos decorrentes dos processos administrativo-disciplinares, pois se está diante de idêntica situação jurídica.

Mas o cerne da Consulta reside no questionamento a respeito da possibilidade ou não do magistrado afastado cautelarmente participar do processo eleitoral para os órgãos diretivos do tribunal.

Inicialmente, é preciso destacar que o afastamento cautelar, no âmbito de um processo administrativo ou criminal, configura hipótese admitida de relativização do princípio da presunção de inocência, razão pela qual deve ser medida excepcional, sujeita a requisitos específicos que levam em conta a gravidade da conduta imputada e a necessidade de evitar a continuidade da eventual ilicitude ou de preservar a higidez da apuração dos fatos.

A LOMAN trata da eleição para cargos de direção dos tribunais em seus artigos 99 a 107, sendo mais específico o artigo 102. Não há disposição expressa a respeito da capacidade eleitoral passiva de magistrado afastado cautelarmente por decisão judicial ou administrativa, mas a interpretação lógico-sistemática da própria Lei Complementar 35/79, em consonância com ordem constitucional vigente, possibilita extrair-se uma solução para a questão suscitada.

Não se pode perder de vista que a hipótese trazida pelo Consulente está relacionada com o afastamento preventivo do cargo, em razão de indícios de conduta grave praticada por magistrado no exercício de sua função.

Mesmo que temporário, o afastamento cautelar suspende o que se pode denominar de direito-raiz do magistrado, que é o de exercer a função pública para a qual fora legalmente investido, no qual se inserem todas as atividades jurisdicionais e administrativas, além de outros direitos que decorrem ou dependem da condição de estar em exercício.

Daí a razão do §2º do art. 15 da Resolução CNJ n. 135/2011 estender os efeitos do afastamento cautelar para além da vedação ao exercício da função, fazendo-o alcançar também a supressão de outros direitos e prerrogativas do magistrado, tais como comparecimento ao local de trabalho, uso do gabinete, do veículo oficial e de outras garantias inerentes ao cargo. Vejamos: 

§ 2º Decretado o afastamento, o magistrado ficará impedido de utilizar o seu local de trabalho e usufruir de veículo oficial e outras prerrogativas inerentes ao exercício da função. 

 

A propósito, importante esclarecer que a LOMAN, em seu art. 27, §3º, apenas assegura ao magistrado afastado preventivamente o direito de continuar percebendo os vencimentos e vantagens do cargo. Vejamos: 

§ 3º - O Tribunal ou o seu órgão especial, na sessão em que ordenar a instauração do processo, como no curso dele, poderá afastar o magistrado do exercício das suas funções, sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens, até a decisão final.


E nem se afirme que as vantagens de que trata a norma complementar se referem a prerrogativas ou a direitos não pecuniários do cargo. O excelso Supremo Tribunal Federal - STF, em sessão plenária, no MS 28.306/DF, de relatoria do eminente Ministro Ricardo Lewandowski, decidiu que: 

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO DO AFASTAMENTO CAUTELAR. SUPRESSÃO DE VANTAGENS. INOCORRÊNCIA. SEGURANÇA DENEGADA.

[...]

IV - A exigência de motivação para instauração do processo disciplinar é a presença de indícios de materialidade dos fatos e de autoria das infrações administrativas praticadas, o que foi atendido pela decisão combatida.

V – O afastamento motivado do magistrado de suas funções, sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens, após a instauração de processo administrativo disciplinar, pode estender-se até a decisão final.

VI – As vantagens a que se refere o art. 27, § 3º, da LOMAN têm sentido pecuniário, não se confundindo com as prerrogativas inerentes ao cargo.

 VII – Segurança denegada.

(MS 28306, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 02/03/2011, DJe-057 DIVULG 25-03-2011 PUBLIC 28-03-2011 EMENT VOL-02490-01 PP-00127)

 

Portanto, torna-se forçoso concluir que o magistrado afastado cautelarmente está impedido de exercer a função pública em toda a sua extensão, na qual se insere, para aqueles que são membros efetivos de tribunais, a participação no processo de escolha dos titulares dos cargos de direção de que trata o art. 102 da LOMAN.

Para além de tudo isso, deve-se considerar que, na hipótese vertente, a capacidade eleitoral ativa e passiva está intrinsecamente vinculada ao exercício da função, que se constitui numa autêntica condição de elegibilidade. Se ao tempo do processo eleitoral o magistrado encontra-se afastado preventivamente do cargo, e, por consequência, com seus direitos e prerrogativas a ele inerentes suspensos temporariamente, salvo a percepção de vencimentos e vantagens, não há como se cogitar da possibilidade de votar e de ser votado.

Importante pontuar, ainda, que esse impedimento perdura tão somente durante o período de afastamento. Isso porque a supressão do direito de votar e de concorrer a cargo de direção dos tribunais não está relacionada ao fato de o magistrado responder a um processo administrativo-disciplinar ou criminal, pois, nesses casos, prevalece o princípio da presunção de inocência de que trata o art. 5º, LVII, da Constituição Federal.

O que enseja a impossibilidade de participação do magistrado no processo de escolha dos dirigentes dos órgãos de direção do tribunal é o seu afastamento cautelar do cargo, ou seja, a suspensão provisória do seu direito de exercer a função e de usufruir das prerrogativas a ela inerentes.

Mesmo que permaneça detentor do cargo, o magistrado que dele é afastado cautelarmente não pode praticar atos típicos da função e, tampouco, exercer direitos e atribuições próprias do seu efetivo exercício, como é o caso do direito de sufrágio de que trata o art. 102 da LOMAN.

Por certo que, uma vez cessado o afastamento preventivo, o magistrado retoma a sua capacidade eleitoral, podendo, assim, votar ou ser votado nos processos de eleição que vierem a ocorrer doravante.

Mas a questão ainda suscita outras considerações.

Se o afastamento cautelar do magistrado, mesmo sem condenação, não afronta o princípio da presunção de inocência quando presentes os requisitos legais, com maior razão a ofensa não ocorre em relação ao minus que é a suspensão provisória do direito de votar e ser votado.

Também é preciso compreender que a possibilidade legal de afastamento preventivo de magistrado no curso de processos que apuram infrações disciplinares graves ou o cometimento de ilícitos criminais tem o objetivo de preservar o interesse público, assegurando a incolumidade da apuração dos fatos ou impedindo a continuidade da prática delitiva. E sendo o interesse público o escopo dessa medida excepcional, deve ele se sobrepor a todo e qualquer interesse individual calcado em eventual direito subjetivo do acusado de participar de processo eleitoral interno do órgão colegiado que integra.

Não se pode pretender atribuir ao direito de participação do magistrado no processo de eleição interna dos tribunais a mesma dimensão conferida pela Constituição Federal ao direito de sufrágio, como direito público subjetivo e núcleo dos direitos políticos, por meio do qual é exercida a soberania popular.

O Capítulo IV da Constituição Federal, que trata dos direitos políticos, regula a participação do cidadão na vida política do Estado e da sociedade por meio do sufrágio universal, visando garantir o funcionamento hígido da democracia. A escolha de magistrados para cargos diretivos nos tribunais, por sua vez, não configura exercício de soberania popular e, tampouco, de cidadania ativa, mas mero procedimento administrativo interna corporis, que está submetido a um regramento legal específico, com possibilidade de complementação por normas regimentais internas, como bem se pode extrair do inciso I do art. 96 da Constituição Federal.

Por todo o exposto, a Consulta deve ser respondida no sentido da impossibilidade de magistrados que se encontram afastados cautelarmente de seus cargos de concorrerem às eleições para cargos de direção dos tribunais que integram como membros efetivos, enquanto perdurar esse afastamento, ressalvada determinação diversa oriunda da decisão judicial ou administrativa que os afastou.

 

4. CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, não acolhido o pedido de desistência, pelos fundamentos expostos, CONHEÇO da presente Consulta para, no mérito, respondê-la nos termos seguintes: o magistrado afastado cautelarmente do cargo, por decisão judicial ou administrativa, na forma dos artigos 27, §3º, ou 29 da LOMAN, não poderá concorrer aos cargos de direção do tribunal que integra como membro efetivo, enquanto perdurar o afastamento, salvo se de outro modo dispuser a decisão que o afastou.

É como voto.

À Secretaria Processual para as providências a seu cargo.

Brasília, data registrada no sistema.

 

LUCIANO FROTA

Conselheiro

 

Brasília, 2019-12-06.