Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0003803-49.2022.2.00.0000
Requerente: RAPHAEL BARBOSA JUSTINO FEITOSA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 


EMENTA: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. GUIAS DE PAGAMENTO. TAXA JUDICIÁRIA. DIA DE PAGAMENTO NO MESMO DIA DE EMISSÃO. COLISÃO DE PRINCÍPIOS. ACESSO À JUSTIÇA. EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. AUTONOMIA DO TRIBUNAL. MEDIDA DESPROPORCIONAL. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. 

1. o Ato impugnado pela Corte paulista cria regra que possibilita o pagamento das guias de custas judiciais apenas no mesmo dia em que foi emitida (D+0). O TJSP justificou o ato pela necessidade de racionalizar os serviços cartorários, “permitindo o controle mais efeitos do recolhimento pelas unidades judiciais”, impedindo o retrabalho dos servidores na conferência do pagamento.

2. Por outro lado, a advocacia paulista sustenta a falta de razoabilidade do ato impugnado, tendo em vista que a medida dificultaria o acesso à justiça ao criar embaraços na relação advogado e cliente, porquanto nem sempre a parte consegue pagar a guia no mesmo dia de sua emissão por razões financeiras ou até mesmo por trâmites burocráticos existentes nas pessoas jurídicas,

3. Verifica-se, portanto, um conflito entre a autonomia do Tribunal para expedir atos de fiscalização e racionalização dos trabalhos de conferência dos pagamentos das guias e o acesso à justiça, bem como o pleno exercício da advocacia.

4. Evidencia-se, assim, a existência de uma verdadeira colisão entre princípios, que demanda não só uma análise acurada da situação fática, mas também uma correta valoração das dimensões de peso e precedência a serem conferidas a cada um dos princípios contrapostos, a fim de possibilitar a prolação de uma decisão correta. De fato, se por um lado a autonomia do tribunal para organizar seus serviços configura um princípio extremamente denso no rol de normas constitucionais, por outro lado não se pode negar que o acesso à justiça e o exercício da advocacia também configuram princípios constitucionalmente previstos e que demandam a necessidade de harmonização prática, de modo que, em casos de colisão, a solução não pode ser dar a partir da lógica do tudo ou nada, mediante a declaração de invalidade de uma das normas, como se de um conflito de regras se tratasse.

5. Decorre daí que a ponderação vai sempre estar relacionada à definição de qual é a medida correta das restrições aos princípios, já que somente esta espécie de normas tem a dimensão de peso. Assim, a solução correta de uma colisão de princípios vai depender de uma análise do caso concreto, com todas as suas nuances e especificidades, sempre buscando harmonizar os princípios colidentes, impondo-se àquele que deve ceder o menor sacrifício possível. Por isso que a proporcionalidade consiste em uma regra de interpretação e aplicação dos direitos voltada a evitar que as restrições impostas aos exercícios de um direito em razão de sua colisão com outro não assuma dimensões desproporcionais, sempre diante das circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto.

6. Dessa forma, considerando que o ato do TJSP é uma medida restritiva ao direito fundamental de acesso à justiça e do pleno exercício da advocacia, a proporcionalidade da medida restritiva deverá, no caso concreto, ser analisada sob o procedimento sequencial de três etapas: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Ou seja, deve-se perquirir se a restrição é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. Nesses termos, na primeira, afere-se a adequação da restrição, isto é, se o sacrifício de um princípio é adequado para proteger o outro; em seguida, verifica-se a necessidade da restrição, ou seja, se inexiste um outro meio menos gravoso e se a restrição é suficiente; por fim, afere-se a proporcionalidade em sentido estrito, quando se efetua a ponderação propriamente dita.

7. Analisando o caso concreto, verifica-se que alguns tribunais do porte e da envergadura do TJSP concedem até 20 dias para o pagamento das guias, como é o caso do e. STJ, outros como o TJMG estabelecem prazo de 15 dias para pagamento das guias. Ademais, cabe ressaltar que os problemas enfrentados pela Corte paulista não são exclusivos, podendo acontecer também nos outros tribunais que, mesmo assim, não implementaram medidas restritivas ao ponto de determinar o pagamento da guia no mesmo dia de sua edição. Diante da comparação com outros tribunais e a possibilidade de outras opções que não sejam o pagamento no mesmo dia da emissão da guia, verifica-se que a medida adotada pelo TJSP é excessiva ao ponto de limitar o acesso à justiça e, principalmente, o pleno exercício da advocacia, de modo que, no caso concreto, as circunstâncias fáticas e jurídicas não se mostraram necessárias e, consequentemente, proporcionais.

8. Pedido julgado procedente para determinar ao TJSP que, no prazo de 45 (quarenta cinco) dias, altere seu sistema de guias para possibilitar, no mínimo, cinco dias de prazo entre a emissão da guia e o seu prazo de pagamento (D+5).

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente o pedido para determinar ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, no prazo de 60 (sessenta) dias, altere seu sistema de guias para possibilitar, no mínimo, cinco dias de prazo entre a emissão da guia e o seu prazo de pagamento (D+5). Ausentes, justificadamente, os Conselheiros Luis Felipe Salomão e Renata Gil. Ausentes, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes da Ordem dos Advogados do Brasil. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 28 de maio de 2024. Votaram em assentada anterior (sessão virtual), os Conselheiros Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson e Marcello Terto, que fixavam o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran Machado Nobre, Alexandre Teixeira, Daniela Madeira, Guilherme Feliciano, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente: pelo Requerente, o Advogado Antonio Carlos de Oliveira Freitas - OAB/SP 166.496; pelo Requerido, a Advogada Pilar Alonso López Cid - OAB/SP 342.389; e, pela Interessada Ordem dos Advogados do Brasil - Secção de São Paulo, o Vice-Presidente Leonardo Sica - OAB/SP 146.104. Manifestou-se o Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Mansour Elias Karmouche.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0003803-49.2022.2.00.0000
Requerente: RAPHAEL BARBOSA JUSTINO FEITOSA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP


 

Relatório

 

O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator):

Trata-se de Pedido de Providências (PP) proposto por Raphael Barbosa Justino Feitosa contra o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), no qual se insurge contra o Comunicado TJSP nº 89/2022, que estabelece que “a partir do dia 01/06/2022, as guias DARE emitidas no Portal de Custas, Recolhimentos e Depósitos destinadas a processos de Primeiro e Segundo Graus vencerão no dia da sua emissão (D+0), ressalvados os casos em que a emissão das guias ocorrer em dia não útil, ocasião em que o prazo para pagamento será prorrogado automaticamente para o primeiro dia útil subsequente”.

Afirma que a regra carece de razoabilidade e inviabiliza o exercício da advocacia porque, na maioria dos casos, é impossível gerar a guia e solicitar a quitação pelo cliente no mesmo dia de emissão, seja por indisponibilidade financeira ou pela necessidade de trâmites burocráticos internos em pessoas jurídicas.

Pondera que o vencimento no mesmo dia de emissão da guia é desconexo à realidade, bem como não está de acordo com as regras do Código de Processo Civil (CPC).

Ao final, requer ao “Conselho Nacional de Justiça sejam apurados os fatos acima narrados, instaurando-se competente Pedido de Providencias, para avaliar a legalidade do comunicado n. 89/2022, do TJSP, podendo, inclusive, desconstituir, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da legislação pátria e princípios da Constituição Federal.”

Inicialmente, o feito foi distribuído à Corregedoria Nacional de Justiça que determinou a livre distribuição ao Plenário (Id 4757169).

Em petição conjunta (Id 4793610), a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo (OAB/SP), a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA), o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), o Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), o Movimento de Defesa da Advocacia (MDA) e o Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro (SINSA) argumentam que a nova regra imposta dificultou o exercício da advocacia e, por meio da Petição de Id 5011511, requereram o ingresso no feito na condição de terceiras interessadas. Os pedidos foram deferidos no Id 5029572.

Regularmente intimado (Id. 4763487), o TJSP prestou informações (Id 4816271 e Id 5178849) em que defende a legalidade do comunicado atacado, tendo em vista que a Lei Estadual nº 11.608/03 determina o recolhimento da taxa judiciária no momento da distribuição. Informa que, caso a guia emitida não seja paga no dia, será cancelada, sendo possível nova emissão com novas datas de vencimento, sem acarretar prejuízo à parte. Justifica a alteração do prazo para pagamento da guia DARE para racionalizar os serviços cartorários do Tribunal, sem que houvesse renovação da conferência em 100% dos processos. Ao final, conclui que o interesse público deve prevalecer em relação ao interesse privado.

O TJSP juntou, ainda, resposta negativa da Febraban sobre a viabilidade técnica referente à alteração da sistemática de agendamentos de pagamento nas guias (Id 5154287).

O feito foi remetido ao Núcleo de Mediação e Conciliação (Numec), conforme arts. 3º, II, e 8º, caput, da Resolução CNJ nº 406/2021[1]. Realizada a audiência, a composição restou infrutífera, conforme ata juntada no Id 5157184.

Novas manifestações dos terceiros interessados no Id 5183902 e no Id 5193945, bem como do requerente no Id 5187319.

É, em apertada síntese, o relatório.  



[1] Art. 3º O Numec deverá atuar na facilitação da consensualidade em questões que, de alguma forma, abranjam:

II – processos administrativos em tramitação no CNJ de qualquer natureza e em qualquer fase de tramitação;

 

Art. 8º Os Conselheiros poderão encaminhar os processos de sua relatoria ao Numec, a qualquer tempo, de ofício ou mediante provocação das partes, oportunidade em que a Presidência designará um juiz auxiliar da presidência para atuação no feito como mediador ou conciliador.

 

 

Voto

O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator):

 

Conforme relatado, cuida-se de PP no qual o requerente e as entidades representantes da advocacia paulista requerem a desconstituição do Comunicado nº 89/2022 expedido pela Presidência do TJSP, que prevê:

 

“A Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo COMUNICA aos Senhores Magistrados, membros do Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradores, Advogados, Servidores e ao público em geral que, a partir do dia 01/06/2022, as guias DARE emitidas no Portal de Custas, Recolhimentos e Depósitos destinadas a processos de Primeiro e Segundo Graus vencerão no dia da sua emissão (D+0), ressalvados os casos em que a emissão das guias ocorrer em dia não útil, ocasião em que o prazo para pagamento será prorrogado automaticamente para o primeiro dia útil subsequente.”

 

A nova regra editada pela Corte paulista possibilita o pagamento das guias de custas judiciais apenas no mesmo dia em que foi emitida (D+0). O TJSP justificou o ato pela necessidade de racionalizar os serviços cartorários, “permitindo o controle mais efeitos do recolhimento pelas unidades judiciais”, impedindo o retrabalho dos servidores na conferência do pagamento.

Por outro lado, a advocacia paulista sustenta a falta de razoabilidade do ato impugnado, tendo em vista que a medida dificultaria o acesso à justiça ao criar embaraços na relação advogado e cliente, porquanto nem sempre a parte consegue pagar a guia no mesmo dia de sua emissão por razões financeiras ou até mesmo por trâmites burocráticos existentes nas pessoas jurídicas.

Dessa forma, o cerne da questão cinge-se em verificar se a determinação de pagamento da guia no mesmo dia da sua emissão está de acordo com os princípios e dispositivos legais que regem à Administração Judiciária.

Como é cediço, as guias servem para o recolhimento da taxa judiciária, a qual, pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF), possui natureza jurídica de taxa de serviço, devida pela utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível. Além disso, com bem alertado pelo TJSP, existem previsões no Código de Processo Civil e nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça que exigem o devido pagamento das guias na distribuição das demandas:

 

“Art. 82. Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título.”

 

Art. 1.092. A taxa judiciária tem por fato gerador a prestação de serviços públicos de natureza forense, devida pelas partes ao Estado nas ações de conhecimento, na execução, nos procedimentos de jurisdição voluntária e nos recursos, e seu recolhimento deve observar o disposto na Lei Estadual nº 11.608/2003, os atos normativos da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de São Paulo e as disposições contidas nestas Normas de Serviço.”

 

O problema, entretanto, não se encontra na data de apresentação da guia paga, mas na exigência da realização do pagamento no mesmo dia da emissão da guia, o que pode estar causando injustificável obstrução ao acesso à justiça ou inviabilizando o pleno exercício da advocacia.

Verifica-se, portanto, um conflito entre a autonomia do Tribunal para expedir atos de fiscalização e racionalização dos trabalhos de conferência dos pagamentos das guias e o acesso à justiça, bem como o pleno exercício da advocacia.

Evidencia-se, assim, a existência de uma verdadeira colisão entre princípios, que demanda não só uma análise acurada da situação fática, mas também uma correta valoração das dimensões de peso e precedência a serem conferidas a cada um dos princípios contrapostos, a fim de possibilitar a prolação de uma decisão correta. De fato, se por um lado a autonomia do tribunal para organizar seus serviços configura um princípio extremamente denso no rol de normas constitucionais, por outro lado não se pode negar que o acesso à justiça e o exercício da advocacia também configuram princípios constitucionalmente previstos e que demandam a necessidade de harmonização prática, de modo que, em casos de colisão, a solução não pode ser dar a partir da lógica do tudo ou nada, mediante a declaração de invalidade de uma das normas, como se de um conflito de regras se tratasse.

Na verdade, tratando-se de normas com a feição de princípios, a busca pela solução da colisão normativa não passa pelo campo da validade, mediante a revogação ou estabelecimento de uma cláusula de exceção, mas antes deve ser buscada através da harmonização dos princípios colidentes, por meio do balanceamento e da ponderação. Com efeito, um princípio é um mandamento de otimização, isto é, trata-se de uma norma que determina que o valor que ele carrega seja aplicado na maior medida possível, de modo que sua aplicação concreta varia de acordo com as circunstâncias fáticas e com os princípios colidentes. Por isso é que, nos casos de colisão de princípios, a solução passa sempre pela verificação, no caso concreto, de qual é a norma resultante do balanceamento.   

Na colisão de princípios, ambos os princípios colidentes são e continuarão válidos após a resolução, apenas se buscará, através da técnica da ponderação, estabelecer qual será o princípio prevalente naquele caso concreto, o que requer o balanceamento dos valores colidentes, ponderando-se as circunstâncias de modo a possibilitar que, naquelas circunstâncias concretas, seja estabelecido qual é a maior medida possível de aplicação de cada um dos princípios contrapostos, de modo que, para aquele caso, possa ser estabelecido qual princípio deve ceder e em que medida. Atente-se, entretanto, que, como afirma Alexy, isso não implica que o princípio cedente perca sua validade ou que será excepcionado, mas significa unicamente que, dadas aquelas circunstâncias concretas, um dos princípios deverá ter precedência em relação ao outro. Alteradas as condições, o resultado do sopesamento também será alterado[1].

A adoção da tese de que os princípios são mandamentos de otimização, que determinam sua realização na maior medida possível em face das circunstâncias fáticas e jurídicas, traz consigo a ideia da inexistência de direitos absolutos. De fato, se os direitos fundamentais veiculados pelos princípios são sempre deveres prima facie, cujo grau de concretização vai sempre depender não só das condições fáticas concretas, mas também de sua ponderação diante dos princípios contrapostos, tem-se que nenhum direito pode ser tido como absoluto, dado que sempre haverá algum grau de restrição a seu exercício. Decorre daí que a ponderação vai sempre estar relacionada à definição de qual é a medida correta das restrições aos princípios, já que somente esta espécie de normas tem a dimensão de peso. Assim, a solução correta de uma colisão de princípios vai depender de uma análise do caso concreto, com todas as suas nuances e especificidades, sempre buscando harmonizar os princípios colidentes, impondo-se àquele que deve ceder o menor sacrifício possível. Por isso que a proporcionalidade consiste em uma regra de interpretação e aplicação dos direitos voltada a evitar que as restrições impostas aos exercícios de um direito em razão de sua colisão com outro não assuma dimensões desproporcionais[2], sempre diante das circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto.

Na audiência de tentativa de conciliação realizada neste Conselho foram sugeridas algumas propostas ao Tribunal, como solicitar o bloqueio da função de agendamento (foi afastada pela Febraban por inviabilidade técnica), criar a guia ‘D+5’ e solicitar pesquisa à Febraban para que os comprovantes de Agendamento e Pagamento tivessem forma e aparência distintas, de modo a não tomar mais tempo dos servidores. Diante dessas possibilidades, este relator buscou a realidade de outros tribunais de grande porte, como, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) que editou o Provimento Conjunto nº 75/2018, determinando o prazo de 15 (quinze) dias de validade para as guias, in verbis:


Art. 84. O prazo de validade da GRCTJ será de 15 (quinze) dias úteis, contados a partir da emissão, ou até o último dia útil do ano corrente de emissão, o que ocorrer primeiro.

 § 1º O prazo previsto no caput deste artigo diz respeito, somente, ao documento bancário e não se sobrepõe, derroga ou modifica o prazo processual a que eventualmente esteja vinculado o recolhimento.

§ 2º O prazo de validade da GRCTJ emitida nos cálculos de custas finais será contado a partir da intimação para pagamento da obrigação.” 

 

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a matéria é regulada pela Resolução STJ/GP nº 2/2017. Apesar de não haver previsão sobre o prazo de validade da guia, é possível gerar guias eletrônicos no próprio site do STJ (conforme documento juntado no Id 5154683), sendo o prazo de pagamento de 20 (vinte) dias.

Dessa forma, considerando que o ato do TJSP é uma medida restritiva ao direito fundamental de acesso à justiça e do pleno exercício da advocacia, a proporcionalidade da medida restritiva deverá, no caso concreto, ser analisada sob o procedimento sequencial de três etapas: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Ou seja, deve-se perquirir se a restrição é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. Nesses termos, na primeira, afere-se a adequação da restrição, isto é, se o sacrifício de um princípio é adequado para proteger o outro; em seguida, verifica-se a necessidade da restrição, ou seja, se inexiste um outro meio menos gravoso e se a restrição é suficiente; por fim, afere-se a proporcionalidade em sentido estrito, quando se efetua a ponderação propriamente dita. As duas primeiras sub-regras (adequação e necessidade) referem-se à avaliação das condições fáticas da realização do princípio, ao passo que última sub-regra (a proporcionalidade em sentido estrito) diz respeito à aferição das condições jurídicas, dado que somente nessa etapa é que se poderá falar em ponderação e balanceamento de princípios colidentes.

As três sub-regras da proporcionalidade podem ser tidas como etapas necessárias à verificação da legitimidade da restrição ao princípio, posto que sua aplicação é escalonada e subsidiária, ou seja, a verificação da proporcionalidade se dá pela verificação da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito nessa ordem, de maneira sucessiva e subsidiária, de modo que somente quando satisfeita a primeira que se passa à seguinte.  

Assim, em primeiro lugar cabe ao intérprete verificar se a restrição é adequada. Se a resposta for negativa (ou seja, caso a restrição não seja apta a realizar o princípio contraposto), desde logo é possível afirmar-se que a restrição não é proporcional, sem necessidade de verificação das outras sub-regras. Portanto, somente após certificar-se que a restrição é adequada é que o intérprete passa à verificação da necessidade da medida, oportunidade em que verificará se ela é suficiente e, ao mesmo tempo, não é excessiva. Novamente, somente caso seja superada essa etapa é que passará o intérprete à fase seguinte, referente à proporcionalidade em sentido estrito.

Seguindo nesse exame, no que tange à adequação, a restrição a um princípio somente pode ser aceita caso essa restrição se preste a tutelar outro princípio. Restrições que não tenham essa finalidade podem ser desde logo descartadas como arbitrárias, produto de abuso ou mero capricho. A aferição da adequação de uma restrição é feita pela pergunta “o meio escolhido é adequado e pertinente para atingir o resultado almejado?” Se a resposta a essa questão for negativa, fica desde logo evidenciada a desproporcionalidade da restrição. Pelo que consta dos autos, o TJSP demonstrou a existência de fraudes como a utilização da mesma guia em mais de um processo, bem como a desistência do processo antes do prazo final do pagamento da guia. Some-se a isso o retrabalho dos servidores de conferir o real pagamento em decorrência das citadas situações, de modo que a medida restritiva adota pelo tribunal se mostra adequada.

Já a necessidade é provavelmente a faceta mais conhecida da proporcionalidade, pelo menos em sua vertente ligada à proibição do excesso. Neste aspecto, a necessidade está ligada à tentativa de impor-se ao princípio restringido o menor sacrifício possível, de modo que, se há mais de uma opção disponível para a tutela de um princípio mediante a restrição de outro, a escolha deve recair sobre aquela restrição que, sendo suficiente para tutelar um dos princípios contrapostos, seja a menos onerosa para o outro. A tarefa a ser desempenhada pelos juízes na apreciação da sub-regra da necessidade, portanto, requer uma argumentação positiva ou prospectiva, pois aqui o juízo não se limita a excluir do campo de possibilidades algumas alternativas, mas antes requer que o intérprete compare o ato restritivo concretamente aplicado com outros modelos possíveis, de modo a fazer um prognóstico acerca da possibilidade de se chegar ao mesmo resultado através de outros meios menos onerosos.

Novamente analisando o caso concreto, verifica-se que alguns tribunais do porte e da envergadura do TJSP concedem até 20 dias para o pagamento das guias, como é o caso do e. STJ, outros como o TJMG estabelecem prazo de 15 dias para pagamento das guias. Ademais, cabe ressaltar que os problemas enfrentados pela Corte paulista não são exclusivos, podendo acontecer também nos outros tribunais que, mesmo assim, não implementaram medidas restritivas ao ponto de determinar o pagamento da guia no mesmo dia de sua edição. Diante da comparação com outros tribunais e a possibilidade de outras opções que não sejam o pagamento no mesmo dia da emissão da guia, verifica-se que a medida adotada pelo TJSP é excessiva ao ponto de limitar o acesso à justiça e, principalmente, o pleno exercício da advocacia, de modo que, no caso concreto, as circunstâncias fáticas e jurídicas não se mostraram necessárias e, consequentemente, proporcionais.

Soma-se a isso o fato de a jurisprudência do Plenário autorizar a intervenção dos atos administrativos expedidos pelos tribunais quando constatada ilegalidade ou violação à proporcionalidade. In verbis:

 

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. DESIGNAÇÃO DE MAGISTRADOS DA RESERVA TÉCNICA PARA SUBSTITUIÇÃO EM VARAS DO TRABALHO. DIREITO À DESIGNAÇÃO POR MÓDULO MÍNIMO SEMANAL. MATÉRIA AFETA À AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS PARA ORGANIZAR SEUS SERVIÇOS AUXILIARES. ART. 96, INCISO I, ALÍNEA B DA CF. AUSÊNCIA  DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, DA IMPESSOALIDADE E DA UNICIDADE DA MAGISTRATURA, BEM COMO AOS ARTS. 5º E 37 DA CF. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO CNJ PARA CASSAR O ATO QUESTIONADO OU UNIFORMIZAR A QUESTÃO. JUÍZO DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DOS TRIBUNAIS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE E DE INOBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO JULGADO IMPROCEDENTE.

1. Cuida-se de recurso administrativo com pedido de reconsideração interposto contra decisão na qual julgou-se improcedente o PCA proposto com vistas a assegurar aos juízes da reserva técnica do TRT6 a designação por módulo mínimo semanal.

2. A definição da forma de designação dos juízes substitutos para atuação nas varas do trabalho, se de maneira pontual nos dias de audiência, se por módulo semanal ou, ainda, de qualquer outra maneira que deseje o tribunal constitui matéria eminentemente intra corporis. Inteligência da autonomia administrativa garantida aos tribunais pelos arts. 96 e 99 da CF (notadamente o art. 96, inciso I, alínea b, o qual dispõe competir aos tribunais organizar suas secretarias e serviços auxiliares).

3. Inexiste norma – lei, resolução deste CNJ ou qualquer outro tipo de ato normativo - que obrigue a que a designação dos juízes substitutos dê-se por módulo mínimo semanal.

4. As únicas obrigações a que a Administração se submete são aquelas oriundas de lei. Ainda que todos os demais TRTs tenham optado por adotar o módulo semanal, fizeram-no por mera liberalidade, dentro de um juízo de conveniência e oportunidade albergado em sua autonomia administrativa, não por obrigação. Desse fato não exsurge qualquer regra tácita de cumprimento obrigatório ou violação ao princípio da isonomia.

5. A isonomia, a impessoalidade e a unidades a serem observadas aqui são exclusivamente aquelas entre todos os membros do TRT6, posto que não se está a tratar de questão sujeita a disciplina obrigatoriamente idêntica para todos os tribunais regionais do trabalho do país, mas sim de uma questão de forma de organização dos serviços da corte, temática para a qual cada tribunal conta com discricionaridade por expressa e inconteste previsão constitucional.

6. Legalidade, isonomia, eficiência, continuidade da prestação jurisdicional, efetividade da jurisdição, duração razoável do processo, acesso à justiça ou qualquer outro princípio que se invoque, nenhum deles é superior às autonomias administrativa e financeira dos tribunais, asseguradas pelos arts. 96 e 99 da Carta da República – encontram-se todos no mesmo nível hierárquico, devendo ser interpretados e aplicados sempre de forma harmônica.

7. Ao CNJ somente é dado intervir sobre os atos administrativos praticados pelos tribunais caso constatada ilegalidade ou violação à proporcionalidade e à razoabilidade, o que não se verifica na hipótese. Precedentes.

8 (...)

12. Recurso administrativo julgado improcedente.(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0008535-10.2021.2.00.0000 - Rel. RICHARD PAE KIM - 6ª Sessão Virtual de 2023 - julgado em 05/05/2023 ).

 

Desse modo, apesar de este Conselho prezar pela autonomia dos tribunais garantida constitucionalmente, o ato impugnado criou, no caso concreto, restrição excessiva ao acesso à justiça e o exercício pleno da advocacia. Assim, conquanto a boa intenção dos gestores do TJSP para racionalizar os serviços, em decorrência da desproporcionalidade, o Tribunal deverá alterar seu sistema de guias para possibilitar, no mínimo, cinco dias de prazo entre a emissão da guia e o seu prazo de pagamento (D+5).

Diante do exposto, julgo procedente o pedido para determinar ao TJSP que, no prazo de 45 (quarenta cinco) dias, altere seu sistema de guias para possibilitar, no mínimo, cinco dias de prazo entre a emissão da guia e o seu prazo de pagamento (D+5).

É como voto.

Após as comunicações de praxe, arquive-se.

 

Brasília, data registrada no sistema.

 

 

 

Conselheiro Marcio Luiz Freitas

Relator


                         Em razão do término do mandato do Conselheiro Marcio Luiz Freitas, ocorrido após proferido este voto, mas antes da conclusão do julgamento, assino o  acórdão na condição de sucessora.


 


Conselheira Daniela Madeira

  Relatora

 



[1] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 93-94

[2] SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais no. 798, p. 23.

 

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0003803-49.2022.2.00.0000
Requerente: RAPHAEL BARBOSA JUSTINO FEITOSA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 

 

VOTO CONVERGENTE

 

Trata-se de Pedido de Providências (PP) proposto por Raphael Barbosa Justino Feitosa contra o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), no qual se insurge contra o Comunicado TJSP nº 89/2022, que estabelece que “a partir do dia 01/06/2022, as guias DARE emitidas no Portal de Custas, Recolhimentos e Depósitos destinadas a processos de Primeiro e Segundo Graus vencerão no dia da sua emissão (D+0), ressalvados os casos em que a emissão das guias ocorrer em dia não útil, ocasião em que o prazo para pagamento será prorrogado automaticamente para o primeiro dia útil subsequente”.


O feito esteve pautado na 3ª Sessão Virtual de 2024, ocasião em que pedi destaque para melhor análise do caso.


De forma resumida, a parte autora argumenta que a regra sob análise carece de razoabilidade e inviabiliza o exercício da advocacia porque, na maioria dos casos, é impossível gerar a guia e solicitar a quitação pelo cliente no mesmo dia de emissão, seja por indisponibilidade financeira ou pela necessidade de trâmites burocráticos internos em pessoas jurídicas.


O TJSP, de seu turno, justificou o ato pela necessidade de racionalizar os serviços cartorários, “permitindo o controle mais efeitos do recolhimento pelas unidades judiciais”, impedindo o retrabalho dos servidores na conferência do pagamento.


Como se percebe, o objeto do presente feito é relativamente simplório, não demandando maiores digressões.


Objetivamente, a questão posta a apreciação deste plenário é se o ato do TJSP, que passou a exigir o pagamento no mesmo dia da emissão da guia de custas, é dotado de legalidade ou não.


Verifico, do voto relator, que foi realizada pesquisa em outros Tribunais do país, a exemplo do STJ e do TJMG, ambos estabelecendo um prazo de 20 e 15 dias para adimplemento da taxa.


Nessa perspectiva, coaduno com o entendimento de que a medida adotada é excessiva ao ponto de limitar o acesso à justiça e, principalmente, o pleno exercício da advocacia, de modo que, no caso concreto, as circunstâncias fáticas e jurídicas não se mostraram proporcionais.


Embora sensível às razões expostas pelo Tribunal Paulista, notadamente quanto à necessidade de conferir maior eficiência à atividade das unidades judiciais, penso, tal como o então relator, que o ato impugnado ocasiona um ônus em demasia para advocacia e para o jurisdicionado, o que não pode ser olvidado.


Ante o exposto, acompanho, na íntegra, o voto condutor para julgar procedente o pedido e determinar ao TJSP que, no prazo de 45 (quarenta cinco) dias, altere seu sistema de guias para possibilitar, no mínimo, cinco dias de prazo entre a emissão da guia e o seu prazo de pagamento (D+5).



José Edivaldo Rocha Rotondano

 

Conselheiro